Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
133/08.5TBMGD-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
INCIDENTE
DECISÃO NÃO IMEDIATA DA MATÉRIA DE FACTO
IRREGULARIDADE
RELAÇÃO DE BENS
OBRIGATORIEDADE
SONEGAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RP20130416133/08.5TBMGD-C.P1
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Não consubstancia nulidade processual, mas mera irregularidade, a decisão pela qual o Juiz, finda a produção de prova num incidente, anuncia que não proferirá decisão sobre a matéria de facto de imediato, dada a complexidade das questões e da prova a considerar, diferindo para de então a oito dias a publicação dessa decisão, por escrito e através do sistema Citius. conjuntamente com a própria decisão do incidente.
II- Se a parte, representada por Advogado no próprio acto, não arguiu logo ali essa irregularidade, fica precludida tal possibilidade.
III- O cabeça-de-casal, em inventário para partilha do património colectivo do matrimónio dissolvido por divórcio, está obrigado a relacionar como bem comum, nesse inventário o capital que obteve e foi creditado em conta bancária comum a ambos os cônjuges, por via da venda de acções e do resgate de certificados de aforro, ainda que estas operações tenham sido feitas dias antes da propositura da acção de divórcio.
IV- Na partilha, devem ser relacionados não só os bens existentes no património colectivo do casal à data da propositura da acção de divórcio (se a momento anterior não deverem retrotrair os seus efeitos), mas também aqueles que a esse património cada cônjuge deve conferir, por lho dever.
V- Deve ser conferido ao património colectivo do casal, para ulterior partilha, aquele bem ou direito de que um dos cônjuges se apropriou sem que a tal tivesse qualquer direito, e por via do que engrandeceu o seu património próprio à custa desse património colectivo.
VI-. Não consubstancia sonegação de bens a recusa de concretização e relacionação de um valor monetário pelo cabeça-de-casal, quando essa recusa nada integra que constitua dissimulação desse valor ou compreenda difícultação do seu apuramento, apenas se funda na invocação de um direito que não lhe vem a ser reconhecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
PROC. N.º 133/08.5TBMGD-C.P1
Tribunal Judicial de Mogadouro
REL. N.º 63
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

I - Relatório:
Neste processo de inventário para partilha do património comum, subsequente a acção de divórcio, em que são Requerente B... e Requerido C..., este nomeado cabeça de casal, veio a Requerente reclamar da relação de bens apresentada por este, por inexactidão de verbas descritas, por omissão da declaração de dinheiro e outros títulos e também de bens relativos ao recheio da casa.
Mais reclamou relativamente a verbas descritas como passivo e requereu diligências instrutórias.
Notificado o cabeça-de-casal, negou as mencionadas inexactidões e omissões, apenas relacionando alguns dos bens relativos ao recheio da casa de morada de família. Mais alegou que a Requerente estaria na posse de um fio de ouro e de um crucifixo em ouro que pertencem ao cabeça de casal (enquanto bem próprio). Igualmente requereu a produção de prova.
Uma outra questão relativa ao valor de benfeitorias realizadas por ambos num imóvel pertencente ao cabeça de casal foi remetida para os meios comuns, atenta a sua complexidade, mas quanto às demais questões do incidente assim descrito foi proferida decisão com o seguinte conteúdo:
"Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a reclamação apresentada, e em consequência, decide-se:
1) ordenar que o cabeça de casal apresente uma nova relação de bens, no prazo de 10 dias, que inclua os seguintes bens:
a. A quantia monetária de 73.835,95 € (setenta e três mil oitocentos e trinta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos);
b.A quantia monetária correspondente ao rendimento do capital de 73.835,95€ (setenta e três mil oitocentos e trinta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), contabilizado à taxa legal, no momento da partilha.
c.A quantia monetária de 1.183,58 € (mil, cento e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos).
2) indeferir a inclusão na relação de bens de quaisquer outras quantias, dinheiros, valores ou bens móveis.
3) julgar verificados os requisitos da sonegação e, na aplicação da sanção civil cominada, declaro perdido pelo cabeça-de-casal, em benefício da requerente, o direito que pudesse ter a qualquer parte do bens sonegados, no total de 67.935,95€, e bem assim ao rendimento deste capital, contabilizado à taxa legal no remonto da partilha.
4) julgar procedente o incidente de litigância de ma fé suscitado pela requerente e, em consequência, condena-se o Requerido/Cabeça de Casal no pagamento da multa correspondente a 2 (duas) unidades de conta e, ainda, no pagamento à Requerente uma indemnização de € 500,00 (quinhentos euros)."
É desta decisão que vem interposto recurso pelo requerido C..., com fundamento na respectiva nulidade, por vício formal, com fundamento em inexistir obrigação de relacionação do dinheiro conforme decidido, e em não se verificarem nem os pressupostos de ocorrência de sonegação de bens, nem os da sua condenação como litigante de má fé.
Formulou, neste recurso, as seguintes conclusões:
"1ª- A reclamação da relação de bens, bem como a resposta consubstanciam um incidente do Inventário, ao qual, se aplicam as regras especificas dos artigos 1348° a 1350º e o disposto nos artigos 302º a 304º por força do artigo 1334º todos do C.P.Civil.
2ª - Nos presentes Autos e no incidente da reclamação de bens, foram inquiridas as testemunhas, cfr. acta de inquirição de testemunhas a fls ... em 15/11/2012, finda a produção da prova a meritíssima juiz "a quo' proferiu o seguinte despacho: " havendo necessidade de efectuar uma ponderação séria e criteriosa da prova ora produzida e bem assim da prova documental constante dos autos, não de procede de imediato à selecção da matéria de facto conforme determina o n" 5 do artigo 304º do C.P.C. designando-se o próximo dia 22 de Novembro de 2012 pelas 9:30 horas."
3ª - Porém o meritíssimo juiz "a quo" nesta data profere o despache de que se recorre, sem antes ter fixado a matéria de facto que considerou provada e não provada, não cumprindo assim o disposto no n? 5 do artigo 304º e do nº 2 do artigo 653º nº 2.
4ª - Deste modo, finda a produção de prova, deve o juiz, logo a seguir, declarar, quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção - cfr. artigo 653° nº 2 do CPCivil, impondo-se tal imediatidade, quer haja ou não registo da prova.
5ª - Isto porque, só a obrigação decorrente do normativo - nº 5 do artigo 304° do C.P.Civil, como seja, a de finda a produção da prova, declarar quais os factos provados e não provados, com a análise crítica das provas e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, permite acautelar convenientemente os benefícios resultantes dos princípios da imediação, concentração e plenitude da assistência dos Juízes, que consistem na apreensão de uma série de elementos valiosos resultantes do contacto directo entre o juiz e a testemunha.
6ª - No caso em apreço, dúvidas não existem de que não foi dado cumprimento á obrigação referida no nº 5 do artigo 304º e n° 2 do artigo 653º ambos do C.P.Civil.
7" - Deste modo, terá de concluir-se pela existência no caso em apreço, de deficiência da matéria de facto por inobservância do disposto no n° 5 do artigo 304º do C.P.CiviL e inerentes princípios da imediação, concentração, e plenitude da assistência dos juízes, determinante de anulação da decisão do incidente e respectiva produção de prova, cfr, artigo 712º nº 4 do CPCivil.
8º - Na Relação de Bens que consta a fls. .. da seguinte forma:
Títulos e Acções: Verba 1: Acções da EDP adquiridas na constância do matrimónio no valor de 3.600,00 € e Verba 2: Certificados de Aforro que existiam nos Correios e adquiridos na constância do matrimónio no valor de 2.300,00 €.
O Cabeça-de-casal, aqui recorrente apresentou na relação de bens não o número de certificados e acções, mas o valor que foram atribuídos por acordo, fixados da acta de dissolução do casamento, na chamada relação especificada dos bens comuns, ou seja: valor das acções da EDP 3.600,00 € e valor dos certificados de aforro 2.300,00 €.
9ª - O primeiro despacho com a referência n° 379208 onde o meritíssimo Juiz "a quo" se pronuncia sobre parte da reclamação da recorrida, tendo relativamente às Acções e aos certificados de aforro referido:
" ... Assim, o que deve ser relacionado pelo cabeça-de-casal são os concretos bens que existiam no património comum do casal à data da produção de efeitos do divórcio no que concerne às relações patrimoniais, ou seja, em 20/05/2008."
" Se as acções ou os certificados de aforro foram vendidos ou reembolsados antes dessa data, naturalmente que não deveriam ter sido incluídos na relação de bens, sem prejuízo de ser relacionado o produto da venda ou do reembolso desses títulos, no caso do respectivo valor monetário integrar o Património Comum."
10ª - Porém, constatou-se através dos documentos apresentados pelos bancos, que o aqui recorrente levantou todo o saldo da conta comum do BES, no valor de 73.835,95 € em 07/04/2008. antes de a acção de divórcio ter sido proposta no Tribunal, o que ocorreu em 20/05/2012, data em que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges.
11ª - Esse valor resultou, refere a meritíssima juíza "a quo" da transacção das acções da EDP, da transacção dos títulos mobiliários em causa - acções da EDP- valor creditado numa conta no BES onde foram também efectuados dois movimentos - depósitos - a crédito: a) um de 1.9.937,86 em 28/03/2008 e b) outro em 03/04/2008 no valor de 44.780,01 € . Referindo ainda sem qualquer fundamentação fáctica porque não existe em parte alguma onde esses factos foram dados como provados, que "Os movimentos a crédito descritos em 5 (Em 9 de Dezembro de 2010 o cabeça-de casal apresentou a relação de bem, relacionando como verba nº 1 acções da EDP adquiridas na constância do matrimónio no valor de 3.600.00 € e como verba n" 2 certificados de aforro que existiam nos correios adquiridos na constância do matrimónio no valor de 2.300,00 €) reportam-se aos valores de 19.937,86 € e 44.780,01 € recebidos em 26/03/2008 e 27/03/2008, pelo cabeça-de-casal do Instituto da Tesouraria e do Crédito Público, na sequência do resgate que efectuou dos certificados de aforro."
12ª - Por outro lado o aqui recorrente quando casou com a recorrida já tinha 52 anos foi sempre funcionário da EDP, desde a idade de 22 anos, portanto se outras acções da EDP havia e certificados de aforro, foram pelo cabeça-de-casal e aqui recorrente, adquiridas ainda no estado de solteiro, eram portanto bens próprios, assim o dinheiro que levantou da conta conjunta proveio da transacção e resgate de acção e certificados de aforro que eram próprios, até porque com o dinheiro que levantou fez face a dívidas contraídas na constância do matrimónio, portanto do casal.
13ª - Assim, como os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges - art. 1789°, n" 1, do C.C., com a ressalva de que os efeitos do divórcio, nas relações patrimoniais entre os cônjuges, se retroagem à data da proposição da acção, no caso dos autos a 20/05/2008.
14ª - Por outro lado, o art. 1681º, n°1, do C.Civil, prescreve: "O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do no.2, do art. 1678, não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge" .
A alienação ou oneração de moveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de acto de administração ordinária - art. 1682, nº 1, assim, quando um dos cônjuges, sem. o consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, moveis comuns de que tem a administração, será o valor dos bens alheados levado em conta da sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais - art. 1682º, nº 4.
15ª - Face a esta regulamentação, podem surgir três situações, no caso de alienação de bens móveis comuns do casal: - a primeira, a de ter sido feita pelo cônjuge administrador, antes da proposição da acção de divórcio;
16ª - No caso de se verificar a primeira situação, não haverá lugar à relacionação do bem móvel alienado, aquando do inventário para partilha de meações .
17ª - O Cabeça-de-casal, aqui recorrente apresentou na relação de bens não o número de certificados e acções, mas o valor que foram atribuídos por acordo, fixados da acta de dissolução do casamento, na chamada relação especificada dos bens comuns, ou seja: valor das acções da EDP 3.600,00 € e valor dos certificados de aforro 2.300,00 €.
O facto de posteriormente e porque se averiguou que da transacção das acções da EDP e do resgate do certificados de aforro existia um valor superior, não se apurou e provou que naquela conta do BES de onde o aqui recorrente levantou o dinheiro antes de propor a acção de divórcio se o mesmo esta de resgate ou de transacção de títulos próprios ou comuns e de acções próprias ou comuns. Também como supra se referiu o recorrido quando casou com a recorrida já tinha 52 anos e trabalhava como funcionário da EDP, desde os 22 anos de idade.
18ª - Não foi dado como provado ou não provado que tais acções e certificados de aforro, além dos que constavam como sendo comuns do casal, porque adquiridos na constância do matrimónio, eram comuns ou próprios, por isso o recorrido não sonegou bens, antes pelo contrário, deu á recorrida apenas com o seu trabalho, uma vida digna que esta não soube aproveitar e tão mal lhe queria, que apesar de tudo até aceitou dar-lhe uma pensão de alimentos.
19ª - O cabeça-de-casal e aqui recorrente não sonegou bens á partilha, daí que não possa, porque não existe fundamento, ser-lhe aplicada a sanção civil, que é perder o direito relativamente à diferença do bem relacionado e "sonegado" em benefício da recorrida, bem como o rendimento deste mesmo valor.
20ª - Apresentou na relação de bens no que diz respeito às acções e aos certificados de aforro comuns, o mesmo valor que por acordo fixaram aquando da relação especificada dos bens comuns, cfr. a acta que converteu o divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento.
21ª - O facto de, como refere a meritíssima Juíza "a quo", decorrer de toda a panóplia de documentação bancária e bem assim dos requerimentos apresentados pelo cabeça-de-casal ao longo do presente incidente, verificou que o recorrente com a sua conduta omitiu um facto relevante para a decisão da causa." Pergunta-se que facto relevante? Acaso estava vedado ao recorrente de exercer o direito ao contraditório sobre os inúmeros requerimentos e as inúmeras insistências da recorrida, que bem sabia não ter razão, pois aquando da Conversão do Divórcio, apenas aceitou porque sabia e assim se conformou com o valor das acções da EDP comuns e com os certificados de aforro comuns, adquiridos na constância do matrimónio, pois bem consciência tinha que não contribuiu em nada para valorizar o património comum, pois tudo o que tinha, ou melhor o direito a metade que adquiriu foi ganho pelo aqui recorrente, por isso jamais litigou de má-fé.
22ª_ Efectivamente quem litigou de má-fé ao longo de todo o processo foi a recorrida e não o recorrente, que sem fundamento de facto ou de direito foi condenado.
23ª - No douto despacho de que se recorre, a meritíssima Juíza "a quo" violou as normas dos artigos 1348°, 1349°, 1350°, 1334°,304º e n" 5, do artigo 653° nº 2, 712° nº 1- a), b) e n° 4 e 654°, 456° e 457º todos C.P.Civil e ainda os artigos 1789° nºl, 1681 n° 11678° n° 2 a) e f), 1682 n° 1 e 4, 1689° e 2096° n° 1 bem como os mais elementares princípios da imediação, concentração e plenitude da assistência dos Juízes."
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Não foram juntas contra alegações.
O recurso foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
Assim, as questões a resolver são as seguintes:
- se ocorre uma nulidade processual em virtude de a Sra. Juiza ter proferido decisão escrita nos termos em que o fez;
- se procede de qualquer erro ou deve ser alterada a decisão de sujeição a relacionamento do capital de 73.835,95 € e respectivo rendimento, a contar à taxa legal à data da partilha;
- se se verificam os pressupostos para a verificação de uma situação sonegação de bens pelo cabeça de casal;
- se se verificam os pressupostos para a condenação do cabeça de casal como litigante de má fé.
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Para a apreciação de tais questões, devemos ter presentes os elementos dos próprios autos, respeitantes aos termos e circunstâncias do seu processado, que infra se referirão a propósito da nulidade arguida, bem como os factos dados por provados na decisão recorrida, que são os seguintes:
1 - A Requerente, B..., casou com o requerido C..., sem convenção antenupcial, no dia 27 de Novembro de 1996, no regime de comunhão de adquiridos.
2 - O Requerido intentou acção de divórcio litigioso contra a Requerente em 20 de Maio de 2008.
3 - Por sentença homologatória, transitada em julgado, proferida nos autos principais, foi decretado o divórcio entre a Requerente e o Requerido (convertido em divórcío por mútuo consentimento).
4 - Por despacho proferido em 9 de Novembro de 2010, foi o Requerido C... nomeado cabeça de casal.
5 - Em 9 de Dezembro de 2010, o cabeça de casal apresentou relação de bens, relacionando como verba nº 1 acções da EDP adquiridas na constância do matrimónío no valor de €3.600,00 e como verba n.º 2 certificados de aforro que existiam nos Correios e adquiridos na constância do matrimónio, no valor de €2.300,00.
6 - As "ACÇÕES EDP", referidas na relação de bens, foram transaccionadas pelo cabeça-de-casal em 01/04/2008.
7 - A transacção dos títulos mobiliários em causa - acções EDP - foi realizada pelo preço (valor) de 8.964,91C (oito mil novecentos e sessenta e quatro euros e noventa e um cêntimos), valor que foi creditado na conta do BES com o n.º 322066550008.
8 - Para além disso, foram efectuados na conta do BES com o nº 322066550008 dois movimentos - depósitos - a crédito: a) um no valor de 19.937,86€ (dezanove mil novecentos e trinta e sete euros e oitenta e seis cêntimos), em 28/03/2008 e b) outro, em 03/04/2008, no valor de 44.780,01€ (quarenta e quatro mil setecentos e oitenta euros e um cêntimo).
9 - Os movimentos a crédito descritos em 5) reportam-se aos valores de 19.937,86€ e 44.780,01€ recebidos em 26/03/2008 e em 27/03/2008, pelo cabeça-de-casal do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, na sequência do resgate que efectuou dos «certificados de aforro».
10 - O saldo da referida conta, no valor de 73.835,95€ (setenta e três mil oitocentos e trinta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), resultante do somatório dos valores da transacção das «acções EDP» e do resgate dos certificados de aforro», creditados na conta bancária em causa, foi pelo cabeça-de-casal levantado, por intermédio do «cheque de caixa n.º 26411610», em 17/04/2008.
11 - A conta bancária com o n.º 9480293725 do Banco Millennium BCP, era co-titulada pela requerente e pelo requerido, e à data de 20.05.2008, apresentava um saldo de 21,52€
12 - A conta bancária com o n.º 45354212789 do Banco Millennium BCP, titulada pelo requerente, apresentava à data de 20.05.2008 um saldo de 1.162,06 €.
13 - O cabeça-de-casal, aquando da apresentação da «relação de bens» omitíu os valores referidos no ponto 10 dos factos provados.
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A este propósito, mais se declarou, na decisão recorrida que não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa, nomeadamente que: "a) o produto da venda e do reembolso das acções e certificados de aforro mencionados nos factos provados, ainda foi consumido pelo casal, em despesas e pagamento de dívidas do próprio casal."
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Como se referiu já, a primeira questão colocada pelo requerente traduz-se na imputação de um vício de nulidade à decisão recorrida, por inobservância do regime processual relativo à prolação da decisão do incidente de reclamação de bens, designadamente em violação do disposto no art. 304º, nº 5 e 653º, nº 2 do C.P.C., e dos princípios da imediação, concentração e plenitude de assistência dos juízes.
O princípio da identidade do juiz, designado no CPC por princípio da plenitude da assistência do juiz, reporta-se quer à exigência de que a matéria de facto só seja decidida por juiz que tenha assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento, quer ao prolongamento da competência funcional do juiz para acabar o julgamento, mesmo que a tenha perdido por transferência, aposentação, etc. Note-se, porém, que o art. 654º do C.P.C. apenas impõe este princípio relativamente à decisão da matéria de facto, quanto à sentença, em termos que são idênticos aos resultantes do nº 5 do art. 304º. No entanto, no caso em apreço, nenhum violação deste princípio ocorreu, já que a Sra. Juíza que presidiu ao acto de produção de prova (constante da acta a fls. 37) é precisamente a subscritora da decisão complexa de fls. 39 e ss, que é a decisão recorrida e que compreende quer a fixação da matéria de facto provada, quer a decisão jurídica do incidente.
O princípio da imediação traduz-se essencialmente no contacto directo entre o juiz e as diversas fontes de prova (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, pg. 386).
Instrumentais relativamente a este valor são os princípios da concentração, da oralidade e da identidade do juiz. No caso, já vimos não estar em causa o princípio da identidade do juiz; e também nenhuma questão se colocou relativamente ao funcionamento do princípio da oralidade. Por outro lado, e no que toca à relação entre o juiz e a prova, também não se identifica que tenha havido qualquer desvio ao contacto directo entre a Sra. Juíza autora da decisão recorrida e a prova que utilizou na fundamentação da sua decisão sobre a matéria de facto.
Indubitável é, no entanto, o desrespeito pelos interesses subjacentes ao princípio da concentração. Com efeito, tal como bem refere o apelante, o art. 304º, nº 5 do CPC, que consagra este princípio no âmbito da tramitação de um incidente processual, prescreve que a decisão sobre a matéria de facto deva ser proferida logo que finda a produção de prova, tal como então deve ser também enunciada a fundamentação desse juízo. Subsequentemente, embora não necessariamente no mesmo acto, haverá de ser proferida a decisão do incidente. A aplicabilidade dessa regra ao incidente de reclamação de bens em processo de inventário resulta da remissão geral prescrita no art. 302º do C.P.C.
No entanto, no caso em apreço, não foi isso que aconteceu. A Sra. Juiz, finda a produção de prova, proferiu um despacho no qual anunciou expressamente que incumpriria esse regime, invocando a “necessidade de efectuar uma ponderação séria e criteriosa da prova (testemunhal) ora produzida e bem assim da prova documental constante dos autos”, comunicando também que iria proferir decisão no dia 22/11/2012, por escrito, em termos que seriam acessíveis aos Il. Mandatários através do sistema Citius. Aliás, como veio a fazer, em rigoroso cumprimento do anunciado.
Esta solução, repete-se, consubstancia evidente desvio ao regime do art. 304º, nº 5. A própria Sra. Juíza o afirmou. E o facto de a solução adoptada nem sequer ser rara, antes se sabendo ser adoptada recorrentemente na prática judiciária, em situações em que a complexidade substantiva das questões ou da prova a analisar exige maior reflexão ao decisor, não exclui a sua qualificação como uma irregularidade processual. Questão diferente é a de apurar se ela consubstancia uma nulidade e que seja passível de arguição eficaz, nos termos em que esta se mostra realizada, isto é, por meio do presente recurso.
O art. 201º do C.P.C. prevê que, fora dos casos previstos nos arts. 193º a 200º - nos quais se não compreende a situação sob análise - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Atenta esta regra, para que a irregularidade cometida possa qualificar-se como nulidade seria necessário concluir a sua aptidão para influir no exame ou na decisão da causa. A este propósito, o apelante limita-se a argumentar que só essa continuidade entre a produção de prova e a enunciação da decisão sobre a matéria de facto dada por provada e sua fundamentação “permite acautelar convenientemente os benefícios resultantes dos princípios da imediação, concentração e plenitude da assistência dos Juízes que consistem na apreensão de uma série de elementos valioso resultantes do contacto directo entre o juiz e a testemunha”.
Torna-se óbvio que esta argumentação é genérica e conclusiva, não apontando o apelante um único motivo real ou uma concreta evidência de que a dilação determinada pela Sra. Juíza entre os dias 15/11/2012 (data do acto de produção de prova) e 22/11/2012 (data da decisão) tenha redundado, nesta concreta decisão, em qualquer prejuízo para a apreciação da prova produzida, levando, por exemplo, a que a Sra. Juíza se tenha esquecido do conteúdo dos depoimentos, ou abstraído da discussão havida. Assim, e desde logo porque o apelante o não apontou, não se descortina qualquer fundamento para que se possa afirmar que a dilação de sete dias ocorrida entre o termo da produção de prova e o anúncio da decisão sobre a matéria de facto provada e sua justificação - que foram efectivamente feitas no âmbito da própria decisão final, e não omitidas como chega a afirmar erradamente o apelante - tenha tido qualquer influência no exame ou na decisão da causa. Consequentemente, a irregularidade cometida não pode qualificar-se como uma nulidade, face ao disposto no art. 201º.
Mas ainda que assim não fosse e que essa irregularidade se pudesse classificar como uma nulidade processual, igualmente não procederia a sua arguição por via do presente recurso. É que o ora apelante – obviamente representado pelo seu Il. Mandatário, aliás o mesmo que agora subscreve o recurso – estava presente no próprio acto processual em que a irregularidade foi cometida, isto é, na audiência de produção de prova finda a qual a Sra. Juiza anunciou que não proferiria de imediato a decisão devida, antes o faria sete dias depois, publicando-a através do Citius. Só então a poderia ter arguido, pois tal lhe era imposto pelo nº 1 do art. 205º do CPC, a fim de que a lei fosse cumprida nos seus precisos termos, tal como dispõe o nº 2 dessa norma. Não o tendo feito, logo ficou sanada a irregularidade cometida (ainda que nulidade fosse), porquanto ficou precludida a possibilidade da sua arguição em momento ulterior.
Nestes termos, quanto a este fundamento, improcedem as razões do apelante, nada havendo que criticar na decisão recorrida.
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A segunda questão colocada prende-se com o mérito da própria decisão, relativamente à identificação de um capital de 73.835,95€ como bem comum do casal, assim sujeito a relacionamento para partilha, no âmbito deste inventário, a complementar com os respectivos rendimentos.
O apelante não põe em causa que a prova produzida tenha revelado que esse capital foi obtido por alienação de acções da EDP, em 1/4/2008, e por resgate de Certificados de Aforro, em 26 e 27/3 de 2008, tendo sido levantado por si em 17/4/2008, da conta bancária onde fora creditado após essa operações. Nem que isso tenha ocorrido dias antes de ter proposto a acção de divórcio, o que aconteceu em 20/5/2008.
Mas, impugnando a decisão recorrida, alega que:
1 - desses valores, só o capital de 3.600€ corresponde a acções adquiridas na constância do matrimónio; e só o capital de 2.300€ corresponde a Certificados de Aforro adquiridos na constância do matrimónio. Tudo o restante seria capital próprio, por resultante de acções da EDP e Certificados de Aforro a si pertencentes antes do matrimónio;
2 - que o dinheiro que levantou se destinou a pagar dívidas do casal, o que apesar de ser por si alegado não foi alvo de decisão;
3 – que carece de ser apurado se essa afectação de dinheiro, ocorrida ainda na pendência do matrimónio, foi consentida pela requerente, o que apesar de ser por si alegado não foi alvo de decisão;
4 – que o capital proveio da alienação de bens na constância do matrimónio, pelo que não carecem de ser relacionados esses bens.

No que respeita ao primeiro destes pontos, verifica-se que o cabeça-de-casal, em resposta à reclamação de bens apresentada pela requerente, afirmou que só o capital de 3.600€ correspondia a acções adquiridas na constância do matrimónio; e que só o capital de 2.300€ correspondia a Certificados de Aforro adquiridos na constância do matrimónio. Isso mesmo em conformidade com a relação de bens comuns apresentada na acção de divórcio.
O tribunal não deixou de apreciar tal questão. Fundou-se nos documentos obtidos junto do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público e junto dos bancos envolvidos – que identificou por referenciação à sua colocação nos autos – para concluir que todos os títulos e o capital obtido por via da sua alienação eram bens comuns, por presunção resultante do art. 1725º do C. Civil, já que depositados numa conta comum dos membros do casal.
Contra esta presunção, nenhuma prova foi feita pelo cabeça de casal, pois, como referiu o tribunal recorrido, nenhum conhecimento directo dos factos tinham as testemunhas que ofereceu para esse efeito.
Acresce que, em momento próprio, nem o apelante se preocupara em alegar especificadamente as razões pelas quais parte desse capital seria próprio e só aquele que admitiu ser comum, em tal relação de bens, o seria. O que sempre tenderia a prejudicar a demonstração disso mesmo, em momento oportuno. Com efeito, a razão invocada pelo cabeça de casal para não relacionar nem as acções, nem os certificados de aforro, nem o produto da respectiva alienação e resgate, respectivamente, foi a de que o dinheiro obtido fora gasto para satisfação de dívidas do casal, em data anterior à propositura do divórcio, que fora "consumido" por ambos os membros desse casal. É o que consta dos requerimentos com cópias a fls. 28 e 29, apresentados na sequência de interpelação do tribunal para que esclarecesse o alegado a esse respeito. Jamais alegou o que agora afirma, isto é, que só parte desses bens e, sucessivamente, do capital em que eles foram convertidos seria bem comum. Por conseguinte, carecida de matéria alegada estava, no momento da produção de prova, a hipótese agora afirmada de que tais títulos e certificados de aforro seriam, em grande maioria, bem próprio.
Pelo contrário, estando esse capital depositado numa conta bancária comum, e sendo proveniente da alienação de bens móveis que nada revelava serem próprio, só poderia concluir-se, tal como o fez o tribunal, que o mesmo tinha a natureza de bem comum, nos termos da norma citada, atento o regime de bens em vigor na respectiva relação conjugal. De resto, isso mesmo surge ainda indiciado pela atitude do próprio cabeça de casal que, sem distinção entre património - que alega agora dividir-se entre próprio e comum - nas vésperas de intentar a acção de divórcio contra a requerente, converteu esses valores mobiliários em dinheiro, levantando-o todo para si.
Resta acrescentar que a conclusão sobre tal capital integrar o património comum de forma alguma surge prejudicada pelo facto invocado de, na própria acção de divórcio, ambos os cônjuges terem concordado com a relacionação de um património comum diferente, por defeito, do agora apurado.
Com efeito, a apresentação de um elenco de bens comuns é um pressuposto da instauração ou do prosseguimento de um processo de divórcio por mútuo consentimento, nos termos do art. 1419º, 1, b) do CPC, na redacção aplicável. Mas, tendo esse elemento processual, nessa acção, a natureza de um mero documento informativo e não de um documento negocial, não poderá ter efeito de preclusão na identificação de outros bens comuns quando, em processo próprio, se proceder à partilha do património colectivo do casal. Com efeito, de princípio ou norma alguma resulta que, ao apresentarem no processo de divórcio um tal documento, os cônjuges se queiram vincular a, futuramente, limitarem a esses bens a identificação do património comum. Isso, aliás, é excluído pelo próprio nº 2 do art. 1419º do CPC, que apenas torna eficazes para futuro, caso nada resulte em contrário dos respectivos documentos, os acordos mencionados no nº 1, que são, na letra da própria lei, o acordo sobre o exercício do poder paternal, o acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge e o acordo sobre o destino da casa de morada de família. Aí não se inclui, pois, o documento consubstanciado pela relação especificada de bens comuns e seus valores, que não tem a natureza de um tal acordo. E, por isso, não pode ser valorado no sentido de comprometer a vontade das partes à partilha, em exclusivo, dos bens aí relacionados. Isto mesmo se decidiu no Ac. do TRG de 28-06-2007, proferido no processo nº 879/07-1, publicado em dgsi.pt.
Sem prejuízo, entendemos, para além do decidido neste aresto, que o reconhecimento de determinado bem como comum, nesse acto processual que é a apresentação de uma relação de bens num processo judicial, sempre haverá de constituir confissão, pelos declarantes, sobre a respectiva existência e natureza comum (cfr., neste sentido, Ac. do TRL de 2/4/2007), sob pena de o mesmo se traduzir num acto inútil e, por isso e por definição, não pretendido pelo direito processual. Porém, esse acto informativo do processo, não poderá constituir confissão também relativamente ao que ali não está declarado, ao que ali não está informado, designadamente em relação à inexistência de outro património igualmente comum. Por isso, no processo próprio para a partilha do património do casal dissolvido, sempre poderá ser feita prova da existência de outros bens comuns a partilhar, para além dos anteriormente relacionados naquela acção.
Pelo exposto, nada impede que, nestes autos, se reconheçam como comuns outros bens ou valores que não tivessem sido relacionados como tal na precedente acção de divórcio.
Em conclusão, resta afirmar que nenhuma razão assiste, a este respeito, ao apelante.

Já quanto ao segundo ponto, apesar de ter referido que a requerente gastava mais dinheiro do que o que ganhava, o cabeça de casal/requerido não alegou e muito menos identificou quaisquer dívidas do casal, nem qual o concreto capital consumido por tais dívidas. De resto, apesar disso, o tribunal não deixou de enunciar, como facto não provado, que tivesse sido gasto qualquer daquele capital na satisfação de tais hipotéticas dívidas. Por isso, nenhuma razão assiste ao apelante, também a propósito deste segundo ponto.

Um terceiro ponto traduz-se na invocação de uma omissão de pronúncia relativamente ao facto de a afectação de dinheiro consubstanciada no seu levantamento desde a conta em que estava depositado, ocorrido ainda na pendência do matrimónio, ter sido consentida pela própria requerente. Sobre esta matéria, nem no seu articulado de resposta à reclamação da relação de bens, nem nos sucessivos articulados que apresentou prestando esclarecimentos determinados pelo tribunal ou pronunciando-se sobre os documentos que foram sendo juntos pelas instituições financeiras notificadas para o efeito, veio o apelante referir qualquer consentimento da requerente para que destinasse o valor obtido com a alienação das acções e com o resgate dos Certificados de Aforro, para além da alegação de que o mesmo fora consumido pelo casal e afecto à satisfação de dívidas. E, como já se referiu, sobre isso expressamente se pronunciou o tribunal, com um juízo de prova negativo que não se mostra sequer impugnado nos termos necessários para a impugnação da decisão sobre matéria de facto. Inexiste, pois, qualquer omissão de pronúncia a este respeito.
Por conseguinte, improcede também esta argumentação do apelante.

Por fim, no âmbito desta segunda questão, veio o apelante invocar que, tendo o capital cuja relacionação foi determinada, e bem assim o respectivo rendimento, provindo da alienação de bens operada em plena na constância do matrimónio, não carecem eles de ser relacionados.
Como é óbvio, não podem ser relacionados os valores mobiliários que foram alienados. Não é disso que se trata, nem foi isso que foi decidido no despacho em crise. O que se entendeu dever ser relacionado foi o valor obtido com essa alienação, por ele integrar património comum do casal.
No entanto, é certo que o cabeça de casal levantou da conta bancária titulada por si e pelo seu cônjuge esse valor de 73.835,95€ em momento anterior ao da propositura da acção de divórcio. Não ter demonstrado que lhe deu o uso invocado -satisfação de dívidas do casal- impede que se conclua que o património comum decresceu por esse motivo, sendo por isso que o valor em causa deveria ficar excluído da partilha.
Questão diferente é a de saber se, tendo a esse dinheiro (a que sempre haveria que deduzir os 3.600€ e os 2.300€ relacionados espontaneamente) sido dado destino desconhecido pelo cabeça de casal em momento anterior ao da propositura da acção de divórcio, deve ele ainda assim ser relacionado e partilhado neste inventário.
O acórdão citado pelo apelante, proferido pelo STJ em 02-05-2012 no proc. nº 238/06.7TCGMR-B.G1.S1 (em dgsi.pt) no qual, de resto, se enunciam as demais decisões que cita depois, é claro na prescrição de uma solução negativa:
"I –No caso de divórcio e de alienação de bens móveis comuns do casal, podem surgir três situações: - a primeira, a de ter sido feita pelo cônjuge administrador, antes da instauração da acção de divórcio; - a segunda, a de ter sido efectuada pelo cônjuge administrador, depois da propositura da acção de divórcio; - a terceira, a de ter sido feita, a título gratuito, por um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, quando a administração do bem a ambos pertencia. II – No caso de se verificar a primeira situação, não haverá lugar à relacionação do bem móvel alienado, aquando do inventário para partilha de meações. O ex-cônjuge que se sentir prejudicado com a alienação poderá reagir, propondo acção de indemnização de perdas e danos, nos termos previstos na parte final, do nº1, do art. 1681 do C.C. III – No caso de ocorrer a segunda situação, haverá lugar à relacionação do valor do bem alienado. IV – No caso de se verificar a terceira situação, haverá que relacionar o valor do bem móvel como crédito do ex-cônjuge não alienante. V- Tendo o cabeça da casal levantado aplicações financeiras (bem comum), antes da propositura da acção de divórcio, não tem que relacionar metade do seu valor, podendo o ex-cônjuge, se se sentir prejudicado, propor acção de indemnização de perdas e danos, nos termos do art. 1681, nº1, parte final, do C.C."
Esta decisão, aliás, repete em termos muito semelhantes a proferida no TRP em 16-02-1995.
Tão peremptório quanto estes, é o Ac. do TRC de 29-4-2008, proferido no proc. nº 598/04.4TMCBR-C.C1 (em dgsi.pt), cujo sumário se transcreve:
"1. Produzindo-se, em princípio, os efeitos patrimoniais do divórcio, apenas, a partir do trânsito em julgado da sentença, embora retroajam, nas relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da proposição da acção, não se encontra o cabeça-de-casal obrigado a relacionar o valor do produto do resgate de 10511 unidades de certificados de aforro, efectuado em momento anterior ao da propositura da acção de divórcio, e que aplicou ou despendeu, em seu proveito.
2. O outro ex-cônjuge interessado, sentindo-se prejudicado com o destino que foi dado ao produto do resgate dos aludidos certificados de aforro, por parte do cabeça-de-casal, poderá reagir, através da propositura da correspondente acção de indemnização, por perdas e danos, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos legais enunciados pelo artigo 1681º, nº 1, parte final, do CC."
Os fundamentos destas decisões são claros (embora enunciados na argumentação do apelante de forma truncada, em termos que, a nosso ver, prejudicam a sua clareza):
- os efeitos patrimoniais do divórcio retrotraem-se ao momento da propositura da acção, designadamente nos casos - como o dos autos - em que não é requerida a sua retrotracção a momento anterior - artº 1789º, nºs 1 e 2 do C. Civil.; com esta disposição pretende-se evitar “que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção, sobre valores do património comum” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed, pág. 561);
- não está prevista, assim, a retrotracção de efeitos patrimoniais para momento anterior a esse, salvo no caso do nº 2 do art. 1789º.
- por isso, deve ser partilhado o património colectivo do casal, integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da acção;
- se um dos cônjuges, no exercício dos seus poderes de administração de bens comuns - como é o caso de dinheiro de ambos - deu destino desconhecido a parte deles, não pode contornar-se a realidade de que eles deixaram de integrar o património colectivo; não sendo aí encontrados, não podem ser partilhados.
- se esse acto tiver sido praticado intencionalmente em prejuízo do casal ou do outro cônjuge, o cônjuge administrador, que não é obrigado a prestar contas da sua administração, responde por ele, nos termos do art. 1681, nº1, do C.C., pelo que a sua exclusão da partilha não resulta, a final, em prejuízo do outro cônjuge.
Não obstante a assertividade destas decisões, entendeu o tribunal recorrido divergir delas, colando-se (apesar de não o referir) à solução prescrita no Ac. do TRC, de 8/11/2001, proferido no proc. nº 4931/10.1TBLRA.C1 (ainda em dgsi.pt).
Esta solução parte do texto da norma constante do nº 1 do art. 1689º do CC. segundo a qual, o património comum a partilhar deve ser definido não só pelo que nele existir no momento da dissolução do matrimónio, mas também por aquilo que cada um dos cônjuges lhe deve conferir, por lho dever. E prossegue essa decisão:
"VIII - A composição do património comum é, portanto, aquela que existia na data da proposição da acção e não em momento anterior, designadamente à data da separação de facto e só os bens existentes nesse momento - mas todos esses bens - devem ser objecto de partilha. IX - Dentre dos deveres patrimoniais dos cônjuges – que constituem um efeito patrimonial do casamento, que é, de resto, independente do regime de bens - sobressaem os que respeitam ao exercício dos poderes de administração e de alienação dos bens de cada um ou de ambos os cônjuges (artºs 1678 e 1683 do Código Civil). X - Constitui uma violação desses deveres patrimoniais a má administração de bens próprios do cônjuge não administrador ou de bens do casal (artº 1678º, nºs 1, 2 e 3, 1ª parte, do Código Civil), ou a inobservância da regra da administração extraordinária conjunta dos bens comuns (artº 1678º, nº 3, 2ª parte, do Código Civil). XI - O cônjuge administrador dos bens comuns ou de bens próprios de um dos cônjuges responde pelos actos praticados com dolo em prejuízo do casal ou do outro cônjuge (artº 1681º, nº 1 do Código Civil). XII - O cônjuge que administra bens comuns ou próprios do outro está, em regra, isento da obrigação de prestar contas (artº 1681º, nº 1 do Código Civil). Contudo, o cônjuge administrador responde pelos danos causados pelos actos praticados, com dolo, em prejuízo do património comum ou do outro cônjuge (artº 1681º, nº 1, in fine, do Código Civil). XIII - Na fase da liquidação da comunhão cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. XIV - Uma vez apurada a existência de compensação a efectuar à comunhão, procede-se ao seu pagamento através da imputação do seu valor actualizado na meação do cônjuge devedor, que assim receberá menos nos bens comuns, ou, na falta destes, mediante bens próprios do cônjuge devedor de forma a completar a massa comum. XV - Deve admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum. XVI - Se um cônjuge utilizou bens ou valores comuns deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente. A compensação devida será calculada no pressuposto de que o objecto do depósito deveria ser dividido por metade, pelo que a prova de uma diferente conformação das relações internas ficará a cargo do cônjuge que a invocar. XVII - Verificando-se, no momento da partilha, um enriquecimento dos patrimónios próprios dos cônjuges em detrimento do património conjugal comum ou deste relativamente àqueles, há lugar a compensações entre essas massas patrimoniais; o cônjuge que utilizou bens ou valores comuns deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente; esses bens ou valores devem ser objecto de relacionação, de modo a permitir aquela compensação."
Entre estas afirmações, destacam-se a referente ao princípio enunciado, de que devem operar-se compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro; e a relativa à consequência deste princípio, segundo a qual o cônjuge que utilizou bens ou valores comuns deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente; esses bens ou valores devem ser objecto de relacionação, de modo a permitir aquela compensação.
Afigura-se-nos que só uma solução como a que acaba de se descrever é adequada à tutela dos interesses em presença.
No caso, temos um dos cônjuges que, a vinte dias de instaurar contra o outro uma acção de divórcio, exclui do património comum, no exercício dos poderes de administração de que dispõe, um valor que se identificou com total certeza: 73.835,95€.
Para justificar essa acção, argumentou ele que aplicara esse valor à satisfação de dívidas de ambos. Mas não o demonstrou, desde logo porque nem uma dívida dessas identificou, como já se referiu. Assim se pode concluir, repete-se, com total certeza que só operou tal levantamento de dinheiro para dele se apropriar, eximindo-o da partilha que sabia iria ser consequente ao divórcio que iria requerer.
Ter por certos estes factos e sujeitar o outro cônjuge a ir responsabilizar civilmente o respectivo agente, seu ex-cônjuge, por tal actuação claramente censurável, numa acção autónoma, é um solução que a ordem jurídica não deve admitir. E não o deve admitir por duas ordens de razões: a primeira, porque assim estaria a acolher, pelo menos no imediato, como irrelevante uma conduta claramente culposa, isto é, passível de censura segundo o juízo da consciência ético-jurídica da comunidade, onerando a vítima dessa conduta com o ónus de intentar uma outra acção para ali ter de invocar e demonstrar novamente o seu direito; a segunda por razões de economia processual: não deve remeter-se para decisão em outra acção, a decorrer entre as mesmas partes, um litígio cujos elementos, após adequada discussão, estão todos presentes numa causa onde, por definição, deve ser dirimido. Com efeito, o presente processo de inventário é o lugar adequado para a identificação dos bens a partilhar e para a sua repartição entre os dois interessados.
Acresce que, como se referiu na decisão do TRC de 8/1/2011, que acabou de se citar, a partilha a realizar por dissolução do casamento não se limita aos bens identificados no património colectivo do casal, ao tempo da propositura da acção de divórcio; nela também se há-de levar em conta aquilo que cada um dos cônjuges dever a esse património. Essa é a letra da norma constante do art. 1689º, nº 1 do CC.
No caso, tendo-se apurado que o ora apelante subtraiu a esse património comum, sem que a tal tivesse qualquer direito, o valor de 73.835,95€, a escassos dias de intentar a acção de divórcio para dissolução do seu casamento, impõe-se que o restitua a esse património (mais a correspondente actualização), a fim de que aí possa ser partilhado. O que, obviamente, implica a necessidade da sua relacionação no acto processual próprio para esse efeito.
Foi o que determinou a decisão recorrida, no seu ponto 1, als. a) e b), que, por isso, deve ser confirmada, improcedendo o recurso também nessa parte.
*
A terceira questão colocada pelo apelante reporta-se à declaração de ter incorrido em sonegação de bens e à sanção que, por isso, lhe foi cominada, de não poder beneficiar da partilha dos bens sonegados (67.935,95€, correspondentes à diferença entre os 73.835,95€ a cuja relacionação está obrigado e os 5.900€ que relacionou, a acrescer do respectivo rendimento).
O art. 2096º do C. Civil, no seu nº 1 dispõe: "O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis."
Não oferece dúvidas que o conceito de herdeiro aqui em causa abrange o cônjuge meeiro (cfr. Acordão do STJ de 06-11-1973, doc. nº SJ197311060647042, em dgsi.pt).
Por outro lado, como consta do anteriormente decidido, é já claro que o ora apelante omitiu a sua obrigação de relacionação de um capital no montante de 67.935,95€.
O que importará decidir é se a sua actuação consubstancia uma actuação dolosa tendente à ocultação da existência de um tal capital, de forma a eximi-lo à partilha a realizar com o seu ex-cônjuge.
Damos por adquirido que a gravidade da sanção em questão exige profundo rigor na identificação dos respectivos pressupostos.
Já se considerou, a outro propósito, culposa - por merecedora de um juízo de censura - a conduta do ora apelante. Porém, não é esse juízo de culpa que agora está em causa. Com efeito, nos termos da norma citada, a sanção cominada, de exclusão da partilha quanto ao bem sonegado, corresponde a uma conduta típica não necessariamente coincidente com a pressuposta nesse juízo genérico: o que se pune é a ocultação da existência de bens com o específico desígnio de os subtrair à sua partilha com os restantes interessados.
A este propósito, por condensar diversa jurisprudência, surge lapidar a afirmação citada na decisão recorrida, do Ac. do TRL de 12/11/2009, segundo a qual "a jurisprudência tem decidido, nesta área, no sentido de que o dolo se revela na existência de uma actuação tendo em vista o apossamento ilícito ou fraudulento de bens em detrimento dos demais herdeiros; que aquele requisito se preenche quando fica evidenciado o (…) desígnio fraudulento de apropriação dos bens, de os fazer exclusivamente seus; e só existir sonegação de bens quando a sua ocultação é intencional, sendo inequívoca a obrigação de os relacionar.”.
Nesse desígnio fraudulento é ainda reconhecida, por alguns autores (v.g. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, pg. 85) a necessidade de uma actuação do sonegador representada por artifícios, dissimulações ou sugestões tendentes a criar, nos demais interessados, a convicção de que não há o bem a partilhar.
No caso dos autos, como resulta quer dos sucessivos articulados do apelante, quer da argumentação anteriormente desenvolvida sobre a obrigação do capital em causa e seu rendimento serem relacionados, que não deixou de representar um esforço de fundamentação, quer na decisão recorrida, quer no presente acórdão, perante a existência de diversa e valiosa jurisprudência em sentido diverso, isto é, prenunciando a exclusão da questão do presente inventário, parece-nos inviável concluir por uma actuação classificável como sonegação de bens.
Com efeito, o ora apelante nada fez de forma a tentar esconder a existência do dinheiro obtido por venda das acções e por resgate dos certificados de aforro: sem qualquer disfarce ou prática tendente à ocultação das operações bancárias, ordenou-as e embolsou o dinheiro obtido. Com facilidade se obtiveram, das instituições financeiras envolvidas, os documentos ilustrativos destas operações. Fê-lo, como resulta dos seus articulados e alegações, por considerar - embora sem que tal lhe tenha sido reconhecido - que parte desse capital era próprio, relacionando a parte que considerava do capital que reconhecia como comum. De resto, esse foi o fundamento para a não relacionação desse montante no presente inventário, e não a sua inexistência. Fundamento esse ainda reforçado pela verificada coincidência entre o património comum declarado na acção de divórcio e aquele que o apelante aqui se apresentou a relacionar. Inexiste, pois, qualquer dissimulação da sua conduta.
Acresce que, nessas circunstâncias, nem sequer se poderia afirmar como inequívoca a sua obrigação de relacionação daquele capital, porquanto, como se viu, diversa jurisprudência defende que a qualificação de tal comportamento como lesivo do ex-cônjuge e a responsabilização do seu autor depende de acção autónoma, não consubstanciando obrigação deste no inventário para partilha do património comum.
Por tudo isto, e à luz do conceito e dos pressupostos enunciados supra para que se declare verificada uma situação de sonegação de bens, entendemos não se identificarem aqui tais pressupostos, o que impede que se qualifique a conduta processual do requerido, ora apelante, como acto de sonegação de bens.
Nessa medida, o recurso procederá nesta parte, revogando-se nesse ponto a decisão recorrida.
*
A última questão prende-se com a condenação do apelante como litigante de má fé.
Com efeito, e atenta a negação da sua obrigação quanto à relacionação do capital já referido, entendeu o tribunal ter ele obrigado a parte contrária à demonstração da respectiva existência, motivo pelo qual o condenou como litigante de má fé, no pagamento da multa correspondente a 2 (duas) unidades de conta e no pagamento à Requerente uma indemnização de € 500,00.
Os fundamentos desta condenação coincidem, basicamente, com aqueles que haviam motivado a aplicação da sanção por sonegação de bens. Ela pressupôs a existência de uma inequívoca obrigação de relacionação de um capital cuja existência o requerido não negava - apenas alegava ter aplicado na satisfação de dívidas que não logrou demonstrar - mas relativamente ao qual negava, isso sim, dever ser relacionado e partilhado, por ausência de direito do seu ex-cônjuge quanto ao mesmo. e Por isso mesmo defendeu não estar sujeito á sua demonstração. Demonstração essa que, de resto, foi facilmente realizada pela parte contrária, à qual o facto aproveitava.
Conclui-se, assim, que embora na defesa de uma tese que não colheu, o requerido/cabeça de casal, ora apelante, não incorreu numa conduta processualmente classificável como litigância de má fé, designadamente aquela que o tribunal considerou: o ter omitido a declaração de facto relevante, que coincidira - assim se interpreta a decisão recorrida que, nesse aspecto, é menos esclarecedora - com a declaração do capital obtido com a venda de acções e resgate de certificados de aforro. Sendo certo que o ora apelante incorreu em tal omissão, fê-lo no exercício daquilo que considerava ser o seu direito. E o não reconhecimento deste, nos termos supra já confirmados - não coincide com a dedução de uma oposição à pretensão da requerente com consciente falta de fundamento, à omissão da declaração de factos a que inequivocamente estivesse obrigado - a não obrigação da sua declaração era precisamente o cerne da sua argumentação - ou à omissão grave de um dever de cooperação.
Por isso, e por referência ao conteúdo do conceito de litigância de má fé, constante do nº 2 do art. 456º do C.P.C., entendemos não haver fundamento para a condenação do requerido, ora apelante, como litigante de má fé.
Nesta parte, haverá então de revogar-se igualmente a decisão recorrida.

Em conclusão (art. 713º, nº 7 do C.P.C.)
1. Não consubstancia nulidade processual, mas mera irregularidade, a decisão pela qual o Juiz, finda a produção de prova num incidente, anuncia que não proferirá decisão sobre a matéria de facto de imediato, dada a complexidade das questões e da prova a considerar, diferindo para de então a oito dias a publicação dessa decisão, por escrito e através do sistema Citius, conjuntamente com a própria decisão do incidente.
2. Se a parte, representada por Advogado no próprio acto, não arguiu logo ali essa irregularidade, fica precludida tal possibilidade.
3. O cabeça-de-casal, em inventário para partilha do património colectivo do matrimónio dissolvido por divórcio, está obrigado a relacionar como bem comum nesse inventário o capital que obteve e foi creditado em conta bancária comum a ambos os cônjuges, por via da venda de acções e do resgate de certificados de aforro, ainda que estas operações tenham sido feitas dias antes da propositura da acção de divórcio.
4. Na partilha, devem ser relacionados não só os bens existentes no património colectivo do casal à data da propositura da acção de divórcio (se a momento anterior não deverem retrotrair os seus efeitos), mas também aqueles que a esse património cada cônjuge deve conferir, por lho dever.
5. Deve ser conferido ao património colectivo do casal, para ulterior partilha, aquele bem ou direito de que um dos cônjuges se apropriou sem que a tal tivesse qualquer direito, e por via do que engrandeceu o seu património próprio à custa desse património colectivo.
6. Não consubstancia sonegação de bens a recusa de concretização e relacionação de um valor monetário pelo cabeça-de-casal, quando essa recusa nada integra que constitua dissimulação desse valor ou compreenda dificultação do seu apuramento, apenas se funda na invocação de um direito que não lhe vem a ser reconhecido.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar apenas parcialmente procedente a presente apelação, em razão do que revogam a decisão recorrida na parte correspondente aos pontos 3 e 4 do seu dispositivo, isto é, quanto ao juízo de verificação dos pressupostos de sonegação de bens pelo cabeça de casal C... e à aplicação da correspondente sanção de perda, em benefício da requerente B... do direito que pudesse ter a qualquer parte do capital sonegado, de 67,935,95 € e seu rendimento; e, bem assim, quanto à condenação do cabeça de casal C... como litigante de má fé, na multa e indemnização fixadas.
No mais, julgam o apelação improcedente, confirmando o remanescente da decisão recorrida.
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Custas por apelante e apelado, na proporção de metade por cada um.

Porto, 16 /4/2013
Rui Manuel Correia Moreira
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões