Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
141/11.9PDPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO
PRAZO PRESCRICIONAL
CONTAGEM DO PRAZO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
PROCESSO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP20210624141/11.9PDPRT-A.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução é de quatro anos [artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal].
II - A contagem do prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, inicia-se no dia do trânsito em julgado da condenação (artigo 122º, nº 2, do Código Penal) e interrompe-se durante o período de suspensão da execução da pena, por força do disposto no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
III - A circunstância de um tribunal da condenação ter de esperar pelo desfecho de “processo prejudicial”, nos termos do disposto no artigo 57º, nº 2, do Código Penal, não configura uma causa de suspensão da prescrição da pena, designadamente, nos termos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 125º, do Código Penal, nem de interrupção da prescrição tipificada no artigo 126º do Código Penal.

(Sumário da exclusiva responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 141/11.9PDPRT-A.P1
Data do acórdão: 23 de Junho de 2021

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Criminal do Porto
Acordam, em conferência e por unanimidade, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o Ministério Público;
I - RELATÓRIO
1. Em 29 de Novembro de 2020 foi proferido nos presentes autos o despacho proferido na primeira instância, com o teor a seguir reproduzido:
I - Relatório
Analisados os autos, verifica-se que por sentença transitada em 11/07/2013, o arguido B… foi condenado na pena de prisão de 2 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, al. a), do DL 15/93 (fls. 395).
O DMMP, nas promoções que antecedem, colocou três questões distintas a respeito da pena de prisão aplicada ao arguido e que importa analisar separadamente:
1.1 – A primeira relacionada com a prescrição da pena, tendo defendido o argumento de que tendo o arguido estado detido em regime de prisão preventiva e não em cumprimento de pena até 03/10/2019, só se verificou causa de suspensão da prescrição da pena a partir dessa data.
Tendo em conta que o período da suspensão decretada nos autos terminou em 11/07/2015, a prescrição da respectiva pena poderá ter-se verificado em 11/07/2019 e, portanto, antes da verificação da aludida causa de suspensão, que só se iniciou em 03/10/2019.
No entanto, defende o DMMP que a única solução que garante razoabilidade e coerência lógica ao sistema legal é assumir que os prazos previstos nas alíneas a) a c) do art.º 122.º, n.º 1 do Código Penal dizem respeito a todas as penas de prisão fixadas com os prazos aí previstos, suspensas ou não na sua execução, e que o prazo previsto na alínea d) do mesmo dispositivo diz respeito, para além do mais, a todas as penas de prisão inferiores a 2 anos, sendo indiferente saber se elas estão ou não suspensas na sua execução.
Aderindo a esta corrente jurisprudencial, sustenta que o prazo de prescrição da pena no caso dos autos é de dez anos, por força do art.º 122º, n.º 1, al. c), do Código Penal, concluindo, por isso, que a pena não prescreveu.
1.2 – Quanto à segunda questão, relacionada com a revogação da pena de suspensão sustenta o DMMP que no âmbito do processo 4592/13.6TDPRT, arguido foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão efectiva, em função de factos praticados entre Junho de 2013 e 12/04/2015.
Consequentemente, a esmagadora maior parte dos factos apreciados nesta condenação localiza-se no prazo de suspensão da pena aplicada nestes autos, sendo unânime que a condenação em pena de prisão efectiva, pela prática de crime que tutela o mesmo bem jurídico, no decurso do prazo da suspensão, revela a frustração das finalidades que justificaram a suspensão, devendo levar à revogação da mesma – art.º 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
1.3 - Por último, e em terceiro lugar, considera o DMMP que a revogar-se a pena suspensa, a pena de prisão de 2 anos é susceptível de ser cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 43º, n.1, al. c), do Código Penal (o que não traduziria uma situação de aplicação retroactiva de lei, uma vez que o acto que define a lei temporalmente aplicável – a decisão de revogação da pena suspensa e não a decisão de aplicação de pena de prisão suspensa – já será proferido ao abrigo da actual redacção do art.º 43º do Código Penal), desde que o arguido nisso expressamente consinta.
II - Saneamento
Foi designada data para a audiência a que alude o art.º 495.º do CPP, com a presença da técnica da DGRSP.
Foram tomadas declarações ao arguido, que assistiu à diligência, mediante videoconferência, a partir do Estabelecimento Prisional onde se encontra detido.
A defesa, em sede de alegações, pronunciou-se no sentido de ser ainda de dar a oportunidade ao arguido de ver prorrogada a suspensão da execução da pena de prisão.
III - Fundamentação
Importa ponderar a seguinte factualidade:
i) Por sentença transitada em 11/07/2013, o arguido B… foi condenado na pena de prisão de 2 (dois) anos, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
iii) Por acórdão proferido no processo 4592/13.6TDPRT, o arguido foi aí condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em 14/04/2014, e um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º/1 e 24º, al. j), do DL 15/93;
ii) O período da suspensão da pena de prisão terminou em 11/07/2015.
iv) O arguido encontra-se preso à ordem desse processo desde 14/04/2015.
v) Esteve privado da liberdade, a aguardar julgamento, em regime de prisão preventiva, entre 14/04/2015 e 21/04/2017;
vi) Esteve privado da liberdade, em regime de prisão preventiva, a aguardar o trânsito da sentença no período compreendido entre 21/04/2017 e 03/10/2019;
vii) Encontra-se a cumprir à ordem do referido processo, a pena de 10 anos e seis meses de prisão desde 03/10/2019;
viii) Caso a pena suspensa seja revogada, o arguido consente no seu cumprimento em regime de permanência na habitação.
ix) Não há registo de qualquer incidente disciplinar no EP desde 2016.
x) Tem comportamento exemplar.
xi) O arguido estudou e actualmente trabalha no bar.
xii) Declara-se abstinente e não há registo de consumo de produtos estupefacientes.
Motivação
O Tribunal valorou as declarações do próprio arguido, as informações prestadas pela técnica da DGRSP, o CRC do arguido e as informações que foram juntas pela DGRSP quanto aos períodos de detenção sofridos pelo arguido.
IV) Do Direito
4.1 – Da prescrição da pena
A primeira questão a decidir relaciona-se com a questão de saber se a pena aplicada estes autos prescreveu ou não.
O DMMP aderiu à orientação que foi recentemente adoptada pelo STJ em acórdão de 28/02/2018, disponível no site www.dgsi.pt.
Defendeu-se, neste acórdão, que no caso das penas de prisão suspensas na sua execução, o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).
Acrescenta-se no mesmo aresto que não é defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na la. d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Parafraseando o dito acórdão “meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na al. d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, penas de multa) não abrangidas nas als. anteriores.
A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das als. do art. 122.º, n.º 1, do CP.”
Consequentemente, para este entendimento durante o prazo da pena de suspensão (que pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso e só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).
O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, muito embora se compreendam a bondade dos argumentos e que a lacuna do legislador até pode conduzir a situações pouco coerentes, o certo é que o entendimento preconizado neste acórdão do STJ, e defendido pelo DMMP, não tem apoio legal.
Pode defender-se tal interpretação, mas a mesma não é clara e não está suportada em nenhum normativo, não podendo esquecer-se que a opção por tal entendimento é altamente desfavorável para os direitos da defesa.
Caso o legislador pretendesse tal solução legal, ainda para mais numa matéria tão delicada, impunha-se que a tivesse acolhido expressamente, o que não sucedeu.
Na verdade, o arguido foi condenado na pena principal de 2 anos de prisão, pena essa que foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão.
A pena a considerar nos autos é, pois, neste momento, a pena de prisão suspensa na sua execução, que é uma pena autónoma da pena de prisão.
Ora, em sentido diferente do sufragado pelo DMMP e pelo acórdão do STJ de 2018, o Tribunal da Relação de Coimbra, em recente acórdão de 18/03/2020, também disponível no site www.dgsi.pt considera que “a suspensão da execução da pena de prisão constitui, assim, uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cf. arts. 50º, n.º 5, 45º, n.º 1, 46º, n.º 1, e 60º do Código Penal). Assim, a suspensão da pena de prisão “não é um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, é uma pena autónoma com o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, um conteúdo político-criminal próprio e regime individualizado, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo a suspensão da pena assumir várias modalidades” (citando, no mesmo sentido, o Ac. da Relação de Évora de 10.7.2007, no proc. 912/07-1, bem como Eduardo Correia, nas Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do BMJ, nomeadamente as 17ª e 22ª sessões, de 22.2 e 10.3.1964, e Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 90).
Pelo que, apenas no caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão se determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença.
A consideração da autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas.
Assim, o art.º 122.º, n.º 1, do Código Penal estabelece como prazo de prescrição da ena de prisão igual ou superior a 2 anos, e inferior a 5 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alíneas c) e d) do preceito referido. Decorre daqui que a pena principal aplicada ao arguido prescreveria em 10 anos, efectivamente, mas apenas depois de revogada a suspensão, enquanto que a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, (que é a pena actualmente em vigor) prescreve em 4 anos.
O art.º 125.º do Código Penal, que prevê os casos de suspensão da prescrição, estabelece o seguinte:
“1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão”.
O art.º 126.º, por sua vez, sobre a interrupção da prescrição, determina:
“1. A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.
Conforme acentuado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1/03/2020, acima citado, “A prescrição da pena principal aplicada só se coloca após o trânsito em julgado do despacho que revogar a pena de substituição, nos termos do art.º 56.º do Código Penal – pois só nessa altura se pode considerar a sua verdadeira exequibilidade.
Até lá, a prescrição a considerar é a da pena em execução, a saber, a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão.”
Quer isto dizer que “A pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma da pena de prisão (principal), encontrando-se sujeita a um prazo prescricional igualmente autónomo do prazo de prescrição da pena de prisão substituída.”
Tendo a sentença transitado em julgado em 11/07/2013, o prazo de dois anos previsto no dispositivo terminou em 11/07/2015.
Consequentemente, e na medida em que no período compreendido entre 14/04/2015 e 03/10/2019 o arguido esteve detido à ordem do processo n.º 4592/13.6TDPRT, mas em regime de prisão preventiva, ou seja, sujeito a medida de coacção e não ao cumprimento de qualquer pena, não se verificou qualquer causa de suspensão da prescrição da pena.
Sendo assim, o Tribunal apenas poderia conhecer do incumprimento do regime de prova a que o arguido ficou sujeito até 11/07/2019.
A partir desta data tem de concluir-se pelo final da execução da pena de substituição aplicada (que, na ausência de despacho proferido ao abrigo do art.º 57.º, n.º 1, do Código Penal, se considera o final do prazo de suspensão decretado).
Constata-se, pois, neste momento, ter já decorrido o prazo de 4 anos estabelecido no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, sem necessidade sequer de recurso ao n.º 3 ao art. 126º do mesmo Código (cf., neste sentido, para além do já citado, os Acs. da Relação do Porto de 29.10.2014, no proc. 114/03.5PYPRT.P2, em www.csm.ecli.pt; da mesma Relação, de 8.11.2017, no proc. 337/03.7PAVCD-A.P1, em https://jurisprudencia.pt; e da Relação de Lisboa, de 22.1.2019, no proc. 29/11.3IDLSB-A.L1-5, em www.dgsi.pt).
Consequentemente, exauriu-se o poder de decisão do Tribunal a respeito da possibilidade de revogar a pena de substituição e determinar o cumprimento da pena de prisão principal, porquanto a pena de substituição já se encontra prescrita e/ou cumprida, ainda que sem a ponderação atempada do eventual incumprimento do condenado.
Donde decorre a extinção, por prescrição, da pena autónoma imposta ao condenado, independentemente de ainda se não encontrar prescrita a pena principal aplicada, por ter sido substituída na decisão condenatória por pena suspensa, relativamente à qual já decorreu o período da suspensão.
Improcede, pois, a argumentação do DMMP, porquanto não ocorrendo outras causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, para além da sua execução, a pena (substitutiva) de suspensão da execução da pena de prisão prescreve decorrido o prazo de 4 anos a contar do fim do período da suspensão.
Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas, designadamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e a ponderação do seu cumprimento regime de permanência na habitação.
V- Decisão:
Em face do exposto decido indeferir o doutamente promovido e, em consequência:
5.1 – Julgar extinta por prescrição a pena (substitutiva) de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por ter decorrido o prazo de 4 anos a contar do fim do período da suspensão.
5.2 – Consequentemente indeferir o conhecimento das circunstâncias do eventual incumprimento do condenado das condições da suspensão da execução da pena de prisão.
5.3 – Sem custas.
5.4 – Comunique à DSIC (artigo 5º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) da lei n.º 57/98, de 18.08).
Comunique à DGRSP.(…)"
2. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das seguintes conclusões: (…)
3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
4. Não houve resposta ao recurso.
5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, aderindo à orientação seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça e na motivação do recurso.
6. O arguido apresentou resposta ao parecer, dando "por reproduzida a sua motivação de recurso" – o que não se percebe, uma vez que não foi o arguido quem apresentou o recurso -.
7. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].

Questões a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso - que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
Erro em matéria de direito:
- Contrariamente ao decidido, não se encontra prescrita a pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, al. a), do DL 15/93, uma vez que o disposto nas alíneas a) a c) do art.º 122º, nº 1, do Código Penal, se aplica às penas de prisão, suspensas ou não na sua execução, no seguimento da corrente jurisprudencial vertida nos Acórdãos do STJ de 02/28/2018, proferido no processo 125/97.8IDSTB-A.S1, e do TRL de 02/21/2019, proferido no processo 387/07.4PEAMD.L1-9.
*
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos processuais relevantes:
a) por sentença transitada em julgado em 11 de Julho de 2013, o arguido B… foi condenado na pena de prisão de 2 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (artigo 25º, al. a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro);
b) por acórdão proferido em 21 de Abril de 2017 no processo nº 4592/13.6TDPRT e transitado em julgado em 3 de Outubro de 2019, o arguido foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão pela prática, em 14 de Abril de 2014, de um crime de tráfico de estupefacientes (artigos 21º, nº 1 e 24º, al. j), ambos ainda do mesmo diploma);
c) o arguido encontra-se preso à ordem do processo nº 4592/13.6TDPRT, tendo estado inicialmente em prisão preventiva – entre 14 de Abril de 2015 e 3 de Outubro de 2019 -.
Perante tais factos, o Ministério Público promoveu:
a) que a pena não fosse declarada extinta, por prescrição, por entender que o disposto nas alíneas a) a c) do art.º 122º, nº 1, do Código Penal, se aplica às penas de prisão, suspensas ou não na sua execução, no seguimento da corrente jurisprudencial vertida nos Acórdãos do STJ de 02/28/2018, proferido no processo 125/97.8IDSTB-A.S1, e do TRL de 02/21/2019, proferido no processo 387/07.4PEAMD.L1-9;
b) a revogação da suspensão da execução da pena, nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, al. b), do Código Penal;
c) o cumprimento da pena exequenda em regime de permanência na habitação (artigo 43º, nº 1, al. c), do Código Penal);
B – De jure:
§ 1 – A decisão recorrida fundamenta a prescrição na seguinte premissa jurídica: o artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, e inferior a 5 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alíneas c) e d) do preceito referido.
Daqui infere que a pena principal aplicada ao arguido prescreveria em 10 anos, mas apenas depois de revogada a suspensão, enquanto que a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão - a pena atualmente em vigor - prescreve em 4 anos.
Como o prazo de dois anos de suspensão da execução da pena terminou em 11 de Julho de 2015, o tribunal apenas poderia conhecer até essa data "o incumprimento do regime de prova a que ficou sujeito".
Não tendo sido proferido qualquer decisão a esse respeito até 11 de Julho de 2015, a pena prescreveu em 11 de Julho de 2019.
§ 2 – O Ministério Público recorrente pugna pela tese oposta: o disposto nas alíneas a) a c) do artigo 122º, nº 1 do Código Penal aplica-se às penas de prisão, suspensas ou não na sua execução, no seguimento dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Fevereiro de 2018, proferido no processo 125/97.8IDSTB-A.S1, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Fevereiro de 2019, proferido no processo 387/07.4PEAMD.L1-9.
De resto, recorda que a única circunstância interruptiva ou suspensiva aplicável ao prazo de prescrição das penas suspensas é a circunstância interruptiva prevista no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal: a pena suspensa interrompe-se até ao final do prazo de suspensão.
§ 3 – O arguido não chegou a concretizar nos autos a sua posição a respeito da questão controvertida.
Cumpre apreciar e decidir.
Por sentença transitada em julgado em 11 de Julho de 2013, o arguido B… foi condenado nos presentes autos na pena de prisão de 2 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, al. a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
No decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, o arguido cometeu um novo crime de tráfico de estupefacientes, agora agravado, entre Junho de 2013 e 12 de Abril de 2015, pelo qual viria a ser condenado por acórdão transitado em julgado, apenas, em 3 de Outubro de 2019.
Nestas circunstâncias, contrariamente ao afirmado na fundamentação da decisão recorrida, o despacho a revogar, ou não, a suspensão da execução da pena, não deveria ter sido proferido até 11 de Julho de 2015 (termo do período de suspensão da execução da pena de prisão), inexistindo fundamento legal para tal entendimento[3].
Com particular interesse para a análise do caso concreto, recorda-se o número 2 do artigo 57º do Código Penal, ao estatuir que "Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.": daqui resulta, pacificamente, que numa situação em que se encontra pendente um processo, cuja decisão final poderá fundamentar a revogação da suspensão da execução da pena, encontra-se fundamento legal para o Tribunal aguardar pelo termo da "fase declarativa" do novo processo, por só então poder decidir se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos deveria ser revogada nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal. Neste processo impunha-se aguardar pelo fim de tal processo, tanto mais que havia a informação de que a partir de 14 de Abril de 2015 (ou seja, antes de findo o período de suspensão da execução da pena), o arguido ficou preso preventivamente à ordem desse outro processo, estando fortemente indiciado pela prática do crime pelo qual viria a ser condenado -.
Mas não é essa a questão jurídica que constitui o objeto do recurso.
A pretensão jurídica formulada pelo Ministério Público visa, primeiramente, que se revogue a decisão recorrida e se decida que a pena aplicada nos presentes autos não se encontra prescrita.

A – Do prazo de prescrição aplicável;
Conforme referido, a pena em causa é de 2 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (artigo 25º, al. a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro).
A norma jurídica que fixa os prazos de prescrição das penas é o artigo 122º, nº 1, do Código Penal, tendo interesse para as duas teses em confronto as alíneas c) e d) do aludido normativo:
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
Por conseguinte, a pena aplicada nos presentes autos, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, é de dois anos de prisão, como defendido nos dois acórdãos invocados pelo Ministério Público, ou entra na categoria dos "casos restantes", tal como foi o entendimento da decisão recorrida?
Para tanto, importa recordar a natureza jurídica da pena de prisão suspensa na sua execução: trata-se de uma pena de substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, consubstanciando uma pena autónoma e, pois, por definição própria, natureza e modo de execução, uma pena não privativa de liberdade, tendo hoje um período de suspensão de duração igual ao da pena de prisão aplicada, mas nunca inferior a 1 ano a contar do trânsito em julgado da decisão, como resulta do disposto no artigo 50.º, números 1 e 5, do Código Penal. Trata-se de uma pena autónoma, distinta das outras, tal como já resultava expresso no artigo 47.º do Projeto da Parte Geral de 1963 do Código Penal da autoria de Eduardo Correia quando dispunha que as penas principais eram "1.º a prisão, 2.º a multa, 3.º a sentença condicional e, 4.º, o regime de prova", defendendo o mesmo[4] na Comissão Revisora do Código Penal, para que a então denominada sentença condicional (depois condenação condicional) tivesse caráter de pena autónoma e não constituísse uma mera modalidade especial de execução da pena de prisão[5]. Tal entendimento viria a ser espelhada no ponto 11 da "Exposição de Motivos" da Proposta de Lei n.º 117/I resultante dos trabalhos daquela Comissão Revisora que, posteriormente veio dar corpo ao mesmo item, agora da II parte (Parte Geral) da introdução ao Código Penal de 1982, onde foi clarificado que "Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e ss) e o regime de prova (artigos 53.º e ss)", enquanto "Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade [...].".
O citado elemento histórico de interpretação revela, de forma categórica, que a suspensão da execução referenciada ao artigo 50.º é uma pena autónoma não privativa da liberdade.
Daqui resulta, forçosamente, que o prazo de prescrição a aplicar a uma pena de prisão suspensa na sua execução será, sempre, de quatro anos [artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal].

B – Da contagem do prazo de prescrição da pena;
B.1. Do prazo de prescrição;
Nos termos do disposto no artigo 122º, nº 2, do Código Penal, "O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena."
A sentença condenatória respetiva transitou em julgado em 11 de Julho de 2013.
O prazo de prescrição, pelas razões acima concretizadas, é de 4 (quatro) anos.
Porém, tratando-se de uma pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, a contagem do prazo de prescrição foi interrompida entre 11 de Julho de 2013 (data do trânsito em julgado da decisão condenatória) e 11 de Julho de 2015 (o termo do período de suspensão da execução da pena), por força do disposto no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por se tratar do período (dois anos) durante o qual esteve a ser executada (facto duradouro) a pena suspensa, mediante regime de prova[6].
Daqui resulta que a contagem do prazo de prescrição (quatro anos) da pena aplicada nos presentes autos se iniciou em 11 de Julho de 2015.

B.2. Das causas de interrupção e suspensão da prescrição da pena;
Para proceder à contagem do prazo de prescrição – de quatro anos, conforme acima explicitado -, importa aferir se os autos revelam a existência de alguma causa de interrupção ou de suspensão da prescrição da pena.
Neste âmbito, impõe-se apreciar e decidir, unicamente, se a circunstância dos presentes autos terem aguardado, desde o termo inicial da contagem da prescrição da pena (11 de Julho de 2015) pela conclusão do processo nº 4592/13.6TDPRT, cujo acórdão apenas transitou em julgado em 3 de Outubro de 2019, interfere na aludida contagem.
O tribunal "a quo" teve de aguardar pelo desfecho do "processo prejudicial" por força do disposto no número 2 do artigo 57º do Código Penal: "Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.".
Importa aferir a relevância do decurso desse prazo legal de espera à luz do estatuído na alínea a) do nº 1 do artigo 125º, do Código Penal, "A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
"a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;"
Ora, a pena suspensa foi executada no período situado entre 11 de Julho de 2013 e 11 de Julho de 2015 e já não podia voltar a ser executada "qua tale", depois de findar o "processo prejudicial": a pena suspensa seria extinta ou revogada.
Em consequência do possível despacho de revogação, seria executada uma pena distinta, privativa da liberdade (dois anos de prisão).
Por conseguinte, o disposto no artigo 57º, nº 2, do Código Penal não impediu o início da execução ou a continuação da execução da pena não privativa da liberdade, relativamente à qual foi estabelecido o prazo de prescrição de quatro anos.
Nestes termos, a circunstância do tribunal ter esperado pelo desfecho do "processo prejudicial", por imposição legal, não configura uma causa de suspensão da prescrição da pena, designadamente, nos termos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 125º, do Código Penal.
De resto, também não integra causa de interrupção da prescrição tipificada no artigo 126º do Código Penal.
Assim sendo, embora com fundamentação acrescida, confirma-se a decisão recorrida, ao considerar que a pena aplicada ao arguido no âmbito dos presentes autos se encontra prescrita desde 11 de Julho de 2019.
Nestes termos, impõe-se julgar não provido o recurso do Ministério Público.

Das custas:
Tendo-se negado provimento ao recurso do Ministério Público, não há lugar ao pagamento de custas (artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Penal).
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade e em conferência, negar provimento ao recurso do Ministério Público.
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 23 de Junho de 2021.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Conforme defendido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 25 de Novembro de 2003 (processo nº 2281/03-1) e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Setembro de 2017 (86/12.5PGLRS-A.L1-5), bem como nos inúmeros acórdãos citados na fundamentação juridica deste último.
[4] O citado e eminente penalista defendeu a autonomia da pena de prisão suspensa na sua execução, igualmente, nas suas Lições, onde salienta que "A condenação condicional não deixa, porém, de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena" [...]. "Daí que, como diz Beleza dos Santos, o instituto se possa considerar uma verdadeira pena", in Direito Criminal, II, Almedina, 1971, pág. 397
[5] Conforme resulta das atas da 17.ª Sessão e da 22.ª Sessão, respetivamente de 22 de Fevereiro de 1964 (vol. I) e 10 de Março de 1964 (vol. II), publicadas nas Separatas do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1965 e 1966.
[6] Neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal e Secção, de 29 de Outubro de 2014 (processo nº 114/03.5PYPRT.P2).