Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1004/07.8TALMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: ATOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES
AUTONOMIA VULNERÁVEL
CONCURSO DE CRIMES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO
Nº do Documento: RP201306191004/07.8TALMG.P1
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - No crime de Atos sexuais com adolescentes, tutela-se a autonomia vulnerável da sexualidade dos adolescentes numa fase em que essa autonomia já assume um certo relevo mas ainda está a sedimentar-se.
II - Está essencialmente em causa uma atividade sexual prematura do adolescente, ainda que executada com o seu consentimento, e uma conduta abusiva de aproveitamento sexual por parte do adulto.
III - À partida, a idade entre os 14 e os 16 anos não é um fator exclusivo para determinar a condição de inexperiência do adolescente, mas é um fator preponderante para essa determinação.
IV - A expressão “abusando da sua inexperiência” significa que o adulto se aproveitou da maior vulnerabilidade da autonomia do menor ou do adolescente para com ele se relacionar sexualmente.
V - Não existe uma circunstância exógena que traduza a diminuição da culpa do arguido se foi sempre ele quem procurou a vítima.
VI - Apesar de ter ficado demonstrado que a menor consentiu em relacionar-se com o arguido de modo persistente durante vários meses, não foi possível precisar o número exato dessas ocorrências, pelo que apenas podemos dar como assente aquelas que foram particularizadas.
VII – É necessária a execução da pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico designadamente quando o comportamento desviante do arguido for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais proeminentes de um Estado de Direito Democrático.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Recurso n.º 1004/07.8TALMG.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. No Processo Comum n.º 1004/07.8TALMG do 1.º Juízo do Tribunal de Lamego, em que são:

Recorrente: Ministério Público
Recorrente/Arguido: B…..

Recorrida/Assistente: C…..

foi proferido acórdão em 2012/Out./02, a fls. 569-610 que condenou o arguido pela prática, como autor material e em concurso real, de dois crimes de actos sexuais com adolescentes da previsão do artigo 174.º do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, na pena de catorze (14) meses de prisão por cada um dos crimes e de um crime de coação sexual agravada da previsão dos artigos 163.º e 177.º, n.º 4 do Código Penal, na redacção posterior à Lei 59/2007, na pena de quatro (4) anos e dez (10) meses de prisão, seguindo-se em cúmulo jurídico uma pena única de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.
Mais foi o arguido absolvido da prática de um crime de sequestro da previsão do artigo 158.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, dos crimes de coação grave da previsão do artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e dos demais crimes de actos sexuais com adolescentes previsto no artigo 174.º, do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007 e 173, nº1 e 2 da redacção actual, pelos quais se encontrava pronunciado, à excepção dos dois pelos quais foi condenado.
2.1 O Ministério Público interpôs recurso em 2012/Nov./02 a fls. 617, pedindo a condenação do arguido numa pena única de 8 (oito) anos de prisão, tendo concluído do seguinte modo:
1) A prova produzida em audiência, impunha que se desse como provado que o arguido ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável; privando a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este.
2) Os factos dados como provados nos pontos de facto 12) a 21) da matéria de facto provada do douto acórdão recorrido impunham que se desse como provados os factos aludidos agora em 1.ª, pois, das regras da experiência comum e da lógica, há que concluir que o arguido ao actuar daquela forma, o fez voluntária e conscientemente, querendo constranger a liberdade ambulatória da vítima menor, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável, privando a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela.
3) Tanto que, resulta da própria fundamentação da matéria de facto do douto acórdão recorrido, designadamente, da página 11, que, aquando da prática dos factos dados como provados nos pontos 12) a 21), a “A ofendida mencionou que disse ao arguido para a deixar ir embora, mas que este não anuiu”.
4) Pelo que estaremos, também, perante erro notório na apreciação da prova, estando colocado em causa o art. 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
5) Tal se colhe também do testemunho da vítima C...... - gravado no dia 13-09-2012, em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, num CD-R n.º 953, início da gravação contador n.º 00:00:00, fim da gravação contador n.º 00:36:45 e início da gravação contador n.º 00:00:00, fim da gravação contador n.º 00:50:02 – testemunho considerado credível pelo tribunal a quo.
6) Sendo que, quando inquirida relativamente à circunstância do arguido a ter abordado quando se encontrava a percorrer, a pé, o caminho que ligava a casa dos seus pais, à dos seus avós, que distam desta cerca de 600 metros, disse: “…um dia ia para casa da minha, paterna da parte do meu pai e depois passa um carro e pára, fiquei a olhar, ele sai e mete-me dentro do carro…”(…) “ele agarrou-me e meteu-me dentro do carro…”(…) “… parou o carro, fiquei a olhar para o carro, ele saiu do carro, pegou em mim e meteu-me dentro do carro… agarrou-me… pelas mãos assim e assim, meteu-me dentro do carro e trancou as portas e levou-me para um monte…”.Afirmou, ainda, que disse ao arguido: “eu disse “deixa-me aqui”(…) ele disse agora vais comigo… ele trancou as portas… quando chegamos eu disse: “deixa-me” (…)”. Quando, questionada se não tentou fugir, esclareceu: “… fui obrigada, agarrou-me. Como queria que eu saísse ainda estava longe de casa !!!…disse que não queria… disse que não queria…ele continuou…a estrada é pouco iluminada … não passam dois carros…”. Instada pelo Ministério Público se os seus “…braços ficaram colados ao corpo? E se “os braços dele envolviam o corpo? Os braços dele envolviam o teu corpo estando ele por trás?” respondeu: “Sim”. Quando inquirida, a instâncias da defensora do arguido, se não teve oportunidade de fugir e porque afirma não ter tido oportunidade fugir, afirmou: “Não. Porque ele trancou a porta… eu puxei o…, eu abri a porta e a porta não abria”. Questionada pela defensora do arguido porque não tentou destrancar a porta pelo fecho interior da viatura, afirmou: “na altura não destranquei, porque nem me lembrei… eu puxei pelo puxador…mas não lembrei de abrir o coisinho…”
7) Ora, parece-nos inequívoco, em face do testemunho da vítima considerado credível pelo tribunal a quo, o que nos merece inteiro aplauso, à matéria de facto dada como provada no douto acórdão recorrido, àfundamentação da mesma, e de acordo com as regras da lógica e da experiência, que se inferisse/concluísse, sem margem para dúvidas, que o arguido, ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, e que por meio da violência privou a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela;
8) Tanto mais, que o arguido se aproveitou do facto da vítima ter apenas 14 anos de idade, circular em caminho pouco iluminado e movimentado, durante a noite.
9) Assim, deve a matéria de facto constante do acórdão recorrido ser alterada de forma a ser dado como provado:
a) - Que o arguido ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável;
b) Que por meio da violência exercida privou a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela.
10) E assim ser o arguido condenado pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 2, alínea e), do C. Penal, imputado no douto despacho de pronúncia.
11) Ao não o ter feito, o acórdão recorrido violou o artigo art. 158.º, n.º 2, alínea e) do C. Penal.
12) Os pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada do douto acórdão recorrido, integram a prática de:
13) – quarenta crimes de coacção sexual, ps. E ps. Pelo artigo 163.º, n.º 1, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
14) – quatro crimes de coacção sexual agravada, ps. E ps. Pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
15) – um crime de coacção sexual agravada, p e p. pelo artigo 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro,
16) e não a prática de um só crime de coação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163.º e 177.º n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, como decidido pelo douto acórdão recorrido.
17) O douto acórdão recorrido ao considerar que os factos constantes nos pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada integram a prática de um só crime de coação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163.º e 177.º n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, violou o disposto nos artigos 163.º, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, os artigos artigo 163.º e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, e 163.º e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007 e o artigo 30.º, do CP.
18) Pois, no período que decorreu entre data incerta, mas situada em meados de 2006, quando a vítima ainda tinha 14 anos e perdurou até Outubro de 2007, o arguido sujeitou a vítima a uma persistente violação do seu direito de se determinar em matéria sexual.
19) Sempre no quadro duma situação de constrangimento da ofendida, pelos meios indicados, o arguido submeteu a ofendida a ter consigo os mais diversos contactos físicos de natureza sexual incluindo relações de cópula completa, incluído sexo anal e oral, estas, entre meados 2006 até Outubro de 2007, pelo menos uma vez por semana – cfr. Pontos 23) a 36) dos factos provados.
20) Ponderando, nessa perspectiva, os factos provados, verifica-se que as diversas condutas, praticadas, como uma períocidade semanal, entre meados de 2006 e até Outubro de 2007, descritas nos pontos 23) a 28) da matéria de facto provada, são aptas, cada uma delas, a integrar o crime de coacção sexual agravada, e que se apresentam autónomas, entre si, ou seja, em cada acto sexual, o arguido, venceu uma e outra vez as contramotivações éticas que o tipo legal de crime transporta.
21) De facto, nunca poderiam os presentes autos, integrar o instituto do crime continuado, pois no crime continuado, encontramo-nos diante de uma pluralidade de factos correspondente a uma unidade de acção.
22) Pois, o crime continuado tem como traço distintivo uma circunstância exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
23) Nos presentes autos, as circunstâncias são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar da sua intenção criminosa.
24) Foi o próprio arguido a determinar o cenário, aperfeiçoando a realidade exterior aos seu desígnios e propósitos sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo.
25) Pelo que, não se verifica uma circunstância exterior, mas sim uma predisposição anterior do agente.
26) Foi comunicado ao arguido a alteração da qualificação da “…factualidade descrita na pronúncia, nomeadamente a partir da altura que se mencionou na mesma que a C…… se recusou manter relações com o arguido e que este lhe terá dito que se não mantivesse relações com ele iria fazer o mesmo com a irmã, poderá eventualmente integrar não os crimes de acto sexuais com adolescente e os crimes de coacção grave, o primeiro no art.174.º, do C. Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro e actualmente previsto no art. 173.º, do C. Penal e o segundo previsto e punido no art. 154.º, do C.P., mas antes do crime ou crimes de coacção sexual previstos e punidos pelo art. 177.º, n.º 4 e 5, do C. Penal.” – cfr. acta de audiência e discussão e julgamento de 11-05-2012 de fls. 524 a 526 e acta de audiência e discussão e julgamento de 02-10-2012.
27) Ante o exposto, os factos dados como provados nos pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada do douto acórdão recorrido, integram a prática de:
28) – quarenta crimes de coacção sexual, ps. E ps. Pelo artigo 163.º, n.º 1, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
29) – quatro crimes de coacção sexual agravada, ps. E ps. Pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
30) – um crime de coacção sexual agravada, p e p. pelo artigo 163.º, n.º1 e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro.
31) Ainda que, não se entenda que os factos descritos nos pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada do douto acórdão recorrido, integram a pratica de quarenta crime de coacção, p e p. pelo artigo 163.º, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro; quatro crimes de coacção agravada, ps. E ps. Pelos artigos 163.º e 177.º, nº 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro; um crime de coacção sexual agravada, p e p. pelo artigo 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, mas um só crime de coacção sexual agravada de “trato sucessivo”, p. e p. pelos artigos 163.º e 177.º n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, como decidido pelo douto acórdão recorrido, a culpa do arguido deve ser tida como agravada de acordo com o número de condutas e respectiva ilicitude.
32) Assim, a pena de 14 meses de prisão que se fez corresponder a cada um dos crimes de actos sexuais com adolescentes, ps. e ps. pelo artigo 174.º, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, não é suficiente para assegurar as finalidades da punição, impondo-se uma sensível agravação da mesma, pelo que violou o douto acórdão arguido o estatuído nos art.s 40.º, n. 1 e 71.º, n.ºs 1 e 2, do C.Penal.
33) Caso colha êxito a nossa pretensão de que se dê como provado que o arguido praticou os factos na medida acima aludida, haverá que ponderar-se para determinação da medida da pena a aplicar a cada um deles as seguintes circunstâncias:
a) a vítima ter 14 anos de idade, aquando do início da conduta do arguido;
b) as condutas se terem verificado durante cerca de um ano, uma vez por semana, sob inultrapassável intimidação sobre uma criança;
i) arguido ter colocado fim à sua conduta por ter sido descoberto pela sua mulher;
ii) arguido não se mostrar arrependido;
c) negar os factos.
34) Assim, atento as molduras dos crimes em causa e os critérios estabelecidos no art. 73.º, do Código Penal, afigura-se-nos dever o arguido condenado:
i) - na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 2, al. e) do CP;
ii) - na pena de 5 anos de prisão pela prática de cada um dos quarenta crimes de coacção, ps. e ps. pelo artigo 163.º, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
iii) - na pena 5 anos e seis meses de prisão pela prática de cada um dos quatro crimes de coacção agravada, p e p. pelo artigo 163.º e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
iv) - na pena de seis anos e seis meses de prisão pela prática do crime de coacção sexual agravada, p e p. pelo artigo 163.º, n.º1 e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
v) - na pena de dezoito meses de prisão por cada um dos dois crimes de actos sexuais com adolescentes, ps. e ps. pelo artigo 174.º, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007;
35) Sendo que, numa rigorosa aplicação dos critérios de determinação da medida da pena enunciados nos arts. 71.º e 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal imporão a condenação do arguido em cúmulo dessas penas, na pena única de 8 anos de prisão.
36) Ou, caso se considere que os factos descritos nos pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada do douto acórdão recorrido, integram apenas a prática de um só crime de coação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163.º e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, sempre se dirá que se considera que as necessidades de prevenção geral e especial impunham a condenação do arguido na pena de 7 anos e seis meses de prisão.
2.2 O arguido interpôs recurso em 2012/Nov./02 a fls. 649-690, pedindo a reponderação e a atenuação das penas aplicadas, apresentando as seguintes conclusões:
1.º) O princípio basilar do processo penal é a presunção de inocência prevista na Constituição da República Portuguesa no seu art.º 32º nº2, pelo que levantada razoável dúvida sobre quaisquer elementos relativos ao crime cuja autoria se procura determinar ou ao apuramento da responsabilidade, impera sempre o princípio in dubio pro reo, ou seja, a sua resolução será sempre a favor do arguido, não tendo este em momento algum beneficiou desta garantia processual (1-3)
2.º) Diz o acórdão ora recorrido no ponto III – Convicção do Tribunal “o Tribunal na fixação da matéria de facto teve em conta a versão relatada em audiência de julgamento pela assistente C….., sendo que a factualidade dada como assente traduz, precisamente, aquilo que a mesma nos relatou”, acrescentando, “tal versão nos mereceu toda a credibilidade, apesar de obviamente, atento o tempo decorrido desde a prática dos factos, já existirem alguns pormenores que a mesma não conseguiu precisar e outros que a mesma já demonstra alguma confusão, nomeadamente no que tange à ordem dos factos” (4, 5);
3.º) O depoimento da assistente não foi espontâneo, sendo o Tribunal a colocar-lhe as respostas nas perguntas ou insistindo para que a assistente respondesse de acordo com a matéria constante da pronúncia ou conforme o depoimento que prestara anteriormente, porquanto por deficiência da gravação foi necessário repetir-se o depoimento da assistente (6);
4.º) E se havia passado muito tempo sobre os factos e isso atenuava a falta de pormenores ou confusão da assistente, já o mesmo não sucedeu entre ambos os depoimentos pelo que a única possibilidade de ambos não serem coincidentes era por não corresponderem à realidade (7);
5.º) O tribunal, na ânsia de condenar, não ponderou esta falta de espontaneidade, esta incoerência de histórias, tanto mais que os factos em causa são factos marcantes na vida de qualquer adolescente, pelo que não seria possível esquecê-los ou confundi-los. Uma jovem que se diz virgem não esquece a primeira vez, não confunde o local onde ocorre, nem quando ocorre (8);
6.º) Por outro lado, o Tribunal desvalorizou por completo toda a prova produzida que pudesse pôr em causa a versão atrapalhada da assistente, numa clara atitude de desprezo pelo arguido e pelos seus direitos (9);
7.º) É do conhecimento geral a dificuldade de obtenção da prova num caso de abuso sexual em que apenas podemos confrontar a versão da vítima com a do abusador (10);
8.º) Mas esta não é a situação dos autos pois que na versão dada pela assistente que, como já se referiu formou a convicção do Tribunal, o relacionamento terá ocorrido em espaço devidamente localizado, no meio de uma pequena povoação em que tudo se vê e tudo se sabe, que implicava a deslocação quer do arguido quer da assistente até ao referido espaço, alegando ainda a assistente que o arguido até se terá deslocado à Escola que a mesma frequentava e que o relacionamento terá perdurado por quase dois anos, com encontros alegadamente semanais (11);
9.º) Ora, em tal contexto haveria de surgir uma prova sólida, rodeada de corroborações periféricas de carácter objetivo que corroborasse as declarações da alegada vítima e o Tribunal bastou-se com estas (12);
10.º) Sucede que estas declarações enfermam de graves contradições, graves faltas de memória, graves esquecimentos de circunstâncias acessórias, graves equívocos espaciais e temporais, num discurso ilógico que tem uma nula ou baixíssima probabilidade de relatar a verdade (13);
11.º) Não se trata como diz o acórdão de “alguns pormenores que a mesma não conseguiu precisar e outros que a mesma já demonstra alguma confusão, nomeadamente no que tange à ordem dos factos” (14);
12.º) Após encerramento do inquérito, (primeira versão dos acontecimentos com base nas declarações da assistente) foi o arguido acusado de “Em data e hora não concretamente apuradas, mas situada no mês de Setembro de 2005, o arguido contactou o número móvel de C...... e combinou encontrar-se com a mesma no armazém que havia construído para os seus pais”, sendo-lhe imputado um primeiro relacionamento sexual com a assistente. Posteriormente, “em data e hora não concretamente apurados, mas situada em Outubro de 2006, o arguido….”, um ano e um mês depois, é-lhe imputado um segundo relacionamento sexual com a assistente (15);
13.º) Inconformado, o arguido requereu abertura de instrução, porquanto o armazém referido pela assistente nem sequer existia à data em que a mesma situava o início dos alegados factos (16);
14.º) Foi produzida prova, e resultou pronunciado (segunda versão dos acontecimentos com base nas declarações da assistente) por “ “Em data e hora não concretamente apuradas, mas situada no mês de Outubro de 2006, o arguido contactou o número móvel de C...... e combinou encontrar-se com a mesma no armazém que havia construído para os seus pais”, sendo-lhe imputado um primeiro relacionamento sexual com a assistente, e depois “Em data e hora não concretamente apurados, mas situada em Outubro de 2006, o arguido….”, no mesmo mês, é-lhe imputado um segundo relacionamento sexual com a assistente (17);
15.º) Ora, na acusação, formulada com base nos indícios produzidos em Inquérito mediou mais de um ano entre as duas situações. Ora, sem qualquer novos indícios que o sustentasse, passou a situar-se a segunda situação no mesmo mês: Outubro de 2006 (18);
16.º) Apesar da falta de sentido da pronúncia, o arguido ficou convicto de que em julgamento veria a sua inocência reconhecida, mas afinal a assistente depõe e surge com uma versão completamente diversa dos acontecimentos quer em questões temporais quer espaciais (19);
17.º) E acabou condenado, dizendo-se no Ponto III do primeiro acórdão, exatamente o mesmo que no segundo, ou seja, “o Tribunal na fixação da matéria de facto teve em conta a versão relatada em audiência de julgamento pela assistente C......, sendo que a factualidade dada como assente traduz, precisamente, aquilo que a mesma nos relatou” (20);
18.º) E depois acrescenta “tal versão nos mereceu toda a credibilidade, apesar de obviamente, atento o tempo decorrido desde a prática dos factos, já existirem alguns pormenores que a mesma não conseguiu precisar e outros que a mesma já demonstra alguma confusão, nomeadamente no que tange à ordem dos factos” (21);
19.º) E a versão era (terceira versão dos acontecimentos com base nas declarações da assistente) que em dia não concretamente apurado mas situado em finais 2005 e Janeiro de 2006, “Já com a menor dentro da carrinha o arguido assumiu o lugar do condutor e tripulou a mencionada carrinha em direção a uma mata existente na Póvoa”, sendo-lhe imputado um primeiro relacionamento sexual com a assistente, e depois em meados de 2006, a ofendida aceitou encontrar-se com o arguido, tendo ficado de ir ter com ele a um armazém, que o mesmo andava a construir, e onde mais tarde implementou a sua casa de habitação e é-lhe imputado um segundo relacionamento sexual com a assistente. (22);
20.º) Foi ordenada a reabertura da audiência de julgamento e a repetição dos referidos depoimentos e a assistente depõe e consegue apresentar a quarta versão dos acontecimentos (23);
21.º) Mas o que é grave é que apesar de tudo isto, “o Tribunal na fixação da matéria de facto teve em conta a versão relatada em audiência de julgamento pela assistente C......, sendo que a factualidade dada como assente traduz, precisamente, aquilo que a mesma nos relatou”, conforme acórdão agora colocado em crise. E depois acrescenta “tal versão nos mereceu toda a credibilidade (24);
22.º) Ora, não é isto que decorre de todo o interrogatório levado a cabo pela Meritíssima Juiz durante o Julgamento (em depoimento prestado pela assistente em 13 de Setembro de 2012) quando proferiu as expressões que se transcreveram, a título de exemplo, na motivação a este respeito, e que nos abstemos de repetir (25);
23.º) Tais expressões demonstram a falta de credibilidade do depoimento e a falta de certeza com que o próprio Tribunal encarou as declarações da assistente. De facto todo o depoimento inquina desta incerteza por parte do tribunal, não se percebendo como pôde depois dar como provados a maior parte dos factos constantes do acórdão com base apenas neste depoimento e, existindo, nalguns casos, prova em contrário, nomeadamente documental conforme se demonstrará (26);
24.º) Concretizando os pontos da matéria de facto que se consideram incorretamente julgados: Alínea 3) dos factos provados: O arguido foi a primeiro a ser ouvido em audiência de julgamento e questionado sobre os factos constantes da pronúncia em depoimento prestado no dia 29 de Fevereiro de 2012, com inicio pelas 10h30m 18s (desconhecendo que afinal já não eram os mesmos que estavam em causa, pois que, posteriormente ao seu depoimento, é que foi ouvida a assistente com a nova versão dos factos), relatou ao Tribunal com convicção a data em que construiu o armazém para os pais da ofendida, quando começou a frequentar a casa da assistente e por que motivo, conforme transcrição constante da motivação (27);
25.º) E resulta das suas declarações, claras e convictas, que o armazém foi construído entre Maio e Junho e que foi nesse período de tempo que frequentou a casa da assistente para discutir aspetos relacionados com os materiais necessários para a construção. Estes factos, situa-os em 2006 (28);
26.º) E resulta realmente de documentos juntos aos autos, nomeadamente as faturas dos materiais adquiridos pelo pai da assistente, que os mesmos foram adquiridos no final do Mês de Fevereiro de 2006 (29);
27.º) Não se entende que para construção de tão pequena obra, durou um mês a construção (facto que não é contrariado com nenhuma outra prova), tirasse o Tribunal a ilação de que tais negociações teriam tido início em 2005, tanto mais que o depoimento da assistente nesta matéria é confuso, e os depoimentos da mãe e irmã (valem o que valem, pois são depoimentos interessados e são decorrentes das várias versões dos factos apresentada pela assistente) (30);
28.º) A assistente logo no início do seu depoimento, supra transcrito, situa o início da frequência do arguido na sua casa na altura da construção do armazém dos pais, ou seja, em 2006. Dando credibilidade ao que havia sido afirmado pelo arguido quanto a essa matéria, ou seja, de que realmente frequentou a casa da assistente no período da construção do armazém (31);
29.º) Posteriormente num depoimento completamente baralhado e confuso veio situar o início dos factos em 2005 sem qualquer convicção, afirmando ora meados do ano (em que ainda nem completara os 14 anos), ora, na sequência das perguntas do Tribunal em Setembro/ Outubro (em que também não completara os 14 anos), quando começara por referir no seu depoimento que os factos se passaram quando tinha 14 anos (32);
30.º) Ora, não podemos conformar-nos que o tribunal dê como provado que o arguido tenha começado a frequentar a casa da assistente desde 2005 com base em prova tão ténue, conforme excertos do depoimento da assistente sobre este facto transcritos na motivação (33);
31.º) A prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com a prova documental impunha ao Tribunal situar o início da frequência da casa da assistente na altura da construção do armazém dos pais, ou seja, em 2006, e com o propósito de ajustar preço e materiais para a construção do referido armazém, o que se requer (34);
32.º) Questionado o arguido sobre a obtenção do contacto móvel da assistente, mais uma vez clara e consistentemente disse não ter sido ele a iniciar qualquer contacto com a menor, mas sim esta a contactá-lo, deu uma explicação plausível para que esta obtivesse o seu contacto e explicou o conteúdo dos contactos desta para com ele, vide transcrições na motivação (35);
33.º) Questionada a menor sobre esta matéria disse a mesma que os contactos se tinham concretizado por iniciativa do arguido mas não soube explicar como é que este havia obtido o seu número, vide transcrições na motivação (36);
34.º) Ora, atento o contexto dado por ambos para a presença do arguido na casa da assistente, ou seja, para negociações para a construção de um armazém para os pais, é perfeitamente verossímil que o arguido tenha fornecido o seu número de telemóvel ao pai da assistente, bem como é perfeitamente verosímil que tenha deixado a este um cartão com os seus contactos. Por ambas estas vias, ou seja, através do telemóvel do pai ou através do cartão, era acessível o número à menor (37);
35.º) Já a acessibilidade do número da assistente ao arguido estava condicionada. Atualmente, ditam-nos as regras da experiência, os adolescentes usam telemóveis com cartões recarregáveis (e era, a situação dos autos, a própria assistente fala em carregamentos no seu telemóvel), cartões, esses, cujo proprietário não se encontra identificado nas operadoras, se aí pretendermos, através do nome, obter o referido número, apenas localizáveis muitas vezes através dos carregamentos bancários e cuja informação nestes termos não é fornecida a qualquer particular por nenhuma operadora (38);
36.º) Não se vislumbra nem se fez qualquer prova nos autos de como poderia o arguido obter tal contacto, pelo que a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência de vida, impunha ao Tribunal dar o benefício da dúvida ao arguido, que foi claro, conciso e coerente, e dessa forma não podia dar como provado o facto de que este havia obtido o número de telemóvel da assistente, o que se requer (39);
37.º) Mais refere a referida Alínea 3) dos factos provados: “passando a manter com a menor algumas conversas por esta via ou trocando com a mesma mensagens, em que dizia que gostava dela e que tinham de se encontrar”, ora, na sequência e no pressuposto do sobredito, ou seja, que os contactos entre ambos se iniciaram na altura da construção do armazém, e que o mais verosímil é ter sido a assistente a obter o número do arguido, resulta coerente que o conteúdo de tais contactos tenha sido no contexto que refere o arguido (vide declarações na motivação), ou seja, a assistente a solicitar a presença deste na casa dos pais (40);
38.º) A única a referir que o conteúdo das mensagens era no sentido de o arguido dizia que gostava dela e com ela se queria encontrar é a assistente, não havendo nos autos qualquer outra prova que sustente tal afirmação, pelo que, atendendo a todo o contexto, mais uma vez deveria ter o arguido beneficiado da dúvida, não podendo tal facto, com tão ténue prova, sido dado como assente (41);
39.º) E não é verosímil que a irmã D...... tenha visto o conteúdo das mensagens, pois generaliza para a expressão “Olá linda, gostava de estar contigo outra vez”, mas de seguida, afirma logo que “as mensagens ficaram na Proteção de Menores” (05m00s), e o que é certo, é que o expediente da Comissão está nos autos e nada consta sobre as referidas mensagens (42);
40.º) Além do arguido e da assistente, tendo em conta que o depoimento da irmã, pela razão aludida, não demonstra isenção nem credibilidade, a única pessoa a visualizar ma das mensagens foi a mulher do arguido (vide declarações na motivação) e também ela confirma que o conteúdo não era o referido pela assistente mas sim a chamar o arguido a sua casa, tal como este também relata (43);
41.º) Ora mais uma vez a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência de vida, impunha ao Tribunal dar o benefício da dúvida ao arguido, não dando como provado o referido conteúdo das mensagens por falta de suporte suficiente para tal, o que se requer (44);
42.º) Assim e concluindo quanto a este ponto concreto da matéria de facto, a Alínea 3) dos factos provados, a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com a prova documental impunha ao Tribunal apenas situar o início da frequência, por parte do arguido, da casa da assistente na altura da construção do armazém dos pais, ou seja, em 2006, e com o propósito de ajustar preço e materiais para a construção do referido armazém. Não podendo dar como assente mais nenhum facto por falta de prova que o sustente (45);
43.º) Alínea 4) a 10) dos factos provados: Os factos elencados nestas alíneas têm um determinado encadeamento razão pela qual a impugnação de uns implica a impugnação dos restantes e encerram desde logo em todos eles o pressuposto da existência, a essa data, de determinado local, ou seja, o armazém do arguido (46);
44.º) Entendeu o Tribunal que, depois da primeira audição da assistente, o arguido, e nas palavras do acórdão “à falta de melhor argumento, passa por tentar descredibilizar o seu depoimento tentando demonstrar que só muito mais tarde é que a obra foi feita, ou seja, que tal construção só foi efetuada em finais de 2007, juntando para tal vários documentos e indicando testemunhas” (47);
45.º) Ora, o Tribunal sabe que os factos imputados ao arguido e constantes da acusação se situavam em data não concretamente apurada do ano de 2005 e localizados no armazém do pai da assistente, que veio a provar-se até documentalmente, só foi construído em 2006, confirmando-se a defesa do arguido de que o local em que lhe eram imputados os factos não existia (48);
46.º) Não se tratou portanto de mero argumento, tratou-se de carrear aos autos elementos probatórios concretos e inabaláveis da inexistência de determinada construção, e que procederam numa fase processual em que “na dúvida leva-se a julgamento” (49);
47.º) A assistente, em julgamento, querendo novamente situar os factos em 2005, veio dizer que afinal não era o armazém do pai mas sim o do arguido. E isto obrigou o arguido a carrear novamente para os autos prova quer documental, quer testemunhal, de que mais uma vez o local não existia. Não se tratou de falta de melhor argumento, nem de estratégia. Os documentos não mentem e as testemunhas, projetistas e engenheiros de obras não têm interesse no processo que justifique a atitude de completo descrédito que o tribunal lhes atribuiu (50, 51);
48.º) O arguido foi o primeiro a ser ouvido em julgamento e, como já se disse, ainda sem saber que o local dos pretensos factos mudara, falou descontraída, coerente e concisamente das obras que teve naquele lugar (conforme declarações constantes da motivação) (52);
49.º) O seu depoimento nesta parte tem de merecer crédito até porque o mesmo não tem o dom da adivinhação e portanto quando falou das restantes construções, o que a Meritíssima Juiz até achou de nenhum interesse e quase não quis ouvir, não imaginava a reviravolta que ia surgir com o depoimento da assistente. E foi claro e espontâneo ao dizer que depois de tudo, do armazém, do tanque e da outra vivenda em 2007, começou a vivenda dele (53);
50.º) A mulher do arguido, a testemunha E......, confirmou que a construção da sua casa se iniciou em 2007 e que por altura do Natal a foi habitar (conforme declarações transcritas), presumindo o Tribunal que a mesma se encontrava pronta, mas presumiu mal pois interrompeu o depoimento sem deixar concluir a resposta da testemunha, e teceu uma série de considerações nesse sentido, que transmitiu para o acórdão nos seguintes termos “como se fosse normal começar-se a construir uma casa de raiz em Agosto e já estivesse pronta a habitar em Dezembro seguinte”, e não deve ter ouvido que depois de tais considerações precipitadas a testemunha referiu com que só estavam prontos uma casa de banho, dois quartos estava por rebocar e em tijolo (54);
51.º) Portanto, para credibilizar a assistente e descredibilizar tudo quanto mais se levou a julgamento, o Tribunal só ouviu o que quis, e o que lhe interessava num claro propósito de que a sua convicção não dependia da prova, mas que já estava ab initio formada no sentido de condenar o arguido fosse como fosse (55);
52.º) A testemunha F......, vizinho da assistente, bem como a testemunha G......, projetista e desenhador vieram também confirmar (transcrição na motivação) que o referido armazém do arguido só foi construído em 2007,quando se procedeu á construção da habitação e que pelo Natal a obra não estava concluída, tal como havia sido referido pela mulher do arguido, a testemunha E......, sendo que o tribunal não atendeu minimamente ao depoimento desta testemunha (56);
53.º) E ainda, a testemunha Eng.º H......, Engenheiro responsável pela obra, que também veio também confirmar (transcrição na motivação) que o referido armazém do arguido só foi construído em 2007, quando se procedeu á construção da habitação, sendo que o tribunal também não atendeu minimamente ao depoimento desta testemunha (57);
54.º) Qualquer destas testemunhas não tinha qualquer interesse no processo, um vizinho e dois técnicos, e os depoimentos foram completamente desvalorizados, mostrando o Tribunal uma atitude completamente hostil em relação às testemunhas, preferindo basear a sua convicção no depoimento interessado, contraditório e incongruente da assistente, cujas frases que mais repetiu durante o mesmo foram “Eu não sei” ou “eu já não me lembro” (58);
55.º) E mais, juntou o arguido aos autos prova documental, que não pode ser afastada sem mais, e nos termos da qual o arguido adquiriu em 25 de Agosto de 2006, 6/14 do prédio, onde edificou o armazém e a sua habitação, a I...... (59);
56.º) Esta parcela apenas veio à propriedade da então vendedora, a referida I….., em 14 de Junho de 2006, na sequência de uma partilha (60);
57.º) Ora, como pode o tribunal concluir que o arguido tinha a posse do prédio desde 2005, se quem lho vendeu apenas o adquiriu em Junho de 2006, e adquiriu apenas uma parcela, e até então o prédio era na totalidade pertença da herança de J….. e K….(61);
58.º) Ora, se a referida I......até junho de 2006 nem sequer era dona do prédio, ou de qualquer parte dele, como o poderia vender ou dar a posse do mesmo, ainda que de boca? Não faz qualquer sentido (62);
59.º) No entanto, o tribunal entendeu, mais uma vez em violação de todas as garantias do arguido, que estavam reunidos os elementos da posse (não sabemos como justifica essa situação com base apenas no depoimento da assistente) e desacreditou completamente prova documental (63);
60.º) Ora, mais uma vez, a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência de vida, impunha ao Tribunal dar o benefício da dúvida ao arguido, não dando como provada existência do armazém do arguido desde 2005, por falta de suporte factual suficiente para tal, o que se requer, porquanto, várias testemunhas, não envolvidas diretamente nos alegados factos, afirmaram o contrário (64);
61.º) Quanto à demais matéria de facto contida nas alíneas 4) a 9): Conforme consta do acórdão, o Tribunal formou a sua convicção apenas e tão só no depoimento da assistente que não teve encadeamento, coerência e mostrou-se repleto de esquecimentos, discrepâncias e contradições. Graves, muito graves. As expressões constantes da assistente foi “não sei”, “já não sei”, não me lembro”, já não me lembro” (65);
62.º) E há coisas que não se esquecem, nomeadamente a primeira vez que se tem relações sexuais, como diz, e bem, a Meritíssima Juiz aquando do depoimento da assistente, principalmente no contexto em que a assistente coloca os alegados factos (66);
63.º) O tribunal deu como assente que a primeira relação sexual entre assistente e arguido ocorreu nos termos das alíneas supra referidas e fê-lo porque ficou com a convicção generalizada de que algo se passou entre ambos e teria de situar essa primeira relação algures no espaço e no tempo, não porque tal convicção resultasse do depoimento da assistente (ver transcrição na motivação), mas porque para fundamentar tal convicção só dispunha do referido depoimento e de nada mais (67);
64.º) E preferiu violar a regra preciosa de que levantada dúvida razoável impera o sempre o princípio in dúbio pro reo do que aplicá-la, pois a prova produzida em audiência de julgamento quanto a estes factos concretos imputados ao arguido, e que consistiu apenas no depoimento da assistente (nos termos e condições supra expostos, e com o pressuposto da inexistência do armazém), impunha ao Tribunal dar o benefício da dúvida ao arguido, não dando como provado que o arguido tenha marcado qualquer encontro com a assistente, que a C...... se tenha deslocado ao armazém, que no mesmo tenha ocorrido uma relação sexual entre ambos e que essa relação tenha sido a primeira relação sexual da C......, o que se requer (68, 69);
65.º) Alínea 11) a 27) dos factos provados: A convicção do tribunal para esta matéria factual formou-se com base, única e exclusivamente no depoimento da assistente (já transcrito) e que, no nosso entender, é manifestamente insuficiente pelos motivos apontados em II, sendo porque a assistente não tem certezas, contradiz-se e oscila conforme o que lhe é questionado, quer porque muitos dos facto aí contidos são colocados pelo Tribunal “na boca da assistente”, não resultando de um depoimento espontâneo desta (70);
66.º) Desde logo o facto contido na al. 11) nunca foi mencionado espontaneamente pela assistente. Conforme consta da transcrição supra foi o Tribunal que fez essa afirmação e depois perentoriamente colocou a questão, obtendo uma resposta pouco convicta da assistente, bem como nunca no seu depoimento a assistente menciona o facto de ter sido colocada no banco de trás, nunca menciona beijos no pescoço nunca menciona que lhe foi apalpado o rabo, conforme contido na al.16) (transcrição constante do ponto II da motivação) (71);
67.º) São estas imprecisões do acórdão que nos levam a crer no que já afirmámos antes: A convicção do Tribunal formou-se sem prova suficiente produzida em audiência para sustentar tal convicção, e com tal não pode o arguido conformar-se e mais uma vez impunha-se ao tribunal não dar como provados os factos ora em crise por falta de prova que os sustente, o que se requer (72);
68.º) Quanto ao facto vertido na al. 28), Admite-se que em 27 de Outubro de 2007 a Assistente realizou raspagem uterina em consequência de um aborto incompleto. Facto documentado nos autos (73);
69.º) Factos constantes das alíneas 29) e 30: Mas já se não admite que tal tenha sido consequência direta de uma relação sexual com o arguido, pois, da maneira como a assistente configura os alegados factos atinentes a esta situação, o que seria de esperar era que fosse relatada ao hospital tal situação, procedendo este em conformidade (74);
70.º) Aliás como resulta do documento hospitalar de fls. 37 dos autos terá sido questionada a assistente sobre a proveniência da gravidez. Pois só assim tem sentido que do relatório conste a expressão “Não ter sido referido qualquer dado indicador de hipotética situação criminal”. Caso, tivesse sido feita tal descrição o hospital de imediato guardaria o produto da raspagem para teste de paternidade (75);
71.º) E só podemos concluir que foi omitida ao hospital a situação alegada pela assistente, porque a mesma nunca sucedeu mas havia que imputar a paternidade a alguém, e graças ao facto da mulher do arguido se ter dirigido a sua casa por ter visto a mensagem no telemóvel, dava jeito que fosse o arguido (76);
72.º) E o que é certo, é que no depoimento supra transcrito da assistente, esta afirma que se encontrava com o arguido semanalmente, mas a sua irmã (transcrição na motivação) diz que a mesma saía à noite “dia sim, dia não e até aos fins-de-semana”. Perguntamo-nos: Ia para onde? E com quem?” (77);
73.º) Ora, como podemos imputar a gravidez ao arguido sem qualquer teste e como podemos dar como assente que a assistente nunca tinha tido qualquer relacionamento sexual, além do mantido com o arguido, se apenas temos a palavra desta e, tanto mais que, a mesma nem se lembra da primeira vez (78);
74.º) Mais uma vez impunha-se ao tribunal não dar como provados os factos constantes das alíneas 29) e 30) por falta de prova que os sustente, o que se requer (79);
75.º) Alínea 31): A assistente foi observada pela Psiquiatra Dra. L…., uma única vez, em consulta em 14/12/2007, enviada pelo Dr. M….., ao que se supõe, médico de família (80);
76.º) Segundo o depoimento da mesma (transcrição na motivação), foi à consulta acompanhada pela mãe, falava muito pouco, na altura com 16 anos, e não estava claramente à vontade. Foi a mãe quem forneceu os elementos à médica, supomos (já que a C...... falava muito pouco), nomeadamente dizendo o que interessava (81);
77.º) Só a medicou porque havia alguma ansiedade relacionada com reação de ajustamento na sequência do aborto que valorizou mais do que qualquer relacionamento sexual (82);
78.º) Quer a mãe, quer a C...... não mencionou qualquer ideação suicida. Nem a médica tirou qualquer ilação nesse sentido, nem avaliou sequer que existisse, ou tivesse existido, qualquer comportamento da C...... que indicasse predisposição para ideias suicidas (83);
79.º) Nem fez qualquer ligação entre as condutas imputadas ao arguido e a possibilidade de tal ideação. E pela maneira como a assistente falou, referiu a médica, não pareceu um quadro clínico grave, apenas alguma ansiedade, o que não é de estranhar, porquanto tinha realmente abortado (84, 85);
80.º) Também não se retira deste depoimento qualquer facto que permita concluir que a assistente esteve medicada durante meio ano (86);
81.º) Também o depoimento da pedopsiquiatra, Dra. N….. (transcrição na motivação), não tem, em si, qualquer elemento que permita ao Tribunal concluir que “igualmente como consequências das relatadas condutas do arguido, a menor teve ideação suicida, tendo sido acompanhada por médico psiquiatra e medicada durante cerca de meio ano para tal” (87);
82.º) Aliás, com base nos elementos clínicos fornecidos por esta médica resulta que a assistente realmente teve um quadro clínico de alguma ansiedade, mas em três semanas apresentava-se melhor, e tal ansiedade derivava do facto de se sentir alvo de comentários na aldeia e não de qualquer relacionamento sexual. A médica é bem clara quanto a este aspeto (88);
83.º) Atribui alguma relevância ao facto da C...... ter abortado, o que é sempre um facto traumático, mas não atribui, no contexto, em que lhe transmitiram os factos e do que observou, qualquer relevância ao relacionamento sexual (89);
84.º) Não relata qualquer quadro clinico grave, não detecta ideação suicida nem predisposição para tal, nem indica por quanto tempo deveria a assistente manter a medicação (90);
85.º) E a assistente não mais lá voltou. Pensamos que será porque não teve necessidade, atento o depoimento ora transcrito, estava melhor e não temos dados para concluir que tivesse piorado (91);
86.º) E não vinga a tese da falta de dinheiro para as consultas, porquanto é sabido pelo cidadão comum que quem tem ideação suicida é sujeito a internamento e a medicação adequada e posterior acompanhamento psiquiátrico disponível nos hospitais públicos, o que poderia ter sido pedido pelo médico de família. Pelo que, se o não fez, foi, assim dita a experiência, porque não concluiu que fosse esse o quadro clínico da assistente (92);
87.º) São estes, e apenas estes, os elementos médicos constantes dos autos e é com base nestes elementos que o Tribunal tira a conclusão vertida na alínea 31 (conforme vertido no acórdão na convicção do tribunal), e que são manifestamente insuficientes para tal, não podendo o arguido conformar-se mais uma vez com a parcialidade com que foi julgado (93);
88.º) Aliás estes elementos clínicos assumem também particular relevância em relação aos factos dados como provados e constantes das alíneas 13, 23, 26, 35 e 36. Pois, a simplicidade do diagnóstico médico e ênfase dada ao facto do que o que causou tal diagnóstico foi, em primeiro lugar o facto de a assistente ser alvo de comentários por ter abortado, e em segundo lugar o aborto em si, não sendo dado relevo a qualquer relacionamento sexual subjacente, só nos pode levar a concluir, e tal conclusão impunha-se também ao Tribunal que os factos vertidos nessas alíneas não poderiam corresponder à verdade, o que se requer (94);
89.º) Se a assistente tivesse sido trancada num carro contra a sua vontade e nessa sequência sujeita a relações sexuais, se a assistente tivesse sido ameaçada de que se não tivesse tais relações, o arguido faria o mesmo à irmã, isto durante meses, se tivesse sido vitima de constrangimento e tivesse sentido realmente medo que o arguido causasse qualquer tipo de mal, nomeadamente à irmã, o seu quadro clínico não seria de uma mera ansiedade, e muito menos, essa ansiedade derivaria do facto de falarem dela no povo. Isso não faz qualquer sentido (95);
90.º) Não existem quaisquer outros elementos clínicos nos autos que contrariem os ora mencionados, pelo que deveriam estes ter relevado, pois são elementos técnicos, de testemunhas com completa isenção e são concretos: não existia qualquer trauma de relevo na assistente que pudesse indiciar que realmente passara pelos factos que descreveu, não existia qualquer trauma com qualquer tipo de relacionamento sexual (96);
91.º) Impunha-se ao tribunal perante isto questionar-se seriamente sobre a veracidade do relatado (um relato que como já dissemos é demasiado inconsistente e incoerente) pela assistente e respeitar o mais elementar dos princípios, já aqui muito referido, do “in dúbio pro reo”, o que se requer (97);
92.º) Quanto ao vertido na alínea 32): Formou o Tribunal a sua convicção, conforme consta do acórdão, com base nas declarações da assistente (transcritas na motivação), o que em nosso entender é manifestamente insuficiente, nem faz qualquer sentido o arguido estar a discutir preços para uma obra e, sem que nada o justifique, pergunte a idade da assistente (98);
93.º) Parece-nos que, mais uma vez, o tribunal se precipita quando conclui e dá como provado com base em tão parca e inverosímil explicação que o arguido tinha perfeita noção da idade da vítima, pelo que se impunha ao Tribunal não dar como provado este facto, o que se requer (99);
94.º) Quanto ao vertido nas alíneas 33) a 38): São as mesmas conclusões do tribunal retiradas pelo constante das alíneas anteriores e aqui já impugnadas, pelo que não procedendo as anteriores, decaem todas estas por consequência do não procedimento das anteriores, apenas se ressalvando quanto às alíneas 35) e 36) o já dito nos art.º 94º a 96º destas conclusões (100);
95.º) Impunha-se ao tribunal perante isto questionar-se seriamente sobre a veracidade do relatado (um relato que como já dissemos é demasiado inconsistente e incoerente) pela assistente e respeitar o mais elementar dos princípios, já aqui muito referido, do “in dubio pro reo”, o que se requer (101);
96.º) Quanto ao vertido nas alíneas 39) e 40): O arguido não se poderia mostrar arrependido do que não fez, e se não fez, também não tinha sentido procurar a assistente depois de esta ter abortado (102);
97.º) Diz o art. 379.º, n.º 1 al. c) de que enferma de nulidade a sentença que conheça de questões de não podia tomar conhecimento (103);
98.º) A sentença é consequência da formação da convicção do Tribunal em Audiência de Julgamento (104);
99.º) Ora, não valem em julgamento, nomeadamente para efeitos de convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, conforme artigo 355º do CPP. (105);
100.º) O Tribunal, numa tentativa de colmatar as enfermidades do depoimento da assistente usou as declarações que a mesma havia prestado anteriormente e que não haviam ficado gravadas, sendo portanto, inexistentes, o que lhe estava vedado (106);
101.º) Para que o tribunal fizesse uso de tais declarações, elas teriam de estar escritas ou contidas em suporte áudio ou visual, o que não sucedeu, aliás porque foi realmente o facto de não terem ficado gravadas e poderem constituir meio de prova que implicou a repetição do depoimento (107);
102.º) Assim, o uso de tais declarações (conforme transcrições que se juntaram a título de exemplo na motivação) constitui uma clara e inequívoca violação do princípio da valoração da prova e inquinou de mais um vício o depoimento da assistente, que ”ao ser lembrada do que tinha dito antes” lá ia acrescentando mais “uma coisita ou outra à história sem pés nem cabeça” que apresentou em julgamento (108);
103.º) Sem o uso das declarações prestadas anteriormente, o tribunal não teria formado a sua convicção nos moldes em que o fez, isto porque de facto, o Tribunal ao proferir as expressões transcritas deixou bem claro que a sua convicção, ainda antes de ouvir o depoimento, já estava formada e não a queria mudar (isto sem nos pronunciarmos quanto ao mérito dessa convicção atendendo ao facto de que a assistente manteve durante todo o processo mudanças de depoimento constantes, como já referimos anteriormente) (109);
104.º) A atitude do tribunal deveria ter sido, porque assim a lei o exige, ter esquecido tudo o que ouvira antes e basear-se tão só e apenas no depoimento que a assistente viesse a apresentar em audiência de Julgamento, não a forçando, através do uso de um meio ilegal, a dizer aquilo que queria ouvir (110);
105.º) Termos em que o douto acórdão enferma de nulidade, nulidade que se invoca com todos os efeitos legais, por violação das disposições contidas nos artigos 355º e 379º nº1 al. c) do C.P.P. (111);
106.º) Em conformidade com a letra da lei, este vício apenas se verifica quando “resulte do texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum” (112);
107.º) No entanto, é entendimento, aceite jurisprudencialmente, que o vício da “insuficiência da matéria de facto provada” radica na insuficiência de investigação/apuramento de matéria de facto relevante - resultante da acusação, da contestação, da discussão da causa ou que o Tribunal tivesse o dever de investigar oficiosamente dentro do objeto do processo e da aplicação da pena. E não da “insuficiência da prova” para a decisão da matéria de facto apreciada pela sentença (113);
108.º) Verifica-se quando, por falta de investigação devida e/ou possível a matéria de facto dada como provada é insuficiente ou não suporta um adequado enquadramento jurídico-penal ou, usando a terminologia C. Civil (art.341º), quando o tribunal não apurou os factos “constitutivos do direito alegado”. O que, tratando-se aqui de responsabilidade criminal, equivale a dizer quando o tribunal não investigou/apurou matéria de facto alegada na acusação ou na contestação ou de que lhe competisse conhecer oficiosamente, essencial para o apuramento dos pressupostos do crime e aplicação da pena (114);
109.º) Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, havendo assim uma lacuna nessa matéria que é preciso preencher” (115);
110.º) Focando o caso dos autos, importa salientar que nem a localização espácio-temporal dos factos alegados pela assistente, nem mesmo o alegado modo de concretização dos factos pelo arguido, constavam da acusação nem posteriormente da pronúncia, vindo depois a ser aditados nos termos do art. 358.º (116.º);
111.º) Sucede, que, apesar do aditamento, que permite ao arguido a preparação de defesa, não significa tal, que se inverta o ônus da prova, ou seja, trata-se de uma indiciação da prática de determinados factos, no caso concreto que resultou do depoimento da assistente, que depois é necessário provar que se verificaram (117);
112.º) E não é ao arguido que compete essa prova, é ao Tribunal. E, no caso dos autos, ao dar completa credibilidade ao depoimento da assistente (que padecia dos vícios já enumerados), o Tribunal descurou por completo a investigação devida e possível para esclarecimento da verdade (118);
113.º) Desde logo, impunha-se ao Tribunal verificar a existência do local da prática dos factos com mais acuidade. Havendo nomeadamente prova documental nos autos, escritura de compra e venda e escritura de partilha, demonstrativos de que o prédio rústico, onde foi edificado o armazém do arguido, não era propriedade deste à data dos factos que lhe eram imputados, impunha-se ao Tribunal, se queria afastar tal prova documental, que diligenciasse no sentido de ouvir os proprietários de tal prédio à data dos alegados factos. Não o fez (119);
114.º) Impunha-se ao Tribunal, se pretendia dar completa credibilidade ao depoimento da assistente, proceder a perícia de personalidade médico-legal da assistente, pois conhecia o Tribunal a divergência de depoimentos da assistente de cada vez que era ouvida, divergências em aspetos essenciais para a descoberta da verdade. Note-se que os crimes imputados ao arguido são gravíssimos, não podendo uma condenação ser proferida com tão parcos elementos (120.º);
115.º) Impunha-se ao Tribunal proceder a avaliação do meio familiar e social em que a assistente estava inserida, no sentido de perceber porque razão o depoimento da assistente, da mãe e da irmã se modificavam. E perceber até porque razão nunca surgiu um depoimento do pai da assistente (121.º);
116.º) Tal avaliação seria de extrema importância, pois que tais relatórios implicam inquérito no meio social e perceber-se-ia, que a assistente vivia num meio rural, muito pequeno, em que era impossível durante dois anos encontrar-se com o arguido, fazendo para tal um percurso a pé até determinado local, sem que ninguém se tivesse apercebido. E, não vinga a história de que havia rumores, pois que resulta bem patente das declarações da assistente, das declarações da Dra. N...... e de outros depoimentos que o que foi comentado foi após o aborto e nunca antes (123.º);
117.º) A própria Dra. N...... diz no seu depoimento que a assistente não sofreu qualquer trauma derivado de qualquer relacionado com atividade sexual, que a sua ansiedade derivava dos falatórios na aldeia depois do aborto, ora se tivesse existido medo e constrangimento da assistente nos moldes que o tribunal entendeu, apenas com base no depoimento dela, então outras pessoas teriam dado conta de tal facto. Impunha-se ao tribunal ter ouvido vizinhos, colegas de escola, etc. Não o fez (124.º);
118.º) Termos em que, ao não fazer as diligências investigatórias necessárias e prementes perante os factos levados a julgamento verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nulidade que se invoca com todos os efeitos legais, por violação do disposto no art.º 410, nº2 al. a) do C.P.P. (125);
119.º) Se o Tribunal, numa tentativa de colmatar as enfermidades constantes do depoimento da assistente usou as declarações que a mesma havia prestado anteriormente e que não haviam ficado gravadas, sendo portanto, inexistentes, então, o Tribunal a quo, deveria ter alicerçado a convicção de que não seria possível também reconstituir a verdade material sem confrontar a assistente com a versão narrada no inquérito, a qual, em pontos essenciais, conflituava com as suas declarações prestadas em julgamento (126);
120.º) Tanto mais que com os depoimentos da mãe e irmã da assistente acontecia exatamente o mesmo, ou seja, quando a assistente modificava o depoimento, o depoimento da mãe e irmã seguia tal modificação e, tendo o depoimento das três sido repetido, por deficiência da gravação, foi novamente objeto de nova versão, o que decorre do interrogatório da Meritíssima Juiz (127);
121.º) As contradições do discurso, as faltas de memória, o esquecimento de circunstâncias acessórias, os equívocos temporais e espaciais existem nas declarações verdadeiras e, num certo sentido, até as credibilizam (128);
122.º) Porém, a natureza das declarações pode evidenciar a sua falta de credibilidade. Seja porque revelam um discurso ilógico sem explicação plausível, seja porque falta a prova circunstancial que seria razoável esperar que existisse, seja porque encerram ambiguidades, oscilações e contradições que, pela sua índole, gravidade, número e encadeamento, revelam que o depoimento tem uma nula ou baixíssima probabilidade de relatar a verdade (129);
123.º) Tais critérios são universais e impõem-se à consciência de quem respeita a presunção de inocência e os outros valores do Estado de Direito. Impõe-se à consciência de qualquer homem justo (130);
124.º) Assim, das declarações prestadas em sede de Inquérito resultou o arguido acusado por uma versão, foi pronunciado por outra, num primeiro julgamento condenado por uma terceira versão, num segundo julgamento condenado pela quarta versão do ocorrido (131º);
125.º) Temos que concluir, porque é assim que o Tribunal conclui, que a matéria dos autos se resumiu ao depoimento da assistente, com o apoio da mãe e irmã, por elas manipulado conforme o arguido ia demonstrando a fragilidade, e mesmo impossibilidade, de tal depoimento em termos de tempo e lugar (132);
126.º) Valorou negativamente o tribunal a quo que o arguido não tivesse uma resposta que explicasse as motivações subjacentes a que “a assistente tivesse inventado toda esta história”. Mas também não lhe cabe, a ele arguido, fazer essa indagação para o que não tem meios. (133);
127.º) Caberia ao tribunal que, em julgamento, deveria ter realizado perícia de personalidade médico-legal, avaliação do meio familiar e social em que a assistente estava inserida, perceber por que razão o depoimento da assistente, mãe e irmã se iam modificando e até porque razão, nunca apareceu um depoimento do pai (134);
128.º) Durante o julgamento, a prova produzida, confirmou o pressuposto de que as declarações da assistente em que se fundava a acusação, e posteriormente em parte a pronúncia (porquanto o arguido em sede de instrução já demonstrara a impossibilidade dos factos terem ocorrido em termos espácio-temporais conforme a versão da assistente), divergia – novamente em aspetos essenciais de tempo e lugar – das declarações prestadas em julgamento, com base nas quais se pretendia a condenação (135);
129.º) Foi nesse contexto que o arguido, através de requerimento, requereu a leitura de declarações prestadas no inquérito pela assistente, a que se seguiria o confronto da assistente com tais declarações, requerimento a que, a bem da verdade, o Ministério Público nada teve a opor (136);
130.º) O Tribunal – através de despacho de que se recorre – indeferiu o pedido por entender que – em face da oposição dos assistentes – o art. 356º do C.P.C. não o permitiria, dado que, perante tal posição processual, em nenhuma situação se poderia proceder à leitura dessas declarações e, por maioria de razão, ao confronto subsequente daquelas pessoas com o teor de tais declarações (137);
131.º) As declarações da assistente, prestadas no inquérito, conflituam, em aspetos cruciais, com aquilo que declarou no julgamento, quer quanto aos locais, quer quanto à cronologia dos factos, quer quanto ao circunstancialismo envolvente (138);
132.º) Neste processo não se pode fazer verdadeira justiça se o tribunal não tiver conhecimento das declarações prestadas durante o inquérito, de forma a avaliar cabalmente a sua credibilidade, tendo em conta a evolução do seu discurso e a natureza das contradições desse discurso, sendo certo que é consensual, na doutrina científica, que a avaliação dessas contradições é elemento imprescindível para a formulação de um juízo adequado quanto àquela credibilidade (139);
133.º) O regime do art.º 356º do C.P.P. não pode impedir tal leitura, quando se trate de declarações da assistente que incriminam o arguido, em processo em que a prova da acusação assenta basicamente no seu depoimento e quando a mesma foi ouvida na fase de inquérito sob a égide do Ministério Público ou sob sua delegação, sempre que isso se revelar fundamental para o exercício da defesa (140);
134.º) Tais declarações não podem servir para a prova de factos positivos – e nisso se mantém útil o regime do art. 356º do C.P.P. –, mas podem ser utilizadas para avaliar da credibilidade de quem imputa factos criminosos a arguidos de um processo, cuja prova fundamental assenta precisamente nos depoimentos dessas pessoas, sob pena de se ofender o núcleo essencial das garantias de defesa e o princípio de um processo equitativo, tal como a CRP e CEDH salvaguardam (141);
135.º) Ressalvado o devido respeito, a leitura restritiva do art.º 356º do C.P.P.
adotada pelo Tribunal – a de que, havendo oposição da assistente, não pode ser efetuada a leitura de declarações prestadas em inquérito – é errónea e constitui um gravíssimo entorse a um processo equitativo e uma inaceitável restrição das garantias de defesa (142);
136.º) O entendimento normativo do art.º 356º nº 2-b) e nº 5 do C.P.P., devidamente conjugado com o art.º nº 355º nº 1 do C.P.P. no sentido de que, não tendo expressamente a assistente dado o seu consentimento à leitura de declarações da mesma que incriminam o arguido – por este requerida para avaliar cabalmente a credibilidade da sua prestação em audiência de julgamento, uma vez que são substancialmente diferentes das prestadas em inquérito –, como consta do despacho recorrido – é inconstitucional, por violação das garantias de defesa consagradas pelo art. 32º nº 1 da C.R.P. e o princípio do processo equitativo salvaguardado pelo art. 20º nº 4 da C.R.P. e pelo art. 6º da C.E.D.H, inconstitucionalidade que se invoca com todas as consequências legais (143);
137) Por último, sem prescindir, e colocando a hipótese, que apenas admitimos academicamente, de vir ao arguido a ser aplicada uma condenação há a que do relatório apresentado pela reinserção social junto aos autos em 27 de Março de 2012 consta que o arguido é originário de uma família numerosa e humilde mas com um ambiente familiar harmonioso e equilibrado que lhe permitiu um crescimento salutar (144);
138.º) Apenas teve possibilidade de concluir a 4ª classe, tendo necessidade de ir trabalhar desde cedo para ajudar em casa. Sempre foi trabalhador, primeiro na restauração e depois na construção civil, sendo que a partir de 1998 passou a exercer esta atividade por conta própria (145);
139.º) Com 22 anos, casou e tem atualmente dois filhos ainda menores e o ambiente familiar é, e sempre foi, equilibrado e afetivamente coeso (146);
140.º) Vive numa comunidade tipicamente rural com fortes sentimentos de coesão e controlo social, sendo que a sua presença não coloca problemas de paz social, estando socialmente completamente integrado, o que denota que a comunidade não cogita a possibilidade do arguido ter cometido o crime, bem como não tem qualquer receio que venha a cometer crimes desta natureza ou de qualquer outra, o que diminui, em termos de finalidade da pena, a necessidade de retribuição e prevenção geral (147);
141.º) Tem modesta condição socioeconómica, pois o arguido é empreiteiro da construção civil e, devido à crise económica atravessa graves dificuldades financeiras, o que também consta do referido relatório, sendo o suporte económico da sua família, pelo que a condenação numa pena de prisão efetiva coloca em risco todo o agregado familiar. Os filhos estão em idade escolar e tal colocará em causa a sua educação e futuro. O que muito preocupa o arguido que segundo o relatório da reinserção social se mostra intimidade com as consequências do presente processo, não o encarando de ânimo leve como conclui o tribunal no acórdão aqui em crise quando diz que o arguido mostrou uma total indiferença e desrespeito pelo tipo de ilícito em causa (148);
142.º) Os factos que são imputados ao arguido a determinado período temporal, sendo certo que, nem antes nem depois, houve notícia de que ao arguido fosse imputada a prática de qualquer tipo de crime e nada consta do seu C.R.C., sendo um arguido primário e trata-se da sua primeira condenação (149);
143.º) A pena de prisão efetiva terá como finalidade satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção, sendo certo que a suspensão da execução da pena deverá ter como base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o mesmo sentirá a sua condenação como uma advertência tão forte que não cometerá, no futuro, nenhum crime (150);
144.º) Assim, e pelo já exposto, o facto de o arguido ter sido sujeito a julgamento, em conjugação com a ameaça da pena, já satisfaz de forma adequada as finalidades da punição geral e especial, pelo que não deveria ter sido aplicada ao arguido a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, por se mostrar demasiado severa e gravosa (151);
145.º) De facto, quanto aos dois crimes de ato sexual com adolescente em que o arguido foi condenado, entendemos que caso se tivessem verificado os factos então só poderia ser condenado num crime e não em dois (152);
146.º) Trata-se de factos muito próximos no tempo, medeia entre ambos uma semana, são apenas dois episódios e não quatro como refere o acórdão (pag.39) na fundamentação da medida da pena, contrariando o anteriormente exposto, pois que situa o início do crime de coação sexual a partir do terceiro episódio. E, atente-se, toma, o referido acórdão, em conta esses quatro episódios (que nunca existiram, segundo o mesmo acórdão existiram dois), para considerar que a reiteração revela uma resolução determinada e persistente do agente e traduz uma culpa agravada (153);
147.º) A previsão legal fala em cópula (estando abrangida por esta quer a vaginal, quer a anal, quer a oral, a lei não distingue) o que sucedeu em ambas as situações, pelo que é notório, que a verificar-se tal situação, sempre o arguido teria agido determinado por uma única resolução, não formando sucessivamente novas resoluções perante circunstâncias favoráveis entretanto surgidas, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime, violando o acórdão o preceituado no artigo 174º do CP na redação anterior à Lei 50/2007 (154);
148.º) E sendo condenado num único crime que prevê como moldura penal quer a pena de prisão quer a de multa, entendemo-nos, dadas as circunstâncias do caso concreto supra referidas, que 14 meses de prisão, é uma pena exagerada (155);
149.º) A previsão legal é pena de prisão até dois anos ou multa, e esta seria a ajustada à situação, mas ainda que assim não se entenda, então, pelo menos, atendendo como já se disse às condições do caso concreto, deveria aplicar-se uma reduzida pena de prisão, que no máximo, alcançaria os 6 meses, suspendendo-se a sua execução, pois que a ameaça da pena, em termos de prevenção especial e pelas razões já expostas, surtiria o efeito pretendido (156);
150.º) Já quanto ao crime de coação sexual somos do entendimento, que a considerar-se que o mesmo se verificou, também, e pelas mesmas razões se considera a pena de 4 anos e 10 meses de prisão exagerada, devendo a mesma situar-se perto dos limites mínimos legais, ou seja, situando-se nos dois anos, suspensos na sua execução, pois como já se disse a ameaça da pena, em termos de prevenção especial e pelas razões já expostas, surtiria o efeito pretendido (157);
151.º) A pena deverá assumir uma finalidade ressocializadora e só seria de optar por uma pena efetiva se houvesse uma exigência tão forte de prevenção geral que fosse comunitariamente insuportável que o arguido fosse restituído à liberdade, o que no caso concreto não se perfilha (158);
152.º) Diz o acórdão ora recorrido que em termos de prevenção geral, esta resulta ainda mais premente em meios rústicos e pequenos como o dos autos, onde toda a gente se conhece, sucede que, atendendo-se ao relatório social, não existe qualquer animosidade da comunidade para com o arguido, bem pelo contrário, encontra-se o mesmo integrado socialmente, pois que, como afirma o relatório social, a comunidade em que se insere é pequena e com fortes sentimentos de coesão e controlo social (159);
153.º) Face às circunstâncias acima alegadas, e na hipótese de não proceder a restante motivação deste recurso, a pena aplicada ao recorrente deve ser reduzida para uma pena de multa quanto ao crime de ato sexual com adolescente e uma pena de no máximo 2 (dois) anos, suspensos na sua execução pelo mesmo período para o crime de coação sexual (160);
154.º) É verdade que o Tribunal recorrido citou os critérios constantes do artigo 71.° do Código Penal, mas, violou o preceituado no artigo 71° ao não ponderar todos os fatores que devem ser ponderados na aplicação da medida concreta da pena, limitando-se a considerar todos os factos pela sua gravidade, ignorando e abstendo-se de conhecer fatores que se consideram relevantes para a determinação da medida concreta da pena, como são: as condições pessoais do agente e a conduta anterior e posterior aos factos, tal como, o facto de esta condenação acarretar consequências familiares a nível Económico (161);
155.º) Bem como o preceituado no artigo 50.° do Código Penal, pois, no presente caso, o arguido é delinquente primário, nada constando do seu certificado de registo criminal, os factos ocorrem num determinado período, bem delimitado no tempo, o que nos permite concluir, como já foi dito, que a censura do facto e a ameaça da pena, são suficientes para o afastar da reincidência, satisfazendo as necessidades de reprovação e prevenção do crime (162);
3.1 O arguido respondeu em 2012/Dez./10 a fls. 694-702 pugnando pela procedência do mesmo e concluindo que “Por estas razões expostas devem as penas aplicadas ser reponderadas e atenuadas nos termos expostos, sob pena de reintegração do recorrente se encontrar prejudicada, tal como a da vida familiar, improcedendo o peticionado pelo Ministério Público”.
3.2 O Ministério Público respondeu em 2012/Dez./10 a fls. 703-736 ao recurso do arguido, sustentando que ao mesmo deve ser negado provimento.
4. Recebidos os autos nesta Relação e aqui registados em 2013/Fev./05, foram os mesmos com vista ao Ministério Público em 2013/Fev./26 a fls. 745-750 emitiu parecer para que fosse dado provimento ao recurso do Ministério Público e que ao recurso do arguido fosse negado provimento.
5. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo havido resposta do arguido, nada obstando a que se conheça do mérito do recurso.
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O objecto do recurso dirige-se à insuficiência da matéria de facto para a decisão (a), às restrições ao direito de defesa do arguido (b), à nulidade da sentença por violação do princípio da proibição da valoração da prova (c), ao reexame da matéria de facto (d), ao número de crimes de sexuais praticados (e) e à medida da pena (f).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O acórdão recorrido
Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens:
II- Factos Provados:
1) - C...... nasceu a 10/11/1991, na freguesia de ….., Lamego;
2) - Entre os meses de Fevereiro e Julho de 2006, o arguido construiu um armazém para os pais da ofendida C......, na Rua …, n º …, …, Lamego;
3) - Contudo, desde 2005 que começou a frequentar a casa da ofendida, altura em que iniciou negociações com vista à construção do armazém, e travou conhecimento com aquela, obtendo o seu número de contacto móvel, passando a manter com a menor algumas conversas por esta via ou trocando com a mesma mensagens, em que dizia que gostava dela e que tinham de se encontrar;
4) - Assim, em dia não concretamente apurado, mas situado entre finais de 2005 e Fevereiro de 2006, o arguido contactou a ofendida C......, através do telemóvel, e combinou encontrar-se com a mesma, por volta das 21h, tendo esta ficado de ir ter com ele a um armazém, que o mesmo andava a construir, e onde mais tarde implementou a sua casa de habitação, situado a cerca de 200 metros da casa da C......;
5) - A menor C...... dirigiu-se a esse local, e, aí chegada, o arguido levou-a para o interior da sua carrinha de caixa aberta, de modelo e matrícula não concretamente apurada;
6) - No interior da carrinha, depois de ter dito à menor que gostava dela começou a beijá-la na boca e a apalpar-lhe os seios;
7) - De seguida o arguido despiu a sua roupa, bem como a roupa que a menor C...... trazia vestida;
8) - Estando ambos nus, o arguido colocou-se em cima da menor, afastou-lhe as pernas e com o seu pénis erecto introduziu-o na vagina da menor, aí o friccionando, em movimentos de vaivém, até ejacular, sendo que o arguido não utilizou preservativo ou qualquer outro método contraceptivo;
9) - Após a menor dirigiu-se de novo a casa;
10) - Antes nunca a menor tinha mantido relações sexuais, sendo, pois, esta a sua primeira experiência sexual;
11) - Após este dia o arguido continuou a telefonar à menor e mandar-lhe mensagens, onde mencionava que gostava muito dela e ia deixar a mulher;
12) - Em data não concretamente apurada, mas passada cerca de uma semana da situação relatada de 4 a 9), por volta das 21h, quando a menor se encontrava a percorrer, a pé, o caminho que ligava a casa dos seus pais, à dos seus avós, que distam desta cerca de 600 metros, caminho que é pouco movimentado e escuro, passou por C......, tripulando uma carrinha de caixa aberta, de marca, modelo e matrícula não determinadas, e, ao ver a menor, imobilizou a carrinha que conduzia ao seu lado;
13) - Após, saiu da mesma, abordou a menor e agarrando-a, introduziu-a dentro da carrinha, no lugar destinado ao “pendura”, e trancou as portas, por forma a que C...... não pudesse sair do aludido veículo;
14) - Já com a menor dentro da carrinha o arguido assumiu o lugar do condutor e tripulou a mencionada carrinha em direcção a uma mata existente nas proximidades, mais concretamente lugar da Póvoa;
15) - Aí chegados o arguido começou a beijá-la na boca e a apalpar-lhe os seios;
16) - Após o arguido colocou a menor no banco de trás, começando a beijá-la na zona do pescoço e na boca, ao mesmo tempo que lhe apalpava os seios, o rabo e lhe metia as mãos na vagina;
17) - De seguida o arguido despiu a roupa que a C...... trazia vestido, tendo, igualmente despido a sua roupa;
18) - Estando ambos nus, o arguido deitou a menor no banco, afastou-lhe as pernas e com o seu pénis erecto introduziu-lho na vagina, aí o friccionando, em movimentos de vaivém;
19) - Após, retirou o pénis erecto da vagina da menor e colocando-a de quatro/gatas introduziu-lhe o pénis erecto no ânus, aí o friccionando, também em movimentos de vaivém;
20) - De seguida, solicitou à menor que lhe fizesse sexo oral e para tal introduziu o pénis erecto na boca da menor C......, e segurando com ambas as mãos a cabeça daquela, fazia com que esta realizasse movimentos de vaivém, assim friccionando o seu pénis da boca da menor;
21) - Posteriormente, o arguido deixou a menor perto da casa da avó;
22) - Passadas entre uma a duas semanas desta relatada conduta o arguido voltou a telefonar à C......, mais uma vez para marcarem encontro com a finalidade de manterem novamente relações sexuais, tendo esta recusado;
23) - Perante a recusa da menor C......, o arguido retorquiu para aquela: “se não mantiveres relações comigo, faço o mesmo com a tua irmã, que fiz contigo”, sendo que a irmã da C......, é 11 meses mais nova que esta;
24) - Perante tal, a menor acedeu a encontrar-se, novamente com o arguido para com ele manter relações sexuais.
25) - Assim, desde esta altura, em dias e horas não concretamente apuradas, semanalmente, e até meados de Outubro de 2007, no armazém do arguido, este e a C......, encontravam-se, depois daquele previamente lhe telefonar a marcar encontro, onde mantinham relações sexuais, de cópula completa, bem como de coito anal e oral, nos termos supra descritos, ejaculando o arguido no interior da vagina da C......, nunca tendo utilizado preservativo ou qualquer outro método contraceptivo.
26) - Sendo que, a partir do episódio relatado em 23 e 24, mormente aquando dos telefonemas que o arguido lhe fazia no sentido de combinarem os encontros referidos, a menor mostrava-se relutante em manter com o arguido as relações sexuais em causa, pelo que, nessa altura, o arguido afirmava à menor que, caso esta não mantivesse consigo relações sexuais, faria com a irmã daquela o mesmo que fazia consigo, assim logrando que a menor acedesse aos seus intentos;
27) - O arguido apenas colocou fim à sua conduta, em Outubro de 2007, porque a sua esposa o confrontou com os rumores que corriam concernentes à relação que este vinha mantendo com a menor;
28) - Em 27 de Outubro de 2007, a menor sentiu dores fortes na barriga, recorrendo às urgências do Centro Hospitalar de Vila Real, tendo-lhe sido diagnosticado um aborto incompleto, pelo que lhe foi realizada raspagem uterina;
29) - Como consequência directa de uma destas relações sexuais descritas, sem o uso de qualquer método contraceptivo, a menor C...... engravidou, em data não concretamente apurada, mas situada cerca de três meses antes da supra referida raspagem;
30) - A C...... nunca tinha tido qualquer relacionamento sexual para além do mantido com o arguido;
31) - Cerca de 15 dias depois do episódio mencionado em 28, e igualmente como consequência das relatadas condutas do arguido, a menor teve ideação suicida, tendo sido acompanhada por médico psiquiatra e medicada durante cerca de meio ano para tal;
32) - O arguido tinha perfeita noção da idade da vítima, circunstância de que se aproveitou;
33) - Também não ignorava que actuando da forma descrita não só afectava o livre desenvolvimento da personalidade daquela na sua esfera sexual como a limitava na sua liberdade e autodeterminação sexual.
34) - Aliás, aproveitou-se mesmo da sua incapacidade de resistência e de avaliação do sentido do acto sexual para melhor satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que por não usar qualquer método contraceptivo e, tendo em atenção a frequência com que mantinha relações sexuais com a menor as mesmas resultariam numa gravidez, o que se veio a verificar;
35) - Além disso, sabia, também, que ao dizer, a certa altura à menor que faria o mesmo à sua irmã se esta não acedesse a manter consigo relações sexuais, criava, por via dessa conduta, constrangimento na menor C......, de forma a que esta mantivesse consigo relações sexuais, limitando-a, assim na sua liberdade sexual, resultado que quis e logrou conseguir;
36) - Sabia, ainda, que esta sua conduta era adequada a levar a menor a continuar a relacionar-se sexualmente consigo, pelo medo que provocou naquela, ante o espectro de que o arguido pudesse vir a concretizar qualquer tipo de mal, nomeadamente à irmã;
37) - Actuou livre e conscientemente unicamente com o objectivo de satisfazer os seus instintos libidinosos;
38) - O arguido sabia que todas as suas relatadas condutas eram proibidas e punidas por lei;
39) - O arguido não demonstrou qualquer tipo de arrependimento pelos factos relatados;
40) - Depois de descoberta a situação nunca mais procurou a vítima apesar de saber que a mesma sofreu um aborto;
41) - Do CRC do arguido não constam quaisquer antecedentes;
42) - O arguido é construtor civil;
43) - É casado;
44) - Tem dois filhos;
45) - Residem em casa própria com a esposa e os filhos.
Para além dos factos mencionados com interesse para a decisão não se provaram outros, nomeadamente que:

- Que o arguido ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável;
- Que por meio da violência exercida tenha privado a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela;
- Que os encontros de cariz sexual entre a ofendida e o arguido tenham ocorrido no armazém dos pais da ofendida (provou-se que ocorreram no armazém do próprio arguido que é próximo do dos pais da ofendida e ainda que o segundo ocorreu numa mata);
- Que o relacionamento entre a arguido e a ofendida se tenha iniciado em Outubro de 2006 (provou-se que se terá iniciado em finais de 2005, Fevereiro de 2006);

III- Convicção do Tribunal:

Na fundamentação de facto, o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida a qual, depois de conjugada entre si e analisada criticamente, sempre à luz das regras da experiência, permitiu ao Tribunal fixar a factualidade dada como provada.

Desde logo, cumpre referir que o Tribunal na fixação da matéria de facto teve em conta a versão relata em audiência de julgamento pela assistente C......, sendo que a factualidada dada como assente traduz, precisamente, aquilo que a mesma nos relatou. Aliás, como sucede praticamente em todos os crimes desta natureza, na medida em que por norma ocorrem longe dos olhares de terceiros e às escondidas, a prova, basicamente, resume-se às versões das vitimas e dos arguidos, não obstante os outros elementos de prova que podem corroborar uma ou outra versão, nomeadamente clínicos.
Na situação concreta, Tribunal teve em conta a versão da ofendida, porque tal versão nos mereceu toda a credibilidade, apesar de obviamente, atento o tempo decorrido desde a prática dos factos, já existirem alguns pormenores que a mesma não conseguiu precisar e outros que a mesma já demonstra alguma confusão, nomeadamente no que tange à ordem dos factos, sendo que esta versão ao contrário da do arguido é corroborada por outros elementos de prova a que iremos aludir.
Assim, a ofendida relatou os factos, basicamente nos termos dados como assentes (sendo que alguns obviamente resultam das regras da experiência e concluem-se dos outros sem necessidade de questionar a vítima, tais como movimentos de vaivém quando se dá como assente que existiu penetração do pénis na vagina ou em outras parte do corpo), nomeadamente que em 2005 o pai iniciou negociações com o arguido, esclarecendo que são da mesma localidade e residiam perto, para que este lhe construísse um armazém, o que veio a suceder em 2006.
Esclareceu que neste contexto o arguido começou a frequentar a sua casa e que começou a mandar-lhe mensagens, a dizer que gostava dela e que se queria encontrar com ela, tendo-lhe respondido que também se queria encontrar com ele, e isto ainda em 2005 antes da construção do armazém do pai.
Neste contexto, mencionou que, um dia, marcaram encontro num armazém do arguido, que se encontrava em construção e que dita cerca de 200 metros da sua casa.
Que aceitou encontrar-se com o mesmo, onde pela primeira vez mantiveram relações de sexo vaginal, dentro de uma carrinha do arguido.
Esclareceu que era virgem e que o arguido ejaculou e que este dizia que gostava dela e ia deixar a mulher.
A ofendida apesar de demonstrar já alguma confusão em relação a datas (o que é plausível tendo em conta o tempo decorrido e a circunstância desta situação ter afectado e muito a mesma) foi peremptória em afirmar que tal sucedeu antes do pai ter iniciado a construção do seu armazém, sendo por isso que o Tribunal concluiu que os factos ocorreram em finais de 2005 e Fevereiro de 2006, pois o armazém do pai só começou a ser construído em Fevereiro de 2006.
Relatou ainda a ofendida que depois deste episódio e passada uma semana quando ia para casa da avó, por volta das 21h, o arguido parou a carrinha à beira dela, saiu da mesma, agarrou-a, meteu-a dentro da mesma, trancou as portas levou-a uma mata existente na Póvoa, onde mantiveram relações de sexo vaginal, anal e oral, e isto depois do arguido a levar para o banco de trás da carrinha e de a ter apalpado e despido, deixando-a posteriormente perto de casa da avó.
A ofendida mencionou ainda que disse ao arguido para a deixar ir embora, mas que este não anuiu.
A ofendida relatou ainda que o arguido durante todo este período lhe telefonava e mandava mensagens, onde dizia que gostava muito dela e cerca de uma a duas semanas desta 2ª vez ele telefonou-lhe para marcarem novo encontro, tendo-lhe, nesta altura, dito, que não queria voltar-se a encontrar com ele.
Perante a sua recusa o arguido disse-lhe que caso ela não se encontrasse mais com ele iria fazer o mesmo à irmã. Que perante isto, e com medo que ele fizesse algo de mal à irmã, a partir dessa data continuou a encontrar-se com o arguido sempre no armazém dele, semanalmente, onde por norma mantinham sexo anal, oral e vaginal e isto até Outubro de 2007, altura em que a mulher do arguido descobriu e foi a casa dela tirar satisfações.
Esclareceu ainda que posteriormente à situação ter sido descoberta sentiu-se mal foi ao hospital, onde lhe foi diagnostica um aborto.
A ofendida relatou ainda que passados 15 dias tentou suicidar-se e que andou a ser acompanhada psiquiatricamente, bem como medicada, sendo que ainda hoje sofre com a situação, não tendo, ainda, ultrapassado a mesma.
Também confirmou que não usavam qualquer método contraceptivo.
Das declarações da ofendida extrai-se ainda que os encontros, eram semanais e isto até Outubro de 2007, quando a situação é descoberta. Igualmente se extrai que apesar de inicialmente a ofendida se encontrar com o arguido de livre vontade a partir de determinada altura, que a ofendida situa a partir da 3ª vez e cerca de duas a três semanas depois da 1ª vez, a mesma só aceitou continuar a relacionar-se com o arguido porque este a ameaçou que caso ela se recusasse irá fazer o mesmo à irmã.

Como mencionamos, e apesar do arguido negar a prática dos factos, a versão da ofendida mostrou-se credível, tendo a mesma feito um relato emocionado dos factos, o mais preciso possível, atentas as circunstâncias, não esquecendo que foi obrigada a prestar duas vezes depoimento em audiência pelo facto da gravação do 1º não ser perceptível, não obstante alguns pormenores que não conseguiu relatar com precisão e alguma confusão que possa demonstrar no que tange à ordem dos factos, o que é plausível atento o exposto.
A isto acresce a circunstância da versão da assistente ter sido corroborada por outros elementos de prova que não deixam dúvidas ao Tribunal sobre a autoria dos factos por parte do arguido.
Desde logo, dúvidas não existem que a ofendida relacionou-se sexualmente na medida em que engravidou como demonstram os exames médicos juntos aos autos, elemento científico do qual não podemos fugir.
É certo que o arguido nega a prática dos factos, rindo de forma completamente displicente aquando dos depoimentos, nomeadamente da ofendida, mencionando que tudo isto é pura invenção. No entanto, confirma que em 2006 construiu um armazém para os pais da C...... e que, na altura, a mesma lhe mandava mensagens a pedir para ir lá a casa falar com os pais, não precisando, no entanto, o motivo que levava a mesma a mandar-lhe mensagens.
Além disso, o arguido igualmente confirmou, em audiência de julgamento, que a sua mulher foi a casa da C...... tirar satisfações, justificando tal comportamento da mulher com o facto da mesma ser ciumenta. Contudo, não esclareceu o arguido o motivo da crise de ciúmes da sua mulher, na medida em que, segundo o mesmo, o teor das mensagens trocadas com a C...... eram apenas para passar lá em casa para falar com os pais, para quem andava a construir um barracão, não tendo nada de mais.
O arguido também não esclareceu o motivo pelo qual, tendo em conta a sua versão, a ofendida teria inventado toda esta história, ainda mais que ele se dava bem, quer com ela quer com os pais.
Mas a acrescer a isto, em audiência de julgamento, foi ainda inquirida E......, mulher do arguido, que confirmou ter estado em Outubro de 2007 em casa da C......, onde foi tirar satisfações.
Esta testemunha começou por mencionar que se apercebeu que determinado número de telemóvel aparecia muitas vezes no telemóvel do marido e que acabou por abrir uma mensagem que dizia para passar lá em casa para falar com os pais, e isto em 2007. Referiu, ainda, que confrontou o marido e que este lhe disse que não tinha nada com ela, só andava a trabalhar para os pais dela.
A testemunha mencionou ainda que começou a ser alertada pelas pessoas do povo que referiam existir muita confiança entre o arguido e a C...... e que perante isto deslocou-se a sua casa para lhe pedir para não mandar mensagens ao marido e que ela disse que não tinha nada com ele.
A testemunha referiu ainda que já antes de se deslocar a casa da C...... confrontou o marido com a situação e este lhe disse que não tinha nada com a mesma.
Ora, este depoimento, apesar da testemunha tentar defender o marido, dizendo que acredita nele, só veio corroborar a versão da C......, de que, de facto, o arguido se relacionava sexualmente consigo.
Tal como analisado, não nega a testemunha que foi tirar satisfações a casa da C......, acrescentando que, apesar de se afirmar ciumenta, acredita no marido e que se este lhe disse que não tinha nada com a C...... é porque é verdade. Esquece é a testemunha que já antes de ir tirar satisfações com a C...... tinha confrontado o marido (o que aliás este confirma) com a situação e que este já lhe tinha dito que nada existia entre eles. Ora, a ser assim, e se, como diz a testemunha, acredita no marido, não faz, então, sentido que tivesse ido confrontar a C......, pois já tinha a versão do marido em quem acredita. O que tem sentido, desde logo tendo em conta as regras da vida é que a testemunha em causa vai tirar satisfações com a C...... quando descobre o relacionamento da mesma com o marido.

A versão da C...... é igualmente corroborada pelos depoimentos da sua mãe e irmã, prestados em audiência de julgamentos.
De facto, O…., mãe da ofendida, a este respeito, em audiência de julgamento, confirmou que o arguido lhes construiu um armazém, sendo que as negociações iniciaram-se meio anos antes, altura em que o arguido começou a frequentar a casa.
Mencionou, ainda, que a certa altura começou aperceber-se que a C...... não andava bem, mas não sabia o motivo até ao dia, situado em Outubro de 2007, em que a mulher do arguido foi a sua casa referindo que a C...... andava metida com o homem dela.
Confirmou ainda que posteriormente, a filha se sentiu mal foram ao hospital e foi-lhe diagnosticado um aborto, tendo efectuado uma “raspagem”.
Que perante isto a filha confirmou que tinha um relacionamento com o arguido e que se encontravam no armazém dele.
Referiu ainda que depois disto andou com a filha no psiquiatra, a qual aliás se tentou suicidar e que posteriormente a mesma era acompanhada pela psicóloga da escola, pois não tinha dinheiro para pagar a uma psiquiatra privada.

Por seu turno, a testemunha D......, mencionou que a irmã a certa altura lhe contou que se relacionava com o arguido e que uma vez os seguiu e os viu a relacionarem-se sexualmente.
Igualmente confirmou que a mulher do arguido em Outubro de 2007 foi a casa delas onde disse que C...... andava metida com o homem dela e que, posteriormente, a irmão se sentiu mal e foi assistida, altura em que se descobriu a gravidez.
Ora, perante estes relatos e tendo em conta tudo o que já mencionamos parece que a única conclusão que o Tribunal pode extrair é a de que arguido e ofendida tiveram um relacionamento de cariz sexual, do qual a ofendida engravidou e que só terminou quando a mulher do arguido descobre vai a casa da C......, não colhendo a versão do arguido de que isto é tudo uma invenção. Aliás, como já mencionamos, e como o mesmo diz, não existia nenhum motivo para a C...... inventar esta história que, aliás, só é descoberta não pelo comportamento da vítima que apenas relatava a situação à sua irmã, mas pela própria mulher do arguido, tendo sido o comportamento desta que despoletou a situação. Por isso, não se compreende o comportamento do arguido a tentar negar os factos, apesar de ser um direito que lhe assiste, negação feita sem qualquer consistência e contra o evidente.
É certo que a determinada altura, depois da 1ª audição da assistente e desta ter mencionado que os encontros que tinha com o arguido ocorriam no armazém do próprio onde mais tarde construiu a casa, a defesa, à falta de melhor argumento, passa por tentar descredibilizar o seu depoimento tentando demonstrar que só muito mais tarde é que a obra foi feita, ou seja que tal construção só foi efectuada em finais de 2007, juntando para tal vários documentos e indicado testemunhas, as quais, ao abrigo do direito de defesa do arguido e do artigo 340 do CPP, foram inquiridas em audiência, mas que em nada colocaram em causa a credibilidade das declarações da assistente.
Tal como já referimos a C...... a este respeito foi clara ao mencionar que os encontros, à excepção de um, ocorreram no armazém do arguido e não naquele que ele andava a construir para os seus pais. Referiu, ainda, que o arguido construiu esse armazém e que só mais tarde é que veio a construiu a sua casa de habitação por cima do mesmo. Mais uma vez não vislumbra o Tribunal qualquer motivo para a assistente mentir a este respeito ainda mais que lhe seria mais cómodo, pura e simplesmente, confirmar a pronuncia.
Sobre esta questão, e para tentar descredibilizar a assistente, a mulher do arguido, a já aludida testemunha E......, referiu que a construção em causa (casa de habitação) só se iniciou em Agosto de 2007 e que em Dezembro já estava feita, pois já lá passou o Natal, negando que antes de Agosto de 2007 já lá existisse alguma construção, o que nos parece completamente inverosímil, como se fosse normal começar-se a construir uma casa de habitação de raiz em Agosto e já estivesse pronta a habitar em Dezembro seguinte.
Depois indicou o arguido, ao abrigo do artigo 340º do CPP duas testemunhas, o projectista e engenheiro da obra, para confirmarem a versão de que em 2006 e inícios de 2007 o arguido nada tinha construído, mas que em nada, mais uma vez, afectaram a credibilidade das declarações da assistente.
Uma dessas testemunhas foi G......, desenhador projectista, e que já fez vários projectos para o arguido no exercício da sua actividade de construtor civil, e que mencionou que o levantamento topográfico foi feito em Fevereiro de 2007, não existindo na altura qualquer construção, mas apenas um desaterro. No entanto, o depoimento desta testemunha não mereceu qualquer credibilidade, tendo a testemunha entrado em algumas contradições quando confrontada com o teor de fls.453, que disse ser da sua autoria.
Além disso, quando confrontado com a circunstância da construção da obra ter sido clandestina, na medida em que só em 2011 é que o pedido de licença de construção dá entrada na Câmara Municipal, referiu que apesar disso o fiscal da CM sabia da construção nunca tendo levantado qualquer obstáculo, como se tal fosse a coisa mais normal do mundo, e quando confrontado com a pergunta de quem era o fiscal referiu que já tinha falecido.
A outra testemunha, H......, engenheiro civil, e de quem o arguido é cliente, já lhe tendo prestado vários serviços, também tentou mencionar que em Fevereiro de 2007 não existia qualquer construção. No entanto, tal como a outra testemunha não mostrou qualquer firmeza no depoimento, mostrando-se comprometido.
Além disso, como já mencionamos não faz qualquer sentido a construção ter-se iniciado depois de meados de 2007 e em finais do mesmo ano já estar em condições de ser habitada.
Igualmente não faz qualquer sentido ter sido feito um levantamento topográfico quando, como nos disse o próprio projectista, o desaterro já está feito e o projecto de construção só em 2011 é que dá entrada na CM, não vislumbrando o Tribunal motivo para não ter dado entrada anteriormente, caso já tivesse sido efectuado.
Acresce ainda que ao analisarmos os documentos de fls. 449 e seguintes, os projectos têm aposta a data de Maio de 2011 e estão conferidos pela assistente técnica da Divisão de Urbanismo da CM e o levantamento topográfico tem a conveniente data de Fevereiro de 2007 e não está conferido pela técnica de divisão como os anteriores. Trata-se de um documento que o Tribunal desconhece quando foi elaborado, nada provando a data nele aposta, podendo ter sido elaborado, nomeadamente uns dias antes da data em que foi junto aos autos.
Assim, é muito mais verosímil a versão da assistente de que o arguido, como construtor civil que era, começou a construir a sua habitação aos poucos e poucos, começando, obviamente, pelas fundações, construindo primeiro o armazém e só mais tarde a casa de habitação. Aliás, como referido a construção foi clandestina e, como tal, só posteriormente, quando se tentou regularizar a situação junto da CM é que há a necessidade do projecto.
Também não são os documentos de fls. 411 e seguintes que afastam a versão da ofendida. De facto, esses documentos quando muito provam a existência de obras nessa altura, mas não, obviamente, que anteriormente não existia qualquer construção. Aliás, esses documentos só corroboram a versão da assistente, ou seja que a casa de habitação só mais tarde é que foi feita, por cima do armazém.
Além disso, depois das mencionadas testemunhas foram ainda inquiridas as testemunhas P…., engenheiro civil e Q…. desenhador que se deslocaram ao prédio dos pais da ofendida em 2005, precisamente por causa da construção dos mesmos que inicialmente seria de uma habitação, mas como concluíram não ser possível apenas construíram o armazém, e que mencionaram recordarem-se de perto daquele aglomerado, já existir uma construção em bloco com placa e da mãe da ofendia ter mencionado que o vizinho do lado já estava a construir uma casa, tendo utilizado a expressão “ele é empreiteiro pode”.
Aliás, a este respeito cumpre mencionar mais uma vez que não há qualquer motivo para a ofendida insistir uma coisa que, de acordo com o arguido não seria possível, ainda mais que a mesma afirmou peremptoriamente que o 1º encontro ocorre mesmo antes da construção do pai.
Igualmente não são documentos de compra e venda e escrituras que afastam a versão da ofendida, parecendo-nos, aliás, uma evidência que o arguido estivesse na posse do “bem” antes de qualquer escritura, como acontece em tantas outras situações.

O Tribunal teve ainda em conta o depoimento da testemunha L…., médica, psiquiatra que viu a C......, após os factos, confirmando que ela teve um aborto, na sequência de um envolvimento e que na altura lhe foi dito que a C...... tinha tido um relacionado com um vizinho, bem como o depoimento da testemunha N......, médica psiquiátrica da infância e adolescência, que igualmente consultou a ofendida, tendo-lhe sido dito pela mãe que ela tinha engravidado de um homem casado, mais velho.
Estas testemunhas confirmaram ainda o estado psíquico da ofendida.
O Tribunal valorou ainda os documentos juntos aos autos, nomeadamente os documentos clínicos de fls. 27 e seguintes e fls. 37 e seguintes, donde se extrai que a ofendida sofreu um aborto.
Destes documentos extrai-se ainda que o relacionamento do arguido com a ofendida só terminou em Outubro de 2007, pois como a mesma relatou só terminou quando a mulher do arguido foi a sua casa tirar satisfações, sendo que tal ocorreu na véspera da ofendida ter sido vista na urgência, quando se descobriu que tinha abortado.

Do teor de fls. 116 extrai-se a idade da ofendida, nomeadamente aquando dos factos.
Dos documentos de fls. 182 conjugados com os depoimentos das testemunhas resulta que a construção do armazém dos pais da ofendida se terá iniciado em Fevereiro de 2006.
Do documento de fls. 254 extrai-se que o arguido, de facto, era proprietário de uma carrinha e a mulher de um veículo ligeiro (fls. 247).

O Tribunal teve ainda em conta o CRC do arguido e o relatório social.
De todo o exposto, extrai-se ainda a falta de arrependimento do arguido manifestados nos sorrisos que esboçou quando a vitima prestou declarações, resultando ainda das declarações desta que depois de descoberta a situação ele nunca mais a procurou, apesar de saber do aborto, o que foi do conhecimento publico, sendo certo que estamos a falar dum meio, onde a vitima e o arguido estão inseridos, muito pequeno.

O Tribunal deu como não provados os factos supram mencionados, nomeadamente no que tange ao local da ocorrência dos factos, pelos motivos a que já aludimos e ainda, no que tange ao sequestro porque a vitima mencionou, em audiência de julgamento, não obstante referir que o arguido a agarrou e a meteu no carro apesar de lhe ter dito que queria sair, que não tentou sair, nomeadamente abrir a porta, o que poderia fazer apesar do arguido as ter trancado.”
*
2. Os fundamentos do recurso
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
O Código de Processo Penal[1]abelece no seu artigo 410.º, n.º 2, al. a) que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum…: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
Esta insuficiência da matéria de facto diz respeito àquela que é objecto do processo e que o tribunal se encontra vinculado a conhecer, seja por ter sido alegada pela acusação ou pela defesa, seja porque deve proceder à sua investigação para a descoberta da verdade, na medida em que integram o núcleo essencial dos factos sujeitos a julgamento.
Assim só ocorrerá tal vício se existir uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação, por parte do julgador, da matéria de facto sujeita à sua apreciação. Por isso, haverá insuficiência da matéria de facto para a decisão se os factos provados não bastarem para justificar a decisão proferida, havendo ainda outros factos que o tribunal não investigou, embora o pudesse ter feito e ainda seja possível fazê-lo, sendo os mesmos necessários para um justo sentenciamento da causa (Ac. do S.T.J. de 2000/Fev./17, BMJ 494/227; de 1998/Dez./09, BMJ 482/68, Ac. R. C. de 1999/Out./27, CJ IV/68). Assim e no seguimento do Ac. do STJ de 1998/Dez./09 “O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova, segundo o artigo 127.º do Código de Processo Penal, …”, acrescentando-se que “Não ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando, perante os factos assentes, não se vê que haja insuficiência dos mesmos para caracterizar objectiva e subjectivamente o crime em que o arguido foi condenado.”
Ora o arguido sustenta que o tribunal recorrido deveria ter verificado a existência do local do crime com mais acuidade (119.º), impondo-se, na sua perspectiva, que se queria afastar a prova documental que foi junta pelo mesmo, que diligenciasse a audição dos antigos proprietários (120.º) e se quisesse dar credibilidade ao depoimento da assistente deveria ter determinado a realização de uma perícia médico-legal à sua personalidade (121.º), bem como à avaliação do meio familiar em que a mesma estava inserida (123.º) – o recorrente não indicou qualquer item 122.º, passando logo do 121.º para o 123.º, o que se trata, naturalmente, de um mero lapso.
Como se pode constatar e determinados que estão nos factos provados os locais em que terão ocorrido os episódios aqui em causa, não encontramos qualquer facto nuclear que o arguido invoque e que tenha ficado por apreciar. Aliás, o que o recorrente acaba por sustentar diz mais respeito a uma insuficiência de prova, aquela que no seu entender faltaria fazer, mas para demonstrar que o arguido não foi o autor dos factos que foram dados como provados. Mas isso corresponde a uma divergência em relação à valoração da prova e não propriamente qualquer vício que tenha o seu acolhimento no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que improcede este fundamento de recurso.
*
b) Restrições ao direito de defesa do arguido
A Constituição enuncia no artigo 32.º n.º 1 uma cláusula geral de garantias de defesa, ao preceituar que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, precisando depois as mesmas, as quais passam pela presunção de inocência do acusado (n.º 2), do direito ao patrocínio judiciário (n.º 3), a existência de um juiz de instrução (n.º 4), de uma estrutura acusatória do processo, sujeitando-se, pelo menos, a audiência de julgamento ao contraditório (n.º 5), sendo a mesma, em regra, na presença do arguido (n.º 6), assegurando-se ao mesmo a sua intervenção no processo (n.º 7), preservando-se a integridade do processo e do julgamento (due process of law, fair trial) (n.º 8) e a existência de um juiz natural (n.º 9). Também se enuncia no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição o direito a um processo equitativo. Têm sido estas a dimensões essenciais de um processo justo, com expressão igualmente no artigo 6.º da CEDH, que integra o direito a um tribunal independente e imparcial e a um julgamento público (n.º 1), pela presunção de inocência (n.º 2), bem como por um catálogo mínimo de defesa, que passa pela informação sobre a acusação, pela concessão de tempo para preparar a defesa, pelo direito a defender-se, bem como a interpelar e fazer-se assistir por intérprete (n.º 3), extraindo-se daqui e entre outras vertentes, a existência de uma igualdade de armas entre a acusação e a defesa.
Por sua vez, do regime legal dos julgamentos temos como seus princípios estruturantes a sua publicidade (321.º), a oralidade (363.º), a imediação (341.º-350.º, 355.º) e o contraditório (327.º; 355.º). De tal modo que, como se preceitua no artigo 355.º, n.º 1, “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, mas aditando no seu n.º 2 que “Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”. E quanto a estas surge a leitura da generalidade dos autos e das declarações (356.º) e em particular das declarações do arguido (357.º), tendo, por isso, tal regime carácter excepcional, sujeitando a admissibilidade dessa leitura ao princípio da concordância entre a defesa e a acusação. Uma outra situação é a existência de prova escrita pré-constituída, como sucede com os depoimentos para memória futura, mas que correspondem a incidentes probatórios, igualmente sujeitos a oralidade, imediação e contraditório (271.º e 294.º).
Ora tendo o arguido suscitado a leitura das declarações prestadas pela assistente à Policia Judiciária em 2008/Jun./26, tendo obtido para o efeito a concordância do Ministério Público e a discordância da própria assistente, seguindo-se o despacho proferido em 2012/Set./13 a fls. 551-552, caberia ao mesmo interpor recurso dessa mesma decisão, pelo que não o tendo feito atempadamente, não pode agora o mesmo, ao recorrer do subsequente acórdão, suscitar que o mesmo não tem suporte na Constituição. E isto porque o que está em causa é a decisão que não admitiu a leitura de tais declarações do inquérito e não propriamente o acórdão agora impugnado. E isso também sabe o recorrente, porquanto afirmou na sua conclusão 137.º que “O Tribunal – através de despacho de que se recorre – indeferiu o pedido por entender que – em face da oposição dos assistentes – o art. 356º do C. P. C. ….” – certamente queria dizer C. P. P.. Mas se sabia, e bem que era assim, não deveria ter deixado expirar o prazo de recurso, que no caso foi de 20 dias, pelo que em 2012/Out./03 findou o prazo ordinário de recurso, ainda que lhe restasse o prazo suplementar de 3 dias úteis – o seu recurso foi interposto quase um mês depois. Daí que esta questão seja de manifesta improcedência, devendo a mesma ser devidamente sancionada (420.º, n.º 3).
*
C) Nulidade da sentença por violação do princípio da proibição da valoração da prova
O Código de Processo Penal referencia no seu artigo 379.º, n.º 1 as situações de catálogo que conduzem à nulidade da sentença, sendo uma delas a sua alínea c), o que sucede “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. As demais causas de nulidade reportam-se à inobservância de certos requisitos formais da sentença (a) e à falta de correspondência relevante entre os factos sentenciados e a acusação (b). Convém recordar que a referida alínea c) foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 225/Ago., com o nítido propósito de aproximar as causas de nulidade da sentença entre o Código de Processo Penal e o Código de Processo Penal, reproduzindo-se, quanto a tal alínea, o que então estava consignado na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º deste último diploma. A propósito era comum fazer-se a leitura deste mesmo segmento normativo em conjugação com o artigo 660.º, n.º 2, onde se preceituava que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Assim, serão “questões” todas aquelas que naquele momento tenham carácter prévio ou prejudicial, por representarem uma excepção dilatória que ainda possa ser conhecida, como sucede com a competência do tribunal (32.º) ou então possam conduzir antecipadamente à extinção do procedimento criminal, seguindo-se depois as questões de mérito propriamente ditas, quer tenham sido suscitadas na acusação, na defesa ou então que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, respeitando sempre a vinculação temática do tribunal e os seus poderes de cognição em relação ao objecto do processo.
Por sua vez, estipula-se no artigo 355.º, n.º 1, que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”. Isto naturalmente que não implica que os documentos que tenham sido juntos com a acusação ou com a defesa ou em qualquer outro momento até ao início da fase de julgamento e que tenha sido observado o contraditório, tenha novamente que ser lido em audiência, para poderem ser valorado pelo tribunal (Ac. TC 87/99, acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora as provas em si não são propriamente questões com o significado jurídico que lhe dá o Código de Processo Penal, pelo que a indevida valoração de provas não é uma causa de nulidade da sentença que está sujeita a arguição (379.º). Isto não significa que se menospreze essa proibição, antes pelo contrário, porquanto a mesma é manifestamente infractora do direito a um processo justo (20.º, n.º 4 Constituição). Daí que a intensidade dessa proibição de valoração de provas (355.º) seja até comparável, salvaguardando-se as devidas distâncias, com os métodos proibidos de prova (126.º), que correspondem a autênticas nulidades insanáveis (119.º), impondo-se até o seu conhecimento oficioso. Por isso é que a utilização na motivação da sentença das declarações dos arguidos efectuadas no decurso do inquérito, sem que as mesmas tenham sido lidas na audiência de julgamento, não é liminarmente admissível, afectando irremediavelmente essa decisão (Ac. STJ de 2007/Jun./27, CJ (S) II/230).
Deixando-se estas notas, vejamos então se o tribunal valorou prova que não deveria valorar, quando, no dizer do recorrente, “O Tribunal, numa tentativa de colmatar tais enfermidades usou as declarações que a mesma havia prestado anteriormente e que não haviam ficado gravadas, sendo portanto, inexistentes. O que lhe estava vedado”.
A propósito convém recordar que o que está subjacente ao disposto no citado artigo 355.º é a imediação dos depoimentos e o exercício do contraditório. A sua violação corresponde a uma proibição integral do seu uso. Por sua vez, o que está em causa com as gravações magnetofónicas ou áudio-visuais, mais precisamente com a sua integridade, atento o disposto no artigo 363.º e 364.º é a documentação das declarações orais e a sua forma de documentação. A sua transgressão ou a deficiência dessas documentações representam uma nulidade (363.º, parte final), que como tal tem que ser invocada e perante o tribunal que a cometeu (120.º), não sendo até fundamento de recurso (379.º, n.º 2). Como se pode constatar a proibição de valoração de provas e a inexistência ou a falta de documentação total ou parcial dos depoimentos orais, representam vícios distintos com consequências igualmente diferentes.
Ora quando na sequência de uma deficiência de gravação de um depoimento prestado oralmente, o tribunal recorrido teve de novo que ouvir em declarações essa mesma pessoa e, nesta segunda vez, chamou-a à atenção para algumas discrepâncias dos seus relatos dos acontecimentos, entre o primeiro e o segundo depoimento, não está a colocar em crise os princípios da imediação e do contraditório, porquanto todos os sujeitos processuais se encontravam presentes e devidamente patrocinados, tanto no caso do arguido, como da assistente. O tribunal procura é ter um depoimento íntegro dessa mesma pessoa, tentando perceber a razão de ser dessas discrepâncias, pelo que tal procedimento não representa qualquer infracção à proibição de valoração de provas e muito menos gera o vício da falta de documentação da prova, pois esta ficou, naquele segundo momento, plenamente documentada em registo magnetofónico. Porém e procedendo-se à audição do depoimento da assistente C......, tanto o prestado em 29 de Fevereiro de 2012 e 13 de Setembro de 2012, o que foi efectuado na integra, não encontramos qualquer anomalia que torne imperceptível as suas declarações – alias, a haver interferências, que existiram, as mesmas foram mais patentes no segundo depoimento do que no primeiro. E verdade se diga que o recorrente no seu requerimento de 2012/Mai./24 a fls. 530 não suscita quaisquer obstáculos em ouvir o depoimento da assistente, apontando antes que os depoimentos inaudíveis eram das testemunhas O…. e de D......, tendo os depoimentos das testemunhas N...... (Dra.), G...... e H…., bastante interferências. Ora só na informação prestada pela secretaria em 2012/Jun./27 é que se indica que o depoimento da assistente não está audível, seguindo-se a informação de 2012/Jul./09, de fls. 537 de que o depoimento da assistente era parcialmente recuperável (primeiro ficheiro) ou então praticamente recuperável (segundo ficheiro). A tal informação seguiu-se o despacho de 2012/Jul./16 que determinou a “repetição exclusiva dos depoimentos cuja audição não é perceptível no sistema áudio”. Ora estando audíveis os depoimentos da assistente prestado em 2012/Fev./29, não vemos quaisquer razões para se obstar à valoração dos mesmos. Daí que improceda este fundamento de recurso.
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d) Reexame da matéria de facto
O Código de Processo Penal[2] estabelece no seu artigo 428.º, n.º 1, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por sua vez e de acordo com o precedente artigo. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Nesta conformidade e para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, o recorrente tem de indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação, que versará especificamente os factos, as provas e as razões que a propósito foram invocadas, salvo se esse conhecimento ficar prejudicado por qualquer razão (Ac. do STJ de 2006/Nov./08).
Como é sabido e muito embora, segundo o disposto no art. 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir. Tais restrições existem no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), no efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º), na prova pericial (163.º) e na confissão integral sem reservas (344.º). Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32.º, n.º 8 Constituição; 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (32.º, n.º 2, Constituição; 11.º, n.º 1 DUDH[3]; 6.º, n.º 2 da CEDH[4]). Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”. Este último, enquanto emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (32.º, n.º 2 Constituição), inculca que o ónus probatório cabe a quem acusa e que em caso de dúvida, séria e razoável, relativamente aos factos que consubstanciam a prática de um crime por parte do arguido, deve tal incerteza ser resolvida a favor deste.
Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
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O Ministério Público suscita o reexame dos factos, mormente em relação ao 1.º, 2.º e 3.º §§ dos factos não provados, partindo unicamente do depoimento da assistente C......, transcrevendo parte do mesmo que foi prestado em 13 de Setembro de 2012. A propósito e para além do que foi transcrito no requerimento de recurso do Ministério Público, podemos constatar que em relação à factualidade impugnada a assistente teve uma versão dos factos inconsistente, senão vejamos: no depoimento de 29 de Fevereiro de 2012 começou por dizer que “nem sei como nem explicar porquê ter dito que sim [03:49-03:56] ao convite do arguido para se encontrar consigo e que quando o mesmo passou por si de carro “meteu-me dentro do carro”, “agarrou e meteu-me dentro do carro” [04:22-04:40], referindo mais à frente que o arguido a agarrou pela cintura e enfiou-a dentro do carro [08:34-08:39]; mas também nesse depoimento referiu que na ocasião não chegou a gritar [12:12-12:31], tendo tido esse encontro, que a mesma refere como fortuito, no mesmo horário que veio posteriormente a ter com o arguido, ou seja, depois das 21H00 e sempre com o motivo de ir a casa da sua avó paterna [1:04:06-1:04:15], que por sinal ou coincidência, estava de relações cortadas com a sua mãe [1:04:03-1:04:32]. Aliás, neste seu primeiro depoimento a assistente chega a dizer que queria encontrar-se com o arguido [06:47-06:48], mas não queria daquela maneira [07:08-07:09]. Também referiu que o arguido trancou as portas da carrinha [26:56-27:00], mas que a assistente em nenhum momento lhe para a deixar sair [27:07], tendo antes referido que tentou sair, mas tinha a porta fechada [27:15-27:20]. Deste relato pode-se constatar que existem algumas incongruências quanto ao facto da assistente C...... ter sido constrangida ou forçada pelo arguido em entrar na carrinha do mesmo, já que a mesma não explica como tal sucedeu ou a razão pela qual não gritou nessa ocasião, seguindo uma justificação (ir visitar a sua avó paterna), que foi o mesmo estratagema para, perante os seus pais, justificar as suas saídas de cada para se encontrar com o arguido nos meses seguintes. E esta inconsistência do seu relato adensa-se no depoimento prestado em 13 de Setembro de 2012, quando confrontada pela ilustre defensora do arguido para explicar como é que o mesmo lhe tranca as portas, vai depois se sentar na posição de condutor e se a mesma não teve oportunidade de destrancar e sair a resposta da mesma é um acentuado silencia [34:34-34:60], ou seja, não sabe responder, para depois e mais à frente dizer que não se lembrou em abrir a porta [34:34-34:40]. Tudo isto não dá para, com o mínimo de segurança, se dar como assente que o arguido agiu com o intuito de agarrar a assistente e de ter introduzido a mesma contra a sua vontade dentro da carrinha, trancando as portas, tendo, com isso, privado a mesma da sua liberdade, obrigando a mesma a permanecer dentro da carrinha. Daí que improceda o recurso do Ministério Público nesta parte.
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O assistente no seu recurso impugna o ponto 3 dos factos provados, invocando o seu depoimento (29 de Fevereiro de 2012) e o da assistente, referindo-se a uma primeira, segunda e terceira gravação, pelo que presumimos ser aquelas duas de 29 de Fevereiro de 2012 e esta última de 13 de Setembro de 2012. A propósito do seu depoimento considera o mesmo que no decurso da audiência de julgamento deu uma explicação plausível para a assistente o contactar, que foi a mesma dirigir mensagens para o mesmo ir a casa dos pais daquela para tratar da construção do armazém, o que efectivamente o mesmo disse [04:07-04:28], tendo sido em número de 6 ou 7 vezes [05:24-05:32] e tudo isto durante apenas um mês, que foi o lapso de tempo que durou, segundo o mesmo arguido a construção do armazém [02:34]. Tratar-se-ia segundo o mesmo de uma explicação plausível (fls. 656v, que corresponde à página 14 do seu recurso). Mas se esta é explicação é “plausível” para o recorrente, já não o é para para este Tribunal, pelas seguintes razões: como é que uma construção de um armazém passa pelos contactos de uma jovem de menoridade??? E Logo 6 ou 7 mensagens para se deslocar a casa dos pais da mesma, para o arguido, enquanto construtor, indicar os materiais de que precisava para construir??? E se era ele que necessitava dos materiais eram os donos da obra que o contactavam??? E 6 ou 7 mensagens, que quase dá uma por cada uma das paredes, uma outra para o telhado e ainda sobra uma para a entrada, ficando uma última para o arguido tirar dúvidas quanto às outras conversas que decorreram das mensagens??? E logo num curto espaço de um mês??? O que encontramos aqui é uma explicação completamente absurda e, por isso mesmo, sem qualquer razoabilidade. E quanto ao ano do início da frequência por parte do arguido da casa dos pais da assistente, se nalgumas vezes encontramos alguma dificuldade em esta última precisar se foi ou não em 2005, o certo é que a mesma é peremptória em fixar os seus 14 anos de idade para fixar o início do seu primeiro relacionamento sexual com o arguido, mais precisamente depois do seu aniversário. Atente-se que a assistente também não precisou, num primeiro momento, o ano em que foi assistida no Hospital após ter tido um aborto incompleto, tendo até exclamado “Ai fiz em Outubro de 2007?” [37:08-37:10 de 2012/Fev./29] e ninguém duvida que o mesmo ocorreu nessa data, porque existe uma prova objectiva nesse sentido, que corresponde ao episódio de assistência hospitalar de fls. 27.
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O recorrente também impugna os ponto 4) a 10) dos factos provados, servindo-se mais uma vez do seu depoimento, do depoimento da testemunha E......, sua esposa, para sustentar que iniciou a construção da sua casa em 2007 e nesse mesmo ano passou nessa mesma casa o Natal. De acordo com esta versão as fundações da sua casa teriam se iniciado Agosto de 2007 e em Dezembro desse mesmo ano já estaria pronta para habitar, com quartos e casa de banho. Naturalmente que sendo o arguido na ocasião construtor civil, que vivia exclusivamente dos rendimentos obtidos nessa actividade, não vemos como é que o mesmo durante esse período se dedica exclusivamente à construção da sua moradia e não tira quaisquer outros proventos para poder viver. Também o depoimento das testemunhas F......, que trabalhou para o arguido, o qual na ocasião era construtor civil, até desde 2003 até Agosto de 2007, começa por ter esta singeleza: começa por identificar quando deixou de trabalhar, precisando até o mês, mas não sabe em mês começou a fazê-lo [03:37-00:47]. Aliás, esta testemunha e segundo o seu relato, nesse mesmo ano de 2007 até “participou no Natal na casa do Sr. B…. (o arguido) [04:28-04:30]. E isto é de todo incompreensível, uma vez que do seu depoimento resulta que o mesmo apenas teve uma relação laboral com o arguido, não tendo revelado que entre os mesmos existisse uma relação de amizade e muito menos que a mesma fosse tão consistente que levassem os mesmos a passar o Natal juntos. O arguido também invocou os depoimentos de G...... (projectista) e de H...... (engenheiro). Esta penúltima testemunha afirmou ter efectuado o levantamento topográfico em Fevereiro de 2007 (02:26-02:30), o que, segundo o mesmo, até demora algum tempo (04:04), tendo a obra sido iniciado em Julho de 2007 (05:04). Referiu ainda que o arguido tinha a pretensão de passar o Natal de 2007 nessa sua nova casa, havendo nessa altura já alguma construção (05:41-05:55), chegando até a revelar que havia uma “certa amizade entre o arguido e o fiscal da câmara”, que permitiu o início da obra sem a mesma estar licenciada (04:12-04:17). Estas datas sabe a testemunha precisar, mas já não sabe dizer se as máquinas que fizeram as fundações eram movidas a gasóleo ou a energia eléctrica [21:20-21:47]. Por sua vez, a última testemunha que até sabe quando se iniciou o levantamento topográfico, indicando o ano de 2007 [01:48-01:59] e até mesmo quando se iniciou a obra, apontando o Verão de 2007 [03:25], já não sabe dizer onde iam buscar a energia eléctrica para realizar a obra nem mesmo se existia qualquer fonte de energia eléctrica no local [07:17-07:23]. No entanto, o alvará da obra de construção é datado de 09 de Setembro de 2011 (fls. 445) e o alvará que atribui a licença de utilização é de 16 de Novembro de 2011 (fls. 446), o que acaba por retirar qualquer credibilidade à versão dos mesmos. Isto não significa que também seja aceitável que uma obra com uma área total de construção de 454,60 m2, um volume de edifício de 1.219,90 m3, com uma área de implantação de 224,20 m2, constituída por 2 pisos, seja possível construir em 2 meses, tendo sido este o prazo concedido, como ficou certificado e narrado pela Câmara Municipal de Lamego. Mas o certo é que o levantamento junto a fls. 453 e datado de Fevereiro de 2007 não se encontra certificado como tendo entrado nesta Câmara. Tudo isto retira credibilidade aos depoimentos de que o recorrente se pretende fazer valer.
No que concerne ao depoimento da assistente C......, também constatamos que a mesma apresenta algumas inconsistências, designadamente quando tenta “desculpabilizar-se” do início do relacionamento com o arguido, tentando apresentar uma versão, sem o mínimo de consistência, de que foi forçada a entrar na carrinha, como já fizemos referência aquando da impugnação da matéria de facto suscitada pelo Ministério Público. Porém, quando a mesma descreve o envolvimento sexual que houve entre si e o arguido, a idade que na ocasião tinha quando tal sucedeu [41:12; 41:24; 41:30; 42:51] e o lapso de tempo que tal decorreu, situando o seu final após a esposa do arguido se ter dirigido a sua casa e dos seus pais, a mesma é precisa ao longo dos seus depoimentos, ainda que em momentos diferentes, reconhecendo-se, no entanto, a dificuldade em que a mesma tem em precisar as datas, o que é natural. Mas isso não significa que essa sua versão dos acontecimentos seja inconsistente. E como uma referência objectiva de que tal sucedeu é a deslocação que a esposa do arguido fez a casa da assistente e dos seus pais, depois desta ler as mensagens que a assistente e o arguido tinham trocado entre si.
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O recorrente impugna os factos descritos sob os itens 11) a 27) dos factos provados, com base na argumentação anterior, pelo que valem as mesmas razões anteriormente expendidas. Mas também quanto a estes factos podemos encontrar alguma inconsistência no depoimento da assistente, quando a mesma afirma que só manteve o relacionamento com o arguido por este a ter ameaçado que faria o mesmo à sua irmã [27:58-28:01]. E isto porque, segundo a mesma, a sua irmã ter-lhe-á dito que fazia mal em andar com um homem mais velho [28:30-28:45]. No entanto atente-se que a assistente afirmou que gostava do arguido até o mesmo dizer que ia fazer o mesmo à sua irmã [46:46-46:56; 1.05:10 – 1.05:20], mas que só terminou após a mulher do arguido ter ido a sua casa [30:59-31:11] e ter feito o aborto [34:17-34:28]. Ora não tem o mínimo sentido a justificação apresentada pela assistente de que só manteve o relacionamento sexual com o arguido, em virtude daquela ameaça, para depois terminar abruptamente quando a mesma e os seus pais foram interpelados pela esposa do arguido. Tal justificação só tem sentido, sendo por isso plausível que a mesma o tenha feito na audiência de julgamento, numa estratégia pessoal de “desculpabilização” do sucedido, de modo a retirar-lhe a carga de censura a que a mesma tem sido sujeita, quer a nível familiar, quer a nível da comunidade em que se insere. E essa estratégia de “culpabilização” não se iniciou na audiência de julgamento, mas antes, quando a assistente começou a manifestar sentimentos de auto-rejeição, na sequência do aborto, e de rejeição pela comunidade, como foi revelado pela mesma e veio a ser confirmado pelas testemunhas L…. e N......, médicas psiquiatras que a acompanharam e lhe diagnosticaram um quadro clínico de ansiedade. Isto não significa que esta estratégia de desculpabilização da assistente, que até é típica de menores que sofreram abusos sexuais, retire credibilidade à totalidade do seu depoimento, mas apenas aos relatos em que a mesma tenta “justificar” o seu envolvimento sexual com o arguido. Não foi esta a leitura seguida pelo tribunal recorrido que deu praticamente como assente tudo aquilo que foi relatado pela assistente, não tendo formulado qualquer juízo crítico quanto aos seus relatos. E fê-lo de tal forma que chega a entrar em contradições insanáveis e inexplicáveis, como sucede quando dá como provado que o arguido forçou a assistente a entrar na carrinha, para depois dar como não provado qualquer intencionalidade sequestradora por parte daquele, sem que apresente qualquer argumento válido para o efeito – no acórdão recorrido pode ler-se que a assistente referiu que “o arguido parou a carrinha à beira dela, saiu da mesma, agarrou-a, meteu-a dentro da mesma, trancou as portas levou-a para uma mata existente na Póvoa”, acrescentado “A ofendida mencionou ainda que disse ao arguido para a deixar ir embora, mas que este não anuiu” (fls. 579).
Também temos alguma dificuldade em descortinar como é que o arguido teve de modo certo e semanalmente reiterado com a menor, ainda que esta tenha feito referências a um relacionamento sexual de cópula (vaginal) persistente com o mesmo – e sendo do senso comum que algumas pessoas não se relacionam sexualmente em pleno período menstrual. Daí que apenas se possa dar como assente que o arguido no período em referenciado em 35 dos factos provados, se tenha relacionado mais do que uma vez com a menor, não sendo possível precisar o número de vezes, tendo uma dessas ocorrências originado a gravidez da mesma.
Convém ainda fazer algumas precisões quanto ao que foi sustentado pelo recorrente no seu recurso quanto ao item 11 dos factos provados, mormente quando sustenta que o mesmo “nunca foi mencionado espontaneamente pela assistente” (fls. 668v; p. 38, no antepenúltimo §). A propósito, convém recordar que a menção de que o arguido dizia à assistente que iria deixar a mulher, foi sempre uma referência consistente no depoimento da assistente e logo desde o seu início [05:57-06:16], pelo que apenas se percebe essa “desatenção” pela existência de vários depoimentos da assistente, os quais se encontram em quatro gravações, havendo quase sempre aquela tendência para dirigirmos a nossa atenção para aquilo que nos interessa, ignorando o demais.
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No que concerne à impugnação dos factos provados nos itens 29) e 30), com base no depoimento da testemunha D......, irmã da assistente, quando esta afirma que esta última saia à noite “dia sim, dia não, por aí. Mesmo aos fins-de-semana” e sem que tenha havido qualquer teste que pudesse imputar a gravidez da mesma assistente ao arguido.
Convenhamos que esta sustentação argumentativa é muito pouca e até mesmo inconsistente para afectar o que ficou provado naqueles pontos, na medida em que não se conheceu qualquer outro relacionamento que a assistente tivesse tido com outro homem que não fosse o arguido, partindo este do pressuposto, que ficou por demonstrar, que quando aquela saía de noite era para se relacionar sexualmente. Ora não havendo dúvidas de que o arguido se relacionou sexualmente com a assistente, desde os 14 anos desta, o que aquele sempre negou, é natural que se deduza, com toda a segurança, que o estado de gravidez da segunda adveio desse mesmo relacionamento sexual e que a mesma, atenta a sua idade, iniciou o seu relacionamento sexual com o arguido.
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De seguida temos a impugnação dos factos provados sob o item 31, que respeita à existência de uma “ideação suicida” por parte da menor, aqui assistente, com base nos depoimentos das testemunhas L….. e N......, médicas psiquiatras que a acompanharam a assistente.
A propósito convém precisar que essa ideia da assistente pôr termo à sua vida, foi por esta revelada, tendo as ditas testemunhas afirmado que nas suas consultas a menor apresentava um “quadro clínico depressivo”, de tal modo que foi medicada para o efeito. E esse quadro depressivo assentava, como se pode constatar dos depoimentos de tais testemunhas que o recorrente até teve o cuidado de transcrever, em dois factores: o estado de gravidez, a que se seguiu um aborto incompleto (i) e a rejeição que a menor pressentiu de que estava a ser alvo por parte da comunidade onde vivia (ii). O recorrente desvaloriza estes factores, enclausurando-os e cindindo-os totalmente, sem que vá à sua origem, à sua raiz, e sem os inter-relacionar, como que os mesmos surgissem do nada e existissem paralelamente estanques. Ora só existe uma gravidez, porque, em regra, ocorreu um relacionamento sexual – ninguém colocou a hipótese de uma procriação medicamente assistida – e esse relacionamento sexual da assistente foi com o arguido. Então junta-se o “novelo” e podemos ligar a origem desses dois factores ao relacionamento sexual que o arguido teve com a assistente. Falta agora saber se a assistente teve as tais “ideações suicidas”, o que nos faz entrar no domínio daquilo que vulgarmente se designa por medicina narrativa e o que fazer das “histórias dos doentes” (CHARON, Rita, Narrative Medicine: Honoring the Stories of Ilness, Oxford, Oxford University Press, 2006), muito particularmente no caso dos “doentes escondidos” (MEDALIE, JH, “The hidden patient: na incident that changed my Professional life”, in BORKAN, J; REIS, S., STEINMATZ, D.; MEDALI, J (Eds), Patients and Doctors: Life changing stories from Primary Care, Madison, Wiscontin University Press, 1999, pp. 172-6). Trata-se da construção narrativa da realidade, de modo a absorver e agir sobre os relatos do doente, que aqui foi a assistente, enquanto menor, que nas consultas se apresentava calada, que com 14 anos de idade tinha sofrido um aborto, considerando-se a mesma estigmatizada pela sua comunidade, que integra um contexto rural, com uma dimensão pequena, apresentando um “quadro clínico depressivo”, de tal modo que foi medicada na ocasião. Acresce ainda que não nos podemos esquecer, como se salienta no Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013/2017 (http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/BCA196AB-74F4-472B-B21E- 6386D4C7A9CB/0/i018789.pdf) que “O despiste de quadros depressivos graves e do consumo de substâncias psicoactivas lícitas ou ilícitas, são dois bons exemplos do reconhecimento de fatores de risco de suicídio, complementado por intervenção terapêutica adequada e o mais precoce possível” (p. 55, 56). Ora todo aquele quadro pessoal, mormente clínico, e social, representa, a partir de elementos objectivos, como sendo razoavelmente aceitável que a menor tenha tido essas “ideações suicidas”. Daí que nesta parte não se veja qualquer procedência neste fundamento recursivo.
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Por último, temos a impugnação do item 32) dos factos provados, o qual se reporta ao conhecimento que o arguido tinha da idade da assistente, mais precisamente que a mesma tinha 14 anos de idade, baseando a mesma numa frase da assistente de que aquele sabia a sua idade em virtude do mesmo a ter perguntado.
No que concerne à idade das vítimas, convém precisar que o conhecimento da mesma por parte do agente, não implica necessariamente que o mesmo antecipadamente peça e examine o respectivo bilhete de identidade ou qualquer outro cartão de identificação. O que se deve percepcionar é se o mesmo estava em condições objectivas de conhecer a idade da menor, atenta a sua compleição física ou em virtude do mesmo a conhecer, por ser das suas relações familiares, de vizinhança ou quaisquer outras. No caso em apreço, temos que o arguido era vizinho da menor, frequentando até a sua casa, em virtude de ter negócios de construção civil, com os pais da mesma. Assim, sendo estava o arguido em plenas condições para conhecer da idade da mesma ou mesmo para se “interessar”, não havendo qualquer referência de que a assistente aparentava uma idade muito superior à que efectivamente tinha. Assim e concordando que não bastava aquela resposta da assistente para se vir dar como assente a factualidade em causa, o certo é que existem outros elementos objectivos que sustentam uma resposta positiva, tal como foi dado pelo tribunal recorrido. E esses elementos advêm da relação de vizinhança (i), de se tratar de um meio rural (ii) e de dimensões pequenas (iii), do arguido já ter frequentado, ainda que por razões profissionais, a casa da assistente (iv), para que o mesmo tenha uma compreensão intelectiva e mediana da idade da mesma.
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Na confirmação do essencial do que ficou provado, naturalmente que os itens 33) a 38), que se reportam ao elemento subjectivo da actuação do arguido, têm que se manifestar assentes com aqueles outros factos, o mesmo sucedendo com os itens 39) e 40), pois estes dizem respeito, segundo a ordem indicada, ao arrependimento e ao facto de não mais ter procurado a menor.
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Nesta conformidade e na procedência parcial do recurso do arguido, na matéria de facto provada, passará a constar o seguinte:
13) - Após, saiu da mesma, e abordou a menor.
23) A irmã da C...... é 11 meses mais nova que esta
24) a menor acedeu a encontrar-se, novamente com o arguido para com ele manter relações sexuais.
25) Assim, desde esta altura, em dias e horas não concretamente apuradas e pelo menos mais que uma vez, até meados de Outubro de 2007, no armazém do arguido, este e a C......, encontravam-se, depois daquele previamente lhe telefonar a marcar encontro, onde mantinham relações sexuais, de cópula completa, bem como de coito anal e oral, nos termos supra descritos, ejaculando o arguido no interior da vagina da C......, nunca tendo utilizado preservativo ou qualquer outro método contraceptivo.
26) A menor a dada altura chegou a questionar o seu relacionamento com o arguido, mas a mesma após os telefonemas daquele aceitou sempre encontrar-se com o mesmo.
35) O arguido quis relacionar-se sexualmente com a menor nos termos anteriormente descritos, sabendo que o fazia.
36) O arguido ainda que sabendo a idade da menor e da menor capacidade desta em resistir e avaliar o sentido da prática de actos sexuais, conforme referido anteriormente em 32) e 34), quis relacionar-se sexualmente com a mesma, nos termos anteriormente descritos, sabendo que o fazia.
Por sua vez, nos factos não provados passará a constar o seguinte:
Aquando do referido em 13) o arguido agarrou na menor, introduziu-a dentro da carrinha, no lugar destinado ao “pendura”, e trancou as portas, por forma a que a C...... não pudesse sair do aludido veículo;
Perante a recusa da menor C......, o arguido retorquiu para aquela: “se não mantiveres relações comigo, faço o mesmo com a tua irmã, que fiz contigo” (23 primitivo);
O relacionamento sexual referido em 25) ocorreu semanalmente.
Aquando do referido em 26), mormente aquando dos telefonemas que o arguido lhe fazia no sentido de combinarem os encontros referidos, o arguido afirmava à menor que, caso esta não mantivesse consigo relações sexuais, faria com a irmã daquela o mesmo que fazia consigo, assim logrando que a menor acedesse aos seus intentos (26 primitivo);
Além disso, sabia, também, que ao dizer, a certa altura à menor que faria o mesmo à sua irmã se esta não acedesse a manter consigo relações sexuais, criava, por via dessa conduta, constrangimento na menor C......, de forma a que esta mantivesse consigo relações sexuais, limitando-a, assim na sua liberdade sexual, resultado que quis e logrou conseguir (35 primitivo);
Sabia, ainda, que esta sua conduta era adequada a levar a menor a continuar a relacionar-se sexualmente consigo, pelo medo que provocou naquela, ante o espectro de que o arguido pudesse vir a concretizar qualquer tipo de mal, nomeadamente à irmã (36 primitivo);
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e) O número de crimes sexuais praticados
O crime de coacção sexual da previsão do artigo 163.º do Código Penal pelo qual o arguido foi condenado e na versão conferida pela Lei n.º 59/2007, de 04/Set., o qual entrou em vigor 15 de Setembro de 2007 (artigo 13.º desta lei) pune “Quem por meio de violência ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo”, agravado, se por força do artigo 177.º, n.º 4, “dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima”.
Neste ilícito tutela-se a liberdade sexual contra actos sexuais de relevo, tanto na sua dimensão negativa ou estática, no sentido de que uma pessoa tem a faculdade de não ser fisicamente molestada por actos indesejáveis de terceiros com cariz sexual relevante, como numa dimensão positiva ou dinâmica, de ter o direito de escolher, de acordo com a sua vontade, os actos sexuais que lhe são dirigidos, bem como o seu parceiro sexual, protegendo-se o consentimento ou vontade das pessoas numa perspectiva de relacionamento sexual.
A acção típica corresponde à prática forçada (violência, ameaça grave, inconsciência ou impossibilidade de resistir) de actos sexuais de relevo, que são aqueles que têm uma nítida conotação sexual e que, só por si, são suficientemente relevantes para ofender ou condicionar a liberdade e a autonomia sexual que qualquer pessoa tem o direito a preservar e a desenvolver (Ac. TRPorto de 2009/Out./07, em www.dgsi.pt). Daí que para existir um acto sexual de relevo tenha que haver um contacto corporal com conotações sexuais, mas já não que tais actos correspondam a actos de cópula, coito anal ou oral, pois estes são actos típicos do crime de violação (164.º n.º 1 Código Penal).
A propósito foi dado como provado no item 25) o seguinte: “Assim, desde esta altura, em dias e horas não concretamente apuradas, semanalmente, e até meados de Outubro de 2007, no armazém do arguido, este e a C......, encontravam-se, depois daquele previamente lhe telefonar a marcar encontro, onde mantinham relações sexuais, de cópula completa, bem como de coito anal e oral, nos termos supra descritos, ejaculando o arguido no interior da vagina da C......, nunca tendo utilizado preservativo ou qualquer outro método contraceptivo.”
Isto significa, que em nenhum momento poderia ter havido apenas um ou mais crimes de coação sexual, porquanto o relacionamento sexual entre a assistente e o arguido não se ficaram por actos sexuais de relevo, tendo antes havido, como já advinha da acusação pública, actos de cópula, coito anal e coito oral, que como já referimos, seriam aptos a integrar o crime de violação. Mas também ficou agora assente que o arguido nunca chegou a ameaçar a assistente de nada, pelo que sempre seria de afastar o crime de violação.
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Resta então o crime de actos sexuais com adolescentes da previsão do artigo 174.º, do Código Penal, na redacção conferida pela Lei 65/98, mediante o qual se punia “Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa”, relativamente aos factos ocorridos até 15 de Setembro de 2007.
Actualmente, dispõe-se neste artigo 174.º e no seu n.º 1 que “Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”.
O actual crime de actos sexuais com adolescentes surge após a supressão do crime de estupro da previsão do artigo 204.º do Código Penal de 1982 e do antecedente crime de estupro contemplado no artigo 391.º do Código Penal de 1886. Para o efeito a nomenclatura dos crimes sexuais com menores seguiu de perto as linhas de política criminal sugeridas pela Resolução 1099 (1996) de 25 de Setembro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Conselho da União Europeia, mais precisamente o seu ponto iv), no sentido de serem tomadas medidas legislativas que incorporem o princípio de que abaixo dos 15 anos de idade o menor não poderá dar o seu consentimento para se relacionar sexualmente com um adulto – actualmente as linhas de política criminal de protecção sexual dos menores encontram-se “traçadas” pela Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote em 25 de Outubro de 2007 e, por isso, também conhecida pela Convenção de Lanzarote (DR I, n.º 103, de 2012/05/28).
O bem jurídico tutelado no crime de actos sexuais com adolescentes, ao não criminalizar o relacionamento sexual de jovens entre 14 e 16 anos em certas circunstâncias (v. g. com jovens entre 16 e 18 anos ou mesmo com adultos, quando estes não abusem da inexperiência daqueles), não é certamente a intangibilidade sexual (CARMONA SALGADO, Concha, Los delitos de Abusos Deshonestos, Barcelona, Bosch, 1981, p. 43). E ao estabelecer a ilicitude dessa conduta quando a adolescente se relaciona sexualmente, por vontade própria, com uma pessoa adulta quando esta abusa da inexperiência daquela, também não será a liberdade de autodeterminação sexual do adolescente (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, Lisboa, UCP, 2008, p. 480). E a referência de que continua a proteger-se o livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente (Beleza dos Santos, RLJ 57/33; DIAS, Jorge de Figueiredo, ANTUNES, Maria João, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 858, 859), também não responde plenamente aos parâmetros da tipicidade do crime em apreço, que aceita, dando-lhe relevância, nuns casos o consentimento do menor, mas noutras situações afasta o mesmo. Por isso, consideramos mais adequado dizer-se que no crime de actos sexuais com adolescentes tutela-se a autonomia vulnerável da sexualidade desses adolescentes, numa fase em que essa mesma autonomia já assume um certo relevo, mas ainda está a sedimentar-se. Para o efeito, convém recordar, que se partiu da opção político-criminal de que entre os 14 e os 16 anos de idade ainda não se possui, e em regra, o discernimento pleno e necessário para avaliar tanto o sentido, como o alcance de um relacionamento sexual (38.º, n.º 3 Código Penal). Daí que nestes casos esteja essencialmente em causa uma actividade sexual prematura de um adolescente, ainda que este tenha dado o seu consentimento, e uma conduta abusiva de aproveitamento sexual por parte de um adulto. Nesta conformidade, podemos dizer, como já o fizemos anteriormente (Ac. TRP de 2011/Mar./09, CJ II/226), que nos casos dos crimes dos crimes de abuso sexual de criança (171.º Código Penal) e do crime de actos sexuais com adolescentes acaba por se pretender proteger mediatamente, naturalmente com níveis de intensidade distinta, um adequado desenvolvimento sexual em relação a cada uma dessas fases específicas de crescimento, ou seja e segundo a ordem indicada, a infância e a juventude (69.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1 da Constituição) – e não tanto a “intangibilidade sexual” e muito menos uma “obrigação de castidade e de virgindade quando estejam em causa menores”. Assim, só quando uma pessoa for adulta ou mesmo ainda uma jovem madura (16 a 18 anos de idade) é que se pode dizer que se protege a liberdade sexual, porquanto só nestas alturas é que se está em condições de se desenvolver, com capacidade, tal vertente da nossa liberdade.
Mas se em relação ao crime de abuso sexual de criança a acção típica poderá simplesmente corresponder a qualquer acto de sexual relevo e, por maioria de razão, extensível à cópula, ao coito anal ou oral, no caso do crime de actos sexuais com adolescentes estes mesmos actos de conotação sexual têm que surgir “abusando da inexperiência” da pessoa menor por parte do agente adulto. Assim, se à partida a idade entre 14 e 16 anos não é um factor exclusivo para determinar a condição de inexperiência da adolescente, pois se assim fosse bastaria traçar a descrição deste tipo legal de crime sem essa exigência, esse escalão etário não pode deixar de ser um factor preponderante para essa determinação. Daí que seja necessário estabelecer, a partir da factualidade provada, esse vinculo ou conexão entre o abuso da inexperiência da menor e o consentimento desta para a prática de actos com conotação sexual relevante ou mesmo de coito (vaginal, anal ou oral) com uma pessoa adulta. Para o efeito não será exigível que esta pessoa adulta tenha uma estratégia de actuação vincada nesse sentido, designadamente através de promessas ou ofertas, porque o que está em causa é a autonomia do relacionamento sexual de uma adolescente e não a obtenção compromissos, rendimentos ou proventos por parte desta última. Daí que o significado de “abusando da sua inexperiência” não possa ser outro de que essa pessoa adulta se tenha simplesmente aproveitado de uma maior vulnerabilidade da autonomia da menor adolescente para esta se relacionar sexualmente. E tal pode ser aferido a partir dos seus níveis de maturação no relacionamento com os outros, mormente para aferir as consequências de um relacionamento sexual, que tanto pode passar pela ingenuidade, como pela prudência.
Ora o facto da menor aqui em causa ter mantido um persistente relacionamento sexual com o arguido, designadamente através de actos de cópula, sem que para o efeito este tenha utilizado ou aquela exigido que o mesmo usasse qualquer método contraceptivo (29 factos provados), não tendo a primeira tido anteriormente qualquer outro relacionamento sexual (30 factos provados) dá para perceber, de modo objectivo, que a mesma não tinha capacidade nem sabia valorar na sua plenitude o significado e as consequências de tais actos de cópula que praticou com o arguido, de tal modo que veio a ficar grávida. Daí que se possa concluir que o arguido abusou da inexperiência da menor para se relacionar sexualmente com esta.
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Mas como os factos aqui em causa ocorreram entre 2006 e 2007, mais precisamente até meados de Outubro de 2007, coloca-se uma questão de aplicação das leis penais no tempo. Ora um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico é aquele que decorre do art. 29.º, n.º 1 da Constituição segundo o qual “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”, consagrando, deste modo, o clássico princípio “nullum crimen sine lege”. Por seu turno, o mesmo artigo 29.º, mas agora no seu n.º 3 estabelece que “Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança privativas de liberdade que não estejam expressamente cominadas em lei anterior”, acrescentando-se no n.º 4 que “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança privativa de liberdade mais grave do que as previstas no momento da conduta, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”, através dos quais se sancionou um outro princípio clássico conhecido como de “nulla poena sine lege”. Tais injunções constitucionais têm igualmente consagração no disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Código Penal, preceituando-se aqui que “As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”. Deste modo temos que a proibição da retroactividade da lei penal diz não só respeito à incriminação de uma conduta que até então era impune, como também à agravação das penas previstas para certas condutas.
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Traçadas esta linhas podemos dizer que a conduta do arguido integra o cometimento de um crime de abuso sexual de adolescente da previsão do artigo 174.º do Código Penal, tanto no que concerne ao ocorrido entre finais de 2005 e Fevereiro de 2006 (4-8 dos factos provados), o mesmo sucedendo em relação ao ocorrido passado cerca de uma semana (12-20 factos provados) e o que veio a passar-se após mais uma ou duas semanas e sucedeu semanalmente até meados de Outubro de 2007 (25 factos provados). Daí que a conduta do arguido integre nalguns casos o crime de abuso sexual de adolescente na sequência da Revisão de 1998 e noutras situações, mais precisamente após 15 de Setembro de 2007 até meados de Outubro do mesmo ano, na previsão conferida pela Revisão de 2007. Por sua vez e como de um e de apenas um desses relacionamentos sexuais ocorreu a gravidez da menor, verifica-se o cometimento de um crime de abuso sexual com adolescente agravado pelos artigos 174.º e 177.º, n.º 3, ambos do Código Penal. Mas como essa gravidez adveio de um relacionamento sexual entre a menor e o arguido, em data não concretamente apurada, mas situada 3 meses antes da realização da raspagem uterina (29 factos provados), tendo esta sido efectuada em 27 de Outubro de 2007 (28 factos provados), temos de situar aquele relacionamento antes de 27 de Julho de 2007, pelo que no âmbito de tal crime de actos sexuais com adolescente no âmbito da Revisão de 1998.
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Resta agora saber se em relação ao sucedido após a segunda ocorrência e que se prolongou semanalmente até Outubro de 2007, representa apenas um único crime, um crime continuado ou então por vários crimes, consoante tenha havido outras tantas resoluções criminosas do agente e a consumação efectiva e perfeita do crime de actos sexuais com adolescente.
A propósito regula-se no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Por sua vez, estipula-se no subsequente n.º 2 que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, acrescentando-se no n.º 3 que “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima”.
De acordo com o enunciado legal constante no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal haverá tanto crimes quantos aqueles que efectivamente forem praticados, o que implica que relativamente a cada um exista uma resolução criminosa autónoma. Por isso, haverá um concurso real de crimes, ainda que esteja em causa o mesmo ilícito criminal e a mesma vítima seja sexualmente abusada, quando haja a reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior. Isto não implica que tenha de se conceder relevância jurídico-penal aos estádios antecessores que se desenvolvem no âmbito dos actos sexuais consumados, mesmo quando esses actos precedentes se revelarem como crimes, como será o caso da prática no mesmo momento ou ocasião de actos sexuais de relevo com uma menor (beijos, apalpões), a que se seguiram actos de coito (vaginal, anal ou oral), em virtude daqueles não terem a virtualidade bastante para patentear uma relevância própria e autónoma em relação aos actos criminosos subsequentes ou então por se encontrarem numa relação de concurso aparente entre si, designadamente de especialidade ou de consunção (Ac. STJ de 2008/Out./29, CJ (S) III/207).
Por sua vez e de acordo com o referenciado artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal, já existirá crime continuado, quando apesar de existir essa pluralidade de resoluções criminosas, quando se verificar a homogeneidade da forma de execução de diversos ilícitos (1), a lesão do mesmo bem jurídico (2), a unidade do dolo (3), a persistência de uma situação exterior que facilite a execução (4) e diminua consideravelmente a culpa do agente (5). Assim, o fundamento desta ficção legal do crime continuado reside essencialmente na diminuição da culpa demonstrada pela conduta do agente, sendo este pressuposto a âncora indispensável para que a punição de uma pluralidade de crimes se centre apenas na punição de um só crime. Por isso, podem ocorrer todos os demais requisitos, mas se este não se verificar exclui-se a continuação criminosa. Daí que o pressuposto da continuação criminosa que incida sobre uma circunstância exógena deverá corresponder a uma conjuntura que, de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível que o agente se comporte de modo distinto (Ac. STJ de 2008/Out./29, CJ (S) III/207). Circunstância exógena será toda aquela conjuntura factual para a qual o agente não tenha , de qualquer forma, contribuído para a sua ocorrência e seja, simultaneamente, facilitadora da repetição da actividade criminosa. Mas para que se verifique um crime continuado não será apenas suficiente a ocorrência de uma solicitação exterior que facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa, devendo também a mesma surgir como um potenciador da diminuição considerável da culpa do agente (Ac. STJ de 2003/Out./29, www.dgsi.pt; 2009/Jun./25 www.colectaneadejurisprudência.com). Nesta linha tem sido firme a nossa jurisprudência que nos casos de relacionamento familiar em que ocorrem abusos sexuais, como sucede quando um pai se relaciona sexualmente com um seu descendente, afasta a existência de uma culpa diminuta (Ac. STJ de 1993/Jan./28, CJ (S) I/177; 1998/Abr./01, CJ (S) II/175; 2004/Jan./22 CJ (S), I/179; 2007/Set./05, CJ (S) III/189; 2008/Out./01, www.dgsi.pt).
Por sua vez, tem surgido alguma jurisprudência que no âmbito dos crimes sexuais, tem considerado que o facto de ocorrer uma pluralidade do cometimento desses ilícitos, como sucede quando os mesmos se prolongam no tempo com a mesma vítima e tal advenha de uma relação de proximidade, muitas vezes existe uma única resolução criminosa que acaba por dominar uma acção unitária, ainda que esta seja cindível numa pluralidade de factos externamente separáveis, mas que se apresentam intimamente ligados no tempo e no espaço (Ac. STJ de 2013/Jan./22; 2011/Jul./13; 2008/Out./01; Ac. TRP de 2009/Out./07, todos em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, não encontramos qualquer circunstância exógena que traduza qualquer diminuição de culpa por parte do arguido, uma vez que foi sempre este que procurou a menor e não o contrário. Por sua vez e apesar de ter ficado demonstrado que a menor consentiu em relacionar-se com o arguido de modo persistente durante vários meses, não foi possível precisar o número preciso dessas ocorrências, pelo que apenas podemos dar como assente que foram duas vezes, tendo numa dessas últimas ocorrências aquela ficado grávida.
Daí que o arguido tenha, pelo menos, cometido três crimes de actos sexuais com adolescentes da previsão do artigo 174.º do Código Penal e um crime de actos sexuais com adolescentes agravado da previsão dos artigos 174.º e 177.º, n.º 3 ambos do Código Penal.
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f) A medida da pena
A todo o crime corresponde uma reacção penal, mediante a qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada por quem viola os comandos legais do ordenamento penal, estando a mesma definida no respectivo tipo legal.
No crime de abuso actos sexuais com adolescentes do artigo 174.º n.º 1 do Código Penal, na formulação dada pela Lei n.º 65/98, comina-se uma pena de prisão até 2 anos ou uma pena de multa até 240 dias, enquanto o agravado vê os seus limites mínimos e máximo agravados de metade, através do artigo 177.º, n.º 3, o que dá uma pena de prisão até 3 anos e uma pena de multa até 360 dias.
A propósito a Constituição, através do seu 18.º, n.º 2, estabelece como um dos parâmetros da aplicação de qualquer reacção penal a sua necessidade, ao preceituar que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia também enuncia vinculativamente para os respectivos Estados Membros e através do seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”, podendo e devendo esta referência ser constitucionalmente convocada para o ordenamento jurídico nacional (8.º, n.º 2 Constituição). Decorre da conjugação destes preceitos e da sua leitura os princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas. A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral (Ac. TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008[5]), seja especificamente no que concerne às reacções penais (Ac.TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97).
Mas também não nos podemos esquecer que aqueles preceitos tentam traduzir uma ideia de justiça, a qual é imanente a um Estado de Direito Democrático (2.º Constituição), que tem a sua matriz na Constituição, mormente quando estão em causa a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.
Por sua vez, as finalidades punitivas estão enunciadas no art. 40.º, n.º 1, do Código Penal[6], referindo-se aí que “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade do agente”. Este fundamento é renovado no artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal, ao enunciar que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa. Tudo isto reforça a ideia de que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral, associadas à defesa da sociedade e da paz jurídica ou social, mas com nítidas orientações de prevenção especial, tanto positiva na vertente da ressocialização do arguido, como negativa face à perigosidade revelada pelo arguido.
Nesta conformidade e atento o referido princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal, sempre a determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade deverá restringir-se aos casos de manifesta idoneidade ou adequação (i), necessidade ou exigibilidade (ii) e, sempre, na sua justa medida, respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão (27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 Constituição), bem como as referidas finalidades de punição.
Nos critérios de escolha da pena, contemplados no artigo 70.º do Código Penal, estabelece-se que, em caso de alternativa entre a cominação de uma pena privativa da liberdade e outra não privativa da liberdade, deve-se dar preferência a esta última, sempre que a mesma se mostre adequada e suficiente relativamente às finalidades da punição. Por sua vez no subsequente artigo 71.º enumeram-se os critérios legais para a determinação da pena, os quais apontam, numa primeira fase, para que a mesma seja encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
O regime da punição do concurso de crimes encontra-se fixado no art. 77.º, do Código Penal, aí estipulando-se no seu n.º 1 que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, logo se acrescentando no seu n.º 2 que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando -se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
Assim, também na fixação da pena única se deve respeitar o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, tornando-se fundamental ponderar a gravidade global dos factos e a gravidade da pena conjunta (Ac. STJ de 2012/Jan./18 CJ (S) I/210).
No recurso do arguido não foi questionado a opção pela pena de prisão. Assim e ponderando a culpa bastante elevada que o arguido manifestou na sua conduta em relação a cada um dos crimes aqui em causa, consideramos adequado que cada pena parcelar ultrapasse se situe acima da média entre os respectivos limites mínimos e máximo, pelo que temos como justo a ponderação efectuada pelo tribunal recorrido que fixou as penas em 14 meses de prisão. No que concerne ao crime de actos sexual com adolescente agravado e seguindo o mesmo critério, iremos fixar a respectiva pena em 20 meses de prisão.
Na determinação do cúmulo jurídico, temos um limite mínimo de 20 meses de prisão e um limite máximo de 5 anos e 2 meses de prisão, pelo que seguindo o mesmo critério e ponderando que a culpa do arguido, que é por demais elevada, consideramos ajustado aplicar-lhe uma pena de prisão 3 anos e 6 meses de prisão.
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É no referenciado quadro constitucional e nos enunciados parâmetros legais das finalidades das penas que deve ser lida a regulamentação específica do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. Para o efeito o Código Penal estabelece como regra geral, de acordo com o seu artigo 50.º, n.º 1, que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Por sua vez, a jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado (Ac. do STJ de 2002/Jan./09, 2007/Out./18, acessíveis respectivamente em www.dgsi.pt e www.colectaneadejurisprudência.com). Tal juízo assenta num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção. Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa). Também, aqui se deve, tanto quanto possível, neutralizar-se o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma, procurando dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido (função de prevenção geral). Pretende-se, deste modo, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica (Ac. STJ de 2007/Set./26, www.colectaneadejurisprudência.com). Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.
É o que sucede neste caso, ainda que o arguido seja delinquente primário e tenha uma família, o que também não o desmotivou no cometimento dos crimes aqui em causa. Assim, atento o lapso de tempo em que o arguido manteve um persistente relacionamento sexual com a assistente, o que sucedeu durante cerca de 2 anos, não tendo o mesmo manifestado qualquer arrependimento em relação ao sucedido, apesar do mesmo ter provocado forte traumatismo psíquico à menor, existem fortes razões de tutela eficaz do bem jurídico aqui em causa, que foi por várias vezes violado, bem como de defesa ajustada do ordenamento jurídico, impõe-se que esta pena de prisão seja executada.
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B….. e nega-se provimento ao recurso formulado pelo Ministério Público e, em consequência, decide-se:
a) alterar a matéria de facto provada e não provada em conformidade com o decidido no reexame da matéria de facto;
b) condenar o arguido pela prática, como autor material e em concurso real, de três crimes de actos sexuais com adolescentes da previsão do artigo 174.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 65/98, na pena de 14 (catorze) meses de prisão por cada um e de um crime de actos sexuais com adolescentes agravado da previsão dos artigos 174.º e 177.º, n.º 3 do Código Penal na redacção da Lei n.º 65/98, numa pena de 20 (vinte) meses de prisão, seguindo-se, em cúmulo jurídico, uma pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs (513.º n.º 1, 514.º n.º 2, do Código de Processo Penal).

Notifique.

Porto, 19 de Junho de 2013
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro - vencida, porquanto, suspenderia a pena de prisão, atento o facto de o arguido ser primário e inserido social e familiarmente.
José Manuel Baião Papão
____________________
[1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
[2] Doravante são deste Código os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
[3] Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 Dezembro de 1948.
[4] Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13/Out.
[5] Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt assim como os demais a que se fizer referência do Tribunal Constitucional.
[6] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.