Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5636/16.5T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PROVA
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
CARTA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP201711205636/16.5T8MTS.P1
Data do Acordão: 11/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO 2ª
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º264, FLS.376-383)
Área Temática: .
Sumário: I - O documento intitulado de “carta de despedimento por extinção do posto de trabalho” entregue à trabalhadora, A., onde consta a assinatura do R., abaixo da expressão “A Entidade Empregadora” é, manifestamente, um dado objectivo e essencial para apreciação da questão da existência ou não de um contrato de trabalho celebrado entre aqueles.
II – Não tendo o R. impugnado aquele documento por si subscrito (que configura um documento particular), nos termos dos art.s 374º e 375º, do Código Civil, o mesmo faz prova plena do conteúdo que o mesmo dele fez constar, na parte que lhe é desfavorável, nomeadamente, ao afirmar-se como entidade empregadora da A., nessa qualidade assumindo de forma inequívoca estar a declarar-lhe que, não existe alternativa, senão efectuar o seu despedimento.
III – Assim, não pode considerar-se indevida a utilização daquele documento por parte da A., com vista a exercer os direitos que alega ter, decorrentes da relação laboral estabelecida com o R., mas sim legítima, não podendo essa utilização ser considerada abusiva nos termos prescritos no art. 344º do Código Civil.
IV – O vínculo jurídico - laboral resultante da relação estabelecida entre A., enquanto trabalhadora e R., enquanto entidade empregadora, não se confunde, nem pode, com a relação familiar (de filha e pai) que entre eles existe.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 5636/16.5T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos - Juízo do Trabalho - Juiz 3
Recorrente: B…
Recorrida: C…
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
C…, deu início à presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação de requerimento no formulário próprio a que se referem os art.s 98º-C e 98º-D do CPT, (Código de Processo do Trabalho, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem) opondo-se ao despedimento por extinção do posto de trabalho que lhe foi comunicado por B….
Designado dia e realizada a audiência de partes a que alude o art. 98º-F, nº 1, não se logrou alcançar o acordo entre as partes.
O Réu, notificado para o efeito, apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, no essencial, que:
- Em meados do ano de 1986, a A. (sua filha) iniciou alguma colaboração consigo, auxiliando-o na área administrativa do escritório de contabilidade, sendo certo que jamais estabeleceram um contrato de trabalho;
- Desde meados de 1986, a A. integrou a folha de remunerações declaradas pelo R., face à relação familiar entre eles;
- Assinou a comunicação junta sobre a extinção do posto de trabalho, a pedido da A., sabendo esta as dificuldades económicas que o R. atravessa;
- A actual conjuntura económica, traduzida numa perda substancial de clientes, determinou que o R. tivesse de cessar a actividade;
- Respeitou os procedimentos relativos ao despedimento por extinção do posto de trabalho e é impossível a subsistência da relação de trabalho;
- Entregou à A. valores que ultrapassam o que teria direito a receber se tivesse a qualidade de sua trabalhadora e tem vindo a emprestar-lhe diversas importâncias.
Termina, dizendo que deve considerar-se inexistente o vínculo jurídico - laboral entre Autora e Réu;
Ou, caso assim se não entenda, deve ser reconhecida a licitude e validade do despedimento proferido pelo Réu, condenando-se a Autora nos termos legais.
Bem assim, que o Réu nada deve à Autora seja a que título ou natureza for.
A A. apresentou contestação impugnando todos os artigos alegados no articulado do R., contrapondo, em síntese, a existência de contrato de trabalho e a ilicitude do procedimento de seu despedimento.
Requer que, seja admitida a contestação, declarado ilícito o despedimento e, em consequência, o R. condenado a indemnizar a A. por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
Após, ter sido notificada do despacho que determinou que liquidasse os pedidos que formulou, a A. apresentou o requerimento junto a fls. 41 e ss., invoca o direito à indemnização no montante de €28.650,00, acrescida da quantia de €2.250,00 relativa a retribuição de férias e subsídios de férias e natal respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2016, da quantia de €1.800,00 respeitante à falta de pré-aviso, e da quantia de €1.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Termina requerendo que, seja admitida a pronúncia, declarado ilícito o despedimento, o R. condenado a indemnizar a A. por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e julgada a acção procedente, liquidando o valor a ser-lhe pago pelo R. no montante de €33.700,00, acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento.
O R. respondeu a este requerimento da A., nos termos que constam a fls. 50 e ss, reiterando não ter celebrado um contrato de trabalho com a A., conclui como na petição inicial, que seja julgada totalmente improcedente a pretensão daquela.
No despacho proferido em 28.04.2017, foi admitido o pedido reconvencional deduzido pela trabalhadora, proferido despacho saneador e dispensada a convocação de audiência prévia, por não se mostrar necessária a identificação do objecto do processo e dos temas de prova.
Os autos seguiram para julgamento e realizada a audiência foi proferida sentença, em 14.07.2017, que terminou com a seguinte decisão:
Nestes termos, e pelo exposto:
a) declaro cessado por caducidade o contrato de trabalho que vigorou entre as partes de Junho de 1986 a 2/11/2016;
b) julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno o réu a pagar à autora as seguintes quantias;
- a quantia de €23.700,00, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho; e
- a quantia de €2.250,00 a título proporcionais de férias e subsídio de férias e de Natal relativos ao ano de 2016.
Fixo em €25.950,00 o valor da presente acção.
Custas a cargo do réu.
Notifique.”.

Inconformado com a sentença o Réu apresentou recurso, nos termos das alegações juntas a fls. 70 vº e ss., que finalizou com as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto da sentença que declara cessado por caducidade o contrato de trabalho que vigorou entre as partes de Junho de 1986 a 2/11/2016; julga a reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condena o réu a pagar à autora as seguintes quantias;
- a quantia de €23.700, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho; e
- a quantia de €2.250,00 a título de proporcionais de férias e subsídio de férias e de natal relativos ao ano de 2016.
2 - A questão apreciar neste recurso é saber se entre Autora e Réu foi celebrado contrato de trabalho e se se verificou a sua caducidade por encerramento da atividade.
3 - Dos factos considerados provados nesta ação não se pode concluir que entre Autora e Réu vigorou um contrato de trabalho.
4 - Contrariamente ao que é entendido na sentença recorrida, não se encontram sequer provados indícios que Autora e Réu celebraram um contrato de trabalho que esteve em vigor entre 1986 e 2016.
5 - O facto de a Autora integrar a folha de remunerações do Réu desde meados de 1986 e até ao invocado despedimento, o recebimento mensal de uma quantia certa e a execução de algumas tarefas no âmbito da atividade profissional do Autor, não é por si só suficiente para se concluir que entre ambos vigorou um contrato de trabalho.
6 - Como pressupostos comuns do contrato de trabalho mantêm-se a subordinação jurídica (sob a autoridade e direção), que não está provada nestes autos. Ainda que na actual versão se aluda ao «âmbito de organização» e à «autoridade» do empregador.
7 - Nomeadamente não se provou que a Autora cumpria ordens do Réu, que era este que organizava o trabalho, que cumpria um horário de trabalho, que existia poder disciplinar e que existia uma retribuição sujeita a aumento periódico.
8 - O documento a que se alude para justificar a cessação do alegado contrato de trabalho, além de não ter correspondência com o que é invocado pela própria Autora nesta ação, corresponde a uma rigorosa cópia da comunicação entregue ao trabalhador D….
9 - A desconformidade referida na conclusão anterior encontra-se nomeadamente na enumeração dos pré-requisitos: a) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; b ) Menor experiência na função; c) Menor antiguidade na empresa.
10 - Tendo de se considerar a utilização do aludido documento nesta acção como manifesta má-fé, por não corresponder à verdade e à vontade do Réu como se alega no artº 38º do articulado motivador do Réu.
11 - De acordo com a factualidade provada é possível considerar que entre Autora e Réu poderia terá sido celebrado um outro negócio jurídico como é o caso de um contrato de prestação de serviços.
12 - Na ausência de contrato escrito, os factos provados também não permitem seque presumir a existência de contrato de trabalho. Pois, o local onde o Réu desenvolvia a sua actividade e a Autora alega ter exercido as suas funções, coincidia com a habitação onde também esta e os seus filhos residiam, conforme consta dos pontos 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados do ponto II da sentença recorrida.
13 - Também não está provado o cumprimento pela Autora de um horário de trabalho nem o poder de direcção do Réu. Elementos essenciais para a caracterização do contrato de trabalho.
14 - A conduta da Autora consubstancia manifesto abuso de direito nos termos do disposto no artº 334º do Código Civil.
15 - Para que haja abuso de direito, na concepção objectiva, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, basta que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que objectivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente.
16 - O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa-fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.
17 - A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo. Impõe, que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado.
18 - No caso sob apreciação, considerando o que consta dos pontos 3, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados – ponto II da sentença – é manifesto que a conduta da Autora consubstancia abuso de direito, traduzindo uma quebra da confiança mutua depositada entre Autora e Réu, inerente até aos laços que os unem – pai e filha.
19 - Conduta esta da Autora contrária aos bons costumes e principio da boa-fé.
20 - A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto no artº 1152º, artº 1º da LCT atual artº 10º do CT.
21 - Não tendo existido um vinculo-jurídico laboral entre Autora e Ré fica prejudicada apreciação da regularidade e licitude do invocado despedimento da autora promovido pelo Réu.
Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e consequentemente revogada a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue inexistente o vínculo jurídico-laboral entre Autora e Réu, com as demais consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA!

A A. contra-alegou nos termos que constam a fls. 83 e ss., terminando com as seguintes Conclusões:
a) Contrato de trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou a outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
b) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo deu como provado que entre a autora e o réu existia um contrato de trabalho desde meados de 1986;
c) E que a autora integrava a folha de remunerações desde tal data, auferindo uma retribuição que ascendia aos 900,00€ (novecentos euros), tendo ainda junto recibos de vencimento e extracto da segurança social com os respectivos descontos efectuados pela sua entidade patronal, aqui réu.
d) Mais ficou provado que a autora era responsável pela contabilidade de empresas, clientes do gabinete de contabilidade do réu;
e) Que executava o processamento de salários e demais democracias associadas, utilizando os programas informáticos de que o réu dispunha para o efeito e que ainda existia mais um trabalhador, D…, aqui testemunha que declarou que a autora estava diariamente nos escritórios do réu e aí executava as funções para o mesmo;
f) Ficou suficientemente demonstrada em sede de audiência de julgamento a existência de um contrato de trabalho entre a autora e o réu, e consequente subordinação jurídica, motivo pelo qual, o Tribunal a quo, decidiu pela existência de um contrato de trabalho, esclarecendo a primeira questão fulcral, contrariando a tese defendida pelo réu que a autora não era sua trabalhadora.
g) Em conseguinte, ainda ficou provado que o réu não deveria ter lançado mão do procedimento de extinção de posto de trabalho por não cumprir com os requisitos, mas antes deveria ter operado pela caducidade do contrato de trabalho existente, em virtude do encerramento da empresa por encerramento total e definitivo, nos termos do n.º 3 do art. 346.º do Código do Trabalho.
h) Isto porque, o encerramento de uma empresa gera uma impossibilidade superveniente absoluta e também ela definitiva do réu continuar a receber o trabalho da autora e esta de o prestar, atendendo ao art. 390.º do Código do Trabalho.
i) O tribunal a quo decidiu, e bem, que o contrato de trabalho cessou por caducidade e autora tem direito à compensação prevista no art. 401.º, ex vi, n.º 5 do art. 390.º ambos do Código de Trabalho, a saber, um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, que perfaz a quantia de 23.000,00€ (vinte e três mil euros);
j) E ainda acresce a quantia de 2.250,00€ (dois mil duzentos e cinquenta euros) devida a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal do ano de cessação do contrato, pois o réu não demonstrou ter pago tais verbas.
k) Pelo que deverão V/ M. Ex.ªs consequentemente manter inalterada a decisão do Tribunal a quo, por a mesma não enfermar de qualquer erro na apreciação da matéria de facto ou na aplicação do direito.
Termos em que, e nos que vossas excelências superiormente suprirão, confirmando a Douta Sentença recorrida, farão seguramente JUSTIÇA.

O recurso foi admitido e remetido a este Tribunal.

O Ministério Público emitiu parecer nos termos do art. 87º nº 3, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, na consideração, essencialmente, de:
- não poder deixar de concluir-se, da factualidade apurada, ter existido entre recorrente e recorrida um contrato de trabalho; e
- por não se verificarem no caso os pressupostos de aplicação do instituto jurídico previsto no art. 334º do CC, nomeadamente terem sido excedidos, de forma manifesta, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
O recorrente respondeu àquele parecer, nos termos que constam a fls. 99 e ss., discordando do mesmo e concluindo como nas alegações de recurso.

Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC, há que apreciar e decidir.

É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber:
- Se perante a factualidade assente na acção se pode concluir que entre a A. e o R. vigorou um contrato de trabalho, cuja caducidade se verificou por encerramento da actividade, como decidiu o Tribunal “a quo” ou tal não aconteceu como defende o Réu;
- Se a conduta da A. consubstancia abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334º do CC.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco dos factos nos termos que se transcrevem:
- Como provados os seguintes factos:
1. O Réu é Técnico Oficial de Contas, actualmente designado Contabilista certificado.
2. Actividade esta que o Réu exerceu consecutivamente durante cerca de trinta anos até a ter deixado de exercer.
3. A Autora é uma das filhas do Réu.
4. Não dispondo de qualificação académica especifica para a actividade de contabilidade. Tendo como habilitação académica a frequência do primeiro ano do curso de contabilidade.
5. A autora integrou a folha de remunerações declarada pelo réu à Segurança Social desde meados de 1986.
6. O marido da autora faleceu há cerca de 5 anos, tendo os filhos da autora passado a residir com o réu, a expensas deste.
7. Situação que se mantém relativamente à filha da Autora (neta do Réu).
8. A autora tomava as refeições em casa do réu.
9. E utilizava a residência do réu para pernoitar e fazer ali a sua vida pessoal.
10. Local onde o Réu também exerceu a sua actividade profissional.
11. Com data de 12 de Agosto de 2016, o Réu comunicou ao seu trabalhador D… (único que consigo colaborava, para além da actividade exercida pela autora) a intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho, tendo este contrato cessado em Setembro de 2016.
12. O réu cessou a sua actividade.
13. A autora propôs ao ex-trabalhador D… a constituição de uma sociedade para prestação de serviços de contabilidade, o que não foi aceite por este.
14. No ano de 2010, 2011 e 2016 a autora auferia uma retribuição ilíquida de €900,00.
15. A autora tratava da contabilidade de empresas, clientes do gabinete do réu.
16. Executava o processamento de salários e das burocracias relacionadas com tal tarefa.
17. Utilizando os programas informáticos de que o réu dispunha para o efeito.
18. D… foi admitido ao serviço do réu por volta do ano de 2009.
19. Em Setembro de 2016 o réu informou verbalmente que iria encerrar a empresa.
20. Com data de 2 de Novembro de 2016 o réu entregou à autora uma carta, intitulada “carta de despedimento por extinção do posto de trabalho” com o seguinte teor:
B…, com o NIF ……… e residente na Avenida … nº …, …, na qualidade de entidade empregadora, comunica por este meio o despedimento por extinção do posto de trabalho de V.Exª., correspondente à categoria profissional de escriturária de 2ª, tarefas estas que desenvolve desde o dia 02/01/1985, tratando-se de um contrato sem termo.
Face à actual conjuntura de mercado com um maior número de empresas a encerrar, a concorrência no setor de serviços de contabilidade aumento, o por sua vez se traduziu numa perda substancial da carteira de clientes tornando-se impreterível, sob pena de rutura ou colapso económico, a redução dos custos inerentes à atividade.
Tendo em conta o exposto, não subsiste a necessidade de manutenção do posto de trabalho inerente às tarefas de V.Exª., promovendo-se a extinção do posto de trabalho correspondente à categoria que detém na designada firma.
Não disponho a entidade empregadora outro posto de trabalho com contrato a termo, compatível ou similar com a categoria profissional de que V.exª. é detentor, não existe alternativa, senão efetuar o despedimento por extinção do posto de trabalho de V.Ex.ª. em consonância com os artigos nºs 367º e ss do CT.
Encontrando-se dentro dos pré-requisitos estabelecidos no artigo 368º do CT, concretamente quanto aos critérios naqueles definidos:
a) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
b) Menor experiência na função;
c) Menor antiguidade na empresa.
Assim, vimos pela presente notificação, comunicar o despedimento de V.Ex.ª. por extinção do posto de trabalho, que produz efeitos a partir do dia 02/11/2016.
21. D… passou a trabalhar por conta própria e ficou com, pelo menos, parte dos clientes do réu.
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- De resto não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) o alegado nos artigos 13º, 14º, 17º a 24º, 32º, 34º a 41º, 51º a 53º, 57º a 61º do articulado motivador;
b) que a autora tenha passado a integrar a folha de remunerações do réu apenas para obter um financiamento para aquisição de uma habitação;
c) o alegado nos artigos 25º, 27º a 31º (para além do que consta nos ponto 15. e 16. dos factos), 34º, 35º, 36º. 38º, 66º, 74º a 76º (para além do que consta do ponto 13. dos factos), 79º a 87º da contestação
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Apreciando
Como resulta da apelação do recorrente, o essencial a apreciar no recurso consiste em analisar se perante a factualidade supra, dada por assente no Tribunal “a quo”, que não foi impugnada pelas partes, nem se vislumbram razões para, oficiosamente, procedermos à sua modificação, se se deve manter a decisão recorrida no que toca à existência, entre Junho de 1986 a 2.11.2016, de um contrato de trabalho celebrado entre a A. e o R, ou se tal não acontece como defende o recorrente, com fundamento na conclusão que “o facto de a Autora integrar a folha de remunerações do Réu desde meados de 1986 e até ao invocado despedimento, o recebimento mensal de uma quantia certa e a execução de algumas tarefas no âmbito da actividade profissional do Autor, (cremos, querer dizer Réu) não é por si só suficiente para se concluir que entre ambos vigorou um contrato de trabalho.”.
No entanto, não cremos que lhe assista razão.
Na fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal “a quo”, no que a este aspecto releva, consignou o seguinte:
“Ora, nos termos do art. 1152º do Código Civil e do art. 10º do Código do Trabalho (antes o art. 1º da LCT) contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.
A relação jurídica laboral caracteriza-se, pois, essencialmente, pela existência de subordinação jurídica, a qual se reconduz à possibilidade de determinação da actividade do trabalhador, mediante ordens, directivas e instruções e ao dever de obediência deste no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixadas pelo empregador, titular do poder directivo e disciplinador dessa prestação.
O que distingue verdadeiramente o contrato de trabalho é o estado de sujeição do trabalhador relativamente ao empregador, consubstanciado na possibilidade de aquele, a cada momento, poder ver ser concretizada por este a sua prestação em determinado sentido (v. A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 535).
Os indícios normalmente apontados no sentido da existência de subordinação são o de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado, o horário de trabalho ser o definido pelo empregador, a existência de poder disciplinar, a organização do trabalho depender estritamente da vontade o empregador, serem os instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador, a existência de outros trabalhadores subordinados no exercício das mesma actividade, a opção pela modalidade de retribuição certa, o aumento periódico da retribuição, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, a exclusividade da actividade laboral por conta do empregador, a sindicalização e a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
Em audiência de julgamento resultou provado que a autora integrou a folha de remunerações do réu desde meados de 1986 (e até ao invocado despedimento nos autos); que a autora auferia uma retribuição que nos anos de 2010, 2011 e 2016 ascendia à quantia ilíquida de €900,00; que a autora tratava da contabilidade de empresas, clientes do gabinete de contabilidade do réu, executava o processamento de salários e demais burocracias que lhe estavam associadas, utilizando os programas informáticos de que o réu dispunha para o efeito, sendo ainda certo que o réu tinha ainda outro trabalhador.
É ainda certo que o réu entregou à autora uma carta que intitulou de despedimento por extinção do posto de trabalho.
Perante tais, factos e sendo certo estar verificada a observância do regime da segurança social quanto a trabalhadores dependentes, o pagamento de retribuição certa, o uso de instrumentos de trabalho pertencentes ao réu, a existência de outro trabalhador do réu e ainda a declaração emitida por este na carta de despedimento em que reconhece a autora como sua trabalhadora (não logrando provar a inexactidão de tal declaração como invocou nos autos), é de considerar esta suficientemente demonstrada a existência da subordinação jurídica supra definida e, consequentemente, do contrato de trabalho invocado nos autos pela autora desde pelo menos meados de 1986.”.
Vejamos, então.
Desde já, adiantamos, que concordamos que da factualidade apurada só se pode concluir que entre A. e R. existiu um contrato de trabalho como ali se considerou, basta atentar nos factos que ficaram assentes em 5, 14, 16, 17 e 20.
Crentes, que isso resulta dos documentos que serviram de fundamento à fixação daqueles factos, especialmente, do teor da “carta de despedimento”, transcrita no facto 20, endereçada à A. e assinada pelo R., abaixo da menção “A Entidade Empregadora”.
Aquele documento corporiza uma declaração de despedimento, da qual resulta com clareza, para qualquer destinatário de normal diligência, que o R., na qualidade de entidade empregadora está a extinguir o posto de trabalho da A., relativamente ao contrato desenvolvido desde o dia 02.01.1985, comunicando-lhe através da mesma o seu despedimento, a partir do dia 02.11.2016.
Não sendo isto compatível com a alegada realidade que trouxe ao processo, mas que não logrou provar.
Pois, sempre com o devido respeito, pese embora os argumentos do apelante para pretender vir assumir uma posição que contraria a assumida na comunicação de despedimento, a mesma não ficou de modo algum demonstrada. Não podendo o mesmo esquecer que aquela é, manifestamente, um dado objectivo e essencial para apreciação desta questão, ou seja, que entregou à A. uma declaração de extinção do posto de trabalho, da qual resulta com clareza que se assume como entidade empregadora daquela.
Declaração que configura um documento particular, onde consta a assinatura do R., abaixo da expressão “A Entidade Empregadora”.
A respeito da força probatória dos documentos particulares, dispõe o art. 376º nº 1 do CC que: “O documento particular cuja autoria seja reconhecido nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.
E, no nº 2, acrescenta que “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.
Referindo-se naquele nº 1, do art. 376º, expressamente, à autoria do documento reconhecida nos termos dos artigos antecedentes, ou seja, os documentos particulares devem ser assinados nos termos indicados no art. 373º, do mesmo código, estabelecendo o artigo seguinte no seu nº1, que: “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”. E, no nº 2 dispõe que: “Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”.
Por último, nos termos do disposto no art. 375º, do mesmo código, nº 1:“Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e assinatura do documento, têm-se por verdadeiras.” e no nº 2: “Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade”.
Ou seja, decorre destes dispositivos que, “os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os art.s 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade. Fica, assim, plenamente provado que o autor proferiu essas declarações”, cfr. Ac. do STJ de 07.05.2009 in www.dgsi.pt.
Transpondo o que fica exposto para o caso, nunca tendo o R. impugnado aquele documento por si subscrito, nos termos dos art.s 374º e 375º, referidos, o mesmo faz prova plena do conteúdo que o mesmo dele fez constar, na parte que lhe é desfavorável, nomeadamente, ao afirmar-se como entidade empregadora da autora, nessa qualidade assumindo de forma inequívoca estar a declarar àquela que, “…, não existe alternativa, senão efectuar o despedimento por extinção do posto de trabalho de V.Ex.ª, …”.
Assim, é evidente, não nos merecer censura a sentença recorrida no que a respeito do contrato de trabalho que vigorou entre as partes decidiu, nem quanto à ilicitude do seu termo.
Se o que se acaba de expor não bastasse, para se ter de julgar a apelação improcedente, acresce que, não logrou o R. demonstrar quaisquer factos de onde se pudesse concluir o que alega na conclusão 10 da apelação.
Pois, da factualidade assente que, aquele não impugnou, verifica-se que nada se apurou que demonstre qualquer utilização indevida daquele documento por parte da A., não tendo a conclusão formulada em 14 qualquer suporte fáctico.
A propósito do abuso de direito dispõe o art. 334º do CC, o seguinte: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
Ora tendo em atenção os pressupostos enunciados neste artigo, para que seja considerado ilegítimo o exercício de um direito, e a factualidade que se apurou nos autos, é evidente, como concluiu o Ministério Público no seu parecer que, igualmente não assiste razão ao recorrente quando invoca abuso de direito, pois é manifesto não se verificarem aqueles pressupostos.
Por último refira-se, apenas, a irrelevância da factualidade invocada pelo recorrente na conclusão 18 da sua alegação, face ao litígio em causa na presente acção, relativo à relação laboral estabelecida entre A., enquanto trabalhadora e R., entidade empregadora, que não se confunde, nem pode, com a relação familiar (de filha e pai) entre eles existente.
E, sendo desse modo, fica prejudicada a apreciação de qualquer outra questão, nomeadamente, quanto à regularidade e licitude do despedimento da A. promovido pelo R., já que o apelante nesta sede, não questiona o que na decisão recorrida se declarou quanto à sua ilicitude.
Consideramos, assim, não existirem razões factuais, nem jurídicas para se revogar a decisão recorrida, atenta a existência do vínculo jurídico-laboral que se declarou, não se vislumbrando a violação ou errada interpretação de qualquer dispositivo, nomeadamente, do disposto no art. 1152º do CC e artº 1º da LCT (legislação em vigor, à data da celebração do contrato) actual art. 10º.

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas desta secção em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente.
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Porto, 20 de Novembro de 2017
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
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SUMÁRIO (nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC):
I - O documento intitulado de “carta de despedimento por extinção do posto de trabalho” entregue à trabalhadora, A., onde consta a assinatura do R., abaixo da expressão “A Entidade Empregadora” é, manifestamente, um dado objectivo e essencial para apreciação da questão da existência ou não de um contrato de trabalho celebrado entre aqueles.
II – Não tendo o R. impugnado aquele documento por si subscrito (que configura um documento particular), nos termos dos art.s 374º e 375º, do Código Civil, o mesmo faz prova plena do conteúdo que o mesmo dele fez constar, na parte que lhe é desfavorável, nomeadamente, ao afirmar-se como entidade empregadora da A., nessa qualidade assumindo de forma inequívoca estar a declarar-lhe que, não existe alternativa, senão efectuar o seu despedimento.
III – Assim, não pode considerar-se indevida a utilização daquele documento por parte da A., com vista a exercer os direitos que alega ter, decorrentes da relação laboral estabelecida com o R., mas sim legítima, não podendo essa utilização ser considerada abusiva nos termos prescritos no art. 344º do Código Civil.
IV – O vínculo jurídico - laboral resultante da relação estabelecida entre A., enquanto trabalhadora e R., enquanto entidade empregadora, não se confunde, nem pode, com a relação familiar (de filha e pai) que entre eles existe.

Rita Romeira