Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7341/17.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: ACÇÃO DE REVITALIZAÇÃO
RECUSA OFICIOSA
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
ÓNUS DA PROVA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
PER
Nº do Documento: RP201810117341/17.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 148, FLS 42-52)
Área Temática: .
Sumário: I - O juízo de valor subjacente à recusa oficiosa de homologação do plano de insolvência (ou de recuperação) regulada no artigo 215º do CIRE só relevará no caso de esse plano ser manifestamente inviável ou inexequível.
II - É sobre o credor que pretenda a não homologação prevista nos artigos 17º-G e 216º, nº 1, do CIRE que impende a prova de que o plano o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.
III - A declaração de insolvência no âmbito de um PER apenas será possível na sequência do encerramento deste processo, mediante parecer nesse sentido do administrador judicial, após audição da empresa e dos credores, como preconizado nos artigos 17º-F, nº 9, in fine, e 17º-G, nºs 1, 3 e 4, daquele código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 3ª SECÇÃO – Processo nº 7341/17.6T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
Nos presentes autos de Processo Especial de Revitalização em que é requerente e devedora B..., Lda, aprovado que foi o plano de revitalização apresentado, foi o mesmo homologado por sentença, nos termos do artigo 17º-F, nº 10, do CIRE.
A credora C..., SA, interpôs recurso da mesma, pedindo a sua revogação e substituição por outra, que não homologue o referido plano.
A devedora contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Foram dispensados os vistos.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. factos
1. A lista de credores reconhecidos inclui créditos no montante global de 124.097,27 euros;
2. O crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante de 11.645,09 euros, tem natureza privilegiada, tendo o remanescente natureza comum;
3. O crédito do “Instituto da Segurança Social, I.P.” no montante de 5.655,78 euros, tem natureza privilegiada;
4. Existe um crédito com natureza subordinada, no montante de 2.526,86 euros, e os demais créditos têm natureza comum;
5. O plano de revitalização apresentado consta de fls. 525 e seguintes, dando-se aqui por reproduzido o respectivo teor;
6. Tal plano, na parte relativa ao “Plano de Reembolso dos Créditos”, prevê o seguinte:
“Instituições Financeiras
Créditos Comuns
(…)
Proposta de pagamento:
- Perdão de 100% dos juros moratórios e remuneratórios até à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do PER;
- Perdão dos juros vincendos;
- Perdão de todos os encargos ou quaisquer quantias judiciais e extrajudiciais, designadamente indemnizações;
- Carência de capital: 24 meses após a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano apresentado no Processo Especial de Revitalização;
- Amortização capital: 120 prestações mensais constantes de capital, vencendo-se a primeira no último dia útil do vigésimo quinto mês após a verificação do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano apresentado no Processo Especial de Revitalização.
Estado
(…)
Segurança Social
Proposta de pagamento:
“A totalidade da dívida à Segurança Social será regularizada através de plano prestacional, no âmbito da execução fiscal, mantendo-se em vigor o plano deferido por despacho de 15/02/2018 do Ex.mo Senhor Coordenador da Secção de Processo Executivo do Porto II.”
Autoridade Tributária e Aduaneira
Proposta de pagamento
- Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja:
a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano.
b) Número máximo de prestações:
i. Até ao máximo de 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 1 unidade de conta (…);
ii. Até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (…);
- A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei 73/99, de 16 de Março, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social caso se verifique, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas;
- Não haver lugar à redução de coimas e custas;
- Não haver lugar a qualquer moratória.
Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.
A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (…).
Nos termos do n.º 3 do artigo 30º da LGT, caso o Plano não obtenha a concordância da Autoridade Tributária este não produzirá efeito quanto à mesma.
Outros Credores
Créditos Comuns
(…)
Proposta de pagamento:
- Perdão de 100% dos juros moratórios e remuneratórios até à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do PER;
- Perdão dos juros vincendos;
- Perdão de todos os encargos ou quaisquer quantias judiciais e extrajudiciais, designadamente indemnizações;
- Carência de capital: 24 meses após a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano apresentado no Processo Especial de Revitalização;
- Amortização capital: 120 prestações mensais constantes de capital, vencendo-se a primeira no último dia útil do vigésimo quinto mês após a verificação do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano apresentado no Processo Especial de Revitalização.
No que concerne ao contrato de arrendamento em vigor, onde a empresa exerce a sua actividade, as rendas a partir de Março de 2018 serão pagas pontualmente nos termos do contrato de arrendamento celebrado.
Outros Credores
Créditos Subordinados
(…)
Proposta de pagamento:
- Perdão de 100% da dívida existente.”;
7. A devedora, com o requerimento inicial, juntou a relação de bens constante de fls. 17 verso a 24 verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido, composta apenas por bens móveis.
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2. Conclusões das alegações de recurso
1ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença de homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora.
2ª Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal recorrido que, em clara violação do disposto nos artigos 215º e 216º do CIRE, a homologar o plano apresentado.
3ª O plano de recuperação apresentado pela Recorrida não é um plano viável, nem credível, mas sim um plano repleto de deturpações da realidade, incongruências e contradições, o que de forma irremediável inviabiliza o plano de recuperação e viola de forma não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
4ª A Recorrida inicia o seu plano de revitalização apresentando o impacto expectável do plano, por comparação com o cenário de liquidação e para o cenário da liquidação a Recorrida apresenta um quadro, do qual resulta que o seu activo é somente composto por bens móveis e clientes, num valor de global em 24.444,50€.
5ª Porém, nesse mesmo plano, apresenta um outro quadro totalmente distinto, do já qual constam como activos inventários, activos intangíveis e caixa e depósitos bancários, no valor global de 84.207,97€.
6ª Tais activos se existem têm de ser considerados também para o cenário de liquidação, ou, ao contrário, se estes não existem não podem os mesmos ser considerados no balanço previsional. Essa divergência não permite aos credores aferir o estado real económico da Recorrida.
7ª O plano de negócio apresentado aos credores tem de ser um plano rigoroso e criterioso, que permita aos credores aferir da sua viabilidade e credibilidade, o que como se demonstrou não sucede no plano aqui em crise.
8ªAs incongruências e falsidades apresentadas enviesam todo o plano, pois, criam incerteza e imprecisão o que não é admissível e consiste numa violação do disposto no art. 195º do CIRE, e dos princípios orientadores do processo especial de revitalização, nomeadamente o principio décimo, impondo a sua não homologação!
9ªAcresce que o plano aqui em crise apenas prevê o reembolso dos credores comuns, porquanto, para os demais credores, designados pela Recorrida como Estado o plano não concretiza qual a sua forma de pagamento.
10ª Em relação ao reembolso do Crédito da Segurança Social o plano apenas refere que se mantém em vigor o plano, celebrado com a Secção do Processo Executivo do Porto, em 15/02/2018 ou seja, um plano celebrado fora do âmbito deste procedimento e cujos termos e condições não são do conhecimento dos demais credores.
11ª Em relação aos Créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira a Recorrida limita-se a apresentar várias possibilidades, sem qualquer concretização, prevê a possibilidade de se pagar essa dívida em prestações, que podem variar de 36 a 150.
12ª Ora tais possibilidades são margens de negociação, e não um plano de reembolso/recuperação concretizado e materializado.
13ª – Ora não só essas possibilidades, não concretizam qualquer plano concreto e efectivo, como a não está previsto no plano, o escalonamento e o esforço económico da Recorrida para proceder ao pagamento da dívida em 36 prestações ou em 150 prestações quer no plano de negócios, quer na demonstração financeira.
13ª De facto, se examinarmos o balanço previsional a Recorrida prevê o ressarcimento do crédito do Estado e outros entes públicos, no primeiro ano, em 74% desse crédito, porém esse reembolso está unicamente vertido no Balanço previsional e não tem qualquer enquadramento nos planos de pagamento apresentado para o credor Estado.
14ª Se não existe identificação entre o plano de pagamento previsto e balanço previsional e a demonstração financeira, não pode o plano de recuperação apresentado ser viável ou credível.
15ª Não basta que o plano preveja a continuidade da actividade da devedora, o pagamento aos credores nos termos que do mesmo constam, é necessário que em todo o seu conjunto se consiga concretizar a viabilidade da sociedade e para tanto é necessário que haja correspondência entre os planos de pagamento apresentados e o seu balanço previsional.
16ª O plano de recuperação, foi apresentado aos credores e proposto à votação em Março de 2018, ou seja, após já se ter dados concretos sobre o ano de 2017, no entanto, manteve somente os dados previsionais.
17ª O plano apesar de ter sofrido alterações designadamente, nos termos de pagamento dos créditos comuns – vulgos fornecedores, passando estes a serem pagos nossos exactos termos dos créditos das instituições financeiras, manteve na íntegra os balanços previsionais, apresentados em Outubro de 2018. O que demonstra que estão desfasados da realidade.
18ª Esta falta de precisão e falta de actualização dos balanços previsionais, que são os dados que permitem aos credores aferir da credibilidade e viabilidade do plano, evidenciam, sem margem para qualquer dúvida que o plano apresentado não é um plano de negócios viável e credível, e que tão pouco, contém informação respeitante aos passos a recorrer pelo devedor para pagar aos seus credores, quanto mais o modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.
19ª Esta ausência de concretização e materialização enviesa todo o plano, pois, cria incerteza e imprecisão o que não é admissível e consiste numa violação do disposto no art. 195º do CIRE, e dos princípios orientadores do processo especial de revitalização, nomeadamente o principio décimo, impondo a sua não homologação!
20ª A resolução de Conselhos de Ministros n.º 43/2011 de 25 de Outubro, estatui no seu 10º princípio que: “As propostas de recuperação do devedor devem basear -se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros. – sublinhado e negrito nossos.
21ª O plano de recuperação apresentado nestes autos deve basear-se num plano de negócios viável e credível, adjectivos que não podem ser atribuídos ao plano homologado, visto que este, repete-se, está cravado de incongruências e inverdades na medida em que os planos de pagamentos de créditos, não são enquadráveis nos seus balanços previsionais, em que o activo do cenário de liquidação é totalmente diferente do activo apresentado em cenário de recuperação razão pela qual, não deveria o plano de recuperação ter sido homologado.
22ª A homologação do plano de recuperação, cria juntos dos credores a convicção de que o plano estabelecido será cumprido, nos termos em que foram admitidos, razão pela qual o plano deve descrever as medidas necessárias à sua execução, o que não sucede neste caso e constitui uma violação do 10º princípio orientador aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro.
22ª Os maiores credores da Recorrente são a aqui Recorrente e D... e E..., uma representado 31,21% do passivo e os outros 12,17%, o que representa 43,38% do passivo total, créditos provenientes de rendas.
23ª Estas dívidas nos termos do art. 20º n.º2 al. g) iv do CIRE são indícios da situação de insolvência da Recorrida.
24ª Na pendência do presente processo especial de revitalização e não obstante os efeitos do art. a Recorrida continuou a não conseguir pagar as suas despesas correntes, mormente a renda aos seus locadores.
25ª A Recorrida é uma sociedade, composta por um único um trabalhador e que no (i) decurso do seu processo especial de revitalização, (ii) enquanto estão suspensas todas as acções que podem ferir o seu património, (iii) não pagou rendas desde Outubro de 2017 até Fevereiro de 2018 ao seu senhorio e reconheceu-o no plano aqui em crise ao aditar a cláusula de que pagará as rendas pontualmente a partir de Março de 2018 reconhece que não consegue pagar as rendas ao seu locador.
26ª De facto se a Recorrida requereu o processo especial de revitalização em Outubro de 2017 e apenas retomou os pagamentos pontuais de renda ao seu locador em Março de 2018, tal significa que na pendência do processo de revitalização esta não conseguiu pagar as suas despesas correntes, nomeadamente o pagamento da renda.
27ª O não pagamento das rendas ao locador, como se referiu supra é um dos indícios da situação de insolvência das sociedades.
29ª Esta não é uma sociedade em situação eminente de insolvência, é uma sociedade insolvente.
30ª Por se verificar que a Recorrida se encontra efectivamente em situação de insolvência, deve o presente plano não ser homologado.
31ª Neste sentido veja-se o acórdão datado de 03/11/2015, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt:
I. Pese embora o processo especial de revitalização se resolver num procedimento de feição marcadamente extrajudicial, tal não significa que a liberdade e a autonomia da vontade dos intervenientes no processo não sofram limitações e não possam ser contrariadas pelo tribunal.
II. Se o processo revelar inequivocamente que o devedor se encontra numa situação de insolvência actual, o juiz deve recusar oficiosamente a homologação do plano que, ainda assim, foi aprovado.
III. Em tal situação estamos perante uma violação não negligenciável das regras procedimentais e da norma legal basilar (a que define em que situações é admitido o processo de revitalização) que permite a realização ou preenchimento do seu conteúdo.
I. Acresce que o uso ilegal e abusivo do procedimento implica a nulidade do negócio jurídico subjacente e, inclusivamente, a sua neutralização por excesso manifesto dos limites impostos pelo fim económico do direito.
32ª A homologação do plano de recuperação, cria juntos dos credores a convicção de que o plano estabelecido será cumprido, nos termos em que foram admitidos, razão pela qual o plano deve descrever as medidas necessárias à sua execução, o que não sucede neste caso e constitui uma violação do 10º princípio orientador aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro.
33ª Resulta do todo vindo de expor, que o plano apresentado deveria, nos termos do artigo 215º do CIRE, não ser homologado, pelo que, deve a sentença aqui em crise ser revogada, sendo proferido acórdão que determine a não homologação do plano de recuperação.
34ª - A sentença recorrida, violou, ou fez errada interpretação das disposições legais supra citadas pelo que deve a mesma ser revogada, sendo proferido acórdão que determine a não homologação do plano de recuperação.
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3. DISCUSSÃO
A recorrente sustenta que o plano de recuperação não deveria ter sido homologado, como previsto nos artigos 17º-F, 17º-G e 215º do CIRE, por violação não negligenciável de regras procedimentais e das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
3.1. Aponta desde logo divergência entre os valores do activo considerados no balanço previsional e os levados em conta para o cenário da liquidação, respectivamente de 84.2007,97 € e de 24.444,50 €. Tal incongruência não permitiria aos credores aferir da viabilidade e credibilidade do plano, consubstanciando violação do disposto no artigo 195º do CIRE e do princípio décimo orientador aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro.
Essa sua afirmação resulta de interpretação incorrecta do critério com que o plano foi elaborado. Efectivamente, não se fazem constar deste, em caso de liquidação, os bens ou valores que só poderiam ser incluídos no activo caso se mantivesse a actividade da devedora. Pelo contrário, pressupondo-se esta continuidade, já os mesmos deverão constar do balanço previsional.
Aliás, como a recorrida bem anota, essa não valoração em caso de liquidação é um dos factores que contribuirá para ajuizar do benefício que para os próprios credores resultará de o plano ser homologado. Sendo sempre por outro lado de realçar, perspectivando o preceito do nº 1 do artigo 216º do CIRE, que é sobre o credor que pretenda a não homologação que impenderá “a prova de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano” – acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8 de Janeiro de 2015 (Ana Cristina Duarte), in www.dgsi.pt (no mesmo sentido, ibidem, o acórdão desta Relação do Porto de 30 de Junho de 2014 (Caimoto Jácome).
Não colhendo sentido a alegação de que aquela divergência impeça os credores de aferirem o estado real económico da recorrida.
3.2. Argumenta ainda a recorrente que o plano apenas prevê o reembolso dos credores comuns, não concretizando a forma de pagamento dos créditos da Segurança Social e dos créditos tributários. O que, além do mais, impediria uma visão de conjunto que permitisse aferir da viabilidade daquele.
Nesse particular, não podemos deixar de acompanhar a sentença recorrida – “No que concerne aos créditos do Instituto da Segurança Social, IP, e da Autoridade Tributária e Aduaneira, afigura-se-nos que as objecções da credora também não podem proceder. É certo que se impõe conferir certeza e eficácia ao plano de revitalização. No entanto, tratando-se de créditos tributários, sempre seriam objecto de tratamento diverso, no confronto com os demais créditos, considerando, desde logo, o que resulta da Lei Geral Tributária. A regularização de tais créditos sempre poderia ser realizada sem a intervenção dos demais credores e, por outro lado, poderia o plano de revitalização ser considerado ineficaz relativamente aos mesmos créditos”.
Frise-se que, constando da relação de bens os referidos montantes, aliás não muito expressivos (cerca de 15% do passivo), e estando perfeitamente definidos os termos da sua liquidação, não vemos em que possa ser afectada a visão de conjunto que a recorrente reclama.
3.3. Imputa ainda a recorrente falta de credibilidade e de viabilidade do plano, atenta a não precisão e actualização dos balanços previsionais, já que aquele foi apresentado aos credores e proposto à votação em Março de 2018, quando já existiam dados concretos sobre o ano de 2017.
Essa questão foi expressamente abordada na sentença recorrida, em moldes que pautamos inteiramente correctos e nos quais por isso nos voltamos a louvar - “É certo que o plano não refere dados relativos ao ano de 2017, podendo defender-se que tal deveria ocorrer, tendo em conta a data da sua apresentação e depósito. Contudo, o plano prevê a continuidade da actividade da devedora, o pagamento aos credores nos termos que do mesmo constam, sendo certo que a devedora apenas possui bens móveis. Para além disso, os créditos reconhecidos ascendem ao montante global de 124.097,27 euros, valor que, não sendo despiciendo, não é de montante elevado. Acresce que o plano de revitalização recolheu o voto favorável de credores cujos créditos representam mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto. Assim, cremos que não estamos perante uma violação não negligenciável, seja ela procedimental ou referente ao conteúdo do plano, que deva conduzir à recusa oficiosa da homologação do plano de revitalização”.
Saliente-se que, como bem anota a recorrida, em Março de 2018, ainda não tinha expirado o prazo de encerramento e entrega das contas relativas ao ano de 2017.
De qualquer modo, insiste a recorrente que essa não actualização dos balanços previsionais sempre afastaria a credibilidade e viabilidade do plano aprovado. Asserção que carece contudo de concretização mais bem delineada. Sendo certo que, no que continuamos a concordar com a senhora juiz a quo, esse juízo de valor só poderá relevar, para efeito de não homologação, nos casos em que o plano seja manifestamente inviável ou inexequível. O que não se demonstra, in casu.
3.4. Por último, defende a recorrente que a recorrida se encontra em situação de insolvência, nos termos do previsto no artigo 20º, nº 2, alínea g), iv, do CIRE, por rendas em atraso.
Desde logo se anotará que aquela norma se aplica no caso de insolvência requerida com esse expresso fundamento e não como incidente de um PER. Só podendo a insolvência ser decretada na sequência do encerramento deste processo, mediante parecer nesse sentido do administrador judicial, após audição da empresa e dos credores, nos termos preconizados nos artigos 17º-F, nº 9, in fine, e 17º-G, nºs 1, 3 e 4, do CIRE. Ora, nestes autos, a senhora administradora e a maioria dos credores votaram no sentido da aprovação do plano de recuperação.
De qualquer modo e no que ora importa, a referida falta de pagamento não está inequivocamente patenteada nos autos. Prova segura que impenderá sobre quem quer que requeira a declaração de insolvência. Razão pela qual nem sequer cumpre apreciar a documentação que em contrário a recorrida fez questão de juntar aos autos.
3.5. Por tudo o exposto, nada obstando à homologação do plano de revitalização aprovado em assembleia de credores, terá a sentença recorrida de ser confirmada.
III
DISPOSITIVO
Confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente - artigo 527º do Código de Processo Civil.
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Notifique.
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Porto, 11 de Outubro de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires