Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
27/12.0TACPV.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
ADVOGADO
EXPRESSÕES UTILIZADAS EM SEDE DE ALEGAÇÕES ORAIS
Nº do Documento: RP2017071227/12.0TACPV.P2
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 40/2017, FLS 73-93)
Área Temática: .
Sumário: I - Com base nas regras da experiência comum, se se julgou como provado que, o arguido, advogado, no decurso das alegações orais do debate instrutório ofendeu a honra, a consideração e o bom nome do assistente, que interveio naquele processo na qualidade de testemunha e, que, agiu de livre vontade, tal revela contradição com os factos julgados como não provados que, o arguido agiu com o intuito de ofender a honra e, que, sabia ser esse comportamento proibido e punido por lei, a impor a alteração da matéria de facto, passando estes últimos factos para o elenco dos factos provados.
II - Se é certo que o motivo das expressões utilizadas foi o de impressionar o juiz, não se pode afirmar, contudo, que aí se esgotou a sua intenção, sob pena de se reduzir à insignificância todo o acervo dos direitos de personalidade, nomeadamente a honra e consideração do visado, que serviu de pretexto para a tentativa de convencimento do terceiro.
III - Afirmar que o assistente, abriu a mala e tirou uma arma; e nós, os advogados, nunca mais quisemos reunir com medo; é uma pessoa perigosa; a D. H... iria correr o risco, até de vida, de vender a madeira a saber quem eram os proprietários; se fosse descoberta no dia seguinte tinha uma queixa em cima ou um embargo à madeira, postos pelo assistente, não deixava a coisa por menos; traduz a ideia de que o assistente é uma pessoa sem respeito pelos outros, é instável no comportamento, é capaz de tirar uma vida humana, é persecutório - um pistoleiro disposto a fazer a sua própria justiça, integrando, por isso, a previsão do tipo legal de crime de difamação agravado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório

Nos autos nº 27/12.0TACPV.P2 que correram os seus termos no Tribunal de Castelo de Paiva, foi proferida sentença que decidiu:

Absolver o arguido B... da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação agravado, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, e 184.º, ambos do Código Penal, na pessoa de C..., bem como absolver o mesmo do pedido cível contra si formulado.

Não conformado veio o assistente interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 2140 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:
i) Vem o presente recurso interposto de toda a matéria da sentença recorrida; Dos Factos
ii) Há erro notório na apreciação da matéria vertida em 21. dos factos provados (da matéria criminal), sendo ainda clamorosa a contradição entre tal matéria e a sua fundamentação aduzida na sentença em crise. Com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas Dr. D..., Dr.a E..., Dr.a F... e G..., cotejados pelas regras de experiência comum, impunha-se dar a matéria como não provada;
iii) Há erro notório na apreciação da matéria vertida em 17. dos factos provados (da matéria criminal), contraditória que é com o que resulta da prova idónea para a sua apreciação, nomeadamente o depoimento prestado por H...;
iv) Há erro notório na apreciação da matéria vertida em 22. dos factos provados (da matéria criminal), fazendo-o o tribunal a quo ao arrepio da prova efetivamente produzida (nomeadamente os depoimentos das testemunhas I... e J... e os documentos solenes do inventário 7/86 juntos aos autos) e na violação do disposto no art. 371°, n.° 1, do CCÍvil;
v) Impunha-se ao tribunal a quo dar como integralmente provada a matéria vertida em 4. e 5. dos factos não provados (da matéria criminal), em obediência à prova produzida nos autos - especialmente os depoimentos prestados pelo Sr Juiz D..., a Sr.a Procuradora do MP E..., G... e a Sr.a Advogada F... -, bem como em obediência às mais elementares regras de vivência em sociedade e à própria lei, designadamente o art. 89.° do EOA, o art. 302.°, n.° 4, do CPPenal, e o art. 180.° do CPenal;
vi) Pelas mesmas razões, e mediante a prova produzida e aludida na impugnação dos pontos 21. dos factos provados e 4. e 5. dos factos não provados (da matéria criminal), errou o tribunal a quo na apreciação da matéria vertida em 2. dos factos não provados do PIC, pois impunha-se-lhe resposta inteiramente positiva;
vii) Face à prova produzida em juízo (depoimentos das testemunhas F..., K... - bem como o documento (lista de processos recusados pelo recorrente) junto aos autos por esta por esta -, G..., L..., M..., N..., O..., P..., Q..., S..., T...) e mediante as regras de experiência comum, impunha-se ao tribunal a quo dar como integralmente provada a matéria constante em 3., 4., 9., 11. e 12. dos factos dados como não provados do PIC, havendo, pois, erro notório na apreciação desta matéria;
viii) A sentença recorrida, decidindo em contradição com a matéria assente em 4., decidindo contra as mais elementares regras de experiência comum e contra a prova efetivamente produzida (nomeadamente os depoimentos de F..., K..., G..., L..., M..., N..., O..., P..., Q..., S... e T...) errou na apreciação da matéria dada como não provada em 5., 7., 8. ,10., 13. e 15. do PIC, antes se impondo ao caso, pelo contrário, considerá-la integralmente provada;
ix) O recorrente logrou fazer prova nos autos que o arguido inventou, em alegações orais, o episódio da arma de fogo - e, por maioria de razão, os juízos de valor, como pessoa perigosa, a D. H... ia correr risco de vida - com o mero intuito de ofender a honra e a reputação daquele, o que conseguiu. Pelo que, atendendo nomeadamente aos depoimentos das testemunhas U..., V..., W..., X..., Y..., Z..., AB..., AC..., AD..., G..., L..., M... e J..., a matéria vertida em 14. dos factos dados como não provados do PIC merecia resposta inteiramente positiva por banda do douto tribunal a quo, observando- se, assim, erro na apreciação desta matéria;
x) Nenhuma quantia atribuindo o tribunal a quo na apreciação do vertido em 16. dos factos dados como não provados do PIC, dando a matéria integralmente não provada, há erro notório na apreciação em manifesta contradição com os factos provados em 14. da matéria criminal:
xi) Mediante a concreta prova produzida nos autos (nomeadamente os depoimentos das testemunhas F..., K..., G..., L..., M..., N..., O..., P..., Q..., S..., T... e AE...), impunha-se ao tribunal a quo dar como provado que o recorrente é pessoa de grande sensibilidade moral e profissional, havendo, pois, erro notório na apreciação dos factos não provados em 18. do PIC;
Do Direito
xii) A sentença recorrida exclui a ilicitude da conduta do arguido, invocando, erradamente, o direito de expressão;
xiii) Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se, paradigmaticamente, os direitos da personalidade, designadamente o direito à honra, o qual, alicerçado no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, é - este sim - em regra, absoluto;
xiv) No n.° 2 do artigo 180.° do CP estão previstos os dois requisitos cumulativos da exclusão específica da ilicitude:
"a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; eh) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira;
xv) Quanto ao segundo desses requisitos, e atenta a matéria assente no ponto 3., o arguido imputa ao recorrente um facto: o Dr. C... abriu a mala e tirou uma arma e nós, Sr. Dr. Juiz, os advogados, nunca mais quisemos reunir com medo; e formula vários juízos sobre a honra e consideração do recorrente: «O Dr. C... é uma pessoa perigosa»; «A dona H... ia correr o risco, é esta a palavra, risco até de vida de vender madeiras a saber quem eram os proprietários»; «A dona H... se fosse descoberta, no dia seguinte, tinha uma queixa em cima ou um embargo à madeira, postos pelo Dr. C..., não deixava a coisa por menos»; «Sr. Dr., eu estive lá e aquilo não foi fácil»;
xvi) Estes juízos formulados pelo arguido sobre a honra e consideração do recorrente não podem caber na al. b) do referido normativo, pois, tal como é sustentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 412/10.1TACVL.Cl, com a data de 25-01-2012, relatado pelo Exm.° Sr. Desembargador Orlando Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt, "a "exceptio veritatiscomo causa de exclusão da ilicitude prevista no art.180. n.°s 2 e 3 do Código Penal, tem lugar através da prova dos factos imputados, não se aplicando à formulação de juízos ofensivos ";
xvii) Acresce que não só o arguido proferiu as sobreditas expressões sem qualquer fundamento sério para as reputar como verdadeiras, como nem tão pouco o pode ter feito para realizar interesses legítimos da sua cliente:
xviii) Pois o arguido usou as referidas expressões com o único intuito pessoal de denegrir a imagem do recorrente, muito para além do que justificava o exercício do patrocínio judiciário, não sendo as mesmas necessárias, nem tão pouco úteis, para realizar qualquer interesse legítimo;
xix) Pelo que nunca essas expressões podem estar justificadas pelo contexto em que foram proferidas, porque totalmente desnecessárias para o cumprimento das obrigações do arguido, decorrentes do dever de patrocínio, antes se revelando especialmente censurável a circunstância de o mesmo aproveitar a posição em que estava investido para, através dessas alegações orais, levar a cabo os seus intentos pessoais de atingir direitos de outra pessoa merecedores de especial proteção;
xx) O que determina que a decisão em crise interpreta e aplica erradamente o disposto no n.° 2 do artigo 180.° do CP;
xxi) O tribunal a quo errou em toda a linha ao concluir que o arguido teria sempre agido ao abrigo de causa de justificação decorrente do artigo 31.°, n.° 2, alíneas b) e c) do Código Penal, quer por uma errada interpretação do que constitui ou não um facto, quer por uma interpretação errada do que traduz ou não interesses legítimos, quer por interpretação errada daquilo que deve ser considerado como necessário e indispensável para a defesa do cliente no âmbito do exercício do mandato forense;
xxii) Da factualidade provada resulta que o arguido escolheu, em consciência, seguir um caminho divergente da adequação e proporcionalidade que se lhe impunha por forma a preservar até onde fosse possível o direito à honra e consideração que era e é atributo do recorrente;
xxiii) A conduta do arguido mais do que preenche o elemento subjetivo do tipo do crime de difamação, já que agiu com dolo direto, ou seja, com a intenção e vontade de proferir as referidas expressões por forma a imputar factos e formular juízos ofensivos da honra do recorrente, bem sabendo que o são e querendo com isso afetá-lo na sua dignidade pessoal, social e profissional, bem sabendo que a lei proíbe e pune tal comportamento, pois, na verdade, para resultar preenchido o elemento subjetivo do tipo bastaria que o arguido admitisse o teor ofensivo da imputação e juízos formulados e atuasse conformando-se com eles (dolo eventual);
xxiv) A conduta do arguido é, pois, típica, ilícita e culposa, sendo de Direito e de Justiça ser condenado pela prática do crime de difamação de que vem pronunciado;
xxv) Desta forma, fixando diferente matéria fáctica, com relevo especial na vertida nos pontos 17., 21., e 22. dos factos dados como provados da matéria criminal; em 4. e 5. dos factos dados como não provados da matéria criminal e nos pontos 2., 3., 4., 5., 7., 8., 9., 10., 11,, 12., 13., 14., 15., 16. e 18 da matéria do pedido de indemnização civil dada como não provada, impunha-se ao douto Tribunal a quo a condenação do arguido como autor material do crime de difamação p. e p. pelos arts. 180.° e 184.° do CP e no pedido de indemnização de que vinha demandado, no valor global de €149.423,00., à luz da responsabilidade por factos ilícitos;
xxvi) Nos termos expostos, o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, violando e interpretando erradamente, nomeadamente, os artigos 31.°, n.° 2, e 180.° do Código Penal e 371.° e 483 0 do Código Civil; xxvii) Pelo que nunca a sentença recorrida poderia ser absolutória.

De igual forma, veio a Digna Magistrada do Ministério Público, interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 2173 e seguintes dos autos, concluindo nos seguintes termos:
1) Na douta sentença recorrida, a Mmª Juiz absolveu o arguido B... do crime de difamação agravado por que vinha acusado ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 180º, n.º 1, 184º, n.º 1 e 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
2) Todavia, incorreu numa manifesta errada interpretação do artigo 180.º do Código Penal, nos termos que para tanto dispõe o artigo 410º, n.º 1 e 2, al. c) do Código de Processo Penal ao considerar que a conduta do arguido não é típica, ilícita e culposa, bem como por se verificarem as causas de exclusão da punibilidade da conduta previstas no artigo 180.º, n.º2 do Código Penal.
3) Tendo como provada a seguinte factualidade:
“3. No dia 27 de Janeiro de 2012, por volta das 15 horas, na sala de audiências do Tribunal Judicial da comarca de Castelo de Paiva, no decurso de alegações orais, no âmbito de debate instrutório realizado no Processo de instrução n.º206/08.4TACPV, a correr termos nesse Tribunal, referindo-se ao ora assistente C... e de forma a ser ouvido por todos os que ali se encontrassem, como sucedeu, proferiu as seguintes expressões: «o Dr. C... abriu a mala e tirou uma arma e nós, Sr. Dr. Juiz, os advogados, nunca mais quisemos reunir com medo.»; «O Dr. C... é uma pessoa perigosa»; «A dona H... ia correr o risco, é esta a palavra, risco até de vida de vender madeiras a saber quem eram os proprietários»; «A dona H... se fosse descoberta, no dia seguinte, tinha uma queixa em cima ou um embargo à madeira, postos pelo Dr. C..., não deixava a coisa por menos»; «Sr. Dr. Eu estive lá e aquilo não foi fácil».
4.O arguido ofendeu a honra, consideração e o bom nome do assistente, que interveio naquele processo na qualidade de testemunha.”
Restou apenas ao Tribunal “a quo” apreciar a intenção com que agiu o arguido na actuação que lhe é imputada, bem como apreciar se tal conduta assume dignidade penal e se é, portanto, um comportamento típico, ilícito e culposo, susceptível de punibilidade.
4) Desde logo, entendeu erroneamente o Tribunal “a quo”, que a conduta do arguido era atípica.
5) A presente controvérsia perfila-se, pois, no contexto de um conflito entre valores constitucionais: ela opõe, por um lado, uma testemunha, que se considera atingida na sua honra e consideração e, por outro, o arguido, advogado, que se expressou no âmbito do exercício do patrocínio forense.
6) Sopesando o dever de defesa intransigente dos interesses da cliente com o dever de respeito pela honra e consideração dos intervenientes processuais, temos por certo que a primeira não tolera, alinhando-se fora do círculo do tolerável e invadindo a esfera da ofensa do segundo, quando se imputa a um colega de profissão, ainda que não no exercício das suas funções, que o mesmo é perigoso e que levou armas para actos processuais, ao ponto de causar receio de vida na sua cliente.
7) Como ponto fundamental, note-se que o arguido efectuou as alegações falando na primeira pessoa, quando resultou da produção de prova, designadamente do seu interrogatório, que o que afirmou apenas o ouviu da boca do seu colega de escritório, sendo que em momento algum demonstrou ter falado sobre o assunto com mais ninguém, nem com a sua própria cliente que ali era interessada, estando o Ministério Público convicto que o arguido lançou mão daqueles factos que mais não passaram do que um boato, e que em momento algum, da forma como o foi, poderiam ter sido trazidos à sala de audiência, perante terceiros.
8) As expressões, para além de serem objectivamente difamatórias e, nesse sentido, pouco felizes, – assim o interpreta o cidadão comum -, são ofensivas da honra do ofendido, tal como foi definida: valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, na reputação ou consideração exterior.
9) Assim, uma vez verificados os elementos constitutivos objectivos do tipo legal, haveria o Tribunal “a quo” que concluir que a conduta do arguido é típica.
10) Mal andou o Tribunal “a quo”, não só por falta de fundamentação que concretize o seu entendimento, como de facto, por se entender que do contexto em que foram produzidas as expressões em causa nos presentes autos, como sendo, sede de debate instrutório, onde estava em causa a prática de um crime de burla, em que não se analisava/discutia qualquer comportamento da testemunha ora assistente, que levantasse sequer a necessidade do arguido se pronunciar sobre o mesmo.
11) Relativamente à exclusão da ilicitude, esta só poderia advir do exercício do direito de expressão decorrente da liberdade consagrada nesse domínio (artigo 31º, nº 2, al. b), do CP e artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP)
12) A linguagem técnico-jurídica não está ao arrepio da censura ético-jurídica e da legalidade, onde se devem sempre compatibilizar, numa máxima de concordância prática, o direito de defesa e o direito da honra e consideração dos agentes da justiça.
13) Qualquer argumento ou elemento, directo ou por sugestão, que extravase este equilíbrio reconduz-se à possível ofensa da dignidade dos intervenientes que, não servindo os interesses da defesa dos clientes, nem sequer poderão ser tidos em consideração no juízo decisório dos Tribunais.
14) As expressões supra referidas são objectivamente ofensivas da honra em qualquer circunstância e contexto social e mostra ainda maior gravidade por terem sido dirigidas a um colega advogado embora não no exercício das suas funções, a quem compete contribuir para a realização da justiça, lesando quer a sua honra e consideração quer pessoais quer profissionais.
15) Não se entendem as conclusões do Tribunal “a quo”, nesta sede, quando apesar de referir que o direito de liberdade de expressão e o direito á honra e consideração são direitos de igual valência normativa e que estes valores não podem de forma alguma ser hierarquizados, contudo, que não restam dúvidas de que o arguido agiu no âmbito do seu direito de expressão, e não com o propósito de fazer constar neste tribunal que o ofendido é pessoa perigosa, prepotente e problemática, quando, na verdade, foi exactamente isso que o arguido fez, ao proferir aquelas expressões, pretendia o arguido criar a ideia, pelo menos no julgador, destinatário das alegações, o Juiz de Instrução, que o assistente era uma pessoa perigosa, como aliás literalmente o afirmou.
16) Não pode ainda o tribunal “a quo” considerar que o arguido proferiu tais expressões como forma de fundamentar a não pronúncia da sua constituinte, pois bem sabia que a elas o Mmº julgador não podia atender, como aliás não atendeu, dado que não pronunciou de facto a cliente do arguido, mas nunca lançando mão de factos trazidos ao autos meramente pelo advogado em sede de alegações, que não sendo testemunha, não poderia naturalmente obter junto do julgador qualquer acolhimento.
17) Para a verificação do elemento subjectivo do crime de difamação não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir; ou seja, basta o dolo eventual. - Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, comentário ao artigo 180.º, § 1, p. 612.
18) O legislador bastou-se com o chamado dolo genérico (directo, necessário ou eventual) - querer afectar a dignidade de outrem -, não sendo necessário para o preenchimento do tipo aquilo a que alguma doutrina denomina de animus injuriandi vel difamandi.
19) Atendendo ao caso concreto, em súmula, entendeu o Tribunal “a quo” que o fim único da actuação imputada ao arguido era convencer o juiz daqueles autos de que a sua cliente não poderia ter praticado os factos que ali lhe imputavam porque tinha medo do aqui assistente, ali testemunha.
20) Entende o Ministério Público que, segundo a livre convicção do julgador é aceitável face à prova produzida, a interpretação de que o arguido, ao proferir as expressões mencionadas, actuou na defesa dos interesses da sua cliente, mas ao fazê-lo, não podemos descurar que invocou factos e juízos de valor que sabia, pois não poderia desconhecer até pela actividade profissional que exerce, que tais expressões iriam ofender a honra, a consideração e o bom nome do assistente, como o fizeram.
21) Uma vez que o tipo subjectivo apenas requer a existência de dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, e que o arguido, sendo um cidadão social e culturalmente integrado, com formação superior, naturalmente conhecia o significado comunitariamente atribuído às expressões que voluntariamente utilizou para se referir ao ofendido, não se pode deixar de considerar que actuou com dolo directo e, portanto, que a sua conduta preenche o tipo incriminador mencionado.
22) Com efeito é impensável que o arguido não tenha previsto a ofensa à honra do assistente como resultado da sua conduta, e bem assim que o nome e a reputação do mesmo ficaria comprometida no meio social em que vive e trabalha e fora dele.
23) No entanto, mesmo que assim não se entendesse inegável seria a actuação do arguido a título de dolo eventual, o que o Tribunal “a quo” equacionou teoricamente, sem o considerar no caso concreto, não afastando nem infirmando tal hipótese.
24) Não se verificam “in casu” quaisquer causas de exclusão da punibilidade penal da conduta do arguido, previstas no n.º2 do artigo 180.º do CP, ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo”, uma vez que não se verifica o preenchimento de qualquer um dos pressupostos cumulativos que ali se prevêem.
25) Relativamente à defesa do interesse legítimo, diga-se que este envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo digna de tutela, independentemente da sua natureza pública ou privada, ideal ou material e deve a imputação revelar-se necessária à salvaguarda de interesses legítimos.
26) No caso vertente, verifica-se que o arguido, em sede de alegações proferidas naquele processo de instrução, imputou factos ao assistente cujo conhecimento advém de si próprio, pois refere “eu estive lá”, “eu vi”, e “nós com medo”. O arguido pretendeu introduzir ou comunicar factos por si alegadamente conhecidos, por os ter presenciado, sucede que o advogado não é testemunha e os factos que refere, sem qualquer produção de prova sobre os mesmos não podem ser tidos em conta.
27) Ora, sendo assim aquelas afirmações notoriamente inúteis e desprovidas de qualquer utilidade técnico-jurídica, não podem, ser consideradas como necessárias à defesa de interesses legítimos.
28) O Tribunal “a quo” considerou que o arguido tinha em boa fé- razões para reputar os factos que imputou ao assistente como verdade, pois ter-lhe-ão sido relatadas pelo colega de escritório Dr. AF....
29) Discordamos mais uma vez do Tribunal “a quo”, que efectuou uma errada aplicação do disposto no artigo 180.º, n.º2, al. b) e n.º 4 do CP, dado que é notório da produção da prova que o arguido não cumpriu o dever de informação que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação, afastando-se portanto a sua boa-fé.
30) O arguido, para além de não ter confirmado devidamente a veracidade dos factos que imputa ao assistente, pois não consta dos autos que tenha falado com mais ninguém para além do seu colega de escritório, designadamente com a sua cliente H..., nunca poderia ter tomado domínio dos factos, utilizando-os em sede de alegações ou qualquer outra que fosse, ainda mais acrescida do juízo de valor o “Dr. C... é perigoso”, e ainda mais do modo como o fez, falando não só que se comentava ou que ouviu dizer e por quem, mas relatando o episódio como se lá tivesse estado e verificado o acto que imputava ao assistente.
31) Entende o Ministério Público que mal andou o Tribunal “a quo” ao considerar que o arguido ao proferir as ditas expressões em sede de debate instrutório, o fez com fundamento sério para as reputar como verdadeiras, e tão pouco o pode ter feito para realizar interesses legítimos da sua cliente.
32) Deve assim ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e substituindo-a por outra que condene o arguido B... pela prática do crime de difamação agravado por que vinha acusado ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 180º, n.º 1, 184º, n.º 1 e 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.

A Digna Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua procedência.

O arguido respondeu a ambos os recursos, pugnando pela sua improcedência.

Neste Tribunal o Digno Procurador-geral Adjunto teve vista nos autos.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Nada obsta à apreciação do mérito da causa.

Cumpre assim apreciar e decidir.

2 Fundamentação

Conforme resulta dos autos, a sentença ora em recurso, foi proferida na sequência de acórdão deste Tribunal da Relação, que sobre a primeira decisão proferida nos autos decidiu:

“Assim e atento o disposto no artigo 426º nº 1 do CPP, revoga-se a sentença recorrida e decide-se o reenvio do processo para novo julgamento, quanto à totalidade do seu objecto, com excepção da prova dos factos já assentes sob os pontos 3 e 4 da factualidade provada, que se manterão, devendo ser apurado e convenientemente fundamentada a intenção/motivação do arguido ao proferir tais expressões, bem como os danos morais que a ofensa causou ao assistente, retirando-se, ou não, da prova que vier a ser assente a correspondente responsabilidade penal e civil do arguido”

Feito este esclarecimento, vejamos então quais os factos assentes e não assentes bem como se mostra fundamentada a convicção do Tribunal:

Factos Provados:
Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
Subsecção I
Do despacho de pronúncia

1.
No Tribunal Judicial de Castelo de Paiva correu termos o processo de instrução com o n.º 206/08.4TACPV em que é requerente G... e arguida H....
2.
Nessa instrução o arguido B... interveio como mandatário da arguida H...; o ora assistente prestou depoimento, uma vez que assumiu a qualidade de testemunha;
3.
No dia 27 de Janeiro de 2012, por volta das 15 horas, na sala de audiências do Tribunal Judicial da comarca de Castelo de Paiva, no decurso de alegações orais, no âmbito de debate instrutório realizado no Processo de instrução n.º206/08.4TACPV, a correr termos nesse Tribunal, referindo-se ao ora assistente C... e de forma a ser ouvido por todos os que ali se encontrassem, como sucedeu, proferiu as seguintes expressões: «o Dr. C... abriu a mala e tirou uma arma e nós, Sr. Dr. Juiz, os advogados, nunca mais quisemos reunir com medo.»; «O Dr. C... é uma pessoa perigosa»; «A dona H... ia correr o risco, é esta a palavra, risco até de vida de vender madeiras a saber quem eram os proprietários»; «A dona H... se fosse descoberta, no dia seguinte, tinha uma queixa em cima ou um embargo à madeira, postos pelo Dr. C..., não deixava a coisa por menos»; «Sr. Dr. Eu estive lá e aquilo não foi fácil».
4.
O arguido (…) ofendeu a honra, consideração e o bom nome do assistente, que interveio naquele processo na qualidade de testemunha.
5.
O arguido agiu de livre vontade (…).
Subsecção II
Do pedido de indemnização, não constantes do despacho de pronúncia, e com interesse para a boa decisão da causa
6.
As expressões constantes em 3. foram proferidas no decurso do debate instrutório, a decorrer numa sala de audiências do tribunal, na presença do Mm. Juiz, da Digna Procuradora do Ministério Público, da advogada Dr. F..., do Sr. Funcionário judicial.
7.
O assistente arrolou 9 testemunhas na queixa-crime dos presentes autos, arrolou 13 testemunhas nesta instrução.
8.
O assistente goza de bom nome pessoal e profissional e é respeitado, quer no seu meio social quer no seu meio profissional, pessoa ordeira, correcta, respeitadora, séria, impoluta, de fino trato, com lisura e urbanidade com que trata aqueles que consigo se relacionam.
9.
O arguido foi funcionário público durante décadas, desempenhando funções de Conservador do Registo Predial/Civil, e exerce a profissão de advogado desde décadas.
10.
O assistente no ano de 2010 teve um rendimento global de 32.153,98€.
11.
O assistente no ano de 2011 teve um rendimento global de 25.621,36€.
12.
O assistente no ano de 2012 teve um rendimento global de 21.620,11€.
13.
O assistente no ano de 2013 teve um rendimento global de 12.703,15€.
14.
O assistente com o seu veículo automóvel deslocou-se com o seu Mandatário para a inquirição das seguintes testemunhas no âmbito da instrução dos autos:
- Dr. U..., no dia 05.03.2013, ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto, percorrendo de Arouca ao Porto, via Santa Maria da Feira, 70km mais 70km de regresso, tendo despendido em portagens 2,80€, de parqueamento 4,50€, e em combustível e desgaste de material do veiculo o montante de 0,50€/km;
- Dr. X..., no dia 04.04.2013, no Tribunal Judicial de Paredes, inquirido por videoconferência, percorrendo de Arouca a Paredes, via Santa Maria da Feira, 100km mais 100km de regresso, tendo despendido em portagens 6,60€, de parqueamento 1,00€ e em combustível e desgaste de material do veiculo o montante de 0,50€;
- Dr. V... e AB..., no dia 02.05.2013, ao Tribunal Criminal de Coimbra, percorrendo de Arouca a Coimbra, via Santa Maria da Feira, 130km mais 130km de regresso, tendo despendido em portagens 11,20€, de parqueamento 1,20€ e em combustível e desgaste de material do veiculo o montante de 0,50€/km;
- Dr. AD..., no dia 30.05.2013, no Tribunal Judicial do Cadaval, percorrendo de Arouca ao Cadaval, via Santa Maria da Feira, 250km mais 250km de regresso, tendo despendido em portagens 31,05€ e em combustível e desgaste de material do veiculo a quantia de 0,50€/km;
- Debate instrutório, no dia 27.06.2013, no Tribunal Judicial de Paredes, percorrendo de Arouca a Paredes, via Santa Maria da Feira, 100km mais 100km de regresso, tendo dispendido em portagens 6,60€, de parqueamento 0,65€ e em combustível e desgaste de material do veiculo o montante de 0.50€/km;
- Decisão instrutória, no dia 08.07.2013, no Tribunal Judicial de Paredes, percorrendo de Arouca a Paredes, via Santa Maria da Feira, 100km mais 100km de regresso, tendo despendido em portagens 7,10€, de parqueamento 0,50€, e em combustível e desgaste de material do veiculo o montante de 0,50€/km;
Subsecção III
Da situação pessoal do arguido
15.
O arguido é casado, vive com sua mulher em casa própria.
É Advogado e foi Conservador do Registo Civil.
Encontra-se reformando, e recebendo uma reforma mensal no valor de 3.057,00€,e uma aposentação da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores no valor de 1.075,00€.
Tem despesas mensais no valor de 3.000,00€.
Possui licenciatura em Direito.
Subsecção III
Dos antecedentes criminais
16.
Inexistem.
Subsecção IV
Outros factos com relevo para a decisão da causa
17.
H... e o AF... transmitiram ao arguido que o assistente tinha uma arma aquando de reunião entre os interessados, no inventário por óbito dos pais e avós do assistente, que ocorreu na conservatória do registo predial de Arouca e numa diligência no Tribunal velho de Arouca que funcionava nas instalações da Câmara Municipal ....
18.
H... interveio no processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial de Arouca sob o nº7/86, por óbito dos pais e avos do assistente, em representação do seu filho menor, AG..., filho do pai do assistente, sendo seus advogados nesse processo de inventário o arguido e o Dr. AF....
19.
AF... era colega de escritório do arguido.
20.
O processo de inventário acima identificado teve o seu inicio em 1986, tendo na impossibilidade de acordo sido ordenado na conferência de interessados realizada em 05.06.2001, que se abrissem licitações entre os interessados, sido homologada a partilha por sentença proferida em 06.01.2003.
21.
O arguido proferiu as expressões referidas em 3 no debate instrutório aí identificado com o intuito de demonstrar que arguida e sua cliente H... tinha receio do assistente e seus irmãos pelo que por isso seria incapaz de praticar os factos que lhe eram imputados nesse processo, designadamente de mandar cortar madeira em terrenos daqueles.
22.
A relação entre H... e o assistente e os irmãos daquele era e é tensa e conflituosa, o que motivou que o mencionado processo de inventário nº7/86, tendo-se iniciado em 1986 só terminou em 2003.
23.
Até à data mencionada em 3 as relações entre o assistente e o arguido eram boas.
24.
O assistente tem arma há cerca de 30 anos e tem a respectiva licença.
25.
O assistente inscreveu-se como advogado em 13.02.1992.
26.
O assistente é pessoa habituada a gerir conflitos.
27.
O assistente em 31.01.2014 substabeleceu sem reserva no Dr. AH..., os poderes que lhe foram conferidos no Pº1417/08.8TBOAZ, do 2º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis.
28.
Por requerimento datado de 22.10.2013, o assistente renunciou à procuração que lhe foi outorgada no âmbito do Pº841/07.8TBVFR, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira.
29.
No dia 23.11.2012, o assistente interveio na tentativa de conciliação no Pº1135/08.7TBAGD, da comarca do Baixo Vouga, tendo desistido da instância.
30.
O assistente, F... e AI... por requerimento datado de 03.06.2013, renunciaram à procuração que lhes foi conferida no âmbito do Pº16/12.4TBARC, e do Pº16/12.4TBARC-A, ambos do Tribunal Judicial de Arouca.
31.
O assistente, F..., AJ... e AI... por requerimento datado de 03.06.2013, renunciaram à procuração que lhes foi conferida no âmbito do Pº449/11.3TBARC, do Tribunal Judicial de Arouca.
Secção II
Factos Não Provados
Secção II
Factos Não Provados:
Para a boa decisão da causa, ficaram por provar quaisquer outros factos constantes da acusação, do pedido de indemnização cível e da contestação que estejam em contradição com os acima referidos e, nomeadamente:

Subsecção I
Do despacho de pronúncia, por referência aos artigos de tal despacho
1. (…)
2. (…)
3. (…)
4. O arguido agiu com o intuito de ofender (…)
5. (…) sabendo que esse comportamento era proibido e punido por lei.
Subsecção II
Do pedido de indemnização cível
1. Já antes da data da 2ª sessão do debate instrutório, realizado no âmbito do processo de instrução nº206/08.4TACPV (27 de Janeiro de 2012), o arguido deu sinais de ser sua intenção ofender gravemente a honra e consideração social e profissional do assistente, com efectivamente ofendeu gravemente, engendrando factos falsos e imputando-os ao assistente, quando na 1ª sessão do mesmo debate instrutório, realizada no dia 06 de Janeiro de 2012, por volta das 11 horas, na mesma sala de audiências do tribunal judicial de Castelo de Paiva, no decurso de alegações orais, referindo-se ao assistente e de forma a ser ouvido por todos os que ali se encontrassem, como sucedeu, proferiu as seguintes expressões: “Sr. Juiz, eu estive la e aquele processo foi acesso; aquilo quase que houve tiros e a causa era a existência desta mulher. Vê-se perfeitamente que apesar de a colega estar aqui quem esta por detrás disto tudo é o Dr. C...”.
2. O arguido engendrou uma série de graves falsidades, as supra referidas e imputou-as ao assistente bem sabendo que as mesmas eram falsas e que resultavam de uma sua invenção, pois que bem ciente de que essas imputações que fazia ao assistente não tinham qualquer correspondência com a realidade, o que fez com o intuito deliberado e de forma consciente de ofender gravemente o assistente na sua honra e consideração, quer pessoal, quer social e o seu bom nome, quer profissional, e que em consequência desta ofensa causava graves/prejuízos ao assistente, nomeadamente na sua saúde, na sua profissão, como efectivamente causou pois atenta a sua profissão não podia ignorar essas falsas imputações de engendrara ofendiam gravemente o assistente na sua honra e consideração pessoal, social e profissional, como efectivamente ofenderam.
3.As expressões referidas em 3 dos factos provados constantes do despacho de pronuncia chegaram ao conhecimento de muitas mais pessoas para além das acima referidas, pois foram faladas entre diversas pessoas e em diversos locais, nomeadamente em Arouca, Oliveira de Azeméis, Castelo de Paiva e concelhos limítrofes, e divulgadas na esfera social e profissional do assistente, que tiveram um forte impacto social e profissional e foram e ainda continuam a ser divulgadas em muitos locais e por muitas pessoas, nomeadamente amigos e conhecidos do assistente, bem como advogados, colegas de profissão do assistente, o que tem vindo a causar ao assistente como consequência directa, necessária e adequada de tais imputações, forte e grave dor e abalo morais, grande ofensa e dano no seu nome e fortes danos profissionais por o assistente se sentir profundamente debilitado, magoado e amargurado, vergado ao enxovalho, inquieto, profundamente perturbado, profundamente desconcentrado, sem condições de poder exercer como antes exercia a sua profissão de advogado.
4. Antes do arguido ter proferido as expressões referidas em 3 o assistente gozava de excelentes condições para se dedicar ao seu trabalho profissional de advogado, nomeadamente concentração, dedicação, motivação, bom rendimento, tranquilidade e paz; o que perdeu em consequência directa e necessária e adequada da conduta do arguido.
5. O assistente viveu e continua a viver com dor intensa o sofrimento de tais imputações pois muitas vezes teve de falar no assunto quando confrontado com essas imputações, nomeadamente por colegas de profissão, pessoas amigas e conhecidas, e nas andanças que efectuou nas deslocações com o seu mandatário a diversos tribunais, nomeadamente ao Porto, Paredes, Coimbra e Cadaval, para inquirição das testemunhas por si arroladas no âmbito da instrução dos presentes autos, teve de falar no assunto a essas testemunhas por si arroladas, para as informar dos motivos porque as tinha arrolado, para esclarecer a verdade e demonstrar a falsidade de tais imputações.
6. O assistente arrolou 61 testemunhas na queixa crime por falso testemunho que apresentou contra o arguido e contra o Dr. AF... e a Srª. H..., que corre termos esta queixa no competente inquérito nº138/12.1TACPV, perante os serviços do M.P. de Castelo de Paiva.
7. O assistente teve de dar explicações e justificações, nomeadamente a todo o referido número de testemunhas dos motivos porque as arrolou, tendo necessariamente de falar no assunto, dando-lhe conhecimento das expressões referidas em 3, bem como justificações e explicações a todos aqueles que nos tribunais onde o assistente com o seu mandatário se deslocou para inquirição de testemunhas, nomeadamente funcionários e magistrados seus conhecidos.
8. O que implicou para o assistente uma mais intensa dor e abalo morais por ter de intensamente falar desse assunto que tanto lhe dói, incomoda e perturba.
9. Desde que o momento que o assistente teve conhecimento das imputações referidas nos factos provados nunca mais teve paz e sossego, sentindo-se profundamente abalado na sua integridade moral e profissional e padecer de grande e grave dor moral e deixou de ter as condições de boa disposição que tinha e dedicava à sua actividade profissional, pois sentindo-se profundamente nervoso, perturbado, desconcentrado, inquieto, impaciente, sem dar rendimento no exercício da sua profissão, vendo-se forçado a delegar em colegas, nomeadamente do seu escritório, actividades que até aí eram por si levadas a efeito, o que ainda hoje se mantém, chegando a não aceitar clientes em processos mais complicados, por não se sentir nas condições necessárias para os patrocinar, tudo em consequência directa, necessária e adequada ao comportamento do arguido.
10. O assistente teve conhecimento de tais expressões no próprio dia em que o arguido as proferiu no dia 06.01.2012 na 1ª sessão de debate instrutório e no dia 27.01.2012, no próprio dia em que o arguido as proferiu na 2ª sessão do debate instrutório, estando o assistente a padecer de dor, males e prejuízos e ai se manterá para o futuro.
11. O assistente não se encontra em condições de exercer devidamente a sua profissão como advogado, por o não conseguir fazer e o pouco que faz, fá-lo com grande sacrifício e dor, por se ver propalado pelo arguido como se de um criminoso se tratasse.
12. Muitas vezes, o assistente teve de sair do seu escritório para tentar descontrair e descomprimir a pressão em que se encontrava, por não conseguir manter por muito tempo no escritório, indo para fora do mesmo desvanecer, deslocando-se ate às montanhas próximas para tentar descontrair e descomprimir a pressão em que se encontrava, por não se conseguir manter muito tempo no escritório, tudo em consequência directa do referido comportamento do arguido, sendo que antes da prática destes factos pelo arguido de nada disso o assistente padecia, pois laborava no seu escritório em perfeitas condições e a dar um bom rendimento profissional.
13. Em consequência directa da conduta do arguido o assistente sofreu uma grave dor e forte abalo moral que o impediram, durante mais de ano e meio decorrido de ter sossego e paz, sentindo-se profundamente magoado, amargurado, rebaixado, humilhado, vergado ao enxovalho, sentindo-se profundamente afectado e prejudicado na sua honra e consideração social e prestigio profissional, com grandes dificuldades em dormir, quando antes das referidas imputações, o assistente dormia perfeitamente, o que lhe causa um constante mal-estar, falta de paz e de sossego.
14. O arguido apesar de ciente do referido estatuto pessoal e profissional do assistente e com o intuito de o denegrir e ofender gravemente a honra e consideração pessoal e profissional, como efectivamente ofendeu gravemente, deliberada e conscientemente engendra inventando as referidas imputações que lhe fez e imputa-as apesar de bem ciente que as mesmas são falsas, pois que não tem qualquer correspondência com a realidade e resultam de uma sua total invenção.
15. O assistente sente-se profundamente prejudicado a sua consideração e prestigio profissional pois o propalar das referidas imputações ao assistente, fazem criar naqueles que não o conhecem ou que o conhecem menos bem, uma imagem negativa e identificativa de se tratar de um criminoso, sendo que esta dúvida fica na mente daqueles que não conhecem ou conhecem menos bem o assistente e que tomam conhecimento dessas imputações.
16. Nas viagens referidas em 21 o assistente despendeu tempo que dedicaria a trabalho remunerado na sua profissão, no valor de 100,00€ por cada uma dessas viagens.
17. Está a correr inquérito, em que são arguidos o aqui arguido, o Dr.AF... e a dona H..., onde estão denunciados e indiciados pelo crime de falso testemunho.
18. O assistente é pessoa de grande sensibilidade moral e profissional.

O mais constante do pedido de indemnização cível e da acusação particular, não referido supra, foi julgado por este Tribunal como sendo de natureza conclusiva e/ou de direito, ou como não tendo interesse para a análise do objecto da presente causa.
Secção III
Fundamentação da decisão de facto:
Subsecção I
Do despacho de pronúncia / pedido de indemnização civil/ outros factos
O Tribunal respondeu à matéria de facto da forma supra descrita tendo em consideração as declarações do arguido, em audiência de julgamento, conjugadas com as declarações do assistente, e com os depoimentos das testemunhas arroladas, bem como da análise crítica dos documentos juntos autos.
Vejamos muito sumariamente o que, no essencial, cada um disse – até porque as declarações e depoimentos se encontram gravados.
Nas suas declarações, o arguido admite abertamente ter proferido as expressões pelas quais vem acusado, aquando das alegações proferidas no fim do debate instrutório no âmbito do processo n.º 206/08.4TACPV, onde era mandatário da ali arguida H....
Explica que foi requerida abertura de instrução naqueles autos, para despronunciar a ali arguida. Uma vez que os factos do referido processo estavam ligados aqueles de um processo de inventário onde representou a mesma H.... Tal processo de inventário, relatou, foi um processo moroso, onde as partes não se entendiam. Participou ainda em tal processo o seu colega de escritório, o falecido Dr. AF..., que lhe relatou um episódio em que o aqui assistente teria consigo uma arma de fogo, e uma vez que tal episódio foi relatado por seu colega de escritório, pessoa que tinha em boa consideração, reputou como verdadeiro. Também H... lhe referiu que tinha medo do assistente.
Assim, aquando das alegações, procurando justificar o não cometimento do facto ilícito por parte de H..., argumentou que esta nunca venderia uma madeira que sabia pertencer aos outros herdeiros, porque tinha receio do que o aqui assistente viesse a fazer, designadamente "um embargo em cima", devendo, (também) por isso ser proferido despacho de não pronuncia.
Por seu turno, o assistente nas suas declarações refere não ter presenciado as alegações do arguido, tendo-lhe as mesmas sido transmitidas por F..., advogada, e por sua irmã, G..., assistente no referido processo n.º 206/08.4TACPV, presentes em tal debate instrutório. Ao ter conhecimento de tais imputações, e porque se dava bem com o arguido, ficou deveras abalado, referindo até "nunca na vida [ter visto] uma coisa dessas", e ter ficado "doente com isso", "destruído", questionando-se "o que lhe havia de acontecer". Tendo, também, referido que tudo "será mitigado se for feita justiça".
Vistas a aqui acção e reacção, passaremos às testemunhas presenciais: as pessoas que estavam presentes quando foram proferidas as expressões.
Começamos, desde logo, pelo destinatário das mesmas, D..., Magistrado judicial, que presidiu ao debate instrutório. No seu depoimento refere que o aqui arguido participou no debate instrutório, onde representava a ali arguida H..., e alegou querendo demonstrar o conhecimento que tinha do ambiente vivido em tal processo de inventário. Mais refere que não se recorda de nada das alegações, com a excepção de ter sido referida uma arma.
E..., Magistrada do Ministério Público, que participou em tal diligência, recorda-se de terem sido dirigidas expressões pelo arguido "ao colega da outra parte" acerca de "uma arma num inventário", acrescentando que, actualmente, não consegue dizer o que é que ouviu e o que é que leu acerca dos factos que ora se discutem.
F..., advogada e colega de escritório do assistente, presenciou as alegações, uma vez que era a advogada da assistente naqueles autos, tendo transmitido o que ouviu ao aqui assistente. Relatou ainda que o assistente se sentiu melindrado com as expressões do arguido, e que as mesmas chegaram ao conhecimento de muitas pessoas. Em virtude de tal melindre, o assistente substabeleceu diversos processos, porque não se sentia com ânimo para estudar e levar tais processo em frente. Fez o mesmo várias deslocações para falar com as pessoas que arrolou como testemunhas neste processo, tendo despendido em cada viagem cerca de cem euros.
H..., que foi arguida no processo n.º 206/08.4TACPV e presenciou o debate instrutório, referiu que, no âmbito do processo de inventário se dizia que o aqui assistente tinha uma pistola, e que o processo em causa não foi Pacífico.
Por fim, e entre as testemunhas presenciais, temos G..., irmã do assistente e, por sua vez, assistente no processo n.º 206/08.4TACPV, que nos disse, de forma espontânea, que o aqui arguido, "para convencer o juiz, para ganhar a causa por causa disso", disse em alegações as expressões que disse.
Resulta para nós claro que as expressões proferidas pelo arguido foram entendidas pelo seu principal destinatário e pelos restantes presentes como tendo o objectivo de “convencer o juiz” e “ganhar a causa”, e não achincalhar o assistente.
As restantes testemunhas não presenciaram os factos que estão na génese do presente processo, no entanto vieram transmitir ao Tribunal as suas percepções do processo de inventário que deu origem aos processos-crime, tendo sido arrolados magistrados, funcionários, advogados, interessados e espectadores do processo de inventário.
Y..., Procurador Adjunto, que exerceu funções no Tribunal Judicial de Arouca de Outubro de 1990 a 1995, deu-nos conta que interveio directamente no processo de inventário por óbito dos pais e avós do assistente e recorda-se que o entendimento entre os interessados era muito difícil, tendo ideia de que existiam problemas por trás, havendo posições distintas entre os filhos do casal e os de fora do casamento, sendo notória a tensão existente entre ambos.
Também I..., aposentado, que foi escrivão no Tribunal Judicial de Arouca entre 1966 e 2000, referiu que o ambiente que se vivia no processo de inventário “era uma guerra pegada”, e que, uma vez, viu o assistente com uma arma nas instalações do tribunal e que pediu para retirar a mesma do coldre.
J..., meia-irmã do assistente, uma das interessadas do processo de inventário, criança à data do mesmo, num depoimento espontâneo, refere que o processo em causa foi moroso e que não teve qualquer contacto com seus meios-irmãos na pendência do mesmo.
Aqui chegados, conseguimos ver, especialmente pelo depoimento de Y..., que não apresenta qualquer animosidade para com o assistente ou qualquer interesse no presente processo, que o processo de inventário foi pautado por mau entendimento entre os interessados, uma vez que havia filhos nascidos no casamento e aqueles nascidos fora do casamento.
É certo que L..., irmão do assistente, G..., irmã do assistente, e M..., irmão do assistente, nos disseram que o processo de inventário correu sem quaisquer problemas, no entanto não conferimos credibilidade a tais depoimentos, tendo em conta o seu interesse directo na causa e a relação familiar que tem com o aqui assistente, que os tornam parciais. Pelos mesmos motivos, demos o devido desconto quando relataram o estado de espirito do assistente originado pelas declarações do arguido.
Os depoimentos de T..., advogado e colega de escritório do assistente, e N..., comerciante, não mereceram a nossa credibilidade, uma vez que referiram que foram assistir às conferências de interessados no processo de inventário e que nunca presenciaram nada de anormal. Causou-nos estranheza que alguém que não seja interessado ou advogado (note-se que T... não era advogado nessa data) tenha ido assistir a processos de inventário alheios, motivo pelo qual não valoramos tais depoimentos, que, diga-se, não nos pareceram nem espontâneos, nem credíveis – motivo, também, pelo qual não os valoramos em sede de factos constantes do pedido cível.
K..., secretária do assistente, prestou um depoimento de parcial e pouco espontâneo, aparecendo munida de uma lista de processos que o assistente lhe tinha pedido para fazer, da qual constava os processos que recusou, que substabeleceu e que se encontra junta aos autos com o título “Serviço rejeitado pelo Dr. C... e sugerindo-se outros Colegas por causa do crime do Dr. B...”, motivo pelo qual não valoramos.
Dizemos o mesmo do depoimento de AK..., advogada e antiga colaboradora do assistente, que, a certo ponto deste processo, por requerimento próprio aos autos, juntou correspondência sua com o aqui arguido em sede de negociações, facto que, imediatamente, comunicamos à Ordem dos Advogados.
Foram ainda ouvidos P... advogado, e Q..., advogado, que conhecem o assistente desde que era estudante em Coimbra, que atestaram a seu bom nome.
O..., madeireiro residente em Arouca, também atestou o bom nome do assistente, e referiu que o mesmo deixou de trabalhar num processo seu, tendo-o passado a outro colega.
Arrolado pelo arguido, ouvimos AL..., advogado, que interveio no mencionado processo de inventário no início dos anos 90, lembrando-se que foi um processo muito demorado, e que tal se deveu ao facto de haver muita litigiosidade e animosidade entre as partes. O seu depoimento foi sincero, sereno e espontâneo, tendo merecido a nossa credibilidade.
Foi ainda ouvido AM... (a quem muitas das testemunhas chamaram Dr. AM1... no seu depoimento), advogado, tendo intervindo no referido processo de inventário desde 1986 até final de 1993 ou 1994, como advogado da cabeça de casal, mãe do assistente, que relatou as vicissitudes do processo de inventário, tendo explicado que tal processo foi moroso uma vez que os herdeiros não se entendiam e porque foram falecendo interessados. Depôs sobre factos por si presenciados, de forma serena, espontânea e circunscrita, que mereceu a nossa credibilidade.
AN..., advogado, amigo de longa data do arguido, abonou a personalidade do mesmo.
AD..., Juiz Desembargadora no Tribunal da Relação de Coimbra, exerceu funções de magistrada judicial no Tribunal Judicial de Arouca de Janeiro de 1998 a Julho de 1999, W..., Juiz Desembargador, exerceu funções de magistrado judicial no Tribunal Judicial de Arouca de Outubro de 1985 a Dezembro de 1988, Z..., secretário judicial, trabalhou no Tribunal Judicial de Arouca, V..., Juiz Desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra, exerceu funções de magistrado judicial no Tribunal Judicial de Arouca desde 20.01.1992 a 15.09.1002, U..., Procurador da República, desempenhou funções no Tribunal Judicial de Arouca de Outubro de 1987 a Dezembro de 1988, X..., Procurador da Republica, exerceu funções no Tribunal Judicial de Arouca de 1988 a 1989, AO... Coimbra, secretário de Inspecção, foi escrivão no Tribunal Judicial de Arouca entre Abril de 1989 e Janeiro de 1991, AB..., funcionário judicial, foi secretário no Tribunal Judicial de Arouca entre Maio de 1986 e Agosto de 1988, AE..., Procurador da República, AP..., industrial de Arouca, e AC..., funcionário judicial no Tribunal de Arouca, nada presenciaram sobre os factos em causa nestes autos, pelo que não iremos atender aos seus depoimentos.
Foram considerados ainda os seguintes documentos: acta da audiência de debate instrutório na instrução nº206/08.4TACPV, deste Tribunal a fls. 206-208; procuração forense outorgada por H... ao arguido e ao Dr. AF..., em 17.06.1986 a fls. 222; procuração forense outorgada por AG... a favor dos mencionados Mandatários em 18.11.1999, a fls. 223-224; diversos requerimentos, despachos proferidos no processo de inventario nº7/86, do Tribunal Judicial de Arouca, bem como actas da conferencia de interessados, designadamente daquela onde se realizaram as licitações – a fls. 225 a242; auto de inquirição no referido processo de inventário – a fls. 243 a 244; despacho a homologar a partilha – fls. 252; cópia de cédula profissional do assistente – a fls. 253; certidão judicial do mencionado processo de inventário a fls. 374 e ss.; certidão do Conselho Distrital do Porto da O.A. de fls. 392; bem como todos os documentos juntos aos autos pelo assistente.
Quanto aos factos não provados, os mesmos resultaram da falta de qualquer prova convincente e segura dos mesmos, pelo que se impôs se considerassem não provados.
Subsecção II
Da situação pessoal do arguido
Neste particular, o tribunal atendeu às declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, que neste ponto, se nos afiguraram sinceras e verosímeis.
Subsecção III
Dos antecedentes criminais
Para a prova da ausência de antecedentes criminais do arguido foi considerado o CRC junto aos autos.
*
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Atentas as conclusões do recurso do assistente, podemos delimitar o seu objecto à apreciação das seguintes questões:

a) Errada apreciação da matéria de facto por erro notório;
b) Errada subsunção jurídica.

De igual forma e atenta as as conclusões do recurso do Ministério público, podemos delimitar o seu objecto à apreciação de uma única questão a errada subsunção jurídica.

Vejamos então:

Errada apreciação da matéria de facto por erro notório

Alega e conclui o assistente que a factualidade assente sob os nº 21, 17, 22, 14 dos fatos provados e 4, 5, 2, 3,4,9,11,12, 5, 7, 8, 10, 13 e 15 dos factos não provados (cfr. ponto 14º da motivação e conclusão 25) mostra-se ferida de erro notório na apreciação da prova.

Para tanto, socorre-se de diversos excertos dos depoimentos prestados em audiência, que transcreve na sua motivação, dando a sua interpretação sobre os mesmos, e dai pretendendo retirar não ter o tribunal apreciado devidamente os mesmos, errando na sua interpretação.

Também, e sem cuidar de retirar devidamente as suas conclusões, revelou excertos de depoimentos na tentativa de revelar constituírem os mesmos prova concreta que se impunha observar e que teria o mérito de alterar a decisão proferida - cfr. ponto 13º da sua motivação.

A apreciação da matéria de facto, tal qual se mostra peticionada pelo recorrente haverá de ser feita ao abrigo do disposto no artigo 410º nº 2 al. c) do CPP.

Sobre o tema, não nos iremos alongar muito, pois já no acórdão proferido por este Tribunal relativo à sentença revogada, aprofundamos a questão, o que nos evita agora a repetição.

Contudo sempre se dirá que os vícios elencados no n.º2 do artigo 410º do CPP têm de resultar do contexto factual inserido na decisão, por si, ou em confronto com as regras da experiência comum, ou seja, tais vícios apenas existirão quando uma pessoa média facilmente deles se dá conta, pelo que, o recurso à transcrição de excertos de depoimentos e as considerações sobre a melhor interpretação sobre os mesmos fica irremediavelmente afastada da nossa análise.
De acordo com o artigo 127º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, pelo que o que importa agora é apreciar a fundamentação da convicção e verificar se a mesma se mostra alicerçada naquelas premissas.
Conforme foi referido no primeiro acórdão deste Tribunal, e transcreve-se:
“Não deixa de impressionar o facto de consubstanciar contradição manifesta ter o Tribunal a quo dado como assente sob o ponto nº 4 que: “O arguido ofendeu a honra, consideração e o bom nome do assistente, que interveio naquele processo na qualidade de testemunha” para, mais à frente dar como não provado que: “O arguido agiu com o intuito de ofender a honra, consideração e o bom-nome do Assistente”, a que acresce o facto de o arguido ser Advogado e sobre ele recair uma forte expectativa que domina e conhece o Direito vigente, sabendo exactamente o que pode ou não pode ofender a honra e consideração, pelo que também não se entende, como concluiu o Tribunal que não foi provado a intenção de ofender.”
Lendo agora a factualidade assente, e a fundamentação que sobre a mesma recaiu, verificamos que o Tribunal deu como assente que o arguido agiu livremente (cfr. ponto 5 da factualidade assente) mas que não agiu com o intuito de ofender e que não sabia que esse comportamento era proibido e punido por lei (cfr. factos 4 e 5 não provados).
No anterior acórdão deste Tribunal, foi inclusive demonstrado o silogismo necessário para a revelação da convicção do Tribunal, dizendo-se, e transcreve-se também: “Se A imputa a B um comportamento que o ofende, então haverá de se encontrar uma explicação para a conduta de A, e essa explicação não será certamente a que ouviu dizer, especialmente quando A tem especiais conhecimentos sobre a susceptibilidade de a imputação que faz poder ferir e ofender a honra e consideração de B, como é o caso.”

Pois bem, com o devido respeito, o Tribunal recorrido não esclareceu devidamente a questão, limitando-se a dizer, sobre esta matéria que, e cita-se: “Resulta para nós claro que as expressões proferidas pelo arguido foram entendidas pelo seu principal destinatário e pelos restantes presentes como tendo o objectivo de “convencer o juiz” e “ganhar a causa”, e não achincalhar o assistente”.

Tal afirmação, que espelha o processo de convencimento, não pode determinar a ausência de prova quanto aos factos não provados sob os nº 4 e 5.

Na verdade, não é impossível ignorar que, o motivo das expressões terem sido proferidas, foi precisamente o de impressionar o juiz, ou seja, é uma verdade de La Palice, pois somente interessava dizer o que se disse se o juiz estivesse a ouvir, mas dizer que a intenção se esgotou ai, é reduzir à insignificância todo o acervo dos direitos de personalidade, nomeadamente a honra e consideração daquele que serviu de pretexto para a tentativa de convencimento do terceiro.

Nesta parte, haverá a decisão da matéria de facto ser alterada, podendo este Tribunal fazê-lo na medida em que a factualidade objectiva nos permite, com o tal recurso às regras da experiência comum – que o Tribunal recorrido não atentou – concretizar a determinação subjectiva do agente do crime.

Assim, e na sequência do que se disse, julga-se nesta parte procedente o recurso, nos termos acima expostos, e decide-se alterar a matéria de factos, eliminando-se dos factos não provados os pontos 4 e 5, e acrescentando ao facto provado sob o número 5 mais a seguinte matéria:

Facto provado nº 5: O arguido agiu livre e conscientemente, com o intuito de ofender o assistente, sabendo que esse comportamento era proibido e punido por lei.

Quanto à restante factualidade mantém-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Errada subsunção jurídica.

Quer o assistente quer a Digna Magistrada do Ministério Público, vieram defender o preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva do crime pelo qual o arguido estava pronunciado.

Conforme resulta da sentença em crise, foi entendido que, e transcreve-se:

Contextualizando as expressões do arguido – «o Dr. C... abriu a mala e tirou uma arma e nós, Sr. Dr. Juiz, os advogados, nunca mais quisemos reunir com medo.»; «O Dr. C... é uma pessoa perigosa»; «A dona H... ia correr o risco, é esta a palavra, risco até de vida de vender madeiras a saber quem eram os proprietários»; «A dona H... se fosse descoberta, no dia seguinte, tinha uma queixa em cima ou um embargo à madeira, postos pelo Dr. C..., não deixava a coisa por menos»; «Sr. Dr. Eu estive lá e aquilo não foi fácil» – é necessário não esquecer que as mesmas foram proferidas no âmbito de alegações num processo-crime, pretendo o arguido com as mesmas obter a não pronúncia da sua cliente – o que, diga-se, conseguiu.
Assim, no contexto em que foi proferida a dita expressão por parte do arguido, entende-se que a mesma não preenche os elementos típicos do crime de difamação de que vem acusado.
Como se disse supra, e repetindo a mesma ideia, não se pode considerar ofensivo da honra tudo o que o assistente entenda que o atinge, mas só o que na generalidade da opinião das pessoas (e atendendo ao contexto), deve considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito – veja-se TRL de 20/03/2006.
Assim, entende-se que as expressões em causa não atingem o direito á honra e consideração do assistente de forma a reclamar a intervenção do direito penal.
Por outro lado, o arguido agiu na qualidade de advogado – estando em causa o exercício do patrocínio forense, pode verificar-se a causa de justificação decorrente do artigo 31º, nº 2, alíneas b) e c), se a conduta em causa for necessária a tal exercício e se enquadrar nas regras estatutárias respectivas, o que desenvolveremos infra.
Para além disso, tem o arguido o direito de crítica e opinião que, segundo o princípio da concordância prática, só deve ceder quando atingir o núcleo essencial do direito á honra e consideração, o que, com o devido respeito, consideramos não ser o caso.
De facto, nos termos do artigo 37 da Constituição da República Portuguesa, “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
Nos termos do nº 2 da mesma norma legal, o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
De acordo com o nº 3 da mesma norma legal, as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais”.
Neste artigo está assim reconhecido o direito de expressão de pensamento. Este direito é, desde logo e em primeiro lugar, a liberdade de expressão, isto é, o direito de não ser impedido de exprimir-se – e o que seria do Advogado sem a liberdade de expressão!
Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento.
O direito de expressão não pode ser sujeito a impedimentos nem discriminações. Porém, “sem impedimentos” não pode querer dizer sem limites, visto que o seu exercício pode dar lugar a “infracções”. Há limites. Todavia, dentro dos limites do direito (expressos ou implícitos), não pode haver obstáculos ao seu exercício e, fora as exclusões constitucionalmente admitidas, todos gozam dele em pé de igualdade - cfr. Gomes Canotilho, “Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, pág. 225-226.”

Tal fundamentação, peca por não ter conseguido enquadrar devidamente o comportamento do arguido.

Na verdade, - e agora reforçado pela alteração factual que se operou – o arguido não agiu no âmbito do seu direito constitucional de expressão, nem tão pouco se pode enquadrar as suas afirmações no estrito dever de cumprimento das suas funções de advogado, sendo claramente ultrapassados tais pressupostos, por uma verdadeira intenção de revelar o assistente como:
A) Pessoa sem respeito pelos outros (tirou a arma causando medo);
B) Pessoa instável no comportamento (é uma pessoa perigosa);
C) Pessoa capaz de tirara uma vida humana (a dona H... ia correr risco (…) até de vida);
D) Pessoa persecutória (A dona H... se fosse descoberta tinha uma queixa em cima)
Pois bem, tais adjectivações e pior tais imputações de comportamento expectáveis definem uma personalidade – a do assistente – que o identificam com um mero “pistoleiro” disposto a fazer a sua própria justiça, defendendo as madeiras com tudo o que tivesse ao seu alcance ainda que se socorresse da morte da dona H....

Se assim era, e sendo o arguido advogado, porque não se socorreu dos meios legais para sancionar o assistente?

Será que transmitir este quadro em plena diligência judicial, com o único intuito de obter ganho de causa, justifica a sua conduta, retirando-lhe tipicidade criminal?

A resposta é negativa, sendo evidente que o arguido agiu com o propósito de ofender a honra e consideração do assistente.

Como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público, na sua motivação de recurso, “relativamente à veracidade das imputações, em momento algum o tribunal “a quo” considerou como provado o teor das expressões proferidas pelo arguido, como não o poderia ter feito, dado que as únicas testemunhas que vieram aos autos afirmar ter visto a arma na posse do assistente no processo de inventário ocorrido há mais de trinta anos foram o Dr. AF..., entretanto falecido e não devidamente inquirido, e o senhor I..., que no entender do Ministério Público apresentou um depoimento destituído de qualquer credibilidade, comprometido e com versão diferente do referido em sede de inquérito pelo Dr. AF....”

Conforme é bom de ver e entender, o exercício da profissão de advogado, e a sua acção no estrito dever de defesa dos interesses processuais do seu cliente, não pode em circunstância alguma ultrapassar o que de relevância jurídica tenha.
A defesa processual dos interesses de terceiro, envolve a alegação e prova de factos não de insinuações ou de considerações subjectivas, sendo tanto mais grave, quando essas insinuações resvalam na desconsideração social ou profissional do visado.
Foi o que aconteceu no caso em apreço.
Assim, e haverá que subsumir o comportamento do arguido ao preenchimento da tipicidade do crime pelo qual estava pronunciado, sendo revogada a sentença nesta parte.

Aqui chegados, importa extrair as devidas consequências, e essas serão, a ponderação e fixação de uma pena ao arguido.

Vem este pronunciado de ter cometido um crime de difamação p. e p. pelos artigos 180º nº 1 e 184 do C. Penal.

Dispõem tais normas que:

180º Difamação
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.

Artigo 184.º Agravação
As penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.

Temos assim como moldura penal abstractamente aplicável ao caso a pena de 45 dias a 9 meses de prisão ou a pena de 15 dias a 360 dias de multa.

Ora, a medida da pena deverá constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos factores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses factores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, nº 2 do Código Penal).

Com efeito, hoje em dia, predominam as teorias relativas, as quais perspectivam as penas não como um fim em si mesmo (de retribuição ao agente do mal do crime – teorias absolutas), mas como um meio de prevenção criminal – prevenção geral positiva (de tutela da confiança na validade das normas, ligada à proteção de bens jurídicos, visando a restauração da paz jurídica) e de prevenção especial positiva (de inserção ou reinserção social do agente) (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 49 a 57). São as considerações de prevenção geral que justificam que se fale de uma moldura da pena, cujo limite máximo corresponderá ao ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, a pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.

O limite mínimo da moldura corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de protecção da comunidade. A culpa funcionará como pressuposto e limite máximo inultrapassável da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 25º da Constituição).

Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).

A pena deverá, assim, constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos factores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses factores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, 2 do Código Penal).

Vejamos então em concreto:

Nos termos do disposto no artigo 70º do C. Penal, entende-se, face à factualidade aprovada e que espelha a personalidade do arguido e sua inserção socio familiar (inexistência de antecedentes criminais, casado, inserido socialmente, tendo exercido como Conservador do Registo Civil e Advogado), que a pena não privativa da liberdade é suficiente para acautelar as finalidades da punição.

O arguido agiu com dolo directo, (agiu livre e determinado) com grau elevado de ilicitude, (sabia que a sua conduta era ofensiva e proibida por lei, sendo advogado e conhecendo a lei e a sua reprovação), revelando sentimentos i fins injustificáveis (denegrir a personalidade de outro de molde a obter ganho de causa), todo circunstâncias que, nos termos do disposto no artigo 71º são ponderadas como depondo contra o arguido.

Por outro lado, e depondo a seu favor, temos o facto de ter tido uma conduta anterior isenta de qualquer sanção penal, estar inserido socialmente, profissionalmente e familiarmente, sendo este acto algo que se pode qualificar como de excepcional na sua conduta cívica e profissional.

Assim, entende-se como ajustada à culpa do arguido e às necessidades de prevenção especial e geral, a aplicação ao arguido de uma pena de 120 dias de multa.

Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 € e 500 €, fixada em função da situação económica do arguido – artigo 46º nº 2 do C.P..

Importa desde já referir que o valor mínimo é fixado aos indigentes, aqueles que não tem rendimentos conhecidos ou que, tendo-os são manifestamente inferiores ao necessário para a sua sobrevivência.

Não é o caso do arguido, que tem um rendimento mensal conhecido, e mínimo, de 4.132,00 €, e de despesas mensais de 3 mil euros.

Assim, julga-se apropriado e ajustado – sem esquecer o cariz punitivo da sanção – fixar-se um quantitativo diário para a multa de 20€.

Quanto ao pedido cível

Quanto ao pedido cível formulado, haverá o mesmo de ser conhecido e apreciado.
Entendeu o Tribunal de 1ª Instância que, e transcrevemos:

De acordo com o artigo 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, pelo que ter-se-á que atender ao que esta estatui quanto à responsabilidade civil extracontratual.
Dispõe o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Assim, para se apurar se existe, ou não, responsabilidade por factos ilícitos e, consequentemente, obrigação de indemnizar é necessário apurar, antes de tudo, se estão preenchidos os respectivos pressupostos, que são:
i. O facto voluntário, ou seja, a conduta humana dominada ou dominável pela vontade;
ii. A ilicitude desse facto, que tanto pode consistir na violação de direitos de outrem como na infracção de normas preventivas destinadas à protecção de direitos alheios;
iii. A imputação do facto ao lesante, que tanto poderá ter lugar a título de dolo ou de negligência;
iv. O dano; e
v. O nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto aos danos patrimoniais, nos termos do artigo 562.º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, sendo certo que a mesma “só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” - artigo 563.º do Código Civil.
Por outro lado, “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” – artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil.
Em regra, “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (a do encerramento da discussão da causa, em 1.ª instância), e a que teria nessa data se não existissem danos“ – teoria da diferença, consagrada no n.º 2, do mesmo artigo 566.º do Código Civil.
De outra banda, os danos não patrimoniais são também indemnizáveis, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
“O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”.
De notar que esta indemnização terá de constituir uma efectiva possibilidade compensatória.
Por fim, cumpre chamar a atenção ao decidido pelo STJ no seu acórdão n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, processo n.º 1508/2001, da 1.ª secção, e publicado no Diário da República, Série I-A n.º 146, de 27 de Junho de 2002: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”
Assim sendo, e relativamente aos danos patrimoniais, caso se proceda à sua actualização à data da sentença (a qual sempre terá de ser expressamente referida na mesma), os respectivos juros moratórios deverão ser contabilizados a partir da data da sentença em 1.ª instância (e não do seu trânsito).
Caso contrário (ou seja, caso não se proceda expressamente a tal actualização), os respectivos juros moratórios deverão ser contabilizados em regra a partir da data da citação/notificação (conforme se esteja em processo civil ou penal), nos termos do artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil.
Relativamente aos danos não patrimoniais, e em face da sua natureza, a respectiva indemnização é fixada com referência à data da prolação da sentença, pelos que os respectivos juros moratórios deverão ser contabilizados a partir da data da sentença em 1.ª instância (e não do seu trânsito).
Vistas estas considerações gerais, temos, assim, que:
C... apresentou um pedido de indemnização cível contra B..., tendo por causa de pedir os factos que fundamentam o despacho de pronúncia, pedindo a condenação deste ao pagamento da quantia de €149.423,20 (cento e quarenta e nove mil e quatrocentos e vinte e três euros e vinte cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais ao demandante.
Face à factualidade acima descrita, e tendo em conta tudo o exposto, não se provou que o demandando tenha praticado facto ilícito.
Sendo um dos requisitos da responsabilidade civil extra-contratual o nexo de causalidade entre facto e dano, não poderá haver condenação do demandado em tal indemnização.
Desta forma, impõem-se a absolvição do demandado do pedido civil deduzido.”

Ora, aderindo a toda a fundamentação doutrinária e jurisprudencial da sentença de primeira instância, o que significa não voltar aqui a repetir os requisitos da obrigação de indemnizar, não é possível, por tudo quanto já foi dito, deixar de considerar que a conduta do arguido/demandado constituiu causa adequada e necessária aos danos apurados, quer os danos de cariz patrimonial, quer os danos de cariz moral.

Assim, e atenta a factualidade apurada, podemos contabilizar os danos de cariz patrimonial em 887,55 € (ponto 14 dos factos provados).

Quanto aos danos morais, tendo em atenção o facto de o demandante ter sofrido a ofensa em sede de Tribunal, e confinada a esse meio restrito, ser pessoa que goza de bom nome pessoal e profissional, e é respeitado no seu meio social e meio profissional entende-se como ajustada uma indemnização no montante de 10 mil euros, tendo a mesma em consideração a factualidade provada, não se tendo provado a restante matéria que poderia levar o Tribunal a considerar danos emergentes de lucros cessantes e outra dimensão da ofensa sofrida.

3 Decisão

Pelo exposto, julgam-se procedente os recursos e consequentemente decide-se:
a) Alterar o facto provado sob o nº 5 passando do mesmo a constar: O arguido agiu livre e conscientemente, com o intuito de ofender o assistente, sabendo que esse comportamento era proibido e punido por lei.
b) Eliminar dos factos não provados os constantes dos números 4 e 5
c) Condenar o arguido B... pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação agravado, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, e 184.º, ambos do Código Penal, na pessoa de C..., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 20 € (vinte euros).
d) Julgar parcialmente procedente o pedido cível formulado contra o demandado B... e consequentemente condenar o mesmo a pagar ao demandante o montante de 887,55 € (oitocentos e oitenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais e o montante de 10.000,00 € (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal, e contados sobre o montante atribuído em sede de indemnização por danos patrimoniais desde a notificação do pedido cível e sobre o montante atribuído em sede de indemnização por danos não patrimoniais desde a data do transito desta decisão.
e) Sem custas crime
f) Custas cíveis pelos demandante e demandado na proporção do vencimento decaimento.

Porto, 12 de Julho de 2017
Raúl Esteves
Élia São Pedro