Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2118/12.8TBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
CONSEQUÊNCIAS DO NÃO PAGAMENTO DE UMA DAS PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RP201506092118/12.8TBPNF.P1
Data do Acordão: 06/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Num contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, vale o expressamente clausulado para a falta de realização de uma das prestações quando implicar regime diverso do previsto no art. 781º do CC (norma supletiva).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n. 2118/12.8TBPNF.P1– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

"B…, S.A.", antes denominado "C…, S.A.", sociedade anónima, com sede na …, n.º .., ….-… LISBOA, pessoa colectiva n.º ………, propôs contra D… e cônjuge E…, ambos outrora residentes na Rua …, nº .., ….-… …, acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 6.402,90 acrescida de € 858,75 de juros vencidos até 10 de Outubro de 2012 e de € 34,35 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 6.402,90, se vencerem, à taxa anual de 21,010%, desde 11 de Outubro de 2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e, mais ainda os juros que sobre a dita quantia de € 6.402,90 se vencerem, à taxa anual de 21,010% e ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal. Alega para tanto, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial concedeu em 8 de Julho de 2008 ao R marido um crédito com destino à aquisição de um veículo automóvel, sob a forma de um contrato de mútuo, cujo título junta, tendo-lhe emprestado a quantia de € 6.625,00, com juros à taxa nominal de 17,010% ao ano, devendo o capital do empréstimo e respectivos juros, comissão de gestão, imposto de selo de abertura de crédito e prémio do seguro de vida serem pagos, nos termos acordados, em 72 prestações, mensais e sucessivas com o valor constante de € 152,45 cada, com vencimento, a primeira, em 20 de Agosto de 2009 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes. A falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações. Em caso de mora, sobre o montante em débito acrescia, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada - 17,010% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 21,010%. O R. marido não pagou a 31.ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 20 de Fevereiro de 2012, pelo que, mediante comunicação do A. a perdeu o benefício do prazo, vencendo-se imediatamente todas. O total das prestações em débito pelo R. marido ao A., ascende a € 6.402,90, responsabilizando ambos os RR., porquanto o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR. e a R. E… deu o seu consentimento ao empréstimo, tendo para o efeito assinado o contrato.
Citada a R. E…, contestou, dizendo que nunca lhe foi prestada qualquer informação relativa ao contrato, tendo todas as condições sido estipuladas com o réu D…, sem qualquer intervenção sua em qualquer das definições dos termos contratuais e respetivas cláusulas, de que nunca tomou conhecimento e nunca lhe foram comunicadas, invocando a nulidade do contrato nos termos do art.º 9 do DL 446/85, de 25.10. Nega que a referida dívida tenha revertido em proveito comum do já extinto casal e invoca a desproporcionalidade da cláusula penal, concluindo pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
O R. D… contestou igualmente, também invocando a nulidade do contrato por falta de comunicação das suas cláusulas, nem lhe tendo sido transmitidas quaisquer informações, desconhecendo por completo o R. que em virtude do financiamento iria ser aplicada uma taxa de juro contratual ajustada de 17,010% e em caso de incumprimento acresceria cláusula penal de indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, num valor anual de 21,010%. Conclui pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
No início da audiência de julgamento o A. apresentou resposta às excepções invocadas, concluindo pela sua improcedência.
Realizada a audiência, foi proferida sentença, julgando a acção procedente, por provada e, em consequência, condenando os RR. a pagar solidariamente ao A. a quantia de € 6.402,90 (seis mil e quatrocentos e dois euros e noventa cêntimos), acrescida de € 858,75 (oitocentos e cinquenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos) de juros vencidos até 10 de Outubro de 2012 e de € 34,35 (trinta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre a quantia de € 6.402,90, se vencerem, à taxa anual de 21,010%, desde 11 de Outubro de 2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Inconformado com o assim decidido, dele vem o R. interpor recurso de apelação, terminando pelas seguintes conclusões:
A) O presente recurso tem por base um contrato de adesão, sob a forma de contrato de mútuo bancário.
B) Foi assim mutuado o montante de € 6.625,00 devendo ser pago em 72 prestações, na quantia de € 152,45 mensais.
C) Sucede que o Apelante não efetuou o pagamento da 31ª prestação, e seguintes, tendo-se, então, vencido todas as prestações vincendas.
D) Ou seja, o Apelante liquidou 30 das 72 prestações acordadas, tendo pago, efetivamente ao Apelado um total de € 4.573,50 (incluindo os correspondentes juros).
E) Com base em tal contrato e face ao incumprimento do mesmo, vem o Apelado peticionar, avocando a Cláusula 8ª das Condições Gerais, al. b) desse contrato, a quantia de a quantia de € 6.402,90 acrescida de € 858,75 de juros vencidos até 10 de Outubro de 2012 e de € 34,35 de imposto de selo sobre os juros vencidos.
F) Peticiona também os juros que sobre o dito montante de € 6.402,90, se venceram, à taxa anual de 21,010% desde 11 de Outubro de 2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre esses juros recair e, mais ainda os juros que sobre a dita quantia se vencerem, à taxa anual de 21,010% e ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.
G) A cláusula 8ª a que se alude supra estatui o seguinte: "(...) em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o C… poderá considerar vencidas todas as restantes prestações incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Específicas".
H) Ora, uma vez que os juros remuneratórios visam compensar o Mutuante pela utilização temporária de determinado capital, para aferir dos mesmos há que atentar a três factores, são eles: a)o valor do capital devido; b)o tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor; a taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes.
I) Uma vez que o Apelante não liquidou 42 prestações, partindo do montante de capital de cada uma - € 92,014 - chegamos ao total em débito de € 3.864,45 (92,014 x 42).
J) É ao quantitativo de € 3.864,45 que devem acrescer os juros moratórios que sobre tal quantia se vencem à taxa de 21,010% (17,010% + 4%) ao ano, desde 20 de Fevereiro de 2012, até integral e efetivo pagamento e ainda o imposto de selo sobre os juros vincendos;
K) E não ao montante peticionado pelo Apelado, de € 6.402,90 porquanto este quantitativo inclui os juros remuneratórios, calculados previamente ao decurso dos 72 meses.
L) Tendo exigido, o ora Apelado, o vencimento imediato das prestações não liquidadas, e accionando, assim, a respetiva cláusula, confinou o montante a receber às prestações em falta, calculadas a partir do capital sem acréscimos.
M) Assim, terá que partir desse montante e calcular os juros moratórios de 17,010% e a cláusula penal de 4 pontos percentuais que acrescem àquela taxa, sem prejuízo do imposto de selo.
N) Veja-se que não podem ser cobrados juros que efectivamente não se venceram, mesmo havendo convenção entre as partes nesse sentido.
O) Essa tipologia de cláusula geral só vem realçar a falta de boa-fé por parte dos bancos, que as impõem aos clientes.
P) Intrinsecamente, a teleologia remuneratória que subjaz a este tipo de juros só se coaduna, até porque lhe é um elemento acessório, com o decurso do tempo.
Q) No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no ac. 19/04/2005, (...) pois o que passa a ser imediatamente exigível, com a falta do pagamento de uma das prestações, pela perda do benefício do prazo, são todas as fracções da dívida única parcelada (o capital) não podendo os suplementos de juros, incluídas nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, serem exigidos como juros remuneratórios por não poderem ser calculados em proporção de um tempo decorrido por não corresponderem a um tempo efectivamente gasto.".
R) Aludindo, a respeito do teor da cláusula 8ª do contrato em causa, a conclusão alcançada no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2/16/2012, que se pronunciou seguinte sentido: "(...) como facilmente se intui, essa cláusula contratual foi estabelecida pelo próprio banco credor, não porque a lei lhe impusesse ... mas precisamente para colmatar a falta de norma nesse sentido na lei e, contornando-a, se defender, assim, daquela linha jurisprudencial que está assente no mencionado Acórdão Uniformizador. Por isso é que ela é nula e de nenhum efeito."
S) É com um entendimento semelhante que, e salvo melhor opinião, não se conforma o Apelante com a Douta decisão do tribunal a quo, pois concebe que tal cláusula, apenas por fazer parte de um texto de um contrato - redigido a letra minúscula, diga-se de passagem - assinado pelo Apelante, leva a que seja ficcionada uma realidade que, efectivamente não tem paralelo com a realidade.
T) Pelo exposto, o Réu apenas deveria ter sido condenado na quantia de 3.864,45 acrescida de juros moratórios desde 20 de Fevereiro de 2012, até integral e efetivo pagamento e ainda o imposto de selo sobre os juros vincendos;
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O A. apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Novo C.P.C.), a questão a decidir consiste em saber se o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo (de crédito ao consumo), fundado na falta de pagamento de uma delas, importa também o vencimento dos juros remuneratórios nelas incluídos e relativos a período temporal ainda não decorrido no momento do vencimento antecipado, devendo à totalidade dessas quantias acrescer os juros moratórios à taxa convencionada de 21,010% (17,010% + 4%).
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A 1.ª instância considerou provados e não provados os seguintes factos:
I. Factos provados:
1- O A., no exercício da sua actividade comercial, por escrito particular datado de 8 de Julho de 2009, emprestou ao R. D… a importância de € 6.625,00;
2- Nos termos do acordo celebrado entre o A. e o R. D…, aquele emprestou a este a importância de Euros 6.625,00, com juros à taxa nominal de 17,010% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, em 72 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 20 de Agosto de 2009 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes;
3- A importância de cada uma das prestações, no montante de € 152,45, deveria ser paga, conforme ordem irrevogável logo dada pelo R. D…, mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária, sediada em Lisboa, logo indicada pelo A.;
4- Foi acordado que a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações;
5- Consta na Cláusula 8.ª das Condições Gerais, al. b), do escrito particular referido em 1, que "em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o C… poderá considerar vencidas todas as restantes prestações incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas";
6- Mais foi acordado entre A. e o R. D… que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada - 17,010% - acrescida de 4 pontos percentuais;
7- O R. marido não pagou a 31.ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 20 de Fevereiro de 2012;
8- O A. enviou cartas aos RR. a comunicar a perda do benefício do prazo;
9- O veículo destinava-se ao património do casal que era composto, à data, pelos RR., tendo a R. E… assinado o escrito particular referido em 1;
10- Do escrito referido em 1 consta uma "Ficha de informação Normalizada em Matéria de Crédito aos Consumidores - Informação Pré-contratual fornecida pelo C… previamente à celebração do contrato - proposta número …….";
11- Após o ajuste do negócio entre o R. D… e o vendedor do veículo, o R. D… propôs ao A., através do fornecedor do veiculo, que lhe concedesse um empréstimo com destino à aquisição por ele do veiculo dos autos, uma vez não dispunha de possibilidades de o pagar a pronto;
12- O R. D… enviou então ao A., através do fornecedor do veículo, para além dos elementos de identificação dos RR. e demais documentação dos mesmos, uma proposta ou pedido de concessão de crédito onde constavam as condições em que tinha já sido acordado o negócio;
13- O A. analisou a referida proposta e acedeu em conceder ao R. D… o crédito com destino à aquisição por ele do veículo, tendo elaborado, em conformidade com tais elementos de identificação e com as condições em que tinha sido ajustado o negócio, o escrito particular referido em 1;
14- Posteriormente a tal elaboração o A. enviou ao R. D…, através do vendedor, a Ficha de Informação Pré-Contratual e o contrato de mútuo dos autos, ambos em dois exemplares integralmente impressos, para que os mesmos fossem, como o foram, apresentados ao R. D…, para que este os analisasse e assinasse;
15- Após o que foi enviado ao A. um dos exemplares do contrato e da respectiva Ficha de Informação Pré-Contratual, já devidamente assinados por ambos os RR.;
16- Aquando da assinatura pelos RR. do escrito dos autos já todas as cláusulas, específicas e gerais, se encontravam integralmente impressas, tendo sido comunicadas a ambos os RR.
17- Todas as folhas que compõem o escrito mostram-se assinadas ou rubricadas por ambos os RR.;
18- Antes da celebração do escrito identificado em 1, o R. D… tinha já celebrado com o A. mais outros 3 contratos idênticos.
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II. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, nomeadamente que:
1- A R. E… não leu o documento que assinou e que lhe foi apresentado;
2- O A. tem constituída a seu favor reserva de propriedade sobre o veículo objecto de financiamento;
3- O veículo tenha o valor actual superior a € 5.000,00;
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Não cabem dúvidas quanto à relação contratual que vigorou entre as partes, tratando-se de contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, legalmente definido no art. 2º, nº 1, a) do DL 359/91, de 21/09 como ‘o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento do pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante’, regulado ainda pelas disposições dos arts. 1142º e seguintes do Código Civil e arts. 362º e 394º a 396º do C. Comercial. Com efeito, resulta da matéria provada que o réu marido, enquanto consumidor, concluiu com um vendedor um contrato de compra e venda relativo a veículo automóvel e celebrou com o autor (terceiro financiador) um contrato de mútuo, sendo o capital mutuado destinado ao pagamento imediato do preço estabelecido no conexo contrato de compra e venda. Inquestionável ainda que se trata de um mútuo oneroso – o empréstimo bancário é sempre retribuído, nos termos do art. 395º do C. Comercial, sendo os juros elemento essencial do contrato (e daí que tenham sido estipulados juros para retribuir a entrega do capital mutuado – os juros remuneratórios, no caso estipulados à taxa nominal de 17,010% ao ano).
Tendo o autor efectuado a obrigação a que estava adstrito e para si decorrente do aludido contrato, porquanto procedeu ao empréstimo do montante monetário solicitado, já os réus não satisfizeram integralmente a obrigação que sobre si impendia, não efectuando o pagamento (ou seja, a restituição do capital mutuado, acrescido dos juros remuneratórios) a partir da 31ª prestação, o que determinou o vencimento de todas as restantes prestações.
Tendo o apelado, atento o vencimento antecipado, reclamado dos réus, além do mais (capital e juros de mora) os juros remuneratórios – ou seja, os juros destinados a remunerar o capital mutuado e que seriam devidos se o contrato fosse cumprido, relativos ao período temporal posterior ao do momento do vencimento antecipado –, sustenta o apelante que não lhe podem ser cobrados e incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado juros remuneratórios que efectivamente não se venceram, por não corresponderem a um tempo efectivamente gasto. Baseia-se, além do mais, na doutrina do Acórdão do S.T.J. nº 7/2009, de 25/03/2009 (no DR, 1ª Série, nº 86, de 5/05/2009, que uniformizou jurisprudência segundo a qual no ‘contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados’), uma vez que as partes expressamente convencionaram regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio afirmado no art. 781º do C.C..
É manifesto que o regime estabelecido no art. 781º do C.C. é supletivo, podendo as partes, no âmbito da sua liberdade contratual (quer na vertente relativa à liberdade de conformação ou modelação dos contratos, quer na vertente da própria liberdade de celebração ou conclusão dos contratos), corolário da liberdade de autodeterminação pessoal, estabelecida no artigo 405º do C.C, estipular regime diverso. Como se diz no referido A.U.J. nº 7/2009, o art. 781º do C.C. não é uma norma ‘imperativa, pelo que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil.
Importa, assim, interpretar as cláusulas contratuais estipuladas, por forma a saber se foi expressamente clausulado, no caso dos autos, regime diverso do que resulta da mera aplicação da solução plasmada no art. 781º do C.C., como sustenta o apelado, ou, como vem sustentado pelo apelante, ao caso é aplicável a jurisprudência uniformizada pelo A.U.J. nº 7/2009, não implicando o vencimento imediato de todas as prestações a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.
Ora, o teor da Cláusula 8.a das Condições Gerais, al. b), é o seguinte: "em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o C… poderá considerar vencidas todas as restantes prestações incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas ". À luz da teoria da impressão do destinatário, consagrada no art. 236º, nº 1 do C.C. (para cujo regime remete, aliás, o art. 10º do DL 446/85, de 25/20 – Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), a determinação do sentido e alcance decisivo de tal estipulação não permite ao intérprete outra conclusão que não seja a de considerar que um declaratário normal, colocado na posição do réu, a entenderia como significando que, em caso de falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas, haveria lugar, não só à perda do benefício do pagamento escalonado no tempo do capital emprestado, como ainda ao pagamento dos juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas, nos exactos termos que ocorreriam caso todas prestações acordadas fossem liquidadas na respectiva data de vencimento. Por um lado, o texto da cláusula não permite razoavelmente leitura diferente. Por outro, o contrato de crédito ao consumo dos autos foi celebrado poucos meses após a publicação do A.U.J. nº 7/2009, não interessando às instituições de crédito o regime supletivo estabelecido no art. 781º do C.C. nos termos em que esse aresto uniformizou jurisprudência.
Bem andou, assim a douta sentença recorrida ao condenar os RR. a pagar solidariamente a quantia de € 6.402,90, correspondente ao valor de todas as restantes prestações, nelas incluindo o capital, juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação.
Menos acertadamente, salvo melhor opinião, se ajuizou que a essa quantia acrescem juros - incluindo a cláusula penal - à referida taxa de 21,010% ao ano, que sobre ela se vencerem “desde a data do vencimento referido, ou seja, desde 20 de Fevereiro de 2012, até integral e efectivo pagamento, sendo que os juros vencidos até 10 de Outubro de 2012 - data da entrada da p.i. -ascendem a € 858,75”. Repare-se que, como se disse, naquele montante de € 6.402,90 estão já incluídos os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação, que iriam vencer-se até final do contrato, ou seja, até 20/7/2015 (vd. fls. 27). Ora, a cláusula penal convencionada por virtude da mora corresponde à taxa de juro contratual ajustada - 17,010% - acrescida de 4 pontos percentuais. E foi fixada nesse valor por ser o máximo consentido pelo n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, que estabelece que “a cláusula penal devida por virtude da mora não pode exceder o correspondente a quatro pontos percentuais acima das taxas de juros compensatórios referidas no número anterior, considerando-se reduzida a este limite máximo na parte em que o exceda”. Por ser assim, no período compreendido entre 20/2/2012 e 20/7/2015, em que, nos termos da Cláusula 8.a, al. b) das Condições Gerais, são devidos juros compensatórios, logo, o acréscimo devido a título de cláusula penal é de 4%, e não de 21,010%, como consta da parte decisória da decisão recorrida. A partir de 20/7/2015, caso subsista a mora, não sendo devidos juros compensatórios, aí sim, o valor da cláusula penal será o correspondente à soma da taxa dos juros compensatórios e do acréscimo convencionado de 4%, sendo devido imposto de selo à taxa legal sobre o valor da totalidade dos juros.
Outro ponto de justificado inconformismo do recorrente é o do montante do capital sobre que devem calcular-se os juros moratórios. Sabido que o capital mutuado é de € 6.625,00, a serem pagos, em 72 prestações, mensais e sucessivas, e que o recorrente não liquidou 42 prestações, o valor de cada uma é de € 92,014, perfazendo o total em débito de € 3.864,45. É a esse quantitativo de € 3.864,45 que devem acrescer juros moratórios, e não ao montante peticionado de € 6.402,90, que inclui já os juros remuneratórios convencionados até 20/7/2015, inexistindo estipulação no sentido de capitalizar o montante dos juros compensatórios para efeitos da cláusula penal, que de resto não seria admissível, em face do limite imposto pelo n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 344/78.
Procede, nessa medida, a apelação.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em função do que alteram a sentença recorrida quanto aos juros da condenação, sendo os vencidos e os vincendos até 20/7/2015 devidos à taxa anual de 4%, e de 21,010%, a partir desta data, sempre sobre a quantia de € 3.864,45 (três mil oitocentos e sessenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos); sobre o valor total dos juros é ainda devido imposto de selo à taxa legal.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

Porto, 2015/06/09
João Proença
Maria Graça Mira
Anabela Dias da Silva