Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1338/22.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES
DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE PASSIVA
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RP202302271338/22.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos.
II - Como assim, a deliberação tomada pela assembleia de condóminos exprime a vontade do condomínio, do grupo, da entidade e não dos condóminos individualmente considerados, designadamente dos que a aprovaram.
III - A própria essência de uma deliberação constitui um conteúdo autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e para ela contribuíram, configurando-se não como a soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta.
IV - Por conseguinte, em acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 13338/22.1T8MTS.P1 - Apelação
Origem: Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Desembargadora Dr.ª Maria de Fátima Andrade
2º Juiz Adjunto: Desembargadora Dr.ª Eugénia Cunha
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em colectivo, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1.A..., Lda.”, melhor identificada nos autos e proprietária de várias fracções sitas no do imóvel constituído no regime da propriedade horizontal sito na Estrada Nacional n.º ... (actualmente, Avenida ..., ..., sito na união de freguesias ..., ... e ..., Matosinhos, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, melhor identificado nos autos e também proprietário de várias fracções autónomas no mesmo edifício, pedindo, a final, que seja decretada a nulidade ou, a assim não se entender, a anulação da deliberação da Assembleia de Condóminos do aludido edifício adoptada a 15.01.2022 (aprovação das contas dos exercícios dos anos de 2020 e 2021), sendo certo que a mesma foi adoptada (aprovada) apenas com os votos do ora Réu.
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2. O Réu contestou a aludida acção e, além do mais que ora não releva, invocou a sua ilegitimidade passiva, a qual, em seu ver, radica no próprio Condomínio, representado pelo respectivo administrador e não nele próprio, a título pessoal, apesar de a deliberação em causa ter sido aprovada (apenas) com o seu voto e face à permilagem que decorre das várias fracções de que é proprietário no dito edifício.
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3. Prosseguindo os autos e cumprido o prévio contraditório quanto a tal matéria de excepção, veio a ser proferido a 14.09.2022 despacho saneador que, conhecendo da aludida excepção de ilegitimidade passiva do Réu, a julgou totalmente procedente, decretando a sua absolvição da instância.
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4. Inconformada com esta decisão, dela veio a Autora interpor recurso de apelação, que foi admitido, em cujo âmbito ofereceu alegações e aduziu, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
A. A Douta Sentença recorrida viola o estatuído no art.º 1433º n.º 6 do Cód. Civil.
B. Não pode haver uma interpretação contrária à própria letra da lei.
C. A acção de anulação de deliberações da Assembleia de Condomínio deve ser intentada contra os condóminos presente e não contra o Condomínio.
D. Pelo que, o Apelado é parte legitima.
E. E em consequência deve ser revogada a Douta Sentença recorrida e substituída por outra que considere o Apelado parte legítima e a acção prossiga os ulteriores termos processuais.
Termos em que, deve o presente recurso ser declarado procedente por provado, e em consequência deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare o apelado parte legitima, prosseguindo os autos os ulteriores termos processuais.
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5. Não foram deduzidas contra-alegações.
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Foram observados os vistos legais.
Cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não sendo lícito a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas se mostrem de conhecimento oficioso – artigos 635º, n.º 4, 637º, n.º 2, 1ª parte e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias, em função das questões convocadas pelas partes. [1]
Neste enquadramento, em função das conclusões recursivas, é apenas uma a questão a dirimir no recurso, qual seja saber se é o Réu parte legítima na causa (cujo objecto já acima se expôs), como defende a apelante, ou, ao invés, como decidido em 1ª instância, essa legitimidade passiva radica no próprio Condomínio do identificado edifício, representado pelo seu administrador.
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III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
Para a decisão a proferir, que é essencialmente de direito, relevam os factos referidos no relatório acima exposto e que traduz a factualidade essencial (pedido e causa de pedir) que em releva à excepção de ilegitimidade passiva decretada pelo Tribunal de 1ª instância.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A questão da legitimidade passiva nas acções que visam a declaração de nulidade ou anulação de deliberações adoptadas em Assembleias de Condóminos, como é o caso dos autos, tem merecido posições distintas na doutrina e na jurisprudência, como, aliás, decorre da própria posição das partes no processo.
A Autora, em conformidade com aquele que demandou no processo, sustenta que essa legitimidade radica nos condóminos (um ou vários) que, através do seu voto, fizeram aprovar a deliberação em causa.
Esta sua posição mostra-se acolhida por A. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 4ª edição, revista e actualizada, pág. 107-110, por Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª edição, revista e actualizada, pág. 57, por Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 4ª edição, pág. 729-733 e, ainda, por Ana Filipa Morais Antunes/Rodrigo Moreira, in “Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas”, 2021, pág. 534.
Na jurisprudência (apenas do STJ) acolhem a mesma posição, por todos, AC STJ de 30.09.2014, relator Sr. Juiz Conselheiro Gabriel Catarino, AC STJ de 24.06.2008, relator Sr. Juiz Conselheiro Moreira Camilo, AC STJ de 20.09.2007, relator Sr. Juiz Conselheiro Bettencourt Faria e AC STJ de 29.11.2006, relator Sr. Juiz Conselheiro Moreira Alves, todos disponíveis in www.dgsi.pt .
O Réu, por seu turno, defende posição oposta, qual seja que essa legitimidade passiva radica sempre no próprio Condomínio, representado, no entanto, em juízo, pelo respectivo Administrador.
Esta outra posição mostra-se sufragada na doutrina por Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª edição, pág. 338-347, J. Aragão Seia, “Propriedade Horizontal”, 2ª edição, pág. 182-191, Miguel Mesquita, “A personalidade judiciária do Administrador do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35 (Julho/Setembro de 2011), pág. 41-56 e L. Moitinho de Almeida, “Propriedade Horizontal”, 2ª edição, pág. 116.
Por seu turno, acolhem esta posição na jurisprudência (apenas do STJ) o AC STJ de 25.05.2021, relator Sr.ª Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, AC STJ de 4.05.2021, relator Sr. Juiz Conselheiro Fernando Samões, AC STJ de 24.11.2020, relator Sr. Juiz Conselheiro Raimundo Queirós, AC STJ de 25.09.2012, relator Sr. Juiz Conselheiro Salreta Pereira, AC STJ de 20.05.2007, relator Sr. Juiz Conselheiro Urbano Dias, AC STJ de 14.06.2007, relator Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Vasconcelos e AC STJ de 5.05.2005, relator Sr. Juiz Conselheiro Ferreira de Sousa, também todos disponíveis no mesmo www.dgsi.pt.
Quid iuris?
Em nosso julgamento, pois que, apesar da divergência que se mantém, sempre cabe ao julgador a espinhosa missão de decidir e, nesse contexto, de fazer opções, a razão está do lado do Réu e da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Vejamos.
Sobre o conceito de legitimidade, estipula o artigo 30°, n.º 1, do CPC que “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima, quando tem interesse directo em contradizer”, sendo que segundo o n.º 2 do mesmo normativo, “O interesse directo em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.”
E, sendo certo que o critério assente no interesse directo em demandar ou contradizer se presta a sérias dificuldades na sua aplicação prática, o legislador fixou uma regra supletiva para a determinação da legitimidade, esclarecendo o n.º 3 do dito preceito que “Na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como ela é configurada pelo autor.”
A legitimidade é um pressuposto processual relativo à posição das partes perante uma causa que se exprime pelo interesse do autor em demandar, fazendo valer o réu o seu direito em contradizer tal pretensão, tendo em conta a relação material controvertida tal como é configurada pelo autor.
A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado, sendo a legitimidade aferida pela posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na referida relação jurídica material controvertida configurada nos termos descritos.
Segundo Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 83, o critério de determinação da legitimidade, fixado pelo artigo 30° traduz-se essencialmente “…em ser demandante (legitimidade activa) o titular do direito e demandado (legitimação passiva) o sujeito da obrigação, suposto que o direito e a obrigação na verdade existam.”
Descendo ao caso dos autos, a Autora peticiona a nulidade ou anulação de uma deliberação da assembleia de condóminos de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, deliberação esta que aprovou as contas dos exercícios dos anos de 2020 e 2021 e atinentes à administração das partes comuns do dito edifício - receitas e despesas da administração em exercício naquelas datas.
Como é consabido, na propriedade horizontal, a administração das partes comuns do prédio cabe, em, conjunto, a dois órgãos - a assembleia dos condóminos e o administrador - artigo 1430° do Cód. Civil.
A assembleia dos condóminos é o órgão deliberativo composto por todos os condóminos, competindo-lhe decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste.
Por sua vez, o administrador do condomínio é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe desempenhar as funções elencadas no artigo 1436° do dito Código e ainda as que lhe forem delegadas pela assembleia ou que lhe couberem por força de outros dispositivos legais.
Por outro lado, o artigo 12°, alínea e) do CPC, por razões de ordem prática e por forma a tornar efectivo o exercício dos poderes processuais do condomínio, contornando os obstáculos decorrentes da sua falta de personalidade e capacidade jurídicas, atribui, a título excepcional, personalidade judiciária ao condomínio, que em princípio, nunca a poderia ter por carecer de personalidade jurídica.
Este normativo permite, pois, ao Condomínio intervir como autor ou réu em determinadas acções, concretamente as que “… se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, sendo que a representação do condomínio pertence ao administrador nos termos do citado artigo 1437º do Cód. Civil.
Assim, atendendo ao pedido concretamente formulado na presente acção e à respectiva causa de pedir, entendemos que quem tem legitimidade passiva nesta acção é o “condomínio”, representado pelo respectivo administrador, por ser aquele que tem interesse em contestar a acção.
Com efeito, a deliberação em causa tomada pela assembleia de condóminos exprime sempre a vontade do condomínio, do grupo, do órgão deliberativo e não dos condóminos individualmente considerados, designadamente dos que aprovaram a deliberação em causa.
Nesta perspectiva, a assembleia dos condóminos é o órgão deliberativo composto por todos os condóminos, competindo-lhe decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste.
A própria essência de uma deliberação (independentemente de quem, em concreto, a aprovou) constitui um conteúdo autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e para ela contribuíram, configurando-se não como a soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta destas últimas (mesmo que uma única, por a deliberação, no caso, ter sido aprovado apenas com o voto do aqui Réu).
Neste sentido, como salienta Sandra Passinhas, op. cit., pág. 346-347, “… a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador.
E prossegue, ainda, a mesma Autora, “… as controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia de condóminos só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir em juízo cabe exclusivamente ao administrador”, enquanto representante daquele em juízo.
No mesmo sentido, Jorge Aragão Seia, op. cit., pág. 191, esclarece que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia nomear para o efeito e que o representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja do conjunto dos condóminos, não necessitando de apresentar procuração individual dos condóminos mas apenas acta da assembleia geral, que o nomeou administrador ou representante especial.
Os defensores da tese oposta (negatória da personalidade judiciária do condomínio neste tipo de acções e que, por isso, atribuem a legitimidade aos próprios condóminos que aprovaram a deliberação em causa) argumentam que a legitimidade passiva nas acções de anulação das deliberações da assembleia não pertence ao condomínio, mas sim aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, por força do estatuído na parte final do artigo 12, al. e) do CPC (acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador) e no artigo 1433º, n.º 6, quando refere que “A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.” E, neste contexto, entendem que a matéria relacionada com a validade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos consubstancia um tema que é estranho ao exercício das competências do administrador, pelo que deve a acção integrar no lado passivo todos os condóminos perante os quais o condómino autor pretende que se produzam os efeitos da impugnação da deliberação da assembleia, sem prejuízo de solicitar o autor que a citação se efectue na pessoa do administrador.
Não podemos, todavia, com o devido respeito, concordar com esta posição.
Com efeito, como adianta Abílio Neto, op. cit., pág. 730 (ainda que advogue a legitimidade passiva dos condóminos individualmente considerados, representados pelo administrador), de acordo com a corrente que atribui legitimidade passiva ao condomínio, com a reforma processual de 1995/96, e que atribuiu personalidade judiciária ao condomínio, “… o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n° 6 do art. 1433° do Cód. Civil – “a representação judiciária dos condóminos contra quem as acções são propostas...” - passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que “… a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas ...”.
Assim, segundo esta tese, “… O administrador do condomínio é, pois, ope legis, o representante judiciário dos condóminos nas acções de impugnação ou no procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia, E, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo de condóminos, ou seja, do condomínio.”
Ora, perante tal argumentação, uma primeira incongruência logo ressalta da letra da lei do n.º 6, do artigo 1433° do Código Civil, quando em relação aos condóminos (pessoas singulares ou colectivas, por regra dotados de personalidade jurídica) se determina deverem os mesmos ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio.
De facto, como bem se assinala no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 13.02.2017, em que foi relator o Sr. Juiz Desembargador Carlos Gil, “… mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou colectivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades colectivas, nos termos que a lei ou respectivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas colectivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência.”[2]

A aludida incongruência por si só, sem prejuízo das regras de interpretação referidas no artigo 9º do Código Civil, justifica, em nosso ver, considerar-se que (tal como o considerou o dito Acórdão desta Relação) a referência aos condóminos prevista no n.º 6, do artigo 1433° do Cód. Civil, tenha resultado de uma incorrecção do legislador, querendo o mesmo aludir a uma entidade colectiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador.
Mas, ainda que se admita ser inquestionável que, antes da alteração introduzida pelo DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro ao artigo 6º do CPC de 1961 (actual 12º), o condomínio não constituía um ente autónomo, pois a lei não lhe reconhecia personalidade judiciária, e como tal estava carecido da legitimidade passiva que aqui se discute, com a referida alteração, a lei ao reconhecer-lhe esse pressuposto processual, veio a atribuir ao condomínio a legitimidade passiva nas acções em que estejam em causa deliberações da assembleia de condóminos.
Daí que o aludido n.º 6 daquele artigo 1433º do Cód. Civil, redigido em momento temporal anterior ao reconhecimento da personalidade judiciária do condomínio, não possa manter-se na sua precisa interpretação originária, face à alteração introduzida pelo referido Decreto-Lei, ou mesmo que se considere tacitamente revogado.
Nesta perspectiva, como salienta ainda J. Aragão Seia, op. cit., pág. 216-217: “Face à actual redacção da al. e) do artigo 6º do CPC, em consonância com o n.º 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1, do artigo 231º, do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção.”[3]
Esta mesma posição é seguida por Miguel Mesquita, op. cit., pág. 41-46, defendendo, tal como na decisão ora recorrida, uma interpretação actualista do citado artigo 1433º, n.º 6, do Cód. Civil, que atribua a legitimidade passiva neste tipo de acções ao condomínio representado pelo administrador: “… Esta norma – cuja redacção deriva do DL n.º 267/94, de 25/10 – foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível. A causa dizia respeito ao condomínio? Pois bem, tornava-se indispensável a intervenção, do lado activo ou do lado passivo, de todos os condóminos.
Só muito mais tarde, a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no artigo 6º, alínea e), a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231.º, n.º 1, cuja redacção deriva da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). Quer dizer, o condomínio é parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorrecto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador.
Torna-se, assim, necessário levar a cabo uma interpretação actualista do citado art. 1433.º, n.º 6, do CC, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio.
(…) À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos.”
Por outro lado, se é certo que na alínea e), do artigo 12º do Código de Processo Civil [sob a epígrafe de “Extensão da personalidade judiciária”], se diz que “Têm ainda personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, não deixa também de ser verdade que o artigo 1436º, do Código Civil, na sua alínea h) indica como funções do administrador precisamente a “execução das deliberações da assembleia.”
Portanto, daqui se infere, logicamente, que o condomínio goza de personalidade judiciária e de legitimidade passiva relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador, designadamente as que visam impedir a execução das deliberações da assembleia, por via da sua alegada nulidade ou anulabilidade.
Com efeito, se incumbe ao administrador executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436°, alínea h), do Cód. Civil), bem se compreende que, estrutural e processualmente lhe cumpra também a tarefa de sustentar a validade e eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio, órgão (deliberativo) de onde emana a deliberação posta em crise.
Esta solução, no entender de Miguel Mesquita, op. cit., pág. 41-56, tem a vantagem de afastar “… uma série de problemas que resultam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida.”
De facto, em nosso ver e tal como se refere no AC STJ de 24.11.2020, cuja doutrina aqui se segue de perto, apenas esta interpretação é consentânea com os tempos actuais onde existem condomínios constituídos por centenas de condóminos, evitando a citação de todos os que votaram a favor da deliberação (e eventualmente dos que se abstiveram ou não estiveram presentes) numa litigância directa e individualizada, prejudicial à harmonia e bom funcionamento do condomínio.
É certo, diga-se, que, no caso específico dos presentes autos, este problema não se coloca, pois que o condómino que votou favoravelmente a deliberação em causa foi apenas um e mostra-se perfeitamente identificado na respectiva acta da assembleia de condóminos, mas a norma e a interpretação que dela defendemos é, como todas as normas, geral e abstracta, aplicando-se a todos os casos idênticos, independentemente das circunstâncias que são sempre específicas a cada caso submetido em juízo.
Deste modo, é de concluir que a presente acção, tal como decidido pelo Tribunal de 1ª instância, deveria ter sido intentada contra o condomínio, representado pelo seu administrador, sendo aquele a única parte legítima do lado passivo e não, como configurado pela Autora, o próprio condómino, réu a título individual, que votou favoravelmente a deliberação em causa.
Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida e a consequente absolvição da instância do Réu, como decretado pelo Tribunal de 1ª instância.
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V. DECISÃO:
Pelos fundamentos antes expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à apelação interposta pela Autora, confirmando o despacho que, por ilegitimidade passiva do Réu, decretou a sua absolvição da instância.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida - artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 27.02.2023
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Eugénia Cunha

(O presente acórdão não segue, por opção do Relator, na sua elaboração as regras do novo acordo ortográfico).
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[1] Vide, neste sentido, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] AC RP de 13.12.2017, relator Sr. Juiz Desembargador Carlos Gil ou, ainda, no mesmo sentido, o recente AC RP de 27.06.2022, relator Sr. Juiz Desembargador José Eusébio de Almeida, ambos disponíveis in www.dgsi.pt
[3] Vide, neste sentido, o já citado AC STJ de 25.05.2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Urbano Dias.