Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6208/10.3YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
REGIME DO RAU
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RP201201246208/10.3YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA, EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Actualmente vigora o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, em 28 de Junho de 2006, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data (artigo 59.º n.º 1, NRAU). E esta aplicação imediata do direito substantivo às relações de arrendamento pré-existentes, aplica-se, por maioria de razão, ao direito adjectivo, incluindo aos requisitos de formação dos títulos executivos.
II - Segundo o preceituado no artigo 15.º n.º 2, do NRAU que o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Comunicação essa que obedece ao formalismo exarado no artigo 9.º do mesmo diploma legal e que deve ser feita por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao arrendatário e remetida, na falta de indicação deste em contrário, para o local arrendado.
III - A apelante defende assim que ao contrato em apreço nos autos se aplica o disposto no n.º3 do art.º 26.º do NRAU. Mas sem razão.
IV - Na verdade, o contrato em causa aplicam-se apenas, por força do disposto nos art.ºs 27.º e 28.º do NRAU, os n.ºs 1, 4 e 6 do art.º 26.º desse diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 6208/10.3 YYPRT-A.P1
Juízos de Execução do Porto – 2.º juízo, 3.ªsecção
Recorrente – B…
Recorrida – C…, Ld.ª
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues
Desemb. Maria Cecília Agante

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Nos autos de execução para entrega de coisa certa que B…, intentou nos Juízos de Execução do Porto contra C…, Ld.ª, com sede no Porto, dando à execução como título executivo o contrato de arrendamento e comprovativo da comunicação a que alude o art.º 1097.º do C.Civil, nos termos do art.º 15.º, n.º1, al. c), da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, veio esta executada deduzir oposição pedindo que a execução seja julgada extinta e que a exequente seja condenada na multa prevista no art.º 930.º-E do C.P.Civil.
Para tanto alegou, em síntese, que contrariamente ao defendido pelo exequente no requerimento executivo, sendo o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, outorgado em 1957, embora sujeito às duas alterações posteriores também alegadas pela exequente, as mesmas não constituem novação, mantendo-se o contrato inicial no que respeita às cláusulas não alteradas, nem houve qualquer manifestação negocial que manifestasse vontade expressa das partes de contraírem nova obrigação em substituição da antiga, pelo que, tendo o contrato sido celebrado numa altura em que vigorava o regime vinculista (impedindo o senhorio de proceder à denúncia ou opor-se à renovação do contrato), tal regime se mantém até hoje, pelo que, não constituindo o contrato celebrado um contrato de duração limitada, por força das normas transitórias do diploma que aprovou o NRAU (art.ºs 26.º, 27.º e 28.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), não se lhe aplica a regra da denúncia livre por parte do senhorio prevista no art. 1101.º al. c), do C.Civil, continuando tais contratos a beneficiar do regime vinculista do n.º 2 do art.º 68.º do RAU (DL n.º 321/B-90).
Alegou assim que há falta de fundamento e ineficácia da comunicação efectuada que a exequente apresenta como elemento integrante do título executivo, pelo que a mesma não dispõe de título executivo válido e exequível, sendo a propositura da execução uma leviandade reveladora de não actuação com a prudência normal e exigível.
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Recebida a oposição e ordenada a notificação do exequente veio esta contestar pedindo a improcedência da mesma.
Para tanto alegou, em síntese, reiterando o inicialmente alegado no requerimento executivo que de acordo com a interpretação que faz do contrato de arrendamento e da lei aplicável é-lhe legitimo opor-se à renovação automática do contrato, o que fez no tempo e pela forma legalmente previstas. Designadamente, defende que as alterações efectuadas ao contrato de arrendamento pelas partes em convenções adicionais celebradas em 1987 e em 2005, mantendo as partes no entanto as cláusulas anteriores, integram renovação da vontade negocial em relação às cláusulas inalteradas, designadamente, a cláusula 3.a do contrato inicial, com a consequente sujeição dessas mesmas cláusulas ao regime legal vigente à data da celebração do novo acordo e que face aos termos da cláusula do contrato celebrado em 1957 que estabeleceu o prazo de duração do contrato, mesmo interpretada à luz da lei vigente à data da celebração do contrato (1957), sempre teria que se interpretada como uma cláusula que limita a duração do contrato a determinado prazo, pelo que face às normas de interpretação das declarações negociais a cláusula terceira do contrato tem que ser interpretada como configurando um contrato de duração limitada, sob pena de interpretação abrogante. Pelo que com a entrada em vigor do NRAU cessado o regime transitório introduzido pelo DL n.º 5411 de 17 de Abril de 1919 e sucessivamente prorrogado, quer pela via da interpretação actualistica da cláusula terceira do contrato de arrendamento, quer pela via de uma interpretação historicista da mencionada cláusula, é de concluir que o contrato foi configurado pelas partes como um contrato de duração limitada, sendo admissível a oposição à renovação automática feita nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 1097.º do C.Civil (e não do art. 1101.ºdo C.Civil invocado pela executada/opoente), sendo tal art.º 1097.º do C.Civil aplicável a todos os contratos de arrendamento não habitacionais (quer aos celebrados na vigência do RAU e do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, quer aos celebrados antes da entrada em vigor de tais diplomas - art.º 28.º do NRAU). Alega que a desconsideração da cláusula 3.a classificando-o como um contrato de duração indeterminada sujeitaria a senhoria a um arrendamento perpétuo por sendo a executada/opoente uma sociedade comercial, a mesma não estar sujeita à lei natural do fim da vida humana, o que violaria o princípio da liberdade contratual e configuraria um abuso de direito por parte da sociedade executada/opoente, por poder o contrato perdurar indefinidamente sem que ocorra a transmissão entre vivos das respectivas quotas, o que integraria uma inconstitucionalidade material por violação do disposto na al. I) do art.º 165.º da C.R.Portuguesa, por equivaler a uma privatização forçada e sem motivo de interesse público de um imóvel locado, o qual pertence a uma pessoa colectiva de direito público e faz por isso parte do sector público de propriedade dos meios de produção - art.º 82.º n.º 2 da C.R.Portuguesa. Por fim, impugna a alegação e leviandade e imprudência na instauração da execução invocada pela executada/opoente, por entender que se está apenas perante distintas interpretações da lei e dos contratos da exequente e da executada.
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Foi, de seguida, proferido despacho saneador-sentença onde se julgou procedente a oposição e consequente ordenou-se a extinção da execução e ao abrigo do art. 930.º-E do C.P.Civil, condenou a exequente na multa de €1.020,00.
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Não se conformando com tal decisão, dela veio a exequente recorrer pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a oposição improcedente, e ordene o prosseguimento da execução e que ainda a absolva da condenação na multa de 10 UC ao abrigo do disposto no artigo 930.º-E do C.P.Civil.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza da 3.a Secção do 2.º Juízo de Execução do Porto que julgou procedente a oposição deduzida pela executada na execução para a entrega de coisa certa intentada pela exequente e ora recorrente e condenou ainda a exequente e ora recorrente na multa de 10 UC ao abrigo do disposto no artigo 930.º-E do CPC.
2. A primeira questão apreciada pela sentença ora recorrida, quanto a nós, e salvo o devido respeito, erradamente, foi a de saber se o contrato de arrendamento composto pelo texto original e pelos dois aditamentos posteriores, elemento integrante do título executivo previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea c) do NRAU deve ser qualificado como contrato de duração limitada, pois só relativamente a tais contratos pode ocorrer a cessação (termo do contrato) pela comunicação prevista no art.1097.º do Código Civil na redacção actualmente vigente
3. A B…, ora Exequente, celebrou, na qualidade de senhoria, em 17 de Julho de 1957, por escritura pública, um contrato de arrendamento urbano, para fins não habitacionais, com a sociedade C1…, Ld.ª, Executada, Opoente e ora recorrida, do rés-do-chão e cave do edifício sede da Região Norte da B…, com entrada pelo n.º… da Rua …, freguesia de …, concelho e cidade do Porto, locado esse que a Executada, Opoente e ora recorrida tem ocupado como inquilina, ao abrigo daquele contrato de arrendamento, desde 1 de Agosto de 1957, aí explorando um restaurante denominado "D…".
4. Em 9 de Fevereiro de 1987, o contrato de arrendamento acima mencionado foi objecto de uma alteração, também por escritura pública celebrada entre as partes, nos termos da qual foi alterada a redacção das cláusulas 11.a e 14.a do contrato de arrendamento e aditadas as cláusulas 15.a, 16.a, 17.a, 18.a e 19.a, mantendo-se inalterada a redacção das restantes cláusulas do primitivo contrato de arrendamento.
5. Mais recentemente, em 14 de Fevereiro de 2005, as partes celebraram, por documento particular, uma Convenção Adicional ao Contrato de Arrendamento celebrado em 17 de Julho de 1957 e alterado em 9 de Fevereiro de 1987, nos termos da qual foi alterada a redacção das cláusulas 4.a, 11.ª e 12.a do contrato de arrendamento e aditada a cláusula 20.a, mantendo-se inalterada a redacção das restantes cláusulas do primitivo contrato de arrendamento.
6. A cláusula 3.a do contrato de arrendamento estipula o seguinte:
"O arrendamento durará pelo prazo de três anos, com início em 1de Agosto de 1957, considerando-se renovado por períodos sucessivos de 1 ano, enquanto não houver expressa denúncia nos prazos e termos legais".
7. Ao contrário do que afirma a Meritíssima Juíza a quo na douta sentença recorrida, a interpretação desta cláusula mesmo que à luz da lei vigente em 1957, não pode levar a outra conclusão que não seja a de que o contrato de arrendamento em causa é efectivamente de duração limitada,
8. Em primeiro lugar, porque a classificação de um contrato como sendo de "duração limitada" não constitui uma tipificação legal de qualquer modalidade ou figura de contrato, atento o princípio da liberdade contratual, mas sim a designação que a doutrina dá aos contratos de execução continuada que contêm uma cláusula que limita a sua duração a um determinado prazo.
9. E o texto daquela cláusula é muito claro no sentido de limitar a duração do contrato sub judice a um determinado prazo, pois dispõe que "o arrendamento durará pelo prazo de três anos" (note-se a exacta utilização do verbo durar), e prevê a renovação daquele prazo por "períodos sucessivos de um ano".
10. Face ao princípio da liberdade contratual e à regra segundo a qual a declaração negocial não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do contrato, prevista no artigo 238.º do Código Civil, não se vislumbra qualquer possibilidade de interpretar esta cláusula 3.a do contrato de arrendamento no sentido de que a mesma configura estarmos perante um contrato sem duração limitada, excluindo-se por isso, e desde logo, a possibilidade de aplicar àquele contrato a norma transitória prevista no n.º4 do artigo 26.º do NRAU.
11. Neste sentido, veja-se o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12/05/2005, no Processo n.º05B081, consultável em http://www.dgsLptljstLnsf/, que estipula, no seu sumário:
"I - Consignando-se num contrato de arrendamento que o contrato é celebrado pelo prazo de 5 anos, é conforme às regras de interpretação dos negócios jurídicos do art.º 236.º n.º 1 do C. Civil entender que tem uma duração limitada.
II - E exigindo o art.º 2380 do mesmo código que nos negócios formais a interpretação tenha um mínimo de correspondência no texto, a interpretação contrária, não só não tem este suporte literal, como até se lhe opõe."
12. Diga-se ainda que, em 1957 tal cláusula limitadora da duração de um contrato de arrendamento era perfeitamente válida e conhecida, não tendo os contratos de arrendamento de duração limitada nascido em 1995, qual descoberta luminosa do legislador da "era moderna", como pretende fazer querer a Meritíssima Juíza na sua douta sentença. Na verdade, o Código Civil então vigente, da autoria do famoso Visconde de Seabra, estipulava no seu artigo 1600.º que "a locação pode fazer-se pelo tempo que aprouver aos estipulantes". Assim sendo, mesmo interpretando a cláusula 3.ª do contrato de arrendamento sub judice à luz do direito vigente em 1957, tal cláusula limitadora da duração do contrato não era nula, pois era permitida pelo Código Civil.
13. Verificava-se apenas, por força da legislação provisória que então vigorava para os prédios urbanos, introduzida, na sequência da crise habitacional provocada pela I Guerra Mundial, pelo Decreto n.º 5411 de 17 de Abril de 1919 e sucessivamente prorrogada, que tal cláusula não podia ser invocada pelo senhorio para, no fim do prazo do contrato ou da sua renovação aumentar a renda ou requerer o despejo (ou despedimento, como então se dizia) do inquilino (artigo 106.º do Decreto n.º 5.411 de 17 de Abril de 1919).
14. Nas palavras eternamente sábias do Professor Doutor Manuel de Andrade, escritas em 1953 na sua Teoria Geral da Relação Jurídica2, "este regime dos arrendamentos de prédios urbanos, regime por via do qual o senhorio tem de suportar o inquilino todo o tempo que ele queira, enquanto for cumprindo as suas obrigações, só vigora entre nós a título provisório, desde a crise de habitações provocada pela guerra de 1914, embora tenha perdurado até hoje, não se vendo quando terminará. Trata-se pois de uma situação anómala, que aliás se vem prolongando há muito tempo. O regime normal, que anteriormente vigorava, e que deverá ser restabelecido algum dia é o da liberdade contratual, que se tem mantido de pé quanto aos prédios rústicos".
15. Ora, com a entrada em vigor do NRAU, este regime transitório, provisório ou anómalo, como o Professor Doutor Manuel de Andrade o classificava, teve finalmente o seu termo, restabelecendo-se o regime normal da liberdade contratual, não existindo agora, por força da entrada em vigor da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro, conforme já acima se procurou demonstrar, qualquer disposição legal que impeça a mencionada cláusula 3.a do contrato de arrendamento, limitadora da duração do respectivo contrato, de ser invocada, nos prazos e termos legais, tanto pelo inquilino como pelo senhorio.
16. Acresce que a redacção dada a esta cláusula 3.a do contrato de arrendamento foi convencionada pelas partes no primitivo contrato de arrendamento e foi por elas confirmada na alteração que celebraram em 9 de Fevereiro de 1987 e na convenção adicional que celebraram em 14 de Fevereiro de 2005. Com a celebração destes novos acordos de vontade, maxime, da convenção adicional de 14 de Fevereiro de 2005, consolidaram-se as cláusulas que não foram objecto de alteração e, consequentemente, esta cláusula 3.a do contrato de arrendamento, consoante reconhece o próprio opoente e ora recorrido no artigo 15.º da sua oposição.
17. Esta consolidação, operada pelo novo acordo celebrado entre as partes em 14/2/2005, pela forma legalmente exigida para o contrato de arrendamento, equivale a uma renovação da vontade negocial das partes em relação às cláusulas inalteradas, que as partes não quiseram subtrair ao regime legal vigente da data de celebração deste novo acordo, pois se o quisessem, tê-lo-iam dito, alterando a redacção da cláusula 3.a no sentido de que esta não pudesse ser interpretada como fixando uma duração limitada ao contrato de arrendamento.
18. Assim sendo, da leitura da cláusula 3.a do contrato de arrendamento, que estipula que "o arrendamento durará pelo prazo de três anos, considerando-se renovado por períodos sucessivos de 1 ano, enquanto não houver expressa denúncia nos prazos e termos legais", não pode retirar-se outra conclusão lógica que não seja a de que o presente contrato de arrendamento é efectivamente um contrato de arrendamento celebrado para durar por um determinado prazo, renovável, e, por conseguinte, de duração limitada, sendo que, na data de celebração da Alteração ao Contrato de Arrendamento acima mencionada (14/2/2005), a lei permitia expressamente a celebração de contratos de arrendamento deste tipo, não só nos arrendamentos comerciais como nos arrendamentos para fins habitacionais - artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU) e artigo 117.º do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro.
19. Com a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (Novo Regime do Arrendamento Urbano ou NRAU), todos os contratos de arrendamento não habitacionais, isto é, tanto os contratos de arrendamento não habitacionais celebrados na vigência do RAU e do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, como os contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor daqueles diplomas - artigo 28.º do NRAU - passaram a estar submetidos ao NRAU, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 26.º do mesmo NRAU, apenas com as especificidades estabelecidas pelos n.ºs 2 a 6 do mesmo artigo 26.º do NRAU.
20. Sendo o contrato de arrendamento sub judice um contrato de arrendamento para fim não habitacional de duração limitada, consoante acima se demonstrou, a única especificidade que lhe é aplicável é a que consta no n.º3 do mencionado artigo 26.º do NRAU, que estabelece o seguinte:
"Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de 5 anos no caso de arrendamento para fim não habitacional”'.
21. Em tudo o mais aplicar-se-á ao contrato de arrendamento ora em causa o Novo Regime do Arrendamento Urbano, conforme dispõe o n.º1 do citado artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, conjugado com o artigo 28.º da mesma lei.
22. Aplicando a regra específica acima transcrita (n.º3 do artigo 26.º do NRAU) ao contrato de arrendamento aqui em causa, podemos concluir o seguinte (vd. cláusula 3.ª do contrato de arrendamento):
- aquele contrato de arrendamento iniciou-se em 1 de Agosto de 1957, tendo completado o prazo pelo qual foi celebrado (3 anos) em 1 de Agosto de 1960, data em que ocorreu a primeira renovação automática, cuja duração, estando prevista no contrato que fosse pelo período de um ano, deverá, por força do disposto n03 do mencionado artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, ser de 5 anos (primeira renovação), levando-nos até 1 de Agosto de 1965;
- a partir daqui as renovações seriam, nos termos do disposto no n.º3 do mencionado artigo 26.º do NRAU, de 3 anos, ocorrendo, por conseguinte, sucessivamente, em 1 de Agosto de 1968, 1971, 1974, 1977, 1980, 1983, 1986, 1989, 1992, 1995, 1998, 2001, 2004, 2007 e 2010;
23. A última renovação automática do contrato teria assim ocorrido em 1 de Agosto do ano de 2010, porém, tal não veio a acontecer porque a Exequente e ora recorrente comunicou à Opoente e ora recorrida, em 2 de Abril de 2009, ou seja, com mais de um ano de antecedência em relação ao termo do contrato, a sua oposição à renovação automática, nos termos do disposto no artigo 1097.º do Código Civil, conforme carta registada que se encontra junta aos presentes autos de execução, incluindo o respectivo talão de registo e aviso de recepção, este último assinado em nome da Executada na data de 3 de Abril de 2009 (Documento n.º4, junto ao requerimento executivo).
24. Aquela comunicação, que, juntamente com o contrato de arrendamento original e as duas alterações validamente celebradas entre as partes, constitui o título executivo da presente execução para entrega de coisa certa, intentada pela B… nos termos do disposto na alínea c) do artigo 15.º do NRAU, não se trata, por conseguinte, de uma denúncia, consoante afirma sistematicamente a opoente e ora recorrida nos artigos 1.º, 20.º, 23.º, 24.º, 28.º, 30.º, 33.º e 35.º da sua oposição, mas sim de uma oposição à renovação automática, feita nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 1097° do Código Civil, disposição legal inteiramente distinta do artigo 1101.º do Código Civil que a opoente invoca, a despropósito, no artigo 31.º da sua oposição.
25. Por força do disposto no n.º1 do artigo 26.º do NRAU, este artigo 1097.º do Código Civil aplica-se a todos os contratos de arrendamento não habitacionais, isto é, tanto aos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados na vigência do RAU e do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, como aos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor daqueles diplomas - artigo 28.º do NRAU - já que a aplicação desta nova disposição legal, introduzida no Código Civil pelo NRAU, não é excluída por nenhum dos números 2 a 6 do artigo 26.º do mesmo NRAU, números esses que constituem as únicas especificidades aplicáveis aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do NRAU.
26. Vemos assim que, a correcta interpretação da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento em apreciação é de que aquele contrato de arrendamento foi configurado pelas partes como um contrato de duração limitada.
27. Uma interpretação contrária, isto é, a desconsideração da letra da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento a ponto de se classificar este como um contrato de duração indeterminada, sujeitaria a senhoria a um arrendamento perpétuo, mesmo contra a sua vontade, já que, sendo a inquilina uma sociedade comercial não está sujeita à lei natural da finitude da vida humana, podendo perdurar indefinidamente sem que ocorra transmissão entre vivos das respectivas quotas.
28. Tal interpretação do contrato, não só desrespeitaria o princípio da liberdade contratual e a vontade das partes, violando os artigos 236.º, n.º1 e 238.º do Código Civil, como configuraria um abuso de direito por parte da sociedade aqui opoente e recorrida, já que, consoante estabelece o artigo 334.º do actual Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico desse direito.
29. É que tal interpretação do contrato de arrendamento ora em apreciação, considerando-o um contrato sem duração limitada e enquadrando-o para efeitos do regime legal que lhe é aplicável na norma do n.º4 do artigo 26.º do NRAU equivaleria a uma transmissão da propriedade do locado para a opoente e ora recorrida, pois sendo esta uma sociedade comercial que pode perdurar indefinidamente sem que ocorra transmissão entre vivos das respectivas quotas, a ora exequente não teria qualquer expectativa segura de poder reaver o seu imóvel.
30. E é tanto mais grave esta situação, quanto a exequente, que é uma pessoa colectiva pública de base associativa criada por lei e pertencente à administração autónoma do Estado, a quem compete a defesa do interesse público subjacente ao exercício da engenharia regulando e disciplinando o exercício da profissão de engenheiro, necessita do espaço arrendado à opoente e ora recorrida no seu edifício sede na Região Norte para ampliar as suas instalações e serviços nesta região, em face do grande crescimento de número de membros que tem registado nos últimos anos.
31. Assim sendo, e aqui está o abuso de direito, aquela interpretação do contrato equivaleria a uma privatização forçada e sem motivo de interesse público do imóvel locado, já que este pertence a uma pessoa colectiva de direito público (a exequente e ora recorrente) e faz por isso parte do sector público de propriedade dos meios de produção, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que tal situação configuraria mesmo uma inconstitucionalidade, já que, nos termos do disposto na alínea I) do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, qualquer privatização de meios de produção ou solos públicos só poderá ter lugar por lei especial, fundamentada em motivo de interesse público.
32. Neste ponto, não podemos deixar de manifestar a nossa estupefacção pelo que vem afirmado na sentença recorrida quanto à natureza jurídica da B…: "A B… - como consta do seu site, disponível na internet em http://www.B....pt/pt/a_ordem/ - é 'uma associação pública profissional instituída pelo Decreto-Lei n.º 27.288, de 24 de Novembro de 1936, que remonta ao Séc. XIX, tendo origem na B1…, fundada em 1868, que foi reconhecida como Pessoa Colectiva de Utilidade Pública em 1978 pelo Primeiro Ministro, tendo, nos termos do Estatuto em vigor aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119192, de 30 de Junho, como principal missão contribuir para o progresso da engenharia, estimulando os esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem como o cumprimento das regras de ética profissional. É independente dos órgãos do Estado e goza de autonomia administrativa, financeira, científica, disciplinar e regulamentar.' Não é assim exacto que seja uma pessoa colectiva de direito público: é antes uma associação - pessoa colectiva privada - que prossegue fins de interesse geral que justificam a atribuição do estatuto de entidade de utilidade pública".
33. É de estranhar que um Juiz, que no dizer de Montesquieu "é a boca que pronuncia as palavras da lei” fundamente uma sentença com informação recolhida na internet, alcandorando esta extraordinária conquista da moderna tecnologia de informação e comunicação à categoria de "fonte de direito", mas mais estranho é que não tenha o cuidado de confirmar tal informação com a consulta da legislação aplicável, devidamente actualizada.
34. É que o actual Estatuto da B…, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/92, de 30 de Junho, estipula, no seu artigo 1.º, que a B… é a associação pública representativa dos licenciados em engenharia que exercem a profissão de engenheiro, e no número 1 do artigo 2.º consagra como escopo fundamental da B… a contribuição para o progresso da engenharia através do estímulo dos esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem, como o cumprimento das regras da ética profissional. O número 2 do mesmo artigo 2.º confere à B… um conjunto de atribuições que concretizam aquele escopo fundamental, nas quais predomina, de forma esmagadora, a obrigação da B… prosseguir a defesa do interesse público associado ao exercício da engenharia.
35. A B… é, por conseguinte, tal como as demais associações públicas profissionais legalmente criadas, uma pessoa colectiva pública e embora goze de autonomia administrativa, financeira, científica, disciplinar e regulamentar, pertencente à estrutura da administração pública (n.º 2 do artigo 1.º do actual Estatuto da B…). 36. Isto mesmo se pode concluir, de forma taxativa, da leitura do disposto no n.º4 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa. Esta disposição, incluída no artigo 267.º da Constituição, cuja epígrafe é "Estrutura da Administração" estabelece que as associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos.
37. Ainda recentemente, a Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, que aprovou o regime jurídico de criação, organização e funcionamento de novas associações públicas profissionais, embora não seja directa e imediatamente aplicável à B… (vd. artigo 1.º), veio esclarecer, no seu artigo 2.º, que as associações públicas profissionais são entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que devam cumulativamente ser sujeitas ao controlo do respectivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e deontológicas específicas e a um regime disciplinar autónomo.
38. Quanto à natureza e regime jurídico das associações públicas profissionais, o artigo 3.º daquela Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, consagra, na linha do entendimento doutrinário que se encontra solidamente firmado no nosso Direito Administrativo desde as Lições que sobre esta matéria foram ministradas e publicadas pelo Professor Doutor Afonso Queiró, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e pelo Professor Doutor Marcelo Caetano, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que estas são efectivamente pessoas colectivas de direito público e estão sujeitas a um regime de direito público no desempenho das suas tarefas públicas, sendo-lhes subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas e os princípios que regem os institutos públicos, no que respeita às suas atribuições e ao exercício dos poderes públicos de que gozem, e as normas e os princípios que regem as associações de direito privado, no que respeita à sua organização interna.
39. Podemos afirmar, pois, que, ao contrário do que afirma a Meritíssima Juíza a quo na douta sentença recorrida, a B… é, sem dúvida, uma pessoa colectiva pública de base associativa, criada por lei e pertencente à administração pública autónoma do Estado. 40. Finalmente, afirma a Meritíssima Juíza a quo, na douta sentença recorrida, que desde que a tese defendida por quem instaura a acção ou a contesta possa ter apoio doutrinal ou jurisprudencial, reconduzindo-se, no fundo, a uma questão jurídica de interpretação ou aplicação da lei, tem sido entendimento maioritário dos nossos tribunais superiores de que não há suporte para a aplicação do regime sancionatório da litigância de má fé. Tem razão. Foi exactamente a isso que se reconduziu a presente execução e posterior oposição. De acordo com a interpretação que a exequente e ora recorrente faz do contrato de arrendamento celebrado com a ora recorrida e da lei aplicável, aquela comunicou a esta em 2 de Abril de 2009, isto é, com mais de um ano de antecedência em relação ao termo do contrato, a sua oposição à renovação automática, nos termos do disposto no artigo 1097.º do Código Civil.
41. Não sendo o locado desocupado na data devida, di-lo a alínea c) do artigo 15.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), a mencionada comunicação, prevista no já citado artigo 1097.º do Código Civil, constitui título executivo para a respectiva execução para entrega de coisa certa. Usou, assim, a exequente e ora recorrente, uma faculdade que a lei lhe consentia, bem sabendo que, caso a sociedade locatária contestasse, como contestou, a interpretação que a ora recorrente fazia do contrato, poderia deduzir oposição, na qual seria discutida a interpretação jurídica do contrato de arrendamento e decidida a questão por um juiz de direito que, pelo facto de ser titular de um juízo de execução, não seria, certamente, menos competente na matéria do que um juiz de um tribunal comum.
42. Não discutindo a veracidade dos três instrumentos contratuais que foram juntos à execução pela exequente (o contrato de arrendamento primitivo e as suas duas alterações) nem a regularidade formal da comunicação feita pela senhoria, com muito mais de um ano de antecedência, a tese da opoente e ora recorrida assentou, pois, numa diferente interpretação do contrato de arrendamento celebrado e da lei aplicável, nos termos da qual, a opoente considera que a mencionada comunicação, que constitui o título executivo da presente execução, seria ineficaz, não podendo, por isso, produzir quaisquer efeitos jurídicos.
43. Ora, face ao acima exposto, não se compreende, nem se aceita, que a sentença do tribunal a quo conclua, ao arrepio da premissa que enunciou para os casos em que o litígio se reconduz a uma questão jurídica de interpretação ou aplicação da lei, que a actuação da B…, ao lançar mão da acção executiva, invocando como título executivo previsto no artigo 15.º, n.º1, alínea c) do NRAU, "não foi conforme com o princípio geral da boa fé, por se estar no âmbito de uma questão jurídica controversa e contestada pelo arrendatário".
44. Também não se compreende nem se aceita que, face à situação em análise, a Meritíssima Juíza a quo, ingerindo-se na esfera de autonomia técnica do mandatário da ora recorrente venha opinar no sentido de que "a adopção de uma conduta prudente impunha que, em vez de lançar mão do processo executivo, perante uma posição jurídica tão controversa como a sustentada pela exequente quanto à aplicabilidade ao contrato em causa do regime do art.º 1097.º do Código Civil, face à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 e seu regime transitório, a exequente tivesse procurado a definição da existência do pretenso direito de oposição à renovação em sede de acção declarativa, tanto mais quanto tinha pleno conhecimento e consciência de que outra era a posição defendida pela executada, face ao teor da resposta da executada/opoente à comunicação de oposição à renovação por si efectuada, como consta dos factos provados".
45. É que a oposição é, na verdade, uma acção declarativa enxertada na própria execução, pelo que a utilização deste mecanismo processual previsto na lei permite a economia processual de dirimir toda a questão no âmbito de um só processo.
46. Menos se compreende que a Meritíssima Juíza a quo chegue ao ponto de justificar esta inaceitável condenação da B… numa multa de 10 UC ao abrigo do disposto no artigo 930.º-E do CPC (como se esta nobre instituição pública pudesse agir de má fé), também no facto do tribunal de execução onde aquela magistrada trabalha ter uma elevada pendência processual, ao contrário dos tribunais com competência para a apreciação da acção declarativa, cujas pendências são menores e permitiriam, diz a Senhora Juíza, uma mais célere apreciação, na sede própria, da existência do direito controvertido em que a exequente fundou a execução e dizemos nós, menor incómodo para a Senhora Juíza.
47. Então a elevada pendência processual e o "atoleiro" em que, segundo a citação feita pela Meritíssima Juíza a quo na douta sentença que proferiu, a justiça se transformou, em vez de impelirem o sistema a organizar-se de forma mais eficiente, de modo a servir melhor os cidadãos, empresas e instituições que dele são utentes e mais eficazmente defender o estado de direito, servem para justificar decisões como a presente, de condenação em multa de uma nobre instituição pública?... É caso para lembrar o desabafo de Cícero: "Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"
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A opoente juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos, não impugnados por via do presente recurso:
1. A exequente B… instaurou a presente execução para entrega de coisa certa contra C…, Lda., com os fundamentos que constam do requerimento executivo junto a fls, 2 a 4 dos autos de execução, alegando na exposição dos factos - para além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por integralmente reproduzido - que o contrato em causa integra um contrato de arrendamento de duração limitada, automaticamente renovado enquanto não houver expressa denúncia, sendo aplicável a tais contratos antigos, por força do art. 28.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, o previsto no art. 26.º, com as especificidades constantes dos n.ºs 2 a 6 do artigo 26.º, pelo que, por força da aplicação do n.º 3 do art. 26.º do NRAU ao contrato em causa, a última renovação automática do contrato teria ocorrido em 1 de Agosto de 2010, o que não ocorreu por a exequente em 2 de Abril de 2009 ter comunicado à executada/opoente a sua oposição à renovação automática, por carta registada com aviso de recepção, não tendo a executada/opoente entregue o locado à exequente no termo do contrato.
2. A exequente apresentou como documentos integrantes do título executivo:
2.1. Fotocópia certificada de contrato de arrendamento outorgado em 17 de Julho de 1957, celebrado no 1.º Cartório Notarial do Porto, junta como documento n.º 1 a fls. 25 a 35 dos autos de execução, pelo qual, para além do mais que do mesmo consta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a aqui exequente, na aí declarada qualidade de senhoria, e a sociedade aqui executada/opoente, na aí declarada qualidade de arrendatária, declararam fazer entre si um contrato de arrendamento do rés-do-chão e cave do prédio pertencente à secção regional do Porto da exequente B…, sito na Rua …, n.ºs … e … da freguesia de … da cidade do Porto, tendo aí sido estipulado que o Rés-do-chão e cave arrendados se destinam à instalação e exploração de um restaurante (artigo primeiro), e estipulando-se no artigo terceiro:
«o arrendamento durará pelo prazo de três anos, com início em um de Agosto de mil novecentos e cinquenta e sete, considerando-se renovado por períodos sucessivos de um ano enquanto não houver despedimento nos prazos e termos legais». - Teor da fotocópia do documento denominado documento 1 junto a fls. 25 a 35 dos autos de execução (e a fls. 47 a 52 dos autos de oposição à execução), cujo teor integral, no mais, aqui se dá por reproduzido.
2.2. Fotocópia da Alteração do contrato de arrendamento referido em 2.1. efectuada por escrito, em 9 de Fevereiro de 1987, junta como documento n.º 2 fls. 5 a 9 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido, outorgado pelas partes (exequente/senhoria e executada/opoente/arrendatária), pelo qual as mesmas declararam alterar o contrato de arrendamento referido em 2.1., quanto aos artigos 11.º e 14.º, e aditar-lhe os artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º, com a redacção aí constante, que aqui se dá por integralmente reproduzida. - Teor da fotocópia do documento denominado documento 2 junto a fls. 5 a 9 dos autos de execução, cujo teor integral, no mais, aqui se dá por reproduzido.
2.3. Fotocópia do documento escrito e outorgado pelas partes (exequente/senhoria e executada/opoente/arrendatária) em 14 de Fevereiro de 2005, denominado Convenção Adicional ao Contrato de Arrendamento Celebrado em 17 de Julho de 1957, junto como documento 3 a fls. 10 a 15 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, para além do mais:
«CONSIDERANDO QUE:
A) Em 17 de Julho de 1957, as Contraentes celebraram o contrato de arrendamento constante da escritura que se junta por fotocópia à presente Convenção e que da mesma faz parte integrante como anexo depois de rubricada pelas Contraentes (Anexo 1), doravante designado por Contrato de Arrendamento, no âmbito do qual a B… deu de arrendamento à C…, que tomou de arrendamento àquela, o rés-do-chão e cave, com entrada pelo n.º …, do prédio situado na Rua …, n.ºs … e … da freguesia de …, concelho do Porto;
B) No dia 9 de Fevereiro de 1987, foi celebrada a alteração ao Contrato de Arrendamento que se junta por fotocópia à presente Convenção e que da mesma faz parte integrante como anexo depois de rubricada pelas Contraentes (Anexo 11), doravante designado por Alteração ao Contrato de Arrendamento, no âmbito da qual os Contraentes alteraram os art.ºs 11.º a 14.º do Contrato de Arrendamento e aditaram ao mesmos os art.ºs 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º:
C) Em 2 de Fevereiro de 2005, a C… deu início a obras no local arrendado sem o prévio consentimento da B…;
D) A B… procedeu ao embargo das obras mencionadas na alínea anterior em 7 de Fevereiro de 2005;
E) As Contraentes acordaram proceder a diversas alterações ao Contrato de Arrendamento, obrigando-se a B… a autorizar as referidas obras, desistindo do embargo oportunamente efectuado,
A B…s, por um lado, e a C…, por outro lado, celebram entre si a presente CONVENÇÃO ADICIONAL AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO CELEBRADO EM 17 DE JULHO DE 1957, pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes, a cujo integral cumprimento reciprocamente se obrigam, nos termos seguintes:
I As Contraentes expressamente convencionam em alterar a redacção dos art.ºs 4.º, 11.º e 12.º todos do Contrato de Arrendamento, os quais passarão a ter a seguinte redacção:
(...)
II Os Contraentes expressamente convencionam em aditar um novo artigo ao Contrato de Arrendamento, o qual passará a ter a seguinte redacção:
ARTIGO VIGÉSIMO
(...)
III 1. A B… obriga-se a desistir, de imediato, ou dar sem efeito, o embargo mencionado na alínea D) dos Considerandos da presente Convenção Adicional.
2. (...)
3. (...)
IV Todos os demais artigos do Contrato de Arrendamento, com as modificações decorrentes da Alteração ao Contrato de Arrendamento, mantêm-se nos seus precisos termos.
V O disposto na presente Convenção Adicional entra em vigor na data da sua celebração e passa, para todos os efeitos, a fazer parte integrante do Contrato de Arrendamento. (...)». - Teor da fotocópia do documento escrito e assinado denominado documento 3 junto a fls. 10 a 15 dos autos de execução, cujo teor integral, no mais, aqui se dá por reproduzido.
2.4. Cópia da carta datada de 2 de Abril de 2009, enviada pela exequente à executada/opoente, com o teor que consta de fls. 16 e 17 dos autos de execução, com data de registo de 02/04/2009 e recepcionada pela executada/opoente em 03 de Abril de 2009, sob o assunto «Denúncia do Contrato de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais celebrado com V.Exas. em 17 de Julho de 1057 e anualmente renovável», pela qual a exequente comunicou à executada/opoente, para além do mais que da referida carta consta, que «Em cumprimento do disposto naquela cláusula 3.a do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais e nos termos da legislação actualmente aplicável, serve a presente carta, para comunicar a V.Exas. a decisão tomada pela B… - Região Norte de denunciar aquele contrato de arrendamento, celebrado com a vossa sociedade C1…; Lda., com efeitos a partir de 1 de Agosto de 2010.». - Teor das cópias da carta junta a fls. 16 e 17 e do registo postal e aviso de recepção junto a fls. 18 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3. Na data da celebração do contrato de arrendamento referido em 2.1. o local arrendado (incluindo as respectivas chaves), foi entregue à opoente a qual entrou na sua posse e fruição e nele instalou e passou a explorar um estabelecimento comercial de restauração, com a denominação "D…". - Teor do art. 11.º da oposição à execução, aceite na contestação.
4. Pagando a opoente à exequente com pontualidade a renda convencionada, a qual, por virtude de actualizações ulteriores, se cifra hoje no montante mensal de €869,09. - Teor do art. 12.º da oposição à execução, aceite na contestação.
5. A executada/opoente respondeu à comunicação enviada pela exequente referida em 2.4. dos factos provados através da carta cuja cópia se encontra junta a fls. 12 e 13 dos autos de oposição à execução, datada de 7 de Abril de 2009, recebida pela exequente em 08/04/2009, informando a exequente que consideravam não haver fundamento legal para a denúncia invocada na comunicação da exequente por ao contrato em causa, sendo um contrato de pretérito, ser aplicável o disposto no art. 26.º, n.º 4, als a) a c), do NRAU, cujo teor no mais que da mesma consta, aqui se dá por integralmente reproduzido. - Teor do art.º 36.º da oposição à execução e documentos juntos a fls. 12 a 15 da oposição, não impugnados.
6. A execução foi instaurada pela exequente em 29 de Setembro de 2010, conforme consta de fls. 22 dos autos de execução.

III - Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 684.º n.º3, 684.º-B n.º 2 e 685.º-A, todos do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Sendo que ao presente recurso é já aplicável o regime processual estabelecido pelo DL 303/2007, de 24.08, por respeitar a oposição apensa a execução instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, cfr. n.º 1 do artº 11.º e art.º 12.º do citado DL.
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Ora, visto o teor das alegações da recorrente são questões a apurar nos autos:
1.ª – Qualificação do contrato de arrendamento quanto à sua duração.
2.ª - Da condenação em multa ao abrigo do disposto no art.º 930.º-E do C.P.Civil.
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1. Duração do contrato.
Defende a apelante que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais em apreço nos autos e celebrado em 1957 é um contrato de arrendamento de duração limitada face à redacção dada à cláusula 3.ª do mesmo e à posterior confirmação negocial dessa cláusula pelos dois aditamentos ao contrato depois efectuados.
Na decisão recorrida, contrariamente, entendeu-se que se não tratava de um contrato de arrendamento de duração limitada, mas um contrato a que se aplica o regime decorrente dos n.ºs 1, 4 e n.º 6 do art.º 26.º do NRAU (ex vi art.º 28.º do NRAU) e como tal não houve válida denúncia para o termo do prazo pelo senhorio por o mesmo apenas poder denunciar o contrato nos termos do art.º 1101.º, als a) e b) do C. Civil, uma vez que está excluída a aplicação da al. c) deste artigo por força do regime transitório previsto no art. 26.º, n.º 4, al. c), do NRAU) e, por isso, não pode servir de base à execução para entrega de coisa certa o contrato de arrendamento acompanhado da comunicação a que alude o art.º 1097.º do C.Civil.
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Está assente nos autos que:
- A exequente celebrou, na qualidade de senhoria, em 17 de Julho de 1957, por escritura pública, um contrato de arrendamento urbano, para fins não habitacionais, com a sociedade executada do rés-do-chão e cave do edifício sede da Região Norte da B…, com entrada pelo n.º… da Rua …, freguesia de …, concelho e cidade do Porto, locado esse que a executada tem ocupado como inquilina, ao abrigo daquele contrato de arrendamento, desde 1 de Agosto de 1957, aí explorando um restaurante denominado "D…".
- Em 9 de Fevereiro de 1987, tal contrato de arrendamento foi objecto de uma alteração, também por escritura pública celebrada entre as partes, nos termos da qual foi alterada a redacção das cláusulas 11.ª e 14.ª do contrato e aditadas as cláusulas 15.ª, 16.a, 17.ª, 18.ª e 19.ª, mantendo-se inalterada a redacção das restantes cláusulas do primitivo contrato.
- Em 14 de Fevereiro de 2005, as partes celebraram, por documento particular, uma Convenção Adicional ao referido contrato de arrendamento, nos termos da qual foi alterada a redacção das cláusulas 4.ª, 11.ª e 12.ª do contrato e aditada a cláusula 20.ª.
- A exequente instaurou a presente execução para entrega de coisa certa contra a executada, com os fundamentos que constam do requerimento executivo junto a fls, 2 a 4 dos autos de execução, alegando na exposição dos factos, para além do mais, que o contrato em causa integra um contrato de arrendamento de duração limitada, automaticamente renovado enquanto não houver expressa denúncia, sendo aplicável a tais contratos antigos, por força do art.º 28.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, o previsto no art. 26.º, com as especificidades constantes dos n.ºs 2 a 6 do artigo 26.º, pelo que, por força da aplicação do n.º 3 do art. 26.º do NRAU ao contrato em causa, a última renovação automática do contrato teria ocorrido em 1.08. 2010, o que não ocorreu por a exequente em 2.04.2009 ter comunicado à executada a sua oposição à renovação automática, por carta registada com aviso de recepção, não tendo a executada entregue o locado à exequente no termo do contrato.
- A exequente apresentou como documentos integrantes do título executivo: - fotocópia certificada de contrato de arrendamento; - fotocópia da Alteração do contrato de arrendamento efectuada por escrito, em 9.02.1987; - fotocópia do documento escrito e outorgado pelas partes (exequente/senhoria e executada/opoente/arrendatária) em 14.02.2005, denominado Convenção Adicional ao Contrato de Arrendamento Celebrado em 17 de Julho de 1957; - cópia da carta datada de 2.04. 2009, enviada pela exequente à executada, com o teor que consta de fls. 16 e 17 dos autos de execução, com data de registo de 2.04.2009 e recepcionada pela executada/opoente em 3.04.2009, sob o assunto «Denúncia do Contrato de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais celebrado com V.Exas. em 17 de Julho de 1057 e anualmente renovável», pela qual a exequente comunicou à executada, para além do mais que da referida carta consta, que «Em cumprimento do disposto naquela cláusula 3a do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais e nos termos da legislação actualmente aplicável, serve a presente carta, para comunicar a V.Exas. a decisão tomada pela B… - Região Norte de denunciar aquele contrato de arrendamento, celebrado com a vossa sociedade C1…; Lda., com efeitos a partir de 1 de Agosto de 2010.».
- A executada respondeu à comunicação enviada pela exequente através da carta, datada de 7.04.2009, recebida pela exequente em 8.04.2009, informando a exequente que consideravam não haver fundamento legal para a denúncia invocada na comunicação da exequente por ao contrato em causa, sendo um contrato de pretérito, ser aplicável o disposto no art.º 26.º n.º 4, als a) a c), do NRAU.
- No contrato de arrendamento celebrado em 17 de Julho de 1957 as partes, relativamente ao prazo de duração do contrato, estipularam sob a cláusula 3.ª, que:
- “o arrendamento durará pelo prazo de três anos, com início em um de Agosto de mil novecentos e cinquenta e sete, considerando-se renovado por períodos sucessivos de um ano enquanto não houver despedimento nos prazos e termos legais”.
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Alega a exequente/apelante que o contrato celebrado em 1957 é um contrato de arrendamento de duração limitada face à redacção dada à cláusula 3.ª do contrato.
A questão está pois em saber-se se o contrato de arrendamento em apreço nos autos pode ser considerado como um contrato de duração limitada ou não.
A resposta, liminarmente, é negativa.
Mas vejamos.
Nos autos está em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, mais concretamente para comércio, celebrado em 17.07.1957.
O contrato de arrendamento como modalidade do contrato de locação, no âmbito do C.Civil de 1867 (Código de Seabra) não estava sujeito a prazos máximos ou mínimos de duração, já que poderia ser celebrado pelo prazo que aprouvesse aos estipulantes. Tal regra, no que concerne precisamente ao arrendamento, não foi alterada pelo Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, nem com a legislação posterior até ao Código Civil de 1966, este diploma veio estabelecer no seu art.º 1087.º um prazo supletivo para o contrato de arrendamento urbano, como sendo de seis meses.
Todavia, o art.º 106.º do referido Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, já estipulava “Na renovação dos contratos de arrendamento de prédios urbanos, cujas rendas mensais não ultrapassem (…) fica proibido aos senhorios: (…) requererem o despejo de quaisquer prédios, seja qual for a sua renda, com fundamento de não lhes não convir a continuação do arrendamento”.
Este principio não foi alterado pela legislação posterior nem pelo Código Civil de 1966, onde e no que se refere à renovação automática dos contratos de arrendamento é à impossibilidade de denúncia imotivada por parte do senhorio para o fim do prazo ou renovação, manteve aquele princípio vinculistico. Preceituando no seu art.º 1095.º que “Nos arrendamentos a que esta secção se refere, o senhorio não goza do direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado se não for denunciado pela arrendatário nos termos do art.º 1055.º”.
A noção de arrendamento resulta dos art.ºs 1022.º e 1023.º do C.Civil e do art.º 1.º do RAU (Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de Outubro). Este último dispositivo define o arrendamento urbano como sendo o “contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição”. Sendo assim certo que se o gozo é temporário, necessariamente o contrato há-de ter um fim.
A apelante defende que no contrato de arrendamento em apreço nos autos as partes livremente estipularam um prazo de duração do contrato e prazos de renovação do mesmo, logo respeitando o princípio da liberdade contratual só se pode concluir que essas partes quiseram celebrar um contrato de duração limitada.
Mas sem razão, uma vez que a estipulação de prazo num contrato de arrendamento é, como se tem defendido, é um elemento essencial do contrato, sendo quase sempre um elemento acidental, uma vez que existem normas supletivas para o efeito.
“In casu” trata-se da estipulação de um termo final ou extintivo, de natureza acidental, permitido por lei.
Na verdade, apenas em 1995, a lei, concretamente o DL n.º 275/95, de 30 de Setembro, veio admitir a possibilidade de celebração, a partir da sua entrada em vigor, de contratos de arrendamento para fins não habitacionais (para comércio ou indústria, para exercício de profissão liberal ou para outro fim não habitacional, o que releva nos autos), denominados de duração limitada. A celebração de tais contratos passou a permitir ao senhorio opor-se à renovação para o termo do prazo estipulado contratualmente. Mas, como se sabe, por força do art.º 6.º desse diploma, esse novo regime não era aplicável aos arrendamentos de pretérito, ou seja, aos celebrados antes da sua entrada em vigor, esse regime não tinha eficácia retroactiva.
Certo é que até à publicação do RAU (para os arrendamentos habitacionais), e depois do DL 275/95, de 30.09, para os arrendamentos para fins não habitacionais, não era possível ao senhorio, contrariamente ao que era permitido plenamente ao arrendatário, denunciar o contrato, pondo termo ao mesmo, para o fim do prazo ou da sua renovação, ou seja, o senhorio urbano não gozava, em princípio, (pois a lei sempre estipulou excepções a este princípio) do direito de denúncia, o que equivalia a negar ao senhorio, no arrendamento urbano a possibilidade de, por sua iniciativa, fazer cessar o arrendamento no termo do prazo por que fora estipulado ou da sua renovação. Assim se os inquilinos ou arrendatários não lhe dessem motivos para resolver o contrato, nem pretenderem abandonar o locado, o senhorio tem de suportar indefinidamente o arrendamento contra a sua vontade, era o tempo do regime vinculista de grau máximo.
O contrato de arrendamento em causa nos autos não configura um contrato de arrendamento de duração limitada, já que não foi celebrado dentro da janela temporal aberta com a publicação do DL 275/95, de 30 de Setembro, logo ao senhorio não é permitido livremente denunciar ou por termo ao mesmo para o fim de um qualquer seu prazo de renovação, como pretende a apelante, cfr. art.º 6.º do referido diploma legal, que não afastou o regime vinculístico ou de prorrogação forçada que emergia do contrato.
Actualmente vigora o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, em 28 de Junho de 2006, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data (artigo 59.º n.º 1, NRAU). E esta aplicação imediata do direito substantivo às relações de arrendamento pré-existentes, aplica-se, por maioria de razão, ao direito adjectivo, incluindo aos requisitos de formação dos títulos executivos.
Segundo o preceituado no artigo 15.º n.º 2, do NRAU que o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Comunicação essa que obedece ao formalismo exarado no artigo 9.º do mesmo diploma legal e que deve ser feita por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao arrendatário e remetida, na falta de indicação deste em contrário, para o local arrendado.
No Capítulo I do Título II de tal diploma, composto apenas pelo art.º 26.º, estabelece o regime aplicável aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados depois do D.L. n.º 257/95, de 30 de Setembro, nos termos seguintes:
“Artigo 26.º - Regime
1-Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
2-À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.º e 58.º
3-Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos (...)”.
A apelante defende assim que ao contrato em apreço nos autos se aplica o disposto no n.º3 do art.º 26.º do NRAU. Mas sem razão.
Na verdade, o contrato em causa aplicam-se apenas, por força do disposto nos art.ºs 27.º e 28.º do NRAU, os n.ºs 1, 4 e 6 do art.º 26.º desse diploma. Trata-se de normas imperativas de interesse e ordem pública que impõem que a esses contratos se continue a aplicar a regra da sua renovação automática ou forçada, consagrada no art.º 68.º n.º2 do RAU. Consequentemente, ao referido contrato de arrendamento não se aplica o previsto no art.º 1097.º do C.Civil, (Oposição à renovação deduzida pelo senhorio) segundo o qual “O senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato”, pelo que “in casu” a apelante/senhoria não operou qualquer denúncia válida para o termo do prazo do contrato de arrendamento que celebrou com a executada, logo não tem título executivo válido que sirva com base à presente execução para entrega de coisa certa, nos termos do art.º 15.º n.º1 al. c) do NRAU.
Pelo exposto, o contrato de arrendamento em apreço nos autos não configura um contrato de duração limitada, logo não é possível a sua livre denúncia pela senhoria/apelante para o termo da sua renovação ocorrida em 1.08.2010, como aquela pretendia. Consequentemente, não tem a mesma título executivo válido para servir de base à instauração e ao prosseguimento da presente execução.
Não é válida a argumentação de que o entendimento de que se não trata de um contrato de duração limitada põe em causa a letra e a interpretação da cláusula 3.ª do contrato, livre e voluntariamente acordada entre as partes e que a defesa dessa configuração se traduz num abuso de direito por parte da executada.
Como acima já se deixou consignado, a estipulação contratual, como sucedeu “in casu” de um termo final para o contrato de arrendamento e para as suas renovações, como estipulação acidental que é, ocorreu dentro da janela temporal na qual a lei impunha um regime vinculista de grau máximo, (configurando-se como uma protecção específica do arrendatário, habitacional ou não, em detrimento do direito de propriedade do senhorio) que se traduzia na regra da prorrogação forçada ou imperativa do contrato em relação ao senhorio, ou seja, ao tempo da celebração do contrato vigorava o princípio vinculístico que impedia o senhorio de proceder à sua denúncia imotivada e de obstar ou se opor à respectiva renovação e a esse mesmo princípio continua o contrato a estar sujeito. Ora, foi dentro desse quadro legal que as partes livremente contrataram e é, além do mais, em respeito aos princípios vigentes à altura que as partes continuam contratualmente vinculadas. Logo, nenhuma desconsideração se faz ao estipulado na referida cláusula 3.ª do contrato que se mantém válido e eficaz, assegurando-se, assim, as expectativas das partes aquando da sua celebração.
Também a actuação da executada ao opor-se à pretensão da exequente/apelante de denunciar livremente o contrato para o termo do prazo de renovação do mesmo não integra a figura de abuso de direito, sendo antes o legítimo exercício de um direito de defesa dos seus direitos e interesses, constitucionalmente garantido.
Finalmente, é também descabido o argumento de que a consideração do contrato de arrendamento em apreço nos autos como não sendo de duração limitada constitui como que uma expropriação do bem da apelante, uma vez que a manutenção do contrato de arrendamento, não belisca, antes realça que o direito de propriedade relativo àquele imóvel pertence à apelante, que nessa qualidade poderá onerar ou alienar, sendo certo que sempre usufrui das respectivas rendas como contrapartida da sua cedência, sem esquecer, por exemplo que se tiver fundamentos para tal poderá, nos termos da lei, sempre resolver o contrato de arrendamento que a liga à executada.
Pelo que, sem necessidade de mais considerandos, improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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2. – Condenação em multa nos termos do art.º 930.º-E do C.Civil.
A 1.ª instância decidiu condenar a exequente ao abrigo do disposto no art.º 930.o-E do C.P.Civil, na multa de €1.020,00 (equivalente ao limite mínimo de 10 UC), porquanto entendeu que “não é conforme com o princípio geral da boa fé lançar-se mão da acção executiva, invocando como título executivo o previsto no art. 15.º, n.º 1, al. c), do NRAU, quando se está no âmbito de uma questão jurídica controversa e contestada pelo arrendatário quanto à aplicabilidade ao contrato de arrendamento (que respeita ao imóvel cuja entrega é requerida pela execução) do regime da livre oposição à renovação, face ao regime transitório previsto no NRAU para os denominados contratos de pretérito, e em que se tem que lançar mão, logo no requerimento executivo, da invocação de uma tese ou construção jurídica para fundamentar a pretendida existência do título executivo invocado, e particularmente quando já se tem conhecimento que assim é, como aqui sucedeu”. Ou seja que, “face à situação em análise, a adopção de uma conduta prudente impunha que, em vez de lançar mão do processo executivo, perante uma posição jurídica tão controversa como a sustentada pela exequente quanto à aplicabilidade ao contrato em causa do regime do art. 1097.º do Cód. Civil, face à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 e seu regime transitório, a exequente tivesse procurado a definição da existência do pretenso direito de oposição à renovação em sede de acção declarativa, tanto mais quanto tinha pleno conhecimento e consciência de que outra era a posição defendida pela executada, face ao teor da resposta da executada/opoente à comunicação de oposição à renovação por si efectuada”.
Insurge-se a apelante contra a condenação de que foi alvo, dizendo, em síntese, que “não se compreende, nem se aceita, que a sentença do tribunal a quo conclua, ao arrepio da premissa que enunciou para os casos em que o litígio se reconduz a uma questão jurídica de interpretação ou aplicação da lei, que a actuação da B…, ao lançar mão da acção executiva, invocando como título executivo previsto no artigo 15.º, n.º1, alínea c) do NRAU, “não foi conforme com o princípio geral da boa fé, por se estar no âmbito de uma questão jurídica controversa e contestada pelo arrendatário””.
Preceitua o art.º 930.º-E do NRAU que “Procedendo a oposição à execução que se funde em título extrajudicial, o exequente responde pelos danos culposamente causados ao executado e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça, quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer”.
Como se sabe e consta da exposição de motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano n.º 34/X que deu origem ao NRAU, este diploma legal surgiu “tendo em vista agilizar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato á acção executiva, por exemplo nos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por revogação das partes, por caducidade por decurso do prazo ou por oposição à renovação”.
Há pois que averiguar se “in casu” a exequente ao intentar a presente execução, em vez de, por exemplo ter optado por instaurar acção declarativa, não agiu com a prudência normal que lhe era devida.
Como resulta dos autos, designadamente da exposição de factos do título executivo, a exequente estava crente e defendia um certo entendimento, ou seja, entendia que o contrato de arrendamento em causa era um contrato de duração limitada, automaticamente renovado enquanto não houvesse expressa denúncia, sendo aplicável ao mesmo, por força do art. 28.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, o previsto no art.º 26.º, com as especificidades constantes dos n.ºs 2 a 6 desse preceito, consequentemente, por força da aplicação do n.º 3 do artº. 26.º do NRAU, porque a última renovação automática do contrato que se verificaria em 1.08. 2010, não ocorreu porque, em 2.04.2009 a senhoria comunicou, por carta registada com aviso de recepção, à executada a sua oposição à renovação automática.
Esta posição da exequente/senhoria não foi aceite em 1.ª instância, nem foi por nós sufragada, contudo, dúvidas não restam que estamos, em suma, perante uma questão jurídica de interpretação ou aplicação da lei.
Ora, entendemos que mesmo que tendo-se optado pela via executiva, não se pode coarctar o legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico que os enquadram, por mais minoritárias (em termos) jurisprudenciais ou pouco consistentes que se apresentem as teses defendidas, tal não implica agir com ausência da prudência normal, das cautelas ou das precauções devidas.
“In casu” é patente que a exequente/senhoria agiu de acordo com a interpretação que fez do contrato de arrendamento e da lei aplicável, daí ter comunicado à executada, com a antecedência devida em relação ao termo do contrato, a sua oposição à renovação automática, nos termos do disposto no art.º1097.º do C.Civil e não obstante a resposta deduzida a tal comunicação pela executada, com a qual não se convenceu, decidiu prosseguir para a instauração da execução, em vez de ter desistido dessa sua linha de actuação, e ao invés, intentado contra a arrendatária uma acção declarativa para apreciar a questão, seguindo-se só depois e, eventualmente, a execução para entrega de coisa certa.
Não vislumbramos aqui qualquer conduta imprudente ou leviana por parte da exequente/senhoria, ou seja, que ela tenha agido como o não faria a maioria dos indivíduos naquela situação, sendo certo, que sempre em sede de oposição à execução (fase declarativa de contestação) sempre as partes poderiam, como puderam, discutir a questão da duração do contrato.
Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos entendemos que a conduta da exequente/senhoria não configura uma actuação imprudente ou leviana e como tal revoga-se a decisão recorrida na parte em que a condenou na multa de 10 UC, nos termos do art.º 930.º-E do C.P.Civil.
Procedem as respectivas conclusões da apelante.

IV - Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação parcialmente procedente e em consequência revogam a decisão recorrida na parte em que condenou a exequente na multa de 10 UC, nos termos do art.º 930.º-E do C.P.Civil. No mais vai a mesma decisão confirmada.
Custas pela apelante, na proporção do decaimento.

Porto, 2012.01.24
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas