Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
32/10.0GCFLG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
CONTRADITÓRIO
NULIDADE
Nº do Documento: RP2017062132/10.0GCFLG-B.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º35/2017, FLS.156-163)
Área Temática: .
Sumário: I - Apesar de constar dos autos que a arguida estava a residir do Reino Unido, sobre ela recaía a obrigação de indicar a alteração da nova morada, em relação à que constava do TIR e não o tendo feito, não pode exigir que fosse o tribunal a colher informação sobre a sua nova morada.
II - A falta da sua audição teve lugar tão só por força do seu comportamento.
III - Assim, não ocorre a nulidade insanável da alínea c) do artigo 119.º C P Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º32/10.0GCFLG-B.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo comum n.º32/10.0GCFLG-B da Comarca do Porto Este, Juízo Central Criminal de Penafiel, J3, por acórdão proferido em 24/4/2012, transitado em julgado em 28/5/2012, foi a arguida B… condenada pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º do DL15/03, de 22/1, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Por despacho proferido em 9/12/2016 foi revogada a suspensão da execução da pena aplicada à arguida B… e consequentemente ordenado o cumprimento da pena de um ano e seis meses de prião em que foi condenada.
Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1 - Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a 09 de dezembro de 2016, e que decidiu “(…) Revogar a suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos, pelo que a arguida B… terá que cumprir a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenada”.

2- Os requisitos materiais da revogação da suspensão da execução da pena de prisão encontram-se previstos no artigo 56.º do Código Penal.

3- No plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, desde logo, a audição do condenado, tal como decorre do artigo 495.º nº 2 do Código de Processo Penal que determina, "O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão…".

4 - Por sua vez, o art. 61, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal consagra o direito de audiência e na Constituição da República Portuguesa, mais propriamente no seu art. 32.º, nº 5, estabelece-se o direito de defesa em respeito pelo princípio do contraditório.

5 - Ora, no caso em apreço efectivamente a Arguida, não compareceu para a sua audição, nem foi possível executar o mandado de detenção e conduta para essa mesma audição, sendo certo porém que, o Tribunal “a quo” não envidou todas as diligências necessárias à efectiva notificação da Arguida, de modo a ser ouvida pessoalmente e presencialmente.

6 - Em face das informações prestadas nos presentes nos autos, pelos agentes da GNR, e que constam do documento de devolução do mandado de detenção e condução (fls. 2598, 2599 e 2600), resulta que a Arguida encontra-se em Inglaterra juntamente com o irmão, C…, e, assim, devia/podia o Tribunal “a quo” apurar o paradeiro da Arguida, através da Embaixada de Portugal naquele país ou dos Consulados Gerais sediados naquele Estado.

7 - Assim, não tendo o Tribunal “a quo” realizado todas as diligências possíveis para a audição pessoal e presencial da arguida, previamente à tomada de decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, preteriu o seu direito de defesa consagrado no art. 32.º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

8 - Sendo, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que ora se recorre, nula, nos termos do art. 495.º, nº 2 e do art. 119.º al. c), ambos do Código de Processo Penal.

9 - Nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão é necessário preencher dois requisitos: um formal e outro material.

10- Todavia, conforme decorre da letra da lei, o cometimento de um novo crime durante o período de suspensão não implica automaticamente a revogação da suspensão.

11 - Ora, verifica-se que desde a prática dos factos constantes da condenação no âmbito do Processo nº 16/12.4GCFLG, da Comarca do Porto Este – Penafiel – Inst. Criminal, isto é, desde março de 2013, que não há conhecimento que a Arguida praticou qualquer ilícito criminal.

12 - Assim, há mais de três anos que a Arguida se afastou em definitivo da prática de crimes, pautando a sua conduta no sentido de fidelização ao direito.

13 - Pelo que, tal como decorre do art. 40.º, nº 1 do Código Penal, a sua conduta posterior à prática do crime, a sua personalidade, e a necessidade de ressocialização, permitem concluir que o juízo de prognose favorável à manutenção da suspensão da execução da pena de prisão ainda se verifica, e assim ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão.

14 - Pelo que, não se verificam os fundamentos para que seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão, e assim, o despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 40.º, nº 1 e 56.º, nº 1 al. b), ambos do Código Penal, ao fazer uma incorreta interpretação e aplicação dos preceitos legais consagrados.

15 - Por fim, verifica-se que já decorreu o período de suspensão da execução da pena de prisão, e concluindo-se que não existem motivos para a sua revogação, deverá ser, tal como resulta do artigo 57.º, nº 1 do Código Penal, declarada extinta a pena de um 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão aplicada à Arguida.

Nestes termos e, sobretudo, nos que serão objecto do douto suprimento de V/Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão do Tribunal “a quo”, com as legais consequências, com que se fará sã, serena e objectiva JUSTIÇA!
O Ministério Púbico respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência (fls.56 a 65 do presente apenso).
Remetidos os autos ao tribunal da relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P. Penal, o Sr. Procurador-geral da República pronunciou-se pelo não provimento do recurso (fls.73 a 75).
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P. Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, fora os autos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Por Acórdão proferido a 24-4-2012, transitado em julgado a 28-5-2012, foi a arguida B… condenada numa pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execucão por igual período, pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21 º do DL 15/93 de 22/1.
Findo o período da suspensão, importa aferir se existem motivos que possam conduzir à sua revogação, nos termos do disposto no artigo 57º, nº 1, do Código Penal.
Conforme se extrai do CRC de fls. 2617 a 2619, e da certidão de fls. 2377 a 2470, por acórdão proferido a 11-12-2013, transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo nº 16/12.4GCFLG, desta Instância Central Criminal de Penafiel, foi a arguida condenada na pena 2 anos de prisão efectiva pela prática, como co-autora material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto no art. 25º a) do DI 15/93, de 22/1, por factos praticados entre finais do ano de 2012 até ao dia 25 de Março de 2013.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida, porquanto a mesma praticou os factos supra referidos durante o período da suspensão, tratando-se de crime da mesma natureza dos presentes autos, e até sob uma forma comparticipação mais gravosa (fls. 2620 e 2621).
Notificada para o efeito veio a I. defensora pugnar pela extinção da pena aplicada à arguida nos presentes autos. Para tanto alega, em síntese, por um lado, que o tribunal não deve proferir decisão quanto à eventual revogação da suspensão da pena de prisão sem a prévia audição presencial da arguida, e por outro lado, que desde a prática dos factos pelos quais veio a ser condenada no âmbito do processo nº 16/12.4GCFLG (Março de 2013) não há conhecimento que a arguida praticou qualquer ilícito criminal, o que permite realizar um juízo de prognose favorável quanto ao seu afastamento da prática de crimes (fls. 2628 a 2632).
Importa apreciar e decidir.
À revogação da suspensão da execução da pena reporta-se o artigo 56º do Código Penal.
Preceitua este artigo que:
"1- A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado".
A revogação da suspensão da execução da pena ocorrerá apenas quando estiverem verificadas as situações previstas na lei, acima referidas.
Daí que, como referem Simas Santos e Leal Henriques, "a revogação da suspensão tenha que ser vista como um recurso in extremis e sempre condicíonado pelas apertadas limitações contidas no artigo 56º" - Noções Elementares de Direito Penal, Vislis Editores, 1999 pág. 156.
Ora, a revogação da suspensão da pena pode acontecer com a verificação de duas situações distintas.
Por um lado, permite-se a revogação da suspensão da execução da pena quando o condenado infringir de forma grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação social (cfr. aI. a) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal).
Por outro lado, justifica ainda a revogação da suspensão da execução da pena a condenação por crime cometido durante o período da suspensão, se tal facto revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderem, por meio dela, ser alcançadas (cf. aI. b) do nº 1 do mesmo preceito legal).
A consequência da revogação da suspensão só pode derivar de uma situação grave que denote que o condenado teve uma actuação culposa, de molde a que seja posta em causa a esperança que se depositou na sua recuperação e reinserção social.
Também Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1995, 1 º Volume, pág. 481, em anotação a tal preceito, referem que "As causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalísta, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena" (sublinhado nosso).
Para situações menos graves, o tribunal deve lançar mão de outras medidas, que não a revogação da suspensão da execução da pena, atentas as consequências que daí advêm para o condenado, que terá de cumprir a pena que lhe foi aplicada.
*
Nos termos do artigo 495º, nº 2, do Código de Processo Penal, o tribunal decide, por despacho, da revogação da suspensão da pena depois de recolhida a prova, antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado.
No caso vertente, apesar de notificada para o efeito, a arguida não compareceu voluntariamente na data designada para a sua audição (fls. 2588, 2590 e 2591), nem os mandados de detenção emitidos para o efeito lograram ser executados (fls. 2599, 2600, 2603 e 2604), pelo que não se verifica a nulidade prevista no art. 119º, c) do CPP.
Neste sentido podem ler-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 09/09/2015: "tendo sido envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto no art.495. º, n. º 2 do C.P.P. se tem como cumprido com a notificação do defensor do arguido."; e do Tribunal da Relação do Porto, datado de 6-3­2013: "O condenado tem de ser presencialmente ouvido em todos os casos em que possa estar em causa a revogação da suspensão da execução da pena. Ressalvam-se os casos em que o condenado se esquiva ao contacto ou não comparece após notificação." - ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Ademais, em face do supra exposto temos de concluir que a conduta levada a cabo pela arguida durante o período da suspensão, revela, sem qualquer margem para dúvida, que as finalidades da puruçao, maxíme de prevenção especial, que se pretenderam conseguir através do instituto da suspensão da pena, não lograram verificar-se.
Com efeito, torna-se bem patente que nem a ameaça da prisão inibiram a arguida de praticar crimes, tendo esta demonstrado que o juízo de prognose formulado aquando da prolação do Acórdão nos presentes autos (a 24-4-2012), prontamente foi vilipendiado com a prática dos factos levados a cabo pela arguida logo nos finais do ano de 2012, evidenciando que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas.
Assim, e tendo o legislador com o instituto da suspensão da pena de prisão pretendido levar o condenado a esforçar-se por merecer a liberdade, mediante a ameaça do cumprimento da execução da pena como pano de fundo, torna-se notório, no caso vertente, que a arguida pouco ou nada fez, para corresponder ao juízo de prognose favorável aqui formulado.
Impõe-se, deste modo, revogar a suspensão da execução da pena aplicada à arguida B….
*
Em face do exposto, decide-se:
Revogar a suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos, pelo que a arguida B… terá que cumprir a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenada.
Notifique.»
Apreciação
O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo do tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso.
Vistas as conclusões, as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- saber se ocorre a nulidade insanável prevista no art.119.º, alínea c), do C.P. Penal, dado a arguida não ter sido ouvida presencialmente.
- saber se estão verificados os pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
1ªquestão: a recorrente, condenada em pena de prisão suspensa na sua execução, invoca que o tribunal ao não a ter ouvido presencialmente previamente à revogação da suspensão da execução da pena, violou o art.495.º, n.º2, do C.P. Penal e o art.32.º, n.º5 da CRP, tendo incorrido na nulidade insanável prevista no art.119.º, alínea c), do C.P. Penal.
Para apreciar a questão suscitada, há que atender às seguintes ocorrências processuais:
● No âmbito dos presentes autos a arguida prestou TIR em 7/3/2011, tendo indicado como morada para efeito de notificações a sua residência, sita no lugar …, …, Felgueiras.
● Por acórdão proferido a 24/4/2012, transitado em julgado a 28-5-2012, foi a arguida condenada numa pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21 º do DL 15/93 de 22/1.
● Em 5/10/2015, foi proferida decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada a arguida nos presentes autos.
● A arguida interpôs recurso de tal decisão e por decisão sumária proferida em 27/4/2016, o tribunal da relação declarou a nulidade da decisão recorrida, ordenando a sanação de tal vício, mediante a audição pessoal e presencial da arguida e, apos a realização das diligências tidas por necessárias, a prolação d enovo despacho, mantendo ou alterando o anteriormente decidido (fls.3 e 4 do presente apenso).
● Foi designada data para audição da arguida e enviada carta com prova de depósito para a morada indicada no TIR.
● A arguida não compareceu à diligência, sendo então designada nova data para o efeito e emitidos mandados de detenção para assegurar a presença da arguida na nova data.
● Os mandados de detenção não foram cumpridos, tendo a autoridade policial informado que segundo informações da mãe da arguida, esta ausentou-se há cerca de 10 meses, estando a residir em Inglaterra, desconhecendo, no entanto, a morada e o contacto (fls.12 do presente apenso).
● A defensora oficiosa da arguida informou não ter conhecimento do seu paradeiro (fls.14 do presente apenso)
● O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena aplicada à arguida(fls.24 a 25)
● Notificada a defensora oficiosa da arguida para, querendo, se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público, veio sustentar a audição pessoal da arguida e sem prescindir da não verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão (fls.27 a 31)
● Em 9/12/2016 foi proferida a decisão ora recorrida.
Perante estas ocorrências processuais, cabe proceder ao enquadramento legal da questão em análise.
Dispõe o art.495.º do C.P.Penal, sob a epígrafe Falta de cumprimento das condições de suspensão:
«1 – Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.
(…)»
Já o art.61.º, n,º1, alínea b) do C.P. Penal, estabelece o direito de o arguido «Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete».
Por sua vez, o art. 119º, al. c) do C.P. Penal comina com nulidade insanável «a ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência».
Da conjugação destes preceitos resulta que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova é precedido de audição do arguido – o tribunal decide, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado.
Esta audição é presencial, uma vez que o art.495.º, n.º2, do C.P. Penal, na redação introduzida pela Lei n.º48/2007, de 29/8, prevê que o condenado seja ouvido «na presença do técnico, que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão».
Nesse sentido se tem pronunciado maioritariamente a jurisprudência [v., entre outros, A.R.Évora de 12/7/2012, relatado pela Desembargadora Ana Maria Brito, Ac.R.Coimbra de 9/9/2015, relatado pelo Desembargador Orlando Gonçalves, Ac.R.Guimarães de 18/4/2016, relatado pelo Desembargador Lee Ferreira, Ac.R.Porto de 6/3/2013 e 9/3/2016, relatados, respetivamente, pelo Desembargador Moreira Ramos e Desembargador José Carreto].
No caso presente, não estamos perante um caso em que a suspensão da execução da pena de prisão foi sujeita a condições, mas antes perante uma suspensão simples.
De todo o modo, não cuidaremos da querela jurisprudencial sobre a audição pessoal do condenado apenas ser, ou não, legalmente imposta quando esteja em causa a revogação da suspensão com fundamento na falta de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão, sendo, por isso, inaplicável aos casos em que o agente cometeu, no decurso da suspensão, novo crime, pelo qual foi condenado, uma vez que no presente processo há já uma decisão do tribunal da relação a ordenar a audição pessoal da arguida por entender que a mesma se impunha.
Porém, tal decisão da relação não pode ser interpretada em termos absolutos, uma vez que na mesma se afirma «(…) consideramos exigível a audição presencial do condenado decorrente do citado normativo, sempre que seja de apreciar e decidir sobre a revogação ou não da suspensão da execução da pena, conquanto não se trate de situação de comprovada impossibilidade ou inviabilidade de concretizar o contraditório pessoal do condenado.» (sublinhado nosso)
Com efeito, a previsão do direito de audição (presencial) do condenado não pode ser vista sem quaisquer restrições. Basta pensar na hipótese, verificada nos autos, de o condenado, que prestou TIR, se ter ausentado, sem dar conhecimento ao tribunal sobre a sua nova morada, como lhe era imposto pelo TIR prestado. A entender-se de outro modo ficaria inviabilizada a adequada resposta do sistema punitivo, perante o impedimento tanto da execução da pena de substituição, como da pena principal.
Como se escreveu no Ac.R.Porto de 30/5/2012, proferido no proc. 135/04.0IDAVR-B.C1.P1, relatado pela Desembargadora Maria Deolinda Dionísio «(…) o reconhecimento da plenitude do direito não pode confundir-se com a complacência perante o abuso de direito, não devendo os tribunais inibir-se de reconhecer, declarar e repudiar as situações que extravasam os limites da boa-fé, e daí extrair as necessárias consequências.
Na verdade, se o arguido sabe perfeitamente que tem um processo pendente, no âmbito do qual foi condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa e, estando devidamente representado por defensor, se furta ao contacto com o tribunal, ignorando convocatórias e notificações ou ausentando-se mesmo para paradeiro desconhecido, sem cuidar de fazer chegar aos autos nova morada onde possa ser contactado, parece-nos que, tendo as autoridades competentes feito inúmeras tentativas de o encontrar/ contactar e esgotado os meios ao seu dispor sem lograr atingir tal desiderato, não poderá depois, aquele, vir depois invocar o seu direito ao exercício pessoal do contraditório e audição presencial, por manifesto venire contra factum proprium, impondo a salvaguarda da harmonia de todos os interesses em presença que, nessa circunstância, se considere bastante a concessão da possibilidade de contraditório decorrente da notificação para o efeito ao defensor e ao arguido, este a notificar na morada indicada no processo e por via postal, se outra não se mostrar viável, à semelhança, aliás, da jurisprudência estabelecida no Acórdão do STJ n.º 6/2010, de 15/4/2010, publicado no DR, 1ª Série, de 21/5/2010, para a notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sob pena de, a ser de outra maneira, se gorarem as expectativas da comunidade na boa administração da justiça.»
No mesmo sentido se pronunciou o Ac.R.Porto de 9/3/2016, proc. n.º25/06.2SFPRT-A.P1, relatado pelo Desembargador José Carreto, em cujo sumário se lê: «Deve proceder-se à decisão do incidente de incumprimento do regime de prova (relativo á suspensão da execução da prisão) sem a audição do condenado quando tal audição se revela inviável por o arguido se ter ausentado da residência constante do TIR sem dar conhecimento aos autos ou aos técnicos da DGRS e não se conseguir apurar ao seu paradeiro.». No mesmo sentido se pronunciou o Ac.R.Porto de 9/3/2016, proc. n.º25/06.2SFPRT-A.P1, relatado pelo Desembargador José Carreto.
No caso vertente, a arguida não foi ouvida presencialmente pelo tribunal, pois ausentou-se para o estrangeiro, sem dar conhecimento ao tribunal da sua saída do país e da sua nova morada.
Ausentando-se para o estrangeiro sem comunicar ao tribunal tal facto e a nova morada, a arguida inviabilizou a sua notificação para a audição presencial.
Sustenta a recorrente que tendo o tribunal a informação de que está a residir em Inglaterra, devia envidar esforços para obter a sua morada através da Embaixada de Portugal naquele país.
Afigura-se-nos não assistir razão à recorrente, pois não é certo que a arguida esteja inscrita nos serviços da embaixada naquele país, para além de que, tendo prestado TIR, era ela que tinha a obrigação de indicar a sua nova morada, o que não fez. Por isso, é excessiva a pretensão da arguida de que o tribunal tinha a obrigação de colher informação sobre a sua morada em Inglaterra.
Em conclusão, a falta de audição pessoal da arguida teve lugar tão-só por força do comportamento desta.
Posto isto, não ocorre a nulidade insanável prevista na alínea c) do art.119.º do C.P. Penal, arguida pela recorrente.
Tão-pouco houve violação de algum direito constitucional da defesa, pois a arguida teve a oportunidade de se pronunciar sobre a promovida revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sendo que a sua defensora oficiosa o fez, apresentando resposta.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
2ªquestão: na tese recursiva não há fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Sustenta a recorrente que desde a prática dos factos constantes da condenação no âmbito do processo n.º16/12.4GCFLG, ou seja desde Março de 2013, não há conhecimento de que tenha praticado qualquer outro ilícito criminal.
A suspensão da execução da pena é uma pena de substituição, que tem um regime próprio, com pressupostos formais e materiais e duração legalmente definidos, assumindo modalidades diversas – a simples suspensão na execução, a suspensão sujeita a condições e a suspensão com regime de prova – podendo ser alterada (na duração ou nas condições) e revogada – arts. 50.º a 56.º do C. Penal.
O art.56.º do C. Penal, sob a epígrafe Revogação da suspensão, estabelece:
«1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.»
Do n.º1 deste preceito resulta o não automatismo da revogação da suspensão da execução da pena, exigindo-se que, para além do cometimento de um novo crime ou da violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, se conclua que as finalidades visadas com a suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Nesta decorrência tem vindo a considerar-se que, mesmo em caso de cometimento de crime no decurso do prazo da suspensão da prisão, em princípio, «só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas» - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ªedição, pág.236. No mesmo sentido, entre outos, Ac.R.Évora de 25/9/20102, proc. n.º413/04.9GEPTM.E1, relatado pela Desembargadora Ana Barata Brito.
Revertendo ao caso concreto, a arguida cometeu um crime de tráfico de menor gravidade poucos meses após a suspensão da pena aplicada nos presentes autos, sendo que veio a ser condenada em prisão efetiva.
Posto isto, o curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento do novo crime, a que acresce que a circunstância de a recorrente ter praticado um crime da mesma natureza do anterior, crime levado a cabo como autora e não como cúmplice como ocorreu nos presentes autos, leva a concluir que o juízo de prognose favorável à recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão, está arredado. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos não serviu para afastar a recorrente da prática de novo crime, da mesma natureza do anterior, mas agora com uma participação mais efetiva e decorridos poucos meses após a condenação cuja execução ficou suspensa.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando em 4 Uc a taxa de justiça.

(texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
Porto, 21/6/2017
Maria Luísa Arantes
Renato Barroso