Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1774/21.0T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO
DONO DA OBRA
ILEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP202310091774/21.0T8PNF-A.P1
Data do Acordão: 10/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Ainda que os factos integradores da violação dos dispositivos relativos à segurança, higiene e saúde no trabalho possam ser imputáveis a um terceiro, que se assuma, no circunstancialismo de tempo e lugar em que ocorre o evento danoso, como dono das instalações e equipamentos onde o trabalho é prestado ou coordenador das tarefas a executar, não pode aquele ser responsabilizado, em ação especial por acidente de trabalho, sendo nesta ação parte ilegítima, pois que na mesma é sobre o empregador, em caso de violação de regras sobre a segurança, a higiene e a saúde no trabalho, que incide a obrigação de reparar os danos provindos do acidente de trabalho de que haja sido vítima o trabalhador ao seu serviço (artigo 18.º, nºs 1 e 3, da LAT), sem prejuízo do direito de regresso que lhe assista quando essa violação seja imputável a um terceiro (artigo 17.º, n.ºs 1 e 4, da LAT).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1774/21.0T8PNF-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 3 Autora: AA e outra
Réus: A..., Lda. (1.ª), B..., Lda. (2.ª) e C..., Companhia de Seguros, S.A. (.ª),
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Nélson Fernandes (relator)
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. Nos presentes autos de ação especial por acidente de trabalho, decorrida a fase conciliatória sem que se tenha alcançado acordo, AA, por si e em representação da sua filha, BB, deu início à fase contenciosa, apresentando petição inicial, indicando como Rés A..., Lda. (1.ª), B..., Lda. (2.ª) e C..., Companhia de Seguros, S.A. (.ª), peticionando o seguinte:
a) Ser o acidente considerado como de trabalho;
b) Serem as Rés condenadas a pagar:
c) À Autora, a pensão anual no montante de 4.621,81 Euros (quatro mil seiscentos e vinte e um euros e oitenta e um cêntimos), a partir de 15 de junho de 2021, não remível nos termos do artigo 75.º da lei Lei 98/2009, de 4 de setembro, por ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, calculada com base na retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado à data do acidente e a percentagem de 30% sendo que, em conformidade com o disposto no artigo 59.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, após perfazer a idade da reforma por velhice a percentagem passará a ser de 40%;
d) À menor BB, filha finado CC a pensão anual no montante de 2.155,99 Euros (dois mil cento e cinquenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos), a partir de 15 de junho de 2021, não remível, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, al. a) da Lei 98/2009, de 4 de setembro;
e) A quantia de 2.896,15 Euros (dois mil oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos) a pagar à Autora mulher, relativa a subsídio por morte calculada de acordo com o disposto no art. 65.º, n.º 2, alínea a) da Lei 98/2009 de 04 de setembro e art. 3.º do DL 323/2009 de 24 de Dezembro (atualizado pela Portaria 21/2018);
f) A quantia de 2.896,15 Euros (dois mil oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos) a pagar à menor BB relativa a subsídio por morte calculada de acordo com o disposto no art. 65.º, n.º 2, alínea a) da Lei 98/2009 de 04 de setembro e art. 3.º do DL 323/2009 de 24 de Dezembro (atualizado pela Portaria 21/2018);
g) A quantia de 36,00 Euros (trinta e seis euros) relativo a deslocações obrigatória a Tribunal;
h) A quantia de 1.345,00 Euros (mil trezentos e quarenta e cinco euros) de despesas de funeral suportadas pela Autora, de acordo com o art. 66.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro. – cfr. documento comprovativo já junto aos autos na fase conciliatória.
i) A quantia de 100.000,00 Euros (cem mil euros) a título de dano morte;
j) A quantia de 60.000,00 Euros (sessenta mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela Autora e pela menor BB.
k) Quantias estas, acrescidas de juros de mora à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento.

2. Seguindo os autos os seus termos subsequentes, aquando da prolação do despacho saneador, em 1.ª instância foi proferida decisão, de cujo dispositivo consta:
“Ante todo o exposto e ao abrigo dos artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea e), ambos do C.P.C., julgo procedente a exceção dilatória da ilegitimidade da 1ª R. deduzida pela 1ª R. na sua contestação e, como tal, julgo a 1ª R. parte ilegítima e, em consequência, absolvo-a da instância.”

2.1. Dizendo-se inconformadas com o decidido, as Autoras apresentaram requerimento de interposição de recurso, formulando no final das respetivas alegações as seguintes conclusões (transcrição):
“i. Vem o presente recurso interposto pelo facto das ora Recorrentes se não conformarem com o Douto Despacho Saneador (datado de 20.02.2023), na parte em que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva deduzida pela 1.ª Ré na sua contestação e, como tal, julgou a 1.ª R. parte ilegítima e, em consequência, absolveu-a da instância.
ii. Assim, o tribunal a quo ao decidir, como decidiu, violou as normas legais previstas nos artigos 7.º, alínea a), 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, em leitura combinada e artigo 13.º, todos do Decreto-Lei 273/203, de 29 de outubro, devendo assim o despacho saneador que ora se recorre ser alterado em conformidade, isto é, deverá a dona da obra, empresa A..., Lda. ser considera parte legitima na presente ação.
iii. Para se apurar da legitimidade processual – que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação - tem, apenas, de se levar em consideração o concreto pedido formulado e da respetiva causa de pedir, aferindo-se a legitimidade processual pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelas AA., aqui recorrentes, na petição inicial, e é, tão só neste momento que tem de ser apreciada.
iv. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelas AA, recorrentes e a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
v. Escreve, o douto tribunal a quo que foi invocado pelas AA. que 1.ª Ré, na qualidade de Dona da Obra, é a entidade que detém o investimento e que proporcionou a execução dos projetos,
vi. porém, foi também invocado pelas AA., ora recorrentes, que por força do disposto nos artigos 7.º, alínea a), 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, em leitura combinada, do Decreto-Lei 273/203, de 29 de outubro, como dona da obra, a 1ª Ré é responsável, nos termos da legislação aplicável em matéria de segurança e saúde no trabalho.
vii. Consequentemente, ao contrário do decidido no douto despacho saneador do tribunal a quo, inexiste a exceção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela 1.ª Ré, dona da obra e decidida pela Meritíssima Juiz do tribunal a quo.
viii. A dona da obra - A..., Lda. - contratou B..., Lda. para efetuar os trabalhos de pedreiro referente à construção de 5 (cinco) moradias a implantar no terreno de construção de que é proprietária, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Amarante. – conforme contrato de empreitada que juntou como documento n.º 1 na sua contestação.
ix. Segundo o artigo 13.º do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de outubro, na sua redação atual, a dona da obra deveria impedir a entidade executante de iniciar “… a implantação do estaleiro sem estar aprovado o plano de segurança e saúde para a execução da obra” (cfr. n.º 2)
x. Porquanto, a entidade executante - B..., Lda. – só poderia “… iniciar a implantação do estaleiro depois da aprovação pelo dono da obra do plano de segurança e saúde para a execução da obra” (Cfr. n.º 1, do artigo 13.º do Decreto-Lei nº 273/2003).
xi. O que, comprovadamente, não aconteceu. – conforme inquérito de acidente de trabalho n.º ..., 2021/06/14, juntos aos autos pela Autoridade para as condições do trabalho – Unidade ..., em 04/03/2022, com a referência 7763177.
xii. Por outro lado, “A entidade executante deve assegurar que o plano de segurança e saúde e as suas alterações estejam acessíveis, no estaleiro, aos subempreiteiros, aos trabalhadores independentes e aos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde que nele trabalhem” – Cfr. n.º 3, do art.º 13.º do Decreto-Lei nº 273/2003.
xiii. Que, comprovadamente, também não aconteceu. – conforme inquérito de acidente de trabalho n.º ..., 2021/06/14, juntos aos autos pela Autoridade para as condições do trabalho – Unidade ..., em 04/03/2022, com a referência 7763177.
xiv. Face ao exposto, o Tribunal a quo ao julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade invocada pela empresa A..., Lda., 1.º Ré, violou, pois, os artigos 7.º, alínea a), 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, em leitura combinada e artigo 13.º, todos do Decreto-Lei 273/203, de 29 de outubro
xv. No caso concreto, através da presente ação, as AA., recorrentes pretendem ser ressarcidas das prestações devidas no tribunal de trabalho pela dona da obra, pela entidade patronal do trabalhador e pela respetiva seguradora – e reclamam ainda os danos não patrimoniais advenientes do mesmo acidente de trabalho, contra a entidade patronal, demandando também, pela reparação dos mesmos danos, solidariamente, a dona da obra em que o falecido CC trabalhava, invocando contra as mesmas a violação (por parte ambas) das regras de segurança no trabalho.
xvi. Ou seja, apelando ao instituto da responsabilidade civil extracontratual, com assento no artigo 483.º do Código Civil, imputam as AA às rés, dona da obra e entidade patronal, a violação de normas legais (de segurança no trabalho) destinadas a proteger interesses alheios - no caso, os interesses do sinistrado, seu falecido marido e pai.
xvii. Daí, defender-se a legitimidade processual da 1.ª Ré, dona da obra.
xviii. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães, Maria Amália Santos, processo n.º 2876/14.5T8BRG, datado de 23/11/2017, disponível in site www.dgsi.pt,
xix. Ainda a este respeito vejamos o Acórdão da Relação de Lisboa, Leopoldo Soares, processo n.º 328/19.6T8PDL.L1-4, datado de 11/09/2019, disponível in site www.dgsi.pt,
xx. Resulta então conforme o exposto, assim dos normativos antes elencados que a dona da obra - A..., Lda. – a qual contratou B..., Lda. para efetuar os trabalhos de pedreiro referente à construção de 5 (cinco) moradias a implantar no terreno de construção de que é proprietária, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Amarante configura parte legitima na presente ação.
xxi. Do exposto, dúvidas não podem restar que a dona da obra - A..., Lda. não pode ser absolvida da presente ação, por manifesta violação e errada interpretação da lei e dos artigos 7.º, alínea a), 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, em leitura combinada e artigo 13.º, todos do Decreto-Lei 273/203, de 29 de outubro, devendo assim o douto despacho nesta parte ser substituído por outro que mantenha a dona da obra - A..., Lda. como 1.ª Ré nos presente autos.
xxii. Por conseguinte, a legitimidade da 1.ª Ré verificou-se, independentemente do resultado, e consumou-se com a constatação da inexistência de coordenador na obra.
TERMOS EM QUE,
A PRESENTE APELAÇÃO DEVERÁ SER JULGADA PROCEDENTE, ALTERANDO-SE E REVOGANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO CONFORME ATRÁS PETICIONADO, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA, JUSTIÇA!”

2.1. Contra-alegou a 1.ª Ré, concluindo do seguinte modo:
“Nestes termos e, nos mais de Direito, Vossas Excelências Senhores Juízes Desembargadores, julgando improcedente o presente recurso e confirmando o douto despacho recorrido, farão inteira e sã JUSTIÇA!”

2.2. O recurso foi admitido como “apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo - cfr. artºs 79º, alínea b); 79º-A, nº 1, alínea b); 80º, nº 2; 81º, nº 1; 82º, nº 1; 83º, nº 1; e 83º-A, nº 2, todos do C.P.T., e 5º, nº 3, da Lei nº 107/2019, de 09.09.”

3. Apresentados os autos, nesta Relação, ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o mesmo exarou posição no sentido de lhe estar vedada no caso a emissão de parecer.

4. Não constando dos autos que estivesse fixado o valor da ação, foi proferido despacho pelo aqui relator terminando a baixa à 1.ª instância, para esses efeitos, vindo aí a ser proferida decisão que fixou o valor da causa em € 173.950,00, após o que os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação.
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Cumpre decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se a decisão recorrida está conforme à lei e ao direito, ao ter considerado a 1.ª Ré parte ilegítima.
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III – Fundamentação
A) De facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu.
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B) Discussão
Em face das conclusões apresentadas, que como é sabido delimitam o objeto do recurso (salvo questões de conhecimento oficioso), extrai-se que as Recorrentes, afirmando que a decisão recorrida “violou as normas legais previstas nos artigos 7.º, alínea a), 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, em leitura combinada e artigo 13.º, todos do Decreto-Lei 273/203, de 29 de outubro”, invocam como argumentos o seguinte:
- “Para se apurar da legitimidade processual – que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação - tem, apenas, de se levar em consideração o concreto pedido formulado e da respetiva causa de pedir, aferindo-se a legitimidade processual pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelas AA., aqui recorrentes, na petição inicial, e é, tão só neste momento que tem de ser apreciada”, sendo que, tendo também sido invocado que, “por força do disposto nos artigos 7.º, alínea a), 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, em leitura combinada, do Decreto-Lei 273/203, de 29 de outubro, como dona da obra, a 1ª Ré é responsável, nos termos da legislação aplicável em matéria de segurança e saúde no trabalho”, “consequentemente, ao contrário do decidido no douto despacho saneador do tribunal a quo, inexiste a exceção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela 1.ª Ré, dona da obra e decidida pela Meritíssima Juiz do tribunal a quo”;
- Segundo o artigo 13.º do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de outubro, na sua redação atual, a dona da obra deveria impedir a entidade executante de iniciar “… a implantação do estaleiro sem estar aprovado o plano de segurança e saúde para a execução da obra”, “porquanto, a entidade executante - B..., Lda. – só poderia “… iniciar a implantação do estaleiro depois da aprovação pelo dono da obra do plano de segurança e saúde para a execução da obra” (Cfr. n.º 1, do artigo 13.º do Decreto-Lei nº 273/2003)”, “o que, comprovadamente, não aconteceu. – conforme inquérito de acidente de trabalho n.º ..., 2021/06/14, juntos aos autos pela Autoridade para as condições do trabalho – Unidade ..., em 04/03/2022, com a referência 7763177”, sendo que, “por outro lado, “A entidade executante deve assegurar que o plano de segurança e saúde e as suas alterações estejam acessíveis, no estaleiro, aos subempreiteiros, aos trabalhadores independentes e aos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde que nele trabalhem” – Cfr. n.º 3, do art.º 13.º do Decreto-Lei nº 273/2003”, “que, comprovadamente, também não aconteceu. – conforme inquérito de acidente de trabalho n.º ..., 2021/06/14, juntos aos autos pela Autoridade para as condições do trabalho – Unidade ..., em 04/03/2022, com a referência 7763177”;
- No caso concreto, através da presente ação, “pretendem ser ressarcidas das prestações devidas no tribunal de trabalho pela dona da obra, pela entidade patronal do trabalhador e pela respetiva seguradora – e reclamam ainda os danos não patrimoniais advenientes do mesmo acidente de trabalho, contra a entidade patronal, demandando também, pela reparação dos mesmos danos, solidariamente, a dona da obra em que o falecido CC trabalhava, invocando contra as mesmas a violação (por parte ambas) das regras de segurança no trabalho”, “ou seja, apelando ao instituto da responsabilidade civil extracontratual, com assento no artigo 483.º do Código Civil, imputam as AA às rés, dona da obra e entidade patronal, a violação de normas legais (de segurança no trabalho) destinadas a proteger interesses alheios - no caso, os interesses do sinistrado, seu falecido marido e pai”, “daí, defender-se a legitimidade processual da 1.ª Ré, dona da obra”.
Contrapõe a Recorrida, por sua vez, que enquanto dona da obra está excluída a responsabilidade por sinistros derivados da inobservância das regras de segurança e higiene no trabalho por parte do empreiteiro – como dito na decisão recorrida, “dado que não há indicação da lei em contrário, impõe-se considerar, tendo em conta a relação controvertida configurada pelas A.A. na petição inicial, que, quanto ao lado passivo, titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade é, tão só, quer a 2ª R., “B..., Ld.ª”, quer a 3ª R., “C... - Companhia de Seguros, S.A.” –, para concluir que a ação nunca poderia ser procedente em relação a si, “pelo que para efeitos de legitimidade esta não tem qualquer interesse em contradizer porquanto da eventual procedência da ação (que nunca o poderia ser em relação a si) nenhum prejuízo lhe poderia advir – Art. 30º, 1 e 2 do CPC”.
O Tribunal de 1.ª instância fez constar da decisão recorrida o seguinte (transcrição):
«(…) Dispõe o artº 30º, nº 1, do C.P.C. (aplicável ex vi artº 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T.), que: “(…); o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.”.
Já o artº 30º, nº 2, do C.P.C. (aplicável ex vi artº 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T.), estatui que: “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.”.
Quanto ao artº 30º, nº 3, do C.P.C. (aplicável ex vi artº 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T.), o mesmo prescreve que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”.
Isto posto, importa salientar que do teor do artº 30º, nº 3, do C.P.C., decorre que, não havendo disposição legal em sentido contrário, ao problema da legitimidade importa apenas saber quais são os sujeitos da relação material litigiosa que foi delineada pelo autor, ou seja, quais são as pessoas a quem ela diz realmente respeito ou a quem ela interessa de modo direto.
Ora, na presente ação, dado que não há indicação da lei em contrário, impõe-se considerar, tendo em conta a relação controvertida configurada pelas A.A. na petição inicial, que, quanto ao lado passivo, titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade é, tão só, quer a 2ª R., “B..., Ld.ª”, quer a 3ª R., “C... - Companhia de Seguros, S.A.”.
Na verdade, compulsada a petição inicial, verifica-se que tal relação consubstancia-se na circunstância de CC ter sido vítima de um acidente de trabalho mortal no dia 14.06.2021 enquanto se encontrava ao serviço da 2ª R.; na circunstância de a responsabilidade da 2ª R. por tal acidente se encontrar transferida para a 3ª R. apenas por parte da retribuição anual auferida por CC; e na circunstância de o referido acidente ter resultado de falta de observação, pela 2ª R., de regras sobre segurança e saúde no trabalho. A propósito da última das circunstâncias acabadas de referir, importa destacar que decorre do artº 18º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, que a responsabilidade agravada do empregador que está prevista no artº 18º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, pode ter dois fundamentos: um comportamento culposo (doloso ou meramente culposo) - “o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra” - ou uma violação normativa - “resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho”.
Ora, decorre da petição inicial que as A.A., enquanto beneficiárias do sinistrado, CC, pretendem tirar proveito da responsabilidade agravada do empregador que está prevista no artº 18º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, e indicam como fundamento para a referida responsabilidade uma violação normativa - “resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho”.
Sendo que emerge da petição inicial que o empregador do sinistrado era a 2ª R. e que a 1ª R. nem era representante da 2ª R. nem era entidade contratada pela 2ª R. nem era empresa utilizadora de mão de obra.
Aliás, segundo a petição inicial, a 1ª R., na qualidade de dono da obra, é a entidade que detém o investimento e que proporcionou a execução dos projetos.
Ante todo o exposto e ao abrigo dos artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea e), ambos do C.P.C., julgo procedente a exceção dilatória da ilegitimidade da 1ª R. deduzida pela 1ª R. na sua contestação e, como tal, julgo a 1ª R. parte ilegítima e, em consequência, absolvo-a da instância. (…)»

Apreciando, na consideração do entendimento que esteve na base da decisão recorrida, que antes citámos, adiantamos desde já que concordamos com tal entendimento e consequente decisão, como veremos de seguida.
É que, salvo o devido respeito, vistos os argumentos erigidos pelas Recorrentes as mesmas esquecem, quando o não deveriam fazer, a natureza e fins que são perseguidos na presente ação, com processo especial, assim processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º e seguintes do CPT, direitos esses que estão expressamente previstos em lei também própria e específica, atualmente a Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais (LAT) e em que se define a quem assiste a responsabilidade pela respetiva reparação, incluindo nos casos de acidente com imputada violação de regras sobre a segurança, a higiene e a saúde no trabalho, pois que, ainda neste caso, com salvaguarda do respeito devido pela posição defendida no presente recurso – que aliás sustentam em doutrina que não temos por aplicável ao caso[1], o mesmo ocorrendo com a jurisprudência que indicam, pois que proferida em processos de diversa natureza, assim de natureza cível ou contraordenacional –, a lei aplicável apresenta-se na nossa ótica como suficientemente clara e objetiva, assim no sentido, citando-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de janeiro de 2021[2], de que “é ao empregador que, em caso de violação de tais regras, cabe reparar os danos provindos do acidente de trabalho de que haja sido vítima o trabalhador ao seu serviço – artigo 18.º, nºs 1 e 3, da LAT - sem prejuízo do direito de regresso que lhe assista quando essa violação seja imputável a um terceiro (artigo 17º, nºs 1 e 4, da LAT)”.
Como se esclarece no mencionado Aresto, o que afasta a necessidade de maiores considerações da nossa parte (citação):
“(…) Com efeito, o vínculo obrigacional do qual emergem os direitos previstos na LAT estabelece-se entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade empregadora ou (e) a seguradora, por outro, entroncando esta concepção nas teorias do risco económico ou do risco profissional, de acordo com as quais quem beneficia da actividade prestacional do trabalhador e conforma a sua laboração, através de um vínculo – real ou potencial – de autoridade / subordinação jurídica e económica, deve igualmente assumir a responsabilidade pela reparação dos sinistros que com ele ocorram.
Assim, resulta claro que, ainda que os factos integradores da violação dos dispositivos relativos à segurança, higiene e saúde no trabalho sejam imputáveis a um terceiro – que se assuma, no circunstancialismo de tempo e lugar em que ocorre o evento danoso, como dono das instalações e equipamentos onde o trabalho é prestado ou coordenador das tarefas a executar – a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho recai, necessariamente, sobre o empregador do sinistrado, por força da inexistência de vínculo jurídico entre o trabalhador e esse terceiro.
Como se afirmou no acórdão anteriormente citado de 19.6.2013, Procº nº 3529/04.8TTLSB.L2.S1. que vimos seguindo de perto:
“(…) importa concluir que é sobre a empregadora do sinistrado que recai o “risco de autoridade”, sendo esta, por isso, a primeira responsável pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador, mesmo em situações de responsabilidade agravada, por violação das regras de segurança, que sejam imputáveis a terceiro face à relação laboral.
O empregador não se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente os seus trabalhadores exercem actividade, limitando-se a confiar no cumprimento dessas obrigações a terceiros ou a confiar que nada sucederá.
Daí que, o facto de a responsabilidade pela definição e observância das regras de segurança incumbir a um terceiro, não exima o empregador da sua responsabilidade infortunística perante os seus trabalhadores”.
Como também se afirmou no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 6/2013, de 6.12.2013, proferido no Procº nº 28909.0TTSTB-A.S1, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 45, de 5.3.2013, “(…) deve continuar a ter-se presente, tal como se referiu no acórdão desta secção de 27 de Janeiro de 2003, proferido na revista n.º 3775, Pº 03S3775, que «é de considerar que, ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a um terceiro (que responderá por tal perante as entidades fiscalizadoras competentes ou até em face da entidade patronal, na sede própria), continua a ser a entidade patronal - que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador -, a responsável directa perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho». (…)”.
Acompanhando-se, como o dissemos já, o citado entendimento, porque no mesmo é já dada adequada resposta aos argumentos avançados pelas Recorrentes, resta-nos concluir pela improcedência do presente recurso.
Por decaimento, a responsabilidade pelas custas no recurso impende sobre as Recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que as mesmas gozam (artigo 527.º do CPC)
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Sumário, da responsabilidade do relator:
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IV. Decisão:
Nesta conformidade com o antes exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar improcedente o recurso, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que as mesmas gozam.

Porto, 9 de outubro de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] Assim a citação de Romano Martinez (Direito do Trabalho, II vol., 3ª edição, Lisboa, p. 185, pois que dessa se extrai – quando se escreve que “o regime estatuído para os acidentes de trabalho só pretende fixar as reparações expressamente nele previstas, não excluindo, todavia, a aplicação do regime comum da responsabilidade aquiliana, e não impedindo, portanto, que o trabalhador (ou qualquer outro lesado) recorra à ação cível para obter, no âmbito da responsabilidade extracontratual subjetiva, o ressarcimento de danos que se não encontram abrangidos pelo direito à reparação pelo acidente de trabalho (vd. autor e ob. cits. pp. 187, 190 e 192)” –, que o referido Autor se está a referir à possibilidade de recurso à ação cível e não, pois, que tal possa ser exercido no processo especial por acidente de trabalho.
[2] Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, in www.dgsi.pt.