Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1252/14.4TBPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO
ACÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RP201609261252/14.4TBPRD.P1
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 70, FLS. 49 A 54 VRS).
Área Temática: .
Sumário: I - A declaração de Insolvência não impede a instauração e o prosseguimento de uma acção de impugnação pauliana instaurada contra o devedor, ressalvada a especifica situação de concorrência com a resolução operada pelo administrador, de igual modo, tal impedimento não se verifica com a homologação de um Plano de Revitalização.
II - No Processo de Insolvência, a impugnação pauliana mantém a sua utilidade com vista à liquidação de todo o património do devedor (incluindo os bens que foram objecto do acto impugnado), no Processo de Revitalização, a impugnação pauliana mantém a sua utilidade com vista à garantia das obrigações decorrentes do Plano de Revitalização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1252/14.4TBPRD-P1 – 3ª Secção (Apelação)
Acção Declarativa Comum – Tribunal Judicial da C. do Porto Este – Penafiel – Instância Central – Secção Cível – Juiz 1

Rel. Deolinda Varão (936)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto

I.
B… instaurou acção declarativa comum contra C…, LDA e D…, SA.
Formulou os seguintes pedidos:
A) Ser declarada provada e procedente a impugnação pauliana da compra e venda titulada pela escritura de 18.03.11;
B) Ser declarada a ineficácia da referida compra em relação ao autor e consorte;
C) Ser declarado o direito do autor e consorte à restituição dos imóveis identificados no artº 52º da petição inicial e a executá-los e a praticar quaisquer actos de conservação de garantia patrimonial sobre os mesmos bens no património da restituída, 1ª ré, ou no da obrigada à restituição, a 2ª ré, autorizados por lei;
D) Ser declarado o direito de o autor e consorte de reclamar da 2ª ré o valor dos bens por esta alienados, fixado no artº 53º da petição inicial ou o que se vier a apurar;
E) Serem as rés condenadas a tudo isso ver declarado, reconhecer e cumprir.
Posteriormente, foi requerida e admitida a intervenção principal de E… como associada do autor.
As rés contestaram.
Percorrida a tramitação subsequente, vieram as rés requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Para tanto, alegaram, em síntese, que, em 27.03.15, no processo de revitalização em que a ré C…, Lda figura como devedora, foi homologado o acordo de revitalização alcançado com os credores da ré C…, por despacho transitado em julgado, sendo que ali os autores reclamaram o seu crédito e abstiveram-se de votar contra o plano especial de revitalização.
Sobre tal requerimento, recaiu despacho a julgar extinta a instância dos presentes autos por inutilidade superveniente da lide.

Os autores recorreram, formulando as seguintes

CONCLUSÕES
1ª – O artº 17º-E do CIRE obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
2ª – Porém, a presente não é uma acção de cobrança de divida contra a devedora, C….
3ª – É antes uma típica acção de impugnação pauliana que, como é uniforme na doutrina e na jurisprudência, não se trata de uma acção de cobrança de dívida, nem de nulidade ou anulação do negócio impugnado que mantem a sua validade, limitando, porém, a sua eficácia em razão dos interesses patrimoniais do credor, autor da acção, que fica, assim, com o direito de executar os bens restituído no património do obrigado à restituição e, como tal, uma acção pessoal onde se faz valer apenas um direito de crédito do autor – é o que resulta do disposto no citado artº 616º do CC.
4ª – Nesta acção, o credor exerce o direito à restituição dos bens objecto do negócio impugnado na medida do seu interesse, não tendo os outros credores quaisquer direitos sobre esses bens.
5ª – Com a impugnação pauliana não se obtém a restauração do património do devedor, mas sim a reconstituição da garantia patrimonial do crédito do impugnado.
6ª – O facto de o devedor estar em processo de revitalização ou até de ter sido declarado insolvente, e num qualquer dos processos o credor impugnante tiver reclamado o seu cré dito é indiferente para a determinação dos requisitos e efeitos da impugnação pauliana.
7ª – E a verdade é que a lei não prevê qualquer especialidade resultante do devedor se encontrar em processo de revitalização ou de já ter sido declarado insolvente, limitando-se o legislador a regular os casos de concurso com o direito de resolução.
8ª – É assim claro que na vigência do CIRE, o regime geral do Código Civil é integralmente aplicável aos casos em que o devedor se encontre em processo de revitalização ou haja sido judicialmente declarado insolvente, ainda que o credor impugnante aí haja reclamado o seu crédito, devendo apenas atentar-se no disposto no nº 3 do citado artº 127º para efeitos de medição do crédito do credor impugnante.
9ª – Daí que o litigio a dirimir persista e bem assim a utilidade da pretensão deduzida.
10ª – Não se verificam assim os pressupostos da inutilidade superveniente da lide e logo a extinção da mesma declarada pelo Tribunal a quo.
11ª – O Tribunal a quo fez correcta interpretação dos factos e aplicação do Direito e violou os supra citados normativos.

As rés não contra-alegaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Os elementos com interesse para a decisão do recurso são os que contam do ponto I.
*
III.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação dos apelantes (artºs 635º, nº 3 e 639º, nºs 2 e 4 do CPC) – é a seguinte:
- Se a presente acção de impugnação pauliana deve prosseguir os seus termos apesar de ter sido homologado um plano de revitalização relativo à ré/devedora, no qual está incluído o crédito dos autores.

Diz o artº 17º-E, nº 1 do CIRE que a decisão a que se refere a al. a) do nº 3 do artº 17º-C [despacho de nomeação de administrador judicial provisório na sequência da comunicação do devedor de que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação] obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado o homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
A citada norma deu origem a duas interpretações.
Parte da doutrina[1] e da jurisprudência[2] defende que a norma se refere apenas às execuções e aos procedimentos cautelares antecipatórios das mesmas, encontrando-se excluídas do seu âmbito as acções declarativas. Alguns restringem ainda mais a aplicação da norma apenas às execuções para pagamento de quantia certa, excluindo as execuções para entrega de coisa certa e para prestação de facto[3].
Como fundamento da exclusão das acções declarativas da norma em questão, argumenta-se que se o legislador tivesse querido incluir as acções declarativas na norma do artº 17º-E, nº 1 do CIRE ter-lhe-ia dado uma redacção idêntica à do artº 88º do mesmo Diploma, que diz expressamente que a declaração de insolvência determina a suspensão, além do mais, de quaisquer providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.
Argumenta-se, ainda, que as acções declarativas, ainda que condenatórias, não são acções para cobrança de dívida porque têm sempre a finalidade de estabelecer o direito e nunca o de assegurar a realização coactiva do mesmo, sendo que a expressão “cobrança de dívida” remete imediatamente para a efectiva realização do direito e não para a discussão da existência do mesmo;
Finalmente, afirma-se que o plano de pagamentos aprovado no âmbito do PER apenas dispõe sobre a forma de pagamento da dívida, não discutindo a sua existência, pelo que sendo esta existência controvertida, a dívida não será reconhecida para efeito de pagamento no âmbito do plano, ficando, portanto, o respectivo credor impossibilitado de discutir a existência do crédito em acção declarativa que houvesse intentado, caso esta fosse declarada extinta por força da homologação do plano.
Parte da doutrina[4] e da jurisprudência (esta, de forma tendencialmente unânime)[5] defende a inclusão na previsão da norma do nº 1 do artº 17º- E do CIRE de qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da actividade económica do devedor.
Como se escreveu no Ac. da RL de 21.11.13, citado na nota anterior:
Nos termos da norma legal que prevê a suspensão das ações em curso, por efeito da comunicação da pretensão do início das negociações do devedor com os credores, para a recuperação económica daquele, não se surpreende qualquer distinção entre ações declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.
Para além do legislador não poder ignorar a existência das espécies de ações, consoante o seu fim, também, por outro lado, não pode o intérprete desprezar o efeito na vida do devedor, nomeadamente de uma sociedade comercial, provocado pela negação da suspensão da ação, depois de iniciado o processo especial de revitalização. Destinando-se este processo a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos. Com efeito, não será prudente olvidar a intenção declarada do legislador, ao instituir o processo especial de revitalização, de permitir ao devedor, com o acordo total ou maioritário dos credores, a sua recuperação da situação económica difícil, caracterizada pela dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações.
Por outro lado, tal acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE). Ora, se qualquer ação contra o devedor não fosse suspensa, estar-se-ia privilegiar, sem razão justificativa, um credor, sendo certo que o objetivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa, com um tratamento igualitário dos credores.
Se a pretensão da recuperação económica do devedor, encontrado numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, é iniciativa daquele, já a viabilização da recuperação cabe aos credores, sendo certo que, pelas relações económicas estabelecidas com o devedor, estão em condições privilegiadas para o fazerem e, por essa via, poderem salvaguardar, porventura de forma mais eficaz, a solvabilidade dos seus créditos, para além de outras vantagens sociais relevantes.
Nestes termos, e levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE prevê qualquer ação judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor.

Conforme se fez notar no Ac. do STJ de 05.01.16, também citado na nota anterior, as precedentes considerações, expostas a propósito das acções – declarativas e executivas – que se suspendem, valem inteiramente, mutatis mutandis, para aquelas que se extinguem, conforme previsto na norma em análise.
Citando o referido aresto do STJ, “(…), parece-nos claro que esta interpretação é a única que se adequa e mostra inteiramente compatível com o objectivo do legislador ao instituir o PER, (…), e que se traduziu, como bem explica Maria Rosário Epifânio, citando a exposição de motivos da Proposta de Lei nº 39/XII, de 30/Dezembro/11, na pretensão de este mecanismo legal se assumir como “uma solução, em si mesma, eficiente no combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas” (…). Sendo este o objectivo fundamental do PER, é lógico e perfeitamente razoável que durante o período das negociações para a revitalização - período, de resto, muito curto, por imposição do artº 17º-D, nº 5, já que não pode exceder três meses, prazo este peremptório e preclusivo, conforme decidiu o STJ no seu acórdão de 17/11/15, acessível em www.dgsi.pt - os credores fiquem impedidos de propôr ou fazer prosseguir quaisquer acções, sejam elas declarativas ou executivas, contra o devedor, e que essas acções se extingam logo que seja aprovado e homologado o PER (dentro do referido prazo, bem entendido.
Em terceiro lugar, embora se reconheça que o legislador não foi muito feliz na formulação que adoptou, e que se impunha uma redacção menos ambígua do preceito, também se afigura claro que a circunstância de não ter distinguido entre acções declarativas e executivas, nos moldes previstos no artº 4º do CPC então em vigor (a que corresponde o artº 10º do CPC actual), indicia, por si só, que no artº 17º-E, nº 1, houve a pretensão de incluir ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor (como, manifestamente, se verifica na hipótese dos autos). É de notar, aliás, que o preceito fala na sua segunda parte em “acções com idêntica finalidade” sem se referir à espécie de acção, mas à sua finalidade concreta – “cobrança de dívidas” – o que bem se compreende porque são as acções com este objectivo aquelas que, sem qualquer dúvida, podem atingir mais profunda e irreversivelmente o património do devedor que com o PER se pretende “resgatar” da insolvência iminente.
Finalmente, sem prejuízo do que antecede, deve ainda dizer-se que não é necessário um grande esforço do intérprete – quer dizer, não se lhe exige que, contra as regras fundamentais da interpretação das leis contidas no artº 9º, nºs 1 a 3, do CC, chegue ao ponto de considerar um pensamento legislativo sem um mínimo de ressonância na letra da lei – para se poder afirmar com relativa segurança que nas acções para cobrança de dívidas se incluem acções declarativas, além das executivas; pelo menos aquelas cuja finalidade é a de obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária cabem sem dificuldade na designação que o legislador adoptou no artº 17º-E, nº 1, do CIRE, na exacta medida em que, ao fim e ao cabo, obtida sentença favorável, seguir-se-á, logicamente, o pagamento/cobrança - voluntário ou coercivo - do crédito reconhecido.

Perfilhando-se a segunda das orientações acima expressas, pelas razões aduzidas, importa saber se a presente acção de impugnação pauliana se enquadra no disposto no nº 1 do artº 17º- E do CIRE.

Diz o artº 601º do CC que pela garantia da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora.
Porém, a lei não se limita a conceder ao credor o direito de promover a execução forçada da prestação, no caso de o devedor não cumprir voluntariamente, e de se ressarcir à custa do património do obrigado, se a realização coactiva da prestação não for possível.
Concede-lhe ainda os meios necessários para defender a sua posição contra os actos praticados pelo devedor, capazes de prejudicarem a garantia patrimonial da obrigação, diminuindo a consistência prática do seu direito de agressão sobre os bens do obrigado[6].
Esses meios de conservação da garantia patrimonial são a declaração de invalidade dos actos nulos praticados pelo devedor, a acção sub-rogatória, a impugnação pauliana e o arresto (artºs 605º a 622º do CC).
A impugnação pauliana consiste na faculdade que a lei concede aos credores de atacarem judicialmente certos actos válidos ou mesmo nulos celebrados pelos devedores em seu prejuízo (artº 610º do CC)[7].
Nos termos desta disposição legal e do artº 612º do mesmo Diploma, essa impugnação depende da verificação simultânea destes requisitos:
- a existência de determinado crédito;
- que esse crédito seja anterior à celebração do acto ou, sendo posterior, tenha sido o acto realizado dolosamente visando impedir a satisfação do direito do credor;
- resultar do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade;
- que tenha havido má fé, tanto da parte do devedor como do terceiro, tratando-se de acto oneroso, entendendo-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Nos termos do artº 616º nº 1 do CC, julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Ao permitir que o credor execute os bens do devedor no património do adquirente obrigado à restituição, dessa forma conservando intacto o património do devedor como garantia do direito do credor, a procedência da impugnação pauliana tem, indirectamente, efeitos na cobrança da dívida que lhe deu origem.
Porém, a acção de impugnação pauliana não visa, directamente, a cobrança daquela dívida, pelo que, desde logo, resulta da própria letra da norma do nº 1 do artº 17º-E do CIRE, que tal acção não está ali incluída.

Por outro lado, resulta do disposto no artº 127º, do CIRE, a contrario, que a declaração de insolvência não obsta à instauração e ao prosseguimento de acção de impugnação pauliana contra o devedor.
O CIRE limita-se a regular a regular a relação entre a acção de impugnação pauliana e a resolução a favor da massa insolvente levada a cabo pelo administrador nos termos que estão previstos nos seus artºs 120º e seguintes.
Dá-se prevalência à segunda sobre a primeira, porquanto o interesse no efeito da impugnação pauliana é singular e exclusivo do credor que instaura a acção (cfr. artº 616º, nº 4 do CC), ao passo que o interesse no efeito da resolução é colectivo, comum a todos os credores da massa insolvente, devendo ser prosseguido pelo administrador da insolvência, através do instituto mais ágil e expedito da resolução em benefício da massa insolvente[8].
Pese embora se entenda também, que “Nos casos em que os executados são declarados insolventes na pendência de acção de impugnação pauliana, por razões de justiça material e respeito pela execução universal (…) que a insolvência despoleta [cfr. artº 1º do CIRE], os bens alienados e objecto de acção de impugnação pauliana, devem, excepcionalmente, regressar ao património do devedor, para, integrando a Massa Insolvente responderem perante os credores da insolvência, sendo o crédito do exequente e Autor triunfante na acção de impugnação pauliana, tratado em pé de igualdade [com a ressalva do estatuído no art. 127º, nº3º, do CIRE] com os demais credores dos inicialmente executados, ora insolventes, assim acolhendo a lição de Pires de Lima e Antunes Varela quando afirmam que “o credor pode ter interesse na restituição dos bens ao património do devedor, se a execução ainda não é possível ou se há falência ou insolvência, caso em que os bens revertem para a massa falida.”.”[9].
Assim, em caso de declaração de insolvência, preclude a possibilidade de instauração de acção de impugnação pauliana contra o devedor caso a resolução tenha sido declarada pelo administrador de insolvência (nº 1 do artº 127º do CIRE); e, se a acção de impugnação já se encontrar pendente à data da declaração de insolvência, só prosseguirá se a resolução tiver sido declarada ineficaz por decisão definitiva, nos termos que estão regulados no nº 2 do mesmo preceito.
Seguindo-se que, julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artº 616º do CC, com abstracção das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamento (nº 3 do artº 127º do CIRE).

Do exposto se conclui que, se a declaração de insolvência não impede a instauração e o prosseguimento de uma acção de impugnação pauliana instaurada contra o devedor (ressalvada apenas a referida situação específica de concorrência com a resolução operada pelo administrador), também tal impedimento não se verifica com a homologação de um plano de revitalização.
No processo de insolvência, a impugnação pauliana mantém a sua utilidade com vista à liquidação de todo o património do devedor (incluindo os bens que foram objecto do acto impugnado); no processo de revitalização, a impugnação pauliana mantém a sua utilidade com vista à garantia das obrigações decorrentes do plano de revitalização.
A procedência da acção de impugnação pauliana não acarreta risco para a recuperação do devedor, pois que dela não resultam providências coercivas contra o património do devedor, como resultariam da procedência de uma acção destinada à cobrança de dívidas – sendo este risco um dos fundamentos da posição que assumimos de incluir as acções declarativas destinadas à cobrança de dívidas na previsão do nº 1 do artº 127º do CIRE, conforme acima se explicou.
A procedência da impugnação pauliana assegura apenas o “retorno” de bens ao património do devedor, repondo a garantia geral prevista no artº 601º do CC.

Por todas as razões expostas, terá de ser revogada a decisão recorrido, devendo a acção prosseguir os seus termos.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, e em substituição ao Tribunal recorrido:
- Determina-se que os autos prossigam os termos adequados.
Custas pelos apelados.
***
Porto, 29 de Setembro de 2016
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Madeira Pinto
__________
[1] Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O Processo Especial de Revitalização, págs. 97 e segs.; Maria do Rosário Epifâneo, O Processo Especial de Revitalização, págs. 32 e segs.; Isabel Alexandre, Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização, II Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, pág. 246; e Madalena Perestrelo Oliveira, Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente, pág. 47.
[2] Ac. da RL de 11.07.13, www.dgsi.pt.
[3] É o caso de Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, obra citada, págs. 98/99 e 102/103.
[4] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de empresas Anotado, 2ª ed., págs. 164 e 165; Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, CIRE Anotado (2013) pág 64; João Aveiro Pereira, “A revitalização económica do devedor”, Revista O Direito, Ano 145/2013, tomos I/II, pág. 37; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, pág. 471; e Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, I Congresso de Direito da Insolvência, 2013, pág. 99.
[5] Acs. do STJ de 26.11.15, 17.12.15, 05.01.16 e 17.03.16, desta Relação de 30.09.13, 18.12.13 (proc. 407/12.0TBBRG.P1), 18.12.13 (proc. 7613/12.6YYPRT.P1), 07.04.14 (proc. 918/12.8TTPRT.P1), 07.04.14 (proc. 344/13.1TTMAI.P1), 20.10.14, 11.05.15, 16.11.15, 03.03.16 (subscrito pela relatora deste como 2ª-adjunta), da RC de 19.05.15, da RE de 22.10.15 e da RL de 31.10.13, 21.11.13, 18.06.14, 22.01.15, 25.06.15 e 25.06.15, todos em www.dgsi.pt.
[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7ª ed., 433.
[7] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 742.
[8] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, págs. 543 e 544 e o Ac. desta Relação de 08.07.15, www.dgsi.pt.
[9] Ac. do STJ de 11.07.13, www.dgsi.pt.