Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0632719
Nº Convencional: JTRP00039222
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RP200605250632719
Data do Acordão: 05/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 672 - FLS 163.
Área Temática: .
Sumário: O reclamante contra a relação de bens tem o ónus de indicar as provas com o requerimento da reclamação, não o podendo fazer posteriormente, assim como o cabeça-de-casal o tem de fazer na resposta que eventualmente apresente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Nos autos de inventário judicial que correm termos no .º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim com o nº …./04..TBPVZ-A, após a apresentação da relação de bens pela cabeça-de-casal, B………., os interessados C………. e mulher D………. apresentaram, oportunamente, reclamação contra aquela relação, acusando a falta de relacionação de alguns bens.
Aquando dessa reclamação não foi oferecida qualquer prova.

A cabeça-de-casal respondeu à reclamação – confessando a existência de alguns dos bens cuja falta de relacionação fora acusada e negando a existência de outros - resposta a que os referidos reclamantes vieram, por sua vez, também responder, oferecendo, com esta resposta, prova testemunhal.

Foi, então, proferido despacho a ordenar o desentranhamento da contra-resposta dos reclamantes, por se ter entendido que a mesma configurava uma nulidade, dado que, no incidente da reclamação sobre a relação de bens, o interessado reclamante só dispõe de um articulado para apresentar a sua reclamação.

Inconformados, interpuseram os reclamantes o presente recurso de agravo, tendo terminado a sua alegação com as seguintes
conclusões:
1. Os interessados/reclamantes, nos termos do disposto no art. 1348 n.º 1 do C.P.C., reclamaram da relação de bens, acusando a falta de bens que deviam ser relacionados e arguindo inexactidão na descrição de outros bens, que relevavam para a partilha.
2. A cabeça-de-casal, notificada da reclamação apresentada pelos interessados, aqui agravantes, pronunciou-se acusando a falta de alguns bens cuja omissão havia sido reclamada e negando a existência dos outros.
3. Perante tal actuação, vieram os interessados/reclamantes a ser notificados da posição assumida pela cabeça-de-casal, e convidados a pronunciarem-se e a apresentarem prova.
4. Só após a tomada de posição da cabeça-de-casal é que se pode avaliar da necessidade ou desnecessidade de produzir prova.
5. Dando cumprimento ao teor da notificação, apresentaram os interessados/reclamantes requerimento contendo prova do por si alegado.
6. Consequentemente, não foi cometida qualquer nulidade pelos interessados/reclamantes.
7. Outrossim, deve a acção prosseguir para apuramento dos factos que foram descritos pelos interessados/recIamantes.
8. O douto despacho recorrido violou, pois, por erro de aplicação e de interpretação, os art. 1349 n.º 3 e 1344 n.º 2, ambos do C. P. Civil.

Pedem a revogação do despacho recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
A situação de facto a ter em consideração é a que supra se deixou transcrita, nada havendo a acrescentar.

Face às conclusões da alegação dos recorrentes – delimitativas do âmbito do objecto do recurso –, temos como única questão a apreciar a de saber se o reclamante contra a relação de bens tem o ónus de indicar a prova logo no momento em que faz a reclamação, ou se, pelo contrário, pode responder à resposta que o cabeça-de-casal apresente e oferecer, então, prova.
Vejamos:

O art. 1342º, nº 1 do CPC, na redacção anterior ao DL nº 227/94, de 8.9, estatuía que “acusando-se a falta de bens na relação apresentada, é o cabeça-de-casal notificado para os relacionar ou dizer o que se lhe oferecer”. E o nº 3 do mesmo artigo preceituava que se o cabeça-de-casal “negar a existência dos bens ou a obrigação de os relacionar, o juiz convidará os interessados a produzirem quaisquer provas, mandará proceder às diligências que julgue necessárias e por fim decidirá se os bens devem ser relacionados”.

O citado DL nº 227/94 veio, porém, trazer importantes alterações ao regime do processo de inventário, sendo que a reforma processual feita pelo DL nº 329-A/95, de 12.12, absorveu a normatividade nuclear do DL nº 227/94.

Ora, o nº 1 do art. 1349º do CPC, na actual redacção, dispõe que “quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça-de-casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre a matéria da reclamação, no prazo de 10 dias”, enquanto que o nº 3 preceitua que, no caso de o cabeça-de-casal não confessar a existência dos bens cuja falta foi acusada, “notificam-se os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem, aplicando-se o disposto no nº 2 do art. 1344º (...)”, preceito este segundo o qual “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas”.

Embora a notificação a que alude o nº 3 do art. 1349º não se destine ao reclamante e ao cabeça-de-casal, mas aos “restantes interessados”, a remissão aí feita para o nº 2 do art. 1344º deve considerar-se como um princípio geral, “a seguir quanto a todos os interessados, face ao salutar princípio da “igualdade de armas” (vd. Ac. do STJ, de 9.2.1998, CJ/STJ, 1998, I, 54, aresto este onde se escreveu que o reclamante contra a relação de bens, tem o ónus de indicar provas com a reclamação, tal como o cabeça-de-casal o tem de fazer com a resposta).

Mas, ainda que assim se não entendesse, a solução não deixaria de ser a mesma, por aplicação das regras consignadas para os incidentes da instância.
Com efeito, é seguro que a reclamação de bens é um incidente da instância, o qual segue, na parte não regulada especialmente, a tramitação prevista nos art.s 302º a 304º do CPC.
Ora, os incidentes, em geral, só comportam dois articulados: o requerimento e a oposição. E, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 303º, “no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova” (neste sentido, para além do já citado Ac. do STJ, de 9.2.1998, vd. Ac. da RC., de 25.5.2004, e da RP, de 7.6.2004, www.dgsi.pt, proc. 1486/04 e 0450887, respectivamente).

Conclui-se, assim, que não assiste aos reclamantes o direito de responder à resposta apresentada pelo cabeça-de-casal, e que, ao contrário do que acontecia no regime anterior, o reclamante contra a relação de bens tem o ónus de indicar as provas com o requerimento da reclamação, não o podendo fazer posteriormente, assim como o cabeça-de-casal o tem de fazer na resposta que eventualmente apresente (neste sentido, e além dos dois primeiros arestos já citados, Ac. da RC, de 27.4.1999, BMJ, 486, p. 371, e Ac. da RP, de 26.01.2006, proc. nº 6831/05-3ª, em que foram relator e adjuntos os mesmos do presente).
O despacho recorrido não merece, pois, qualquer reparo.

III.
Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos agravantes.
Porto, 25 de Maio de 2006
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano