Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0521217
Nº Convencional: JTRP00038795
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PERIGOSIDADE
Nº do Documento: RP200602070521217
Data do Acordão: 02/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Área Temática: .
Sumário: I- A responsabilidade civil perante terceiros dos donos ou arrendatários de um apartamento no qual se registou uma inundação por ruptura de um dos elementos de abastecimento de canalização de água, rege-se pelo disposto no art. 493.º do CC.
II- O transporte de água, no interior de uma habitação, é susceptível de ser enquadrada entre as coisas que ofereçam perigosidade e que exijam especial deverde vigilância por quem tenha poder sobre ela.
III- Já o art. 492.º se aplica apenas a vícios de construção ou defeito de conservação
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

B......... e esposa
C.........,
instauraram acção declarativa sob a forma sumária
contra
D...... e esposa E......, residentes em ...., n.º ..., ..., Zug, Suiça, e
F...... e esposa G......, residentes no ...., ....º ..., ....º-..., Chaves,
pedindo
- que sejam condenados os RR. cuja culpa vier a ser considerada provada, a pagar aos AA. a quantia de 2.027.700$00, acrescidos dos juros legais até efectivo e integral pagamento e ainda em custas de parte e procuradoria condigna.
Para o efeito alegaram a existência de diversos danos na sua habitação, fruto da escorrência de águas e infiltrações decorrentes de inundação havida em 27 de Agosto de 1999 na fracção imóvel pertencente aos 1.ºs RR. e do qual são arrendatários os 2.ºs.
Os 1.ºs RR. contestaram alegando:
Que tinham adquirido a sua fracção imóvel em 30 de Janeiro de 1992 em estado de novo, e que a mesma havia sido construída com todas as condições técnicas exigidas, estando dotada inclusive de certificado de habitabilidade pela Câmara de Chaves, desde 9 de Agosto de 1990.

Que em 12 de Maio de 1998 foi a referida fracção dada de arrendamento aos 2.ºs RR., em perfeito estado de conservação e funcionamento, nunca lhes havendo sido comunicada qualquer anomalia, vício ou defeito de construção, nomeadamente quanto ás canalizações ou fugas de água.
Que o prédio só tem 10 anos, sendo de conhecimento público que as canalizações de água e de instalação eléctrica e telefone são imbutidas nas paredes, utilizando-se materiais cuja durabilidade e segurança é, no mínimo, de 20 anos.
Concluíram que a haver responsabilidade alguma, esta apenas poderá ser imputada a eventual responsabilidade dos inquilinos por imprudente utilização, razão pela qual pedem a sua absolvição.
Os 2.ºs RR., por sua vez, disseram na sua contestação:
Que nunca se haviam apercebido de qualquer avaria nas canalizações ou torneiras, e que a inundação se deu por colapso dos mecanismos de vedação de uma torneira, que começou a perder água, sem que nada o fizesse prever.
Que da referida inundação não resultaram danos para os AA.
À cautela, e para o caso de se vir a constatar que alguns danos poderão ter existido, então estarão eles profundamente exagerados.
Concluíram pedindo a sua absolvição.
Saneado o processo elaborada a sedimentação dos Factos Assentes e Base Instrutória na fase de instrução, teve lugar uma prova pericial.
Após a produção de provas na audiência de julgamento, sem registo fonográfico da mesma na conformidade do estatuído no artigo 522º-B do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial, indicou o M.º Juiz quais os factos que considerava provados e não provados, lavrando decisão na qual veio a julgar parcialmente procedente a acção condenando os RR. solidariamente a pagar aos AA. a quantia de € 2.830,00 acrescida de juros de mora sobre o montante fixado, à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os do restante pedido.
Recorreram tanto os 1.ºs como os 2.ºs RR.
Estes recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Foram apresentadas tempestivamente em cada um deles alegações de recurso as quais se passam a reproduzir e que foram do seguinte teor:
A) Na apelação dos 1.ºs RR:
“A ruptura ou rebentamento de uma torneira de um apartamento não é subsumível ao art. 493.º do CC., mas é antes abrangido pelo disposto no art. 492.º do mesmo Código.
O lesado, se se verificarem os respectivos pressupostos, não tem de provar a culpa do lesante, que se presume.
Mas, para tanto, necessário se tornava ao lesado alegar e provar que o seu dano resultou de vício de construção ou de defeito de conservação da obra, conforme impõe o n.º 1 do art. 492.º do CC.
No caso em apreço tal prova destes pressupostos não foi feita nem sequer os lesados alegaram que a ruptura da torneira se ficou a dever a vício de construção ou defeito da conservação.
Por outro lado, aquando do arrendamento aos 2.ºs RR. o apartamento encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento, sendo certo que a sua construção respeitou, quer na técnica, quer nos materiais, a regulamentações das edificações urbanas, tendo a construção sido aprovada pela Câmara Municipal de Chaves que também emitiu a respectiva licença de habitabilidade.
Logo e de qualquer forma, pelos factos provados, nunca o dano dos lesados poderia ter resultado de vício de construção.
Ao condenar os recorrentes a douta Sentença fez uma interpretação errada do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 492.º do CC.
Donde se conclui que os RR. não podiam ser condenados.
Nestes termos, revogando-se a douta Sentença recorrida por Acórdão que absolva os recorrentes far-se-á Justiça”

B) Na apelação dos 2.ºs RR.
“Os recorridos não alegaram nem provaram factos relativos aos pressupostos da presunção de culpa estabelecida no n.º 1 do art. 492.º do CC., o que lhes competia. (Ac. do STJ de 96.02.06, CJ, 1996, I, pg. 77)

Esta presunção de culpa não emana directamente do facto danoso o qual automaticamente demonstraria inadequada conservação, como se pretende na douta Sentença ao referir que “... Os AA. alegaram e provaram que ocorreu facto ilícito – a infiltração de água no seu apartamento – que esse facto foi ilícito – porque violou ilicitamente o seu direito de propriedade e resultou, pelo menos, na negligência de alguém que não cuidou de evitar o facto que não é normal acontecer num imóvel (Ac. do STJ de 96.02.06, CJ, 1996, I-77)
Face à falta de alegação e prova dos pressupostos da presunção de culpa não se pode estabelecer essa presunção de culpa pelo que também não impende sobre os recorrentes ónus de prova de ausência de culpa por nesse caso inexistir inversão do ónus (Ac. do STJ de 1996.02.06, CJ, 1996-I-77)
Os recorrentes foram condenados solidariamente com os 1.ºs RR. a pagar aos recorridos € 1.100,00 quantia relativa à substituição da caldeira quando o pedido era de 40.000$00 relativa à reparação da mesma, o que sempre constituiria nulidade de Sentença nesta parte por condenação em quantidade superior e/ou objecto diverso do pedido (art. 668.º-1-e) do CPC.)
Os recorridos não lograram provar nem o dano na caldeira nem o montante que teriam despendido em eventual reparação pelo que sempre teriam os recorrentes que ser absolvidos nesta parte do pedido.
A Sentença recorrida, como vem referido, viola por erro de interpretação e de aplicação o n.º 1 do art. 492.º do CC.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, absolvendo-se os RR. do pedido.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram os aludidos recursos aceites sem alteração da qualificação que lhes havia sido conferida na primeira instância.
Mostram-se colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Adjuntos

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3.
Da leitura das conclusões, enunciadas pelos primeiros RR. os apelantes pretendem que nos pronunciemos sobre as questões seguintes:
a de saber qual o regime jurídico a que se mostra submetido o pedido de indemnização pelos danos decorrentes de inundações provocadas por ruptura de torneiras no interior de uma habitação: o do art. 492.º ou do art. 493.º do CC.?
como se rege o ónus da prova em cada uma das hipóteses?
Da leitura destas conclusões, vemos que os Apelantes neste recurso pretendem que nos pronunciemos sobre
as mesmas questões que foram suscitadas no recurso antecedente;
a nulidade parcial de Sentença por condenação quanto a um dano não provado (dano na caldeira).

DOS FACTOS E DO DIREITO
Dos factos
Para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presentes recursos passamos a transcrever a factualidade considerada provada sobre a qual se estruturou e alicerçou a decisão proferida não tendo sido a mesma alvo de qualquer impugnação, não se alcançando que haja entre eles alguma deficiência obscuridade ou contradição pelo que assim consideram-se tais factos como definitivamente fixados.
“a) Os autores são donos e legítimos proprietários de um apartamento tipo T3, sito no Edifício ...., ...º Bloco, .... ..., em Chaves.
b) Ao qual corresponde o artigo 4612-EX relativo à sua inscrição na matriz predial urbana da competente freguesia.
c) E está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00355/181185-EX.
d) Os primeiros réus são proprietários do apartamento situado no ... .... ..... do Edifício .... .
e) Os segundos réus habitam esse apartamento, por o mesmo lhes ter sido dado de arrendamento pelos primeiros réus.
f) No dia 27 de Agosto de 1999, os autores foram avisados no seu local de trabalho de que havia uma inundação no seu apartamento.
g) A autora dirigiu-se à sua habitação e deparou-se com esta inundada, tendo sido informada por uma vizinha de que a água estava a correr há já algum tempo.
h) A referida vizinha foi, nessa altura, fechar a torneira de segurança da água do 5º B.
i) Toda a água que os autores estavam a receber no seu apartamento era proveniente do apartamento situado no andar de cima, propriedade dos primeiros réus e habitado pelos segundos.
j) O segundo réu disse, na altura, que uma torneira situada na marquise havia rebentado.
k) Acompanhada de outra pessoa, a autora ajudou o segundo réu a proceder à limpeza da sua habitação, para impedir que a água continuasse a cair para o andar de baixo, alagando o seu apartamento.
l) Com o sucedido sofreram os autores prejuízos, designadamente, os tectos e a pintura das paredes descascaram, os azulejos de uma casa de banho levantaram, o chão levantou, os apainelados das janelas e os móveis de cozinha apodreceram.
m) Também se molharam alguns aparelhos eléctricos e ficou danificada a caldeira que se situava na marquise.
n) Toda a água que as paredes, o tecto e o chão do apartamento dos autores absorveram, veio a causar danos que só mais tarde foram visíveis.
o) A água absorvida veio a manifestar-se com o tempo, aparecendo os mosaicos e azulejos da casa de banho levantados, a tinta descascada e o chão levantado.
p) Para procederem às obras de reparação dos tectos e paredes e respectiva pintura, dos mosaicos da casa de banho, dos apainelados das janelas e dos móveis de cozinha e à substituição da caldeira, irão os autores despender, respectivamente, as quantias de 1.730 Euros e 1.100 Euros.
q) Aquando do arrendamento da fracção dos primeiros réus aos segundos réus, o locado encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento.

r) O prédio onde se insere a fracção dos primeiros réus foi construído novo há cerca de dez anos.
s) Quer as técnicas de construção quer os materiais utilizados obedeceram às normas técnicas exigidas pela regulamentação das Edificações Urbanas, tendo a sua construção sido aprovada pela Câmara Municipal de Chaves.
t) Que emitiu a licença de habitabilidade em 9 de Agosto de 1990.
u) A inundação em causa resultou de uma torneira da lavandaria do 5º B que, por motivos desconhecidos, começou a verter água.
v) Nesse apartamento a água cobria a marquise, cozinha e corredor, mas escorria pela varanda.
x) Esse apartamento não sofreu qualquer dano em consequência da inundação.

Do Direito
A sentença recorrida considerou que todos os RR. são responsáveis pelos danos provados no apartamento dos AA. porque, segundo o que aí é sustentado, quer o art. 492.º quer o art. 493.º do Código Civil estabelecem presunções de culpa do lesante (in casu, proprietários da fracção imóvel e arrendatários onde ocorreu o colapso da torneira), e por não ter nenhum dos RR. conseguido ilidir essa presunção.
Vamos então verificar se terá sido feito uma correcta interpretação e aplicação da lei:
O M.º Juiz utilizou na sua fundamentação os arts. 493.º e 492.º do Código Civil.
O art. 492.º do diploma citado tendo como epígrafe “Danos causados por edifícios ou outras obras”, tem o seguinte enunciado:
“1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.”

Por sua vez o art. 493.º tem como epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades” e tem a seguinte redacção:
“1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve de sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2. Quem causar dano a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
Vejamos
O que aqui tratamos é o problema da responsabilidade civil, perante terceiros, dos donos ou arrendatários de um apartamento no qual se registou uma inundação por ruptura de um dos elementos de abastecimento de canalização de água.
Como se sabe, um sistema de canalização destinada ao abastecimento de água em blocos de apartamentos, tem diversos componentes, sendo ele formado, designadamente, por tubos, ligações, rotores, pressurizadores, vedantes e torneiras.
Lendo a matéria de facto provada, vemos que nos encontramos perante danos causados pela saída de água através de uma torneira no andar superior ao prédio dos AA., que, por motivos desconhecidos, começou a vertê-la, deixando de a vedar.
Sabemos apenas que o prédio e a canalização eram relativamente recentes (tinham apenas dez anos) e foram construídos com os materiais e a as técnicas exigidas, estando a canalização em perfeito estado de conservação e funcionamento quando os RR. arrendatários foram habitar a fracção arrendada.
Não sabemos no entanto, se a ruptura foi devida a vício oculto da torneira ou a falta de cuidado dos RR. arrendatários na falta de manutenção das vedações ou descuido no seu fecho.
Daí que não possa aplicar-se ao caso o art. 492.º do Código Civil, pois este artigo prevê apenas o regime de indemnização por danos causados por edifícios ou outras obras quando decorrentes de vício de construção ou defeito de conservação.

No entanto, o art. 493.º do citado Código, em nossa opinião, tem aqui aplicabilidade, porque entendemos que o transporte de água, no interior de uma habitação, é susceptível de ser enquadrada entre as coisas que ofereçam perigosidade e que exijam especial dever de vigilância por quem tenha poder sobre ela:
Na realidade, a perigosidade não se aprecia apenas em função da natureza da coisa, mas também em função dos meios utilizados, como o referido n.º 2 do artigo citado o explicita, ou até do próprio resultado, como o ensina Mota Pinto [Mota Pinto, Direito Civil, 1980, 153.
No mesmo sentido, Ac. RL de 89.04.06, CJ1989, 2.º-119 e de 2000.06.29, CJ, 2000, 3.º-131. O Ac. do STJ de 89.11.02. in Actualidade Jurídica, 3.º/1989, pg. 9, admite inclusive que a perigosidade possa resultar de qualquer actividade complementar da principal
Contra, no entanto, Ac. RL de 90.10.04, sumariado in BMJ, 400.º-715, que não admite essa perigosidade, reportando-a apenas à sua natureza intrínseca.]

E se é certo que a utilização de água no interior de uma habitação não constitui por si mesmo um perigo, o que é facto é que no seu transporte utiliza meios que não garantem a impossibilidade de produção de perigos e efectivos danos: Há sempre a possibilidade de os vedantes se corromperem, as ligações colapsarem, os tubos ou as torneiras se furarem, os rotores e pressurizadores se avariarem, e de, em consequência de alguma dessas causas, se virem a registar inundações, que por sua vez são meio adequados para produzir desabamentos de materiais, estragos em paredes e objectos, e ainda outros danos.
O transporte de água através de canalizações no interior das habitações embora normalmente não perigoso, tem assim a potencialidade de produzir graves danos, o que faz com que tenha de ser encarado como uma coisa ou actividade perigosa.[Os danos decorrentes por gás e a electricidade também têm a natureza de actividade perigosa. No entanto a sua perigosidade resulta desde logo da sua própria natureza, e não necessariamente do meio utilizado, o que faz com que logo a lei preveja a responsabilidade pela indemnização de danos, mesmo a título de risco (muito mais do que a nível de presunção de culpa)]
Ora, o art. 493º nº1 do CC. estabelece uma presunção legal de responsabilidade sobre quem tenha o poder sobre coisa imóvel ou o dever de a vigiar, presunção essa que só é afastada se porventura essa pessoa provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
No caso, tendo os AA. provado que os danos na sua habitação decorreram da inundação procedente do andar superior (decorrente da coisa imóvel “canalização”), não precisam de provar que tal se ficou a dever a culpa dos RR. ou a qualquer outra circunstância não imputável àqueles a título de culpa.
O ónus da prova fica invertido, porque quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz perante o regime estatuído no art. 350.º do Código Civil.
Desta modo, teriam de ser os RR. a provar que nenhuma culpa tiveram na produção dos danos ou que estes ocorreriam sempre, ainda que não houvesse culpa sua.
Como no entanto nenhum dos RR. conseguiu proceder à ilisão da presunção, ficam legalmente responsáveis pelos prejuízos perante os lesados.
De acordo com o disposto no art. 497.º do Código Civil, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, a responsabilidade dos RR. é solidária.
Assim, embora não nos sintamos totalmente sintonizados com as razões apresentadas pelo M.º Juiz na Sentença recorrida, acabamos, não obstante, por chegar à mesma conclusão final de responsabilização de todos os RR., a título solidário.
Importa agora verificar se houve nulidade de sentença (por condenação ultra petitum no respeitante ao montante de indemnização pelos danos na caldeira).
Efectivamente assim nos parece.
Na verdade, o que os AA. haviam pedido, no tocante à caldeira, era a sua reparação cujo custo foi por eles indicado como estando orçado em 40.000$00.
No entanto, o que o M.º Juiz decidiu não foi a sua reparação, mas sim a sua substituição por uma outra caldeira, que custaria 1.100 euros (à volta de 220.000$00), sem que no entanto houvesse algum elemento nos autos que permitisse concluir, ainda que em fase mais avançada do processo, pela impossibilidade de reparação em condições de igual funcionalidade à anteriormente existente, e sem que o A. houvesse pedido a substituição da caldeira.
Assim, a indemnização pelos danos na caldeira deve ficar-se pelo valor correspondente ao da sua reparação.
Como não está determinado o concreto custo dessa reparação [Os RR. impugnaram o valor da reparação em 40.000$00; o Perito não se chegou a pronunciar sobre o custo da reparação], o montante indemnizatório correspondente só em liquidação em execução de Sentença será possível de concretização, não podendo no entanto o respectivo valor exceder os 40.000$00 indicados pelos AA. na petição inicial.
O recurso dos 2.ºs RR. merece por isso parcial procedência.
No entanto, dele acabam por beneficiar também os 1.ºs RR., na medida em que montante indemnizatório fica necessariamente mais curto.
Assim posto, impõe-se a revogação parcial da decisão proferida.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto na procedência parcial da apelação dos 2.ºs RR. (da qual beneficiam também os 1.ºs RR.), revoga-se parcialmente a sentença recorrida na parte em que condenou os RR. a pagarem solidariamente aos AA. o custo de uma caldeira no montante de € 1.100,00, substituindo-se essa parte da condenação por uma outra em que se condenam os RR. a pagar aos AA. a quantia que vier a liquidar-se em execução de Sentença como sendo a correspondente à respectiva reparação, mas sempre sem exceder os 40.000$00 que, a esse título, os AA, haviam indicado na petição inicial como sendo o seu correspondente..
No demais confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas por AA. e RR. na proporção de vencidos.

Porto, 07 de Fevereiro de 2006
Augusto José Baptista marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa