Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0425293
Nº Convencional: JTRP00037314
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: LEGITIMIDADE
SOCIEDADE COMERCIAL
SÓCIO
EXCLUSÃO DE SÓCIO
Nº do Documento: RP200411020425293
Data do Acordão: 11/02/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a sociedade apenas dois sócios, não é possível a exclusão de um deles por mera deliberação social, sendo esta inútil e totalmente ineficaz.
II - Só por acção judicial pode, neste caso, o sócio ser destituído, a pedido do outro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

B..... intentou, no Tribunal de Comércio de....., a presente acção com processo ordinário contra:
- C..... e mulher, D.....; e
- Sociedade comercial por quotas “E....., L.da”, pedindo que o Réu C..... seja excluído de sócio desta sociedade.
Contestou apenas o Réu C....., por excepção e impugnação.
Em via de excepção, única que importa aqui referir, arguiu a ilegitimidade da Autora e da Ré sociedade para os termos da presente acção, referindo que o direito de exclusão de sócio pertence à sociedade e não aos sócios individualmente; a acção de exclusão de sócios é obrigatoriamente proposta pela sociedade contra o sócio e a proposição da acção depende de deliberação tomada pela Ré, o que não sucedeu no caso presente.
A Autora não respondeu à arguida excepção.
Proferiu-se, seguidamente, despacho saneador que, julgando procedente a arguida excepção, considerou a Autora parte ilegítima, pelo que absolveu os Réus da instância.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de agravo e com efeito suspensivo.
Alegou, oportunamente, a agravante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.ª - “A “E....., L.da”, em conformidade com competente certidão do registo comercial junta aos autos, tem o capital social de Euros 5.000 (cinco mil euros), tendo cada um dos respectivos sócios, que são dois, quotas de igual valor de Euros 2.500 (dois mil e quinhentos euros);
2.ª - Como vem sendo Jurisprudência Uniforme dos nossos Tribunais, inclusive deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, entendimento esse sustentado na nossa doutrina, nas situações em apreço, em que há apenas dois sócios, a solução aplicável é a que decorre, como princípio geral, também extensível à exclusão de sócio, do n.º 5 do art.º 257.º, do Código das Sociedades Comerciais, e segundo a qual se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro (Acórdão da Relação do Porto de 20-IV-2004, in www, dgsi.pt), Acórdão da Relação de Coimbra de 18.3.03, CJ, II-21 e ss, e Prof. Raul Ventura in Socds. Por Quotas, II, 58;
3.ª - A participação da Ré mulher, decorre da circunstância, alegada e que consta de documento junto aos autos, da mesma ser casada em regime de comunhão de adquiridos com o Réu marido e da quota haver sido constituída por este após o casamento, sendo, por isso, a mesma parte legítima – artigos 18.º e 19.º, do Código de Processo Civil, e artigos 1724.º, alínea b), 1678.º, n.º 3, e 1682.º, n.º 2, todos do Código Civil;
4.ª - A participação, na acção, da sociedade na qualidade de Ré, decorre da necessidade de que, em relação àquela, se produza o efeito de caso julgado pela sentença que venha a ser proferida na acção (artigo 498.º, do Código de Processo Civil);
5.ª - Viola o douto despacho recorrido o disposto nos artigos 241.º, 242.º e 257.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais, dos artigos 18.º, 19.º e 498.º. todos do Código de Processo Civil, e dos artigos 1724.º, alínea b), 1678.º, n.º 3, e 1682.º, n.º 2, todos do Código Civil”.

Não foi apresentada contra-alegação.
O M.º Juiz do Tribunal “a quo” sustentou o despacho recorrido, mantendo-o integralmente.
...............

As conclusões dos recorrentes delimitam o âmbito do recurso, conforme se extrai do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal é apenas a de saber se a Autora, B..... é parte legítima para os termos da acção.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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OS FACTOS E O DIREITO

Os factos a ter em consideração para a decisão do recurso são apenas os que emergem do relatório supra, para o qual se remete.
Está em causa, no presente recurso, averiguar da legitimidade da Autora, B....., para intentar a presente acção, já que, como se alcança da decisão em recurso (fls. 231), foi a única julgada parte ilegítima.
Como decorre do disposto no art.º 241.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato.
Como refere Raúl Ventura (Sociedades por Quotas, vol. 2.º, 40 e segs.), “qualquer dos sócios pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos no contrato e na presente lei: a exclusão pode ser também decretada por sentença judicial em relação ao sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, tenha causado ou possa vir a causar a esta um prejuízo relevante. A acção de exclusão, para a qual os sócios podem nomear representantes especiais, é proposta pela sociedade, após deliberação dos sócios nesse sentido”.
Nos termos do art.º 242.º, n.º 1, do C.S.C., pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.
A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito (n.º 2 daquele preceito).
Na mesma esteira, estabelece o art.º 246.º, n.º 1, al. c), que depende de deliberação dos sócios, além de outros actos que a lei ou o contrato indicarem, a exclusão de sócios.
A questão que ora se coloca é a de saber se, tendo a sociedade apenas dois sócios, será exigível a deliberação dos sócios e que a acção judicial tenha de ser intentada pela sociedade contra o sócio a excluir.
No caso presente, a sociedade Ré tem apenas como sócios a Autora B..... e o Réu C....., cada um com uma quota de Euros 2.500 (v. docs. 66 a 73).
A deliberação social é o acto da sociedade pelo qual ela exprime, através dos seus órgãos competentes, uma declaração de vontade.
Se a maioria deliberar, em assembleia geral para o efeito convocada, excluir determinado sócio, ele ficará excluído, a menos que, pela via judicial, o sócio logre alcançar a invalidade da deliberação tomada.
Mas a sociedade pode também deliberar intentar acção judicial para o sócio ser excluído.
É assim nas sociedade com vários sócios.
Mas tal já não funciona nas sociedade com apenas dois sócios. Como o sócio a excluir não pode votar na deliberação sobre a sua própria exclusão, a deliberação da sociedade teria de resumir-se à vontade do outro sócio, pelo que o sócio a excluir ficaria totalmente nas mãos do outro sócio. Este, como bem refere o Ac. da R. de Coimbra de 14/3/00 (C.J., Ano 25.º, 2.º, 15), sem oposição e sem necessidade de discutir o caso com quem quer que seja, podia a seu bel talante despedir o outro sócio quando bem lhe conviesse, situação de todo inadmissível.
A especificidade desta situação impõe uma solução especial: “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal (art.º 1005.º, n.º 3, do C. Civil).

Deste modo, quando a sociedade, como sucede no caso em apreço, tem apenas dois sócios, não é possível a exclusão de um sócio por mera deliberação social ou, por outras palavras, tal deliberação é inútil e totalmente ineficaz.
Como escreveu Raúl Ventura (loc. cit., 58), a orientação legislativa que se induz dos três preceitos legais acima citados é no sentido de proteger o sócio excluendo, forçando o outro a usar a via judicial. Parece, pois, que também deve ser estendida à exclusão de sócios de sociedade por quotas.
Afastada a deliberação, como via de exclusão, afastada está ela também como pressuposto da acção judicial de exclusão, pois tão inútil é num caso como noutro. Afigura-se-me, porém, escreve o mesmo autor, que a alteração do regime é mais profunda, pois sempre que a sociedade tenha apenas dois sócios, a exclusão de um deles só pode ocorrer por acção judicial proposta pelo outro contra aquele.
Deste modo, sendo a Autora e o Réu C..... os únicos sócios da sociedade “E....., L.da”, estava a Autora impossibilitada de obter deliberação da sociedade com vista à propositura da presente acção, pelo que pode ela própria intentar a acção judicial com vista à exclusão do sócio C......
Por isso, é patente o interesse da Autora em demandar, donde decorre a sua legitimidade para os termos da presente acção (art.º 26.º do C.P.C.).
Procedem, assim, no essencial, as conclusões da alegação da agravante, pelo que o despacho recorrido não pode manter-se.
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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se conceder provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, a fim de ser substituído por outro que julgue a Autora parte legítima para os termos da acção, seguindo-se os ulteriores termos.
Custas pelo agravado.
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Porto, 2 de Novembro de 2008
Emídio José da Costa
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso