Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3057/11.5TBGDM-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: INSOLVÊNCIA
FIANÇA
RELAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS CONDICIONAIS
LIVRANÇAS EM BRANCO AVALIZADAS PELO INSOLVENTE
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
DIREITO POTESTATIVO
ERRO MANIFESTO DA LISTA DE CREDORES
Nº do Documento: RP201301213057/11.5TBGDM-A.P1
Data do Acordão: 01/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADO O PROCESSADO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 50º, Nº 1 E 2 C), 58º E 130º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
ARTº 75º, 77º LULL
Sumário: I- Nos contratos em que o insolvente tenha prestado fiança, estando as obrigações deles resultantes a ser pontualmente cumpridas, na lista apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência devem tais créditos ser relacionados e reconhecidos como condicionais nos termos referidos no artigo 50.º nº 1 e nº 2 al. c) do CIRE.
II- Se o credor reclamante, no apenso respectivo, apresentar como títulos dos seus créditos livranças em branco avalizadas pelo insolvente, não devem os mesmos constar da lista apresentada pelo Sr. Administrador, dele devendo ser excluídos.
III- É que embora o portador de uma livrança possa preenchê-la com todos os requisitos do artigo 75.º, para, assim lhe dar força executiva, o certo é que quanto propriamente à obrigação cambiária, isto é, a obrigação de pagar a soma constante do título, ela só se constitui através do preenchimento.
IV- O que existe antes do preenchimento para o emitente do título, não é uma obrigação cambiária, mas apenas o estar sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação cambiária.
V- Tais situações são reconduzíveis a erros manifestos, não devendo por, isso, a lista de credores, assim apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência, ser de imediato homologada por sentença, devendo antes ser determinada a elaboração de nova lista, rectificada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3057/11.5TBGDM-A.P1-Apelação
Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, 3º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção

Sumário:

I- Nos contratos em que o insolvente tenha prestado fiança, estando as obrigações deles resultantes a ser pontualmente cumpridas, na lista apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência devem tais créditos ser relacionados e reconhecidos como condicionais nos termos referidos no artigo 50.º nº 1 e nº 2 al. c) do CIRE.
II- Se o credor reclamante, no apenso respectivo, apresentar como títulos dos seus créditos livranças em branco avalizadas pelo insolvente, não devem os mesmos constar da lista apresentada pelo Sr. Administrador, dele devendo ser excluídos.
III- É que embora o portador de uma livrança possa preenchê-la com todos os requisitos do artigo 75.º, para, assim lhe dar força executiva, o certo é que quanto propriamente à obrigação cambiária, isto é, a obrigação de pagar a soma constante do título, ela só se constitui através do preenchimento.
IV- O que existe antes do preenchimento para o emitente do título, não é uma obrigação cambiária, mas apenas o estar sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação cambiária.
V- Tais situações são reconduzíveis a erros manifestos, não devendo por, isso, a lista de credores, assim apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência, ser de imediato homologada por sentença, devendo antes ser determinada a elaboração de nova lista, rectificada.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Por apenso aos autos n.º 3057/11.5TBGDM-A, nos quais foi declarada a insolvência de B… por sentença proferida a 10/08/2011 e já transitada em julgado, veio o Sr. Administrador da Insolvência juntar aos autos a lista dos créditos reconhecidos, elaborada ao abrigo do disposto no art. 129.° do C.I.R.E.
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Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
Verba n.º 1
Direito à meação do prédio urbano, denominado "…", sito na …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1300/19980414 e inscrito na matriz urbana sob o art. n.º 2338 (melhor descrito a fls. 4 do apenso B);
Verba n.º 2
Na proporção de 1/413 avos do prédio urbano, sito no …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º 989/19950306 e inscrito na matriz urbana sob o art. 2136 (melhor descrito a fls. 4 e 5 do apenso B).
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Por não ter havido impugnações à lista de credores reconhecidos, nos termos referidos no artigo 130.º nº 3 do CIRE foi proferida de imediato sentença que homologou a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência e junta a fls. 8 e graduou os créditos nela incluídos pela ordem seguinte:
I. Sobre o produto da venda do bem imóvel descrito sob a Verba n.º 1:
1º) O crédito do C…, S.A., no valor de €185.694,64 (cento e oitenta e cinco mil, seiscentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) - garantido com hipoteca.
2º) Os créditos comuns, de forma rateada caso não haja produto suficiente para o seu pagamento integral.
II. Sobre o produto da venda do outro bem:
1º) Todos os créditos comuns, de forma rateada caso não haja produto suficiente para o seu pagamento integral.
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Não se conformando com a sentença assim proferida veio a insolvente B…, interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1.ª As reclamações de créditos do C…, D…, E… e F…, D…, E… não evidenciam carimbo ou registo da data de entrada/recepção nem se encontram juntos os respectivos sobrescritos, sendo impossível de aferir da sua extemporaneidade face ao disposto nos artigos 128º, n.º 1 e 146º do CIRE, pelo que a sentença recorrida não podia ter homologado o seu reconhecimento, incorrendo em “erro manifesto” nos termos do art. 130º, n.º 3 do CIRE.
2.ª Na reclamação de créditos do C… é feita a menção a duas operações, uma titulada pela insolvente, outra por ela avalizada, “a ser cumpridos à data”, pelo que e quando muito, os respectivos créditos teriam que ser reconhecidos como condicionados–ao incumprimento dessas operações–não podendo a sentença homologar o seu reconhecimento, sob pena de consagrar o “erro manifesto” aludido no art. 130º, n.º 3 do CIRE.
3.ª Na reclamação de créditos do D… é feita a menção a duas operações de financiamento cujas obrigações se encontram igualmente em cumprimento, e além do mais têm garantia de cumprimento através de livranças em branco tituladas por duas sociedades anónimas e avalizadas pela insolvente, sem que exista ou venha alegado pelo credor qualquer registo de incumprimento ou o accionamento da livrança, e só por esse mecanismo e actuação, a insolvente poderia ser accionada e reclamada.
4.ª Verdadeiramente, tal garantia prestada pela insolvente não foi formalmente accionada pelo credor, nos termos contratados (conforme contrato e autorização de preenchimento “em branco”), e também por isso não se pode sequer admitir que o D… se arrogue credor da insolvente – consideração que precede a discussão sobre se o crédito, a ser reconhecido, há-de ser condicionado ou não.
5.ª É da lógica, do senso comum, da etimologia, da boa-fé negocial e respeitador das proibições do abuso do direito e do enriquecimento sem causa, que um credor não possa exigir do garante o cumprimento que lhe está a ser regulamente providenciado pelos obrigados principais, uma vez que consabidamente quaisquer créditos sobre avalistas e fiadores não se vencem, nem são exigíveis, enquanto perdurar o cumprimento pelos obrigados principais.
6.ª Na constância do cumprimento das obrigações garantidas, se os credores não poderiam intentar nem acção declarativa, nem acção executiva contra a avalista/fiadora, não podem pretender que os seus créditos garantidos por aval/fiança da insolvente, sejam reconhecidos como “créditos comuns” e não condicionados (ao incumprimento que o aval/fiança acautelam).
7.ª Concomitantemente, não podem, por via da insolvência (apresentação), obter vantagens que de outro modo não obteriam, antecipando o vencimento e o recebimento de negócios em perfeito e regular curso de cumprimento – quando inclusivamente, nos termos contratados, com base na insolvência da avalista, podiam ter operado o vencimento antecipado das operações perante os obrigados principais e não o fizeram.
8.ª O que eventualmente assistiria a tais credores, detentores de direitos de garantia e não de direitos de crédito, seria, junto dos principais obrigados, suscitar a substituição ou o reforço das garantias, fosse nos termos do art. 633º, entre outros, do Código Civil, fosse nos termos dos contratos constantes dos autos, o que não vem alegado ter sido feito.
9.ª O vencimento antecipado total e imediato dessas operações não pode ser oposto à insolvente, mantendo o credor as operações intocadas no que respeita aos obrigados principais, como não podia ser feito de modo inverso, cindindo as operações em duas faces, uma para o devedor principal, outra para o garante.
10.ª Aderir à “tese” (reclamação de créditos, ora homologada) destes credores, por estas operações específicas (garantias de obrigações ainda não incumpridas), reconhecendo-lhes os respectivos créditos sem condições, seria admitir a concessão de benefícios, designadamente, a antecipação do vencimento total e imediato de operações de crédito que registam cumprimento dos planos de reembolso, benefícios estes tudo incompatíveis com a natureza e o mecanismo fundamental das garantias das obrigações.
11.ª Tal situação poderia ainda beneficiar ilegitimamente os principais obrigados das operações em curso de incumprimento, os quais, na eventualidade dos credores da insolvente obterem pagamento de tais créditos pela insolvente – e foi para o obterem ou nessa expectativa, que reclamaram os créditos! – ficariam total ou parcialmente desobrigados perante os mesmos credores!
12.ª Levando essa tese ao extremo, o Administrador da Insolvência estaria desde logo incumbido de accionar aqueles principais obrigados que assim haviam ficado beneficiados/desobrigados, tentando recuperar para a massa insolvente; e desde já a insolvente estaria legitimada a requerer a insolvência daqueles principais obrigados, apresentando reclamação de créditos pela totalidade do valor por ela garantido nos avais/fianças; e mais poderia a insolvente apresentar como activo integrante da massa insolvente, os direitos de crédito correspondentes à potencial efectivação da sub-rogação nas operações que avalizou ou afiançou!
13.ª O que está em questão não é discutir se a reclamação de créditos nas referidas condições é legítima (porque reconhecidamente o é); a questão é que o crédito reclamado, nas circunstâncias referidas, não pode ser reconhecido como crédito, crédito “simples”, “directo”, certo, líquido e exigível, “actual” ou imediatamente exigível da insolvente.
14.ª Outrossim tais créditos, sendo meramente potenciais, têm que ser qualificados como condicionados – ficando a sua exigibilidade dependente do incumprimento que será (seria) factor de accionamento da garantia – pois não há como escapar à evidência jurídica de que as garantias das obrigações não são as obrigações garantidas [o aval é uma obrigação de garantia, e não uma obrigação de cumprimento da obrigação do avalizado. (Ac. TRP de 22/03/2011, Proc. 1627/09.0TJPRT-B.P1); A dívida avalizada só é exigível quando estiver vencida. (Ac. TRP de 12/02/1996, Proc. 9550883); O aval é uma garantia que se reporta à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal. Daí que o aval se encontre dependente da sorte da obrigação avalizada (suposto que esta não esteja ferida de nulidade estranha a um vício formal)… (Ac. TRG de 21/04/2004, Proc. 5533/04-1. Todos os Ac. citados em www.dgsi.pt).
15.ª Na reclamação de créditos do D… é ainda feita a referência a duas garantias bancárias que, nos termos que resultam dos documentos a ela anexos e dos ora juntos, caducaram em 28/12/2011 e 3/3/2012, pelo que se impunha o não reconhecimento, novamente sob pena de incorrer em erro manifesto.
16.ª Ainda na reclamação de créditos do D… é feita referência aos contratos ……. e ……., relativamente aos quais tal credor protestou juntar documentos, não o tendo feito, contra o disposto no art. 128º, n.º 1, in fine, do CIRE, pelo que vedado estava reconhecer (agora, homologar o reconhecimento) dos respectivos créditos, sob pena de violação não só do já citado art. 130º, n.º 3 do CIRE, como do art. 342º, n.º 1 do código Civil.
17.ª Não prescindindo, o contrato ……. teve o seu cumprimento antecipado por acordo das partes principais e como tal igualmente já cessou, novamente, como muito bem sabe o D… e já deveria ter vindo aos autos assumir.
18.ª Todos os factos supra expostos consubstanciam com casos do “erro manifesto” a que se refere o art. 130º, n.º 3 do CIRE, e que determinariam que a Mma. Juiza a quo tivesse proferido decisão diversa da ora recorrida, nomeadamente, conforme já referido, julgando as reclamações extemporâneas e não reconhecendo os créditos.
19.ª ou o disposto nos artigos 128º, n.º 1, 130º, n.º 3 e 146º do CIRE, bem como, o disposto nos artigos 342º, n.º 1, 627º, 631º, 633º e 634º do Código Civil.
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Devidamente notificados vieram os credores C…, SA e D…, SA apresentar as suas contra-alegações pugnando pelo não provimento do recurso, tendo o Banco C…, SA concluindo do seguinte modo:

1. A recorrente não verificou a data do envio da reclamação. Apenas verificou que não existe, junto aos autos, comprovativo da data do envio da reclamação.
2. A reclamação de créditos do Banco recorrido foi enviada, ao Sr. Administrador de Insolvência por carta registada com aviso de recepção de 12-09-2011,
3. Dispõe o artigo 129º do CIRE.“1 Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.” “2 da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.”
4. Cumprida que esteja a apresentação da relação definitiva de créditos, segue-se a fase de impugnação da mesma que visa alcançar, com a possibilidade de intervenção de todos os credores, a perfeição da relação de créditos
5. Caso a aqui recorrente não concordasse com a inclusão na lista, do crédito do Banco, por este ter sido reclamado fora do prazo ou caso não concordasse com a sua qualificação, teria de, no prazo de 10 dias findo o prazo da apresentação da lista a que alude o artigo 129º, impugnar a lista de credores reconhecidos.
6. Sob pena de nada ter impugnado, ser de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência e se graduam os créditos em atenção aos que conste dessa lista. – n.º 3 do artigo 129º CIRE
7. A forma adequada e até entende que a única de forma de ser impugnado qualquer credito que conste da lista a que alude o artigo 129º CIRE, seja como reconhecido ou não reconhecido, é através do expediente da impugnação e não através do recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, proferida nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 129º CIRE
8. A sentença de verificação e graduação de créditos não merece reparo, uma vez que face à inexistência de impugnações limitou-se a homologar a lista de credores.
9. O Banco recorrido aceita, o reconhecimento do crédito reclamado com fundamento em fiança prestada pela insolvente, e apenas este, seja reconhecido sob condição.
10. O presente recurso viola o disposto nos artigos 129º e 130º CIRE.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:
a)- saber se houve lapso manifesto na lista de credores apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência no que tange aos créditos referentes aos credores Bancos C…, SA e D…, SA, E…, SA e F…;
b)- tendo havido tal lapso se devia ter sido proferida sentença homologatória nos termos em que o foi.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a factualidade que resulta provada dos autos:

1º)-Por apenso aos autos n.º 3057/11.5TBGDM-A, nos quais foi declarada a insolvência de B… por sentença proferida a 10/08/2011 e já transitada em julgado, veio o Sr. Administrador da Insolvência juntar aos autos a lista dos créditos reconhecidos, constante de fols. 8.
2º)-Foram apreendidos para a massa insolvente o Direito à meação do prédio urbano, denominado "…", sito na …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1300/19980414 e inscrito na matriz urbana sob o art. n.º 2338 (melhor descrito a fls. 4 do apenso B) e na proporção de 1/413 avos do prédio urbano, sito no …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º 989/19950306 e inscrito na matriz urbana sob o art. 2136 (melhor descrito a fls. 4 e 5 do apenso B);
3º)-O credor C…, SA, apresentou reclamação de créditos no valor total de € 294.270,66;
4º) Tais créditos encontram-se titulados por escrituras públicas, duas de 01-02-2001 e uma de 08-08-2008, em que o Banco reclamante mutuou à Insolvente e outro, as quantias de € 158.151,86, € 37.409,84 e € 60.000,00 respectivamente, sendo nos mesmos actos constituídas três hipotecas a favor do aqui reclamante sobre o seguinte imóvel registado a favor da referida insolvente e outro (…….., …….. e ……….);
5º)-Também por escrituras publicas celebradas com a mesma entidade bancária em 08.Agosto.2008, a insolvente (e outro) prestaram fiança aos contratos de mutuo das quantias de € 79.411,23 e € 31.134,00, celebrados com os Srs. G… e mulher H…, estando tais contratos a ser cumpridos;
6º)-O credor D…, SA apresentou reclamação de créditos no valor de € 1.787.605,73;
7º)-Dois dos referidos créditos tiveram origem em contratos de financiamento feitos pela referida entidade bancária às firmas I…, SA e J…, SA, tendo na sequência dessa contratualização, a insolvente avalizado em branco duas livranças cujas cópias se encontram junta aos autos a fols. 67/68 e 84/85 e um outro crédito no contrato de locação financeira nº 2056488 cuja cópia se encontra junta a fols. 450/454 na sequência do qual também a insolvente avalizou em branco cuja cópia se encontra junta a fols. 49/460;
8º)-O credor E…, SA apresentou reclamação de créditos no valor de € 21.574,83;
9º)-O credor F…, Ldª apresentou reclamação de créditos no valor de € 93.222,13.
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III- O DIREITO

Face à factualidade supra descrita apreciemos então as questões que vêm postas no recurso:

a)- Erro do Sr. Administrador na elaboração da lista de credores

Apresentada a lista de credores reconhecidos por parte do administrador da insolvência (artigo 129.º do CIRE), estatui o nº 1 do artigo 130.º do mesmo diploma que, nos dez dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1, do artigo anterior, (ou seja, o prazo para apresentação da relação de credores pelo Sr. Administrador da Insolvência), pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
Acrescenta depois o nº 3 da mesma disposição que “se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista”.
É este específico segmento do preceito–salvo o caso de erro manifesto–que suscita controvérsia.
Para uns, o conceito deve interpretar-se em termos amplos, “não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite tendo em conta que o erro tanto pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades, em qualquer caso cabendo ao Juiz o dever de evitar violação da lei substantiva; mas isto igualmente sem que possa deixar de permitir aos interessados o respectivo exercício do contraditório”.[1]
Entendimento esse também seguido nos Acs. S.T.J. de 25/11/2008, proferido no processo nº 0831/02 e desta Relação de 03/11/2010, proferido no processo nº 2578/09.4TBVFR-D.P1 acessíveis in www.dgsi.pt.
Para outros, “é extremamente limitado o poder do juiz controlar as listas elaboradas pelo administrador da insolvência, que se limita à correcção de erros evidentes da própria lista, não lhe sendo possível averiguar da veracidade e legalidade da lista perante as reclamações apresentadas, as quais nem sequer lhe são comunicadas”.[2]
Por nossa parte, tendemos a seguir o entendimento que propugnam os autores Carvalho Fernandes e João Labareda.
Na verdade, não pode o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar.
Não se argumente com o facto de o juiz não pode tal verificação porquanto nem sequer tem qualquer elemento em que possa suportar a sua análise, pois as reclamações de créditos e os documentos que as instruem estão na disponibilidade do administrador de insolvência e não do Tribunal-cfr. o art. 128.º do CIRE.
De facto tal não é impeditivo a essa verificação, basta que o Sr. juiz peça, o que deve fazer sempre, tais elementos ao Sr. administrador.
E também não é por isso que, quando inexistam impugnações, o efeito cominatório pretendido pelo legislador, idêntico ao que alude a lei processual civil nos casos em que o réu, devidamente citado, não contesta a acção, encontrando-se numa situação de revelia operante, deixa de ser actuante.
É certo que, o art. 130.º, nº 3 do CIRE a imediata prolação de decisão homologatória da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência. Acontece que, esse efeito cominatório tem que ver com o reconhecimento dos créditos, ou seja, está ligado à falta de impugnações.
Ora, esse efeito cominatório também não desaparece se o juiz verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, pois que, os não impugnados serão sempre reconhecidos embora corrigidos naquilo que Sr. juiz determinar.
Se não fizer essa verificação a pergunta que se põe é esta: como é que o Sr. juiz pode detectar qualquer erro?
Argumenta-se: se os elementos constantes do processo patentearem, de forma flagrante, que o administrador da insolvência cometeu um lapso–porque indicou um valor do crédito superior ao devido, aludiu a uma garantia inexistente–, então impõe-se que o Juiz o corrija, podendo para o efeito diligenciar por obter, previamente, os elementos pertinentes a essa aferição.
A este propósito escreve Salvador da Costa[3] “Não decorre da lei motivo para a interpretação do conceito de erro manifesto em sentido diverso do normal, a que acima se aludiu. Mas o juiz, antes da decisão de homologação dos elementos da lista, deve verificar, pelos seus termos, se ela está ou não afectada do referido erro, com vista ao respectivo suprimento. Como o desfecho do concurso de credores deve ser o que resultar dos factos assentes e da lei aplicável, propendemos a considerar que se o juiz, pela análise da lista, suspeitar de que o administrador da insolvência incorreu em erro manifesto de facto ou de direito no plano dos direitos de crédito ou das respectivas garantias, deve diligenciar no sentido da pertinente correcção. No caso de se tratar de erro formal que deva ser corrigido e não afecte os direitos das partes pode logo ser corrigido sem afectar a imediata prolação da sentença homologatória. Tratando-se de erro substancial cuja correcção implique actividade processual significativa, deve o juiz diferir a prolação da sentença, ouvir as partes e o administrador da insolvência sobre a matéria, e determinar, se for caso disso, a elaboração pelo último de nova lista”.
Não discordamos do assim afirmado, todavia, atendo-se o juiz apenas à lista que lhe é fornecida pelo Sr. administrador, como pode ele corrigir o que quer que seja, se não tem elementos de comparação? Não estão todos esses elementos (os referentes à reclamação de créditos) na posse do Sr. administrador-artigo 128.º nºs 1 e 2 do CIRE?
Como sabe que, por exemplo, o valor de um crédito é superior ao devido? Ou que, como no caso concreto, não fez referência a uma garantia que, efectivamente, existia?
Portanto, a necessidade de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar não pode deixar de se considerar incluída nos poderes de fiscalização conferidos ao Juiz pelo art. 58.º, do CIRE, uma vez que cabe ao Juiz fiscalizar se o Sr. Administrador da Insolvência elaborou a relação de créditos com observância de todas as determinações legais, quer de ordem formal, quer de ordem substancial, sendo ao administrador que cabe a elaboração da lista de credores, em conformidade com o preceituado no art. 129º, do CIRE.
Isto dito e voltando ao caso em apreciação, a recorrente alinha dois argumentos que enquadra dentro citado erro manifesto a saber:
a)- extemporaneidade das reclamações de créditos apresentadas pelos credores C…, D…, E… e F…, D…, E…;
b)- os créditos dos bancos C…, SA D…, SA deveriam ter sido reconhecidos de forma condicional.
Vejamos então se tais situações são ou não subsumíveis ao erro manifesto de que fala o citado artigo 130.º nº 3 do CIRE.

a1)-Extemporaneidade dos créditos

Quanto à extemporaneidade das reclamações dos créditos a resposta não pode deixar de ser negativa, aliás, sobre este aspecto, nem entendemos muito bem as conclusões recursórias.
Efectivamente, o que a recorrente afirma é que não evidenciando as citadas reclamações carimbo ou registo da data de entrada/recepção nem se encontrando juntos os respectivos sobrescritos, é impossível aferir da sua extemporaneidade.
Bom, mas se assim é, como pode a recorrente vir dizer que existiu erro manifesto? Em que se traduziu tal erro?
Na realidade, a alegação da recorrente só tinha sentido se, ancorada em elementos factuais, deles se pudesse extrair que as reclamações de créditos supra referidas eram intempestivas.
Ora, a recorrente retira a conclusão da não tempestividade da apresentação das reclamações, baseada única e exclusivamente na circunstância de não estar comprovado nos autos o momento da sua apresentação.
Portanto, para a alegação ter algum sentido tinha a recorrente que aduzir elementos concretos que evidenciassem a intempestividade das reclamações e, só demonstrada essa premissa, se poderia então equacionar se havia ou não erro manifesto.
Mas ainda que assim não fosse, nunca o recurso teria, nesta parte, qualquer êxito.
Na verdade, e conforme resulta do nº 1 do artº 129º do CiRE, “nos 15 dias subsequentes ao prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”.
Nos termos do nº 4 do mesmo normativo, “Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada (…)”.
Consigna, portanto, este normativo a tutela dos interesses dos credores nas referidas condições, facultando-lhes a possibilidade de virem ao processo em defesa dos seus interesses, sustentando, quer que os seus créditos devem ser reconhecidos, quer que o devem ser em termos diferentes dos que constam da lista dos credores reconhecidos.
Relativamente aos outros interessados, em que se inclui o insolvente, estabelece o nº 1 do artº 130.º do CIRE que nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artº 129º (isto é, do prazo de 15 dias para a elaboração pelo administrador da insolvências das listas dos credores reconhecidos e não reconhecidos) pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
As listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador da insolvência, as impugnações e as respostas são autuadas por um único apenso (arº 132.º do CIRE)
Durante o prazo fixado para as impugnações e as respostas, e a fim de poderem ser examinadas por qualquer interessado deve o administrador da insolvência patentear as reclamações de créditos, os documentos que as instruam e os documentos da escrituração da insolvente no local mais adequado, o qual é objecto de indicação no final nas listas de credores reconhecidos e não reconhecidos.
Resulta, assim, do exposto que a lista elaborada pelo administrador da insolvência nos termos do artº 129.º nº 1 do diploma citada integra todos os credores por si reconhecidos relativamente, não só aos que deduziram reclamação, como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
Daí que, mesmo que tais créditos não tivesse sido reclamados de forma tempestiva, nada impedia o administrador da insolvência de integrar na lista que elaborou os créditos em apreço desde que deles tivesse conhecimento, como teve e aí os inclui.
Discordando do reconhecimento de tais crédito pelo administrador da insolvência, deveria a ora apelante tê-los impugnado nos termos do artº 130.º nº 1 do CIRE, com fundamento na indevida inclusão do mesmo na lista dos credores reconhecidos.
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Improcedem, assim, a conclusão 1ª formuladas pela apelante.
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a2)-créditos condicionados

Insurge-se a apelante relativamente ao reconhecimento tout court dos créditos dos Bancos C…, SA e D…, SA, alegando que deveriam, quando muito, ter sido reconhecidos como condicionados.
Analisemos, então, se assiste razão à recorrente quanto a este fundamento.
Como resulta da matéria atrás descrita parte dos créditos reclamados pelo Banco C…, SA são referentes a mútuos com hipoteca (vulgo créditos a habitação) concedidos à insolvente e outro.
Evidentemente que em relação a esses não se pode falar de créditos condicionados, pese embora o facto de estarem a ser cumpridos.
Com efeito, nos termos do artigo 91.º nº 1 do CIRE a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, sendo que, nos termos do artigo 95.º nº 1 do mesmo diploma legal, o credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito a cada uma das diferentes massas insolventes de devedores solidários e garantes.
Ora, em relação a tais créditos a responsabilidade da insolvente é pessoal, razão pela qual não estão condicionados.
Mas já o mesmo não se passa em relação aos créditos em relação aos quais a insolvente prestou apenas fiança.
Analisando.
Em conformidade com o disposto no nº 4 do artigo 47.º do CIRE, os créditos sobre a insolvência são:
a) «Garantidos» e «privilegiados» os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) «Subordinados» os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) «Comuns» os demais créditos.
Acontece que, para além desses, existem também os créditos sob condição a que se refere o artigo 50.º do CIRE, considerando-se como tais os créditos cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico.[4]
Acrescenta depois o nº 2 da mesma disposição que são havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) (…);
b) (…);
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
Dentro desta previsão estão os créditos em que o insolvente assuma a posição de garante da obrigação creditória (aval, fiança etc.).
Conforme decorre do artigo 627.º nº 1 do C. Civil o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. Portanto, o fiador, assegura com o seu património a satisfação do direito do credor.
Acrescenta depois o nº 2 do mesma disposição que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor e isso acontece mesmo que o fiador tenha assumido a obrigação de principal pagador, pois que nesse caso apenas renuncia ao beneficio de excussão prévia [artigo 640.º al. a) do mesmo diploma legal].
De resto, a posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identifica com a do condevedor solidário pois que a obrigação daquele, embora não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória em relação à do devedor afiançado.[5]
Portanto, após a constituição da fiança passa assim a haver uma obrigação principal, a que vincula o devedor, e por cima dela, a cobri-la, tutelando o seu cumprimento, uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito.[6]
Ora, nas relações entre o credor e o fiador, o direito que melhor espelha o reforço da garantia patrimonial trazido pela fiança é o que confere ao credor o poder de exigir a realização da prestação devida, caso o devedor não tenha cumprido.
Com efeito, como decorre do artigo 634.º do C. Civil a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
Decorre daqui que o fiador só pode ser demandado para cumprir a obrigação principal quando se esteja perante o incumprimento dessa obrigação por banda do devedor, não havendo incumprimento por banda do devedor, o fiador não pode ser demandado em acção com vista ao cumprimento da obrigação assumida por aquele, podendo, na respectiva acção por tal defesa ao credor (artigo 637.º nº 1 do diploma que temos vindo a citar).
Ora, no caso sub judice, está assente nos autos que os contrato de mútuo estão a ser pontualmente cumpridos, pelo que, em face deste comportamento dos devedores, não existe fundamento legal para que os créditos, referentes a tais contratos, sejam exigidos de imediato à insolvente, estando, pois, sob condição suspensiva e, como tal, deveriam ter sido incluídos na lista apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência.
É preciso não esquecer que os créditos nessas condições não estão abrangidos pelo vencimento antecipado, determinado pela declaração de insolvência (artigo 91.º nº 1 do CIRE), sendo atendidos pelo seu valor nominal, no caso de rateios parciais, embora devam permanecer depositadas as quantias a que respeitem é ao momento da verificação da condição (artigo 181.º nº 1 do CIRE), sendo que, nos rateios finais, deve o administrador depositar as quantias correspondentes ao valor nominal do crédito suspensivamente condicionado para ser entregue ao titular, uma vez verificada a condição ou rateada pelos demais credores, caso seja certa a sua impossibilidade de verificação (artigo 182.º nº 2 do CIRE).
No caso, porém, de manifesta improbabilidade da verificação da condição, o crédito não é atendido, sendo as quantias anteriormente depositadas rateadas pelos restantes credores [artigo 181.º nº 2 al. a) do mesmo diploma legal].
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Vejamos agora o caso dos créditos reclamados pelo D…, SA.
Como resulta da factualidade supra referida dois dos referidos créditos tiveram origem em contratos de financiamento feitos pela referida entidade bancária às firmas I…, SA e J…, SA, na sequência dos quais a insolvente avalizou, em branco, duas livranças e um outro crédito no contrato de locação financeira nº ……. onde também a insolvente avalizou em branco uma livrança (de referir que em relação aos restantes créditos o Banco reclamante veio deles desistir nos termos constantes de fols. 374).
Conforme dispõe o art. 30.º, da LULL aplicável às livranças, por força do disposto no art. 77º da LULL, “o pagamento de uma letra (livrança) pode ser no todo ou em parte garantido por aval.”
O aval, é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança, garante o pagamento dela, por parte de um dos seus subscritores, consiste “(…) numa garantia objectiva, no sentido de que se entende prestado para o pagamento de uma letra (ou livrança) objectivamente considerada e não para o cumprimento de uma determinada obrigação cambiária”.[7]
Por outras palavras, o aval é o acto jurídico cambiário, pelo qual o seu autor garante aos destinatários de certa operação avalizada, em princípio na medida do valor que tipicamente corresponde a esta operação, e com independência relativamente aos demais signatários da livrança, o pagamento desta, isto é, o seu pagamento pontual no vencimento, por quem nela está indicado para pagar, ficando pessoal e autonomamente responsável, nos termos dos artºs. 47.º segs. da LULL, pela falta de pagamento que venha a ocorrer.
Tem esta garantia carácter objectivo, o que, significa que o aval, não se destina ao cumprimento da obrigação do avalizado, ou da assunção desta obrigação como sua, mas traduz-se tão só, na obrigação de pagamento do título cambiário caso o avalizado não cumpra a obrigação a que se encontra adstrito.
Por isso, a equiparação referida, no parágrafo I, do art. 32.º, que dispõe que “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, mais não significa que “…o avalista relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual àquele por quem deu o aval, por isso, responde como obrigado directo ou de regresso conforme obrigação do avalizado…”.[8]
Isto dito, verifica-se que in casu os avais prestado pela insolvente foram-no em livranças em branco.
Estamos perante uma letra em branco (livrança) quando falte um ou até todos os requisitos do artigos 1.º e 75.º da Lei Uniforme, mas onde existe a assinatura de uma pessoa que exprime a intenção de se obrigar cambiariamente ao subscrever um título com a designação explicita ou implícita de letra.
Embora o artigo 76.º da mesma lei afirme que o escrito a que faltam alguns dos requisitos indicados no artigo 75º não produzirá o seu efeito como livrança, tal significa que os referidos requisitos são elementos, não de existência mas sim de eficácia da livrança, pois preenchido o escrito com todos os requisitos do referido normativo o que é permitido pelo artigo 10.º (ex vi artigo 77.º) da mesma lei, ele transforma-se em livrança e, portanto, apta a produzir os seus efeitos inerentes a esta, ou seja, o portador de uma livrança em branco pode preenchê-la com todos os requisitos do artigo 75.º, para, assim lhe dar força executiva.
Sem dúvida que, quem emite uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos e determinados termos.
O subscritor, ao emiti-la atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento entre eles convencionado.[9]
Para o Prof. Pinto Coelho[10], o subscritor do título fica vinculado a partir do momento em que o entrega assinado. Quanto propriamente à obrigação cambiária, isto é, a obrigação de pagar a soma constante do título, ela só se constitui através do preenchimento. O que existe antes do preenchimento para o emitente do título, não é uma obrigação cambiária, mas apenas o estar sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação cambiária.[11]
Acontece que, no caso em apreço o Banco D… não procedeu ao preenchimento das livranças em causa, razão pela qual não existe, por parte da insolvente, obrigação de pagar qualquer importância, ou seja, o credor reclamante em causa não é, neste momento, titular de qualquer crédito sobre aquela.
E contra isto não se argumente, como o faz o Banco recorrido de que a recorrente participou nas negociações dos citados contratos tendo, não só assinado as livranças entregues como caução, como também os contratos na qualidade de garante da obrigação.
Efectivamente, a insolvente assinou os contratos em causa mas apenas, como aí se diz, na qualidade de “Prestadora da Garantia do Aval”. Aliás, revelador de tal qualidade, ou seja, de simples garante é o facto de haver dois locais distintos para as respectivas assinaturas:
a) Uma para “O (s) Cliente (s);
b) Outra para “O (s) Prestador (es) de Garantia (s)-(cfr. fols. 65 do primeiro dos contratos).
Portanto, a insolvente prestou apenas uma garantia à obrigação cartular e não à obrigação subjacente.
Porque, das duas uma: ou a insolvente assinou os contratos como garante, sendo que, essa garantia se traduziu no aval das livranças subscritas pelas sociedades mutuárias (dos contrato não resulta que outra tivesse sido prestada) ou então assinou os contratos também na qualidade de mutuária (rectius “Cliente”) dos mesmos.
Em que ficamos?
A verdade é que a insolvente apôs apenas a sua assinou nos contratos na qualidade de garante, prestando o aval nas livranças subscritas pelas sociedades devedoras, essas sim “Clientes” responsáveis pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes dos contratos (cfr. ponto 2 § 1. do contrato em causa), aliás, foi nessa qualidade de garante que o Banco veio reclamar os créditos contra a insolvente (cfr. respectiva petição inicial da reclamação).
É certo que, podia ter assinados os contratos nas duas qualidades, possibilidade essa vertida no ponto 17. § 4 das condições gerais do contrato de crédito, todavia não o fez.
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Feitos estes considerandos, verifica-se que o Sr. Administrador da insolvência ao não atender a esta dupla circunstância: a)- créditos em parte não exigíveis e, portanto sob condição; b)- e créditos não existentes-circunstâncias estas que resultavam da análise das respectivas reclamações de créditos, cometeu lapso manifesto na elaboração da lista de credores tal qual foi junta aos autos.
Resulta, assim, do exposto, que a Srª. juiz deveria, dentro dos poderes de fiscalização conferidos pelo art. 58.º do CIRE, ter procedido à rectificação do mencionado lapso constante da lista de credores elaborada pelo Sr. administrador, no que tange aos créditos reclamados pelos bancos C…, SA e D…, SA, considerando os primeiros em parte sob condição suspensiva e, portanto condicionais, nos termos supra referidos e os segundos inexistentes com a sua exclusão e, só após tal rectificação, é que deveria ter proferido sentença homologatória em conformidade, mas sempre e antes disso com observância do formalismo do artigo 130.º nº 1 do CIRE.
Na verdade, o que resulta do disposto no n.º 3 citado, é que, perante um erro substancial manifesto existente na relação de créditos apresentada pelo Sr. administrador da insolvência, e de que o Juiz se aperceba nomeadamente pela análise das reclamações de créditos, deve este determinar a elaboração de nova lista, rectificada com base nos elementos que indique, mas sem poder então homologar de imediato a lista de credores nem graduar também de imediato os créditos.
Esta homologação e subsequente verificação e graduação de créditos só pode ter lugar de imediato inexistindo tal erro substancial manifesto, pelo que, perante tal erro, há em primeiro lugar que proceder à respectiva rectificação, ou substituição da lista por outra rectificada, e, de seguida, dar às partes a hipótese de procederem, querendo, às impugnações que tenham por convenientes para defesa dos seus direitos. [12]
Daqui resulta ter sido omitida uma formalidade essencial, a da elaboração de nova lista de credores pelo Sr. administrador da insolvência, que tenha em conta o erro substancial de que enferma, tendo em consequência de ser observadas de seguida as formalidades legalmente impostas, com início na possibilidade de impugnação por quem quer que nisso se mostre interessado.
Tal implica a anulação de todos os actos posteriores à apresentação da lista de credores pelo Sr. Administrador da insolvência, inclusive da própria decisão de homologação da lista de credores e de gradução de créditos, a fim de ser elaborada a nova lista, nos termos supra referidos.
Procedem, assim as conclusões 2ª a 19ª das alegações e com elas o respectivo recurso.
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IV- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, anulando-se, assim, o processado posterior à apresentação da lista de credores pelo Sr. Administrador da insolvência com inclusão da decisão de homologação da lista de credores e da graduação de créditos, a fim de ser elaborada, pela Srª juiz do processo, nova lista de credores que tenha em atenção aqueles erros, seguindo-se depois os termos prescritos no art.º 130.º, n.º 1 e seguintes do CIRE.
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Custas da apelação a fixar a final.
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Porto, 21-01-2013
Manuel Domingos Alves Fernandes
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
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[1] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, p. 456.
[2] Cfr. Luís Meneses Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 231.
[3] In O Concurso de Credores, 4ª edição Actualizada e Ampliada, Almedina, Coimbra, 2009, p. 338.
[4] De referir, porém, como salienta Luís Meneses Leitão, obra citada, pág. 109, que este conceito no âmbito da insolvência se afasta bastante da correspondente figura do Direito Civil (cfr. artigos 270.º e ss do C.Civil).
[5] Almeida Costa, Obrigações, pág. 326.
[6] A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 467.
[7] Pavone La Rosa, La Cambiale, pág. 374.
[8] Cfr. neste sentido fundamentação do Assento 5/95, publicado DR, I, A, de 20-5-95 e Pavone La Rosa, ob. cit. pág. 387.
[9] Cfr. neste sentido Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, 1966, págs. 123 e seguintes; Pinto Coelho, As letras, Fasc. II, 2ª ed. págs. 31 e seguintes e Marnoco e Sousa, Letras. Livranças e Cheques, I, 2ª ed. pág. 134.
[10] Obra citada pág. 33.
[11] Não falta, porém, quem considere a obrigação cambiária como existente só pelo facto de o título (em branco) ser emitido. Desde que contenha o nome do tomador, o título se bem que ainda incompleto, pode já circular por meio de endosso-cfr. Ferrer Correia, obra citada, pág. 128.
[12] Como se refere no Acórdão do S.T.J de 25/11/2008, in www.dgsi.pt “há que distinguir entre as modalidades de erro: se se tratar de um erro de natureza meramente formal, cuja rectificação seja insusceptível de influir nos direitos das partes, nada se vê que obste a que tal rectificação se proceda e que logo de seguida seja elaborada a sentença de homologação e graduação, nesse sentido apontando o objectivo de celeridade processual claramente manifestado no preâmbulo do CIRE; mas, se se tratar de um erro de natureza substancial, que implique ficarem afectados direitos das partes, aqueles princípios processuais implicam a impossibilidade de imediata elaboração de tal sentença, uma vez que a alteração que, com o fim de rectificação de tal erro, seja efectuada ou determinada, origina que a lista de credores passe a ser distinta. Ora, atendendo aos curtos prazos fixados na lei, quer para o administrador da insolvência elaborar as listas de credores, quer para estes a impugnarem, a inexistência de impugnações não constitui garantia significativa da correcção das listas elaboradas pelo administrador da insolvência, pelo que, embora os credores não fiquem, apesar dessa inexistência, com o direito de confiar na estabilidade da ilegalidade substancial resultante de alguma eventual incorrecção que os possa beneficiar, também não podem ficar impedidos de defenderem os seus direitos contra alguma alteração inesperada”.