Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1047/21.9YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE DESPEJO
ADMISSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO POR BENFEITORIAS
Nº do Documento: RP202207131047/21.9YLPRT.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do procedimento especial de despejo, previsto nos arts. 15º a 15º-S do NRAU, é admissível a dedução de reconvenção por parte do arrendatário de modo a este fazer valer o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega se pede.
II - Admissibilidade que se funda em razões de economia processual – de modo a evitar a propositura de ação autónoma – e de tutela efectiva da posição do arrendatário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1047/21.9YLPRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 1
Apelação
Recorrente: AA
Recorrido: BB
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
BB requereu em 4.10.2021 procedimento especial de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento contra AA, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento celebrado em 1.11.2010 em virtude de oposição à renovação deduzida pelo senhorio.
Notificado, veio o requerido AA deduzir oposição ao requerimento de despejo alegando o seguinte:
- À data da entrada do presente procedimento no BNA[1] estava suspensa a produção de efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento a que se refere o requerente;
- Não se constata ter havido a comunicação a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 1097º do Cód. Civil (art. 9º do NRAU);
- A notificação judicial avulsa, junta aos autos, não respeita o disposto no art. 9º do NRAU, nem respeita a Lei nº 6/2006, de 27.2., em vigor à data da realização do contrato, pois só por acordo do senhorio e do arrendatário é que se poderia usar essa forma de comunicação, o que, no caso em apreço, não aconteceu;
- Por isso, inexiste notificação formal de oposição à renovação do contrato de arrendamento, por parte do requerente;
- Mesmo que aplicável essa forma de comunicação, os seus efeitos estão suspensos, face ao preceituado nos arts. 6-E e 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19.3., na versão em vigor à data da entrada do presente procedimento especial de despejo;
- O senhorio sempre teria de enviar nova notificação ao arrendatário a opor-se à renovação do contrato.
Mais alega o requerido que não entrega o arrendado porque não tem para onde ir, que sofre de depressão crónica há cerca de 3 anos e é hipertenso e para que lhe seja atribuída a deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 %, requereu a respetiva Junta Médica junto do competente Centro de Saúde.
Deduziu ainda reconvenção pedindo que o reconvindo seja condenado a pagar-lhe a quantia de 5.500,00€, a título de benfeitorias por si realizadas no locado, acrescida de juros legais até integral pagamento e reclamando também direito de retenção, nos termos do art. 754º do Cód. Civil.
Notificado o requerente para se pronunciar quanto à exceção e reconvenção deduzidas na oposição, veio este pugnar pela improcedência da exceção deduzida, alegando que à data da entrada do presente procedimento no BNA não estava suspensa a produção de efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento a que se refere o requerido, que a suspensão invocada no âmbito do regime jurídico citado não procede de forma automática, tem de existir decisão judicial final e que a comunicação efetuada pelo requerente, por meio de Notificação Judicial Avulsa, é válida e eficaz, e sendo realizada por escrito assinado pelo requerente, este apenas peca por excesso de zelo, na medida em que utilizou um meio superior ao mínimo legalmente exigível.
Pugnou, ainda, pela inadmissibilidade da reconvenção com fundamento em que estamos perante um processo especial, que a apreciação de um outro pedido introduziria a necessidade de se apreciarem e decidirem novas questões, o que iria contra as características de urgência, celeridade e simplificação pretendidas pelo legislador na utilização deste procedimento de despejo e que nos presentes autos a reclamação de créditos invocada não está interligada com o pedido especial de despejo, uma vez que essa compensação não está contida no pedido formulado pelo requerente e, como tal, não deve ser tratada como exceção perentória.
Notificado para se pronunciar sobre a inadmissibilidade da reconvenção, o requerido voltou a pronunciar-se no sentido da sua admissibilidade.
Por decisão proferida em 27.4.2022 a Mmª Juíza “a quo” não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo requerido nos termos que se passam a transcrever:
“(…)
Como se refere no Ac. R.P. de 30/06/2014, proc. nº 1572/13.5YLPRT, disponível em www.dgsi.pt, cujo entendimento subscrevemos e aqui seguimos de perto, o especialíssimo procedimento de despejo, previsto nos arts. 15º a 15º-S do NRAU, tem os seus apertados contornos aí definidos. O seu objecto primário é o obter o despejo, podendo, no entanto, ser cumulado tal pedido com o pagamento de rendas, encargos e despesas, nos termos do nº 5 do aludido art. 15º, e art. 15º-B.
Não sendo formulado tal pedido, não pode o arrendatário, nem deduzir reconvenção, invocando o direito a ser indemnizado por benfeitorias nem pode invocar a compensação invocando um crédito devido a benfeitorias, porque não foram peticionadas rendas pelo senhorio (neste sentido, vejam-se o texto de Laurinda Gemas e Albertina Pedroso, disponibilizado em comunicação sobre o NRAU, realizada pela Associação Jurídica de Tomar).
Efectivamente, a Lei nº 6/2006 aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e, entretanto, outras alterações foram introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14/08, que entre outros objectivos, criou um procedimento especial de despejo do local arrendado visando permitir a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento.
O procedimento em causa rege-se pelo disposto nos arts. 15º a 15º-S já referidos sendo que aquelas normas que regulam este procedimento devem ler-se à luz dos seus específicos fundamentos e razão de ser, no caso, a procura de uma resposta célere à resolução do conflito relativo ao arrendamento e ao despejo, visando dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente criando um procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento (cfr. art. 1º da Lei nº 31/2012).
O procedimento comporta apenas dois articulados, seguindo-se de imediato o julgamento, sendo as provas oferecidas em audiência de julgamento.
Em suma, no enquadramento legal em questão, não é admissível reconvenção e só quando ocorrer a cumulação do pedido do requerente, nos termos referidos no nº 5, do art. 15º, é permitido ao requerido invocar o direito a compensação se for detentor de um crédito resultante de benfeitorias realizadas no arrendado.
Idêntica posição encontramos, também, no Ac. R.E. de 20/11/2014, proc. nº 3588713.2YLPRT, disponível em www.dgsi.pt, quando refere “Ora, da natureza célere e urgente do procedimento em apreço, com prazos apertados de tramitação e decisão, que apenas comporta dois articulados (ou novo articulado apenas para garantir o contraditório, designadamente, a excepções ou nulidades que tenham sido invocadas) resulta, desde logo, que tal procedimento não se compadece com acções cruzadas, como é o caso da reconvenção (cfr. A. Varela e outros “Manual de P.C.”, 2ª ed. p. 313/314), de instrução morosa que dificulte aquele objectivo de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, concretizados mediante a agilização do procedimento de despejo.”
Há ainda que considerar que o art. 266º nº 2 do C.P.C. estabelece a inadmissibilidade da reconvenção quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do A., ainda que preveja que o juiz o possa autorizar nos termos do art. 37º nº 2 e 3 do C.P.C., adaptando o processo a tal pedido. A regra é, porém, a da inadmissibilidade da reconvenção nos processos especiais.
Diz-nos Laurinda Gemas in “Algumas questões controversas no novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento”, Revista do CEJ n.º 1, 2013, pág. 23 ss.: “parece que dificilmente será admissível a defesa por reconvenção atento o disposto no art.º 266.º n.º 3 do CPC, já que ao pedido reconvencional corresponderá a forma de processo comum declarativo, manifestamente incompatível com o processo especial de uma acção no âmbito do PED, em particular face à urgência que os actos a praticar pelo juiz aqui assumem (art.º 15.º-S n.º 8) ao oferecimento de provas na audiência (art.º 15.º-I n.º 6) e à inexistência de audiência prévia.”.
Em face de todo o exposto, por ser legalmente inadmissível, não se admite o pedido reconvencional deduzido pelo Requerido, sendo que, não tendo o Requerente formulado o pedido a que alude o nº 5 do art. 15º do NRAU, a matéria alegada na reconvenção não configura defesa por excepção admissível.
(…)”
Na mesma decisão de 27.4.2022 foi ainda decidido:
- Julgar improcedente a oposição deduzida ao presente procedimento especial de despejo;
- Indeferir o pedido de diferimento da desocupação do locado;
- Determinar a suspensão do ato de entrega do locado até que seja declarado cessado o regime previsto no art. 6º-E, nº 7, al. c) da Lei nº 1-A/2020 de 19/03 - diploma que estabeleceu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 -, na redação que foi introduzida pela Lei n.º 13-B/2021 de 5/04.
Inconformado com a decisão de não admissão do pedido reconvencional que havia deduzido interpôs recurso o requerido. Finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Corre termos o Processo de Oposição ao Procedimento Especial de Despejo (doravante “PED”) em que é arrendatário o ora recorrente.
2ª - Na oposição, o ora recorrente deduziu reconvenção, pedindo que o Reconvindo seja condenado a pagar-lhe a quantia de 5500 €, a título de benfeitorias por si realizadas no locado, acrescida de juros legais, até integral pagamento, reclamando o direito de retenção, nos termos do art. 754º do Cód. Civil.
3ª - O douto Tribunal a quo concluiu inadmitir o pedido reconvencional deduzido pelo ora recorrente, por ser legalmente inadmissível, já que, não tendo o Requerente formulado o pedido, em cumulação, a que alude o nº 5 do art. 15º do NRAU, a matéria alegada na reconvenção não configura defesa por excepção admissível.
4ª - O ora recorrente, salvo todo o respeito, discorda.
5ª - Sustenta essa discordância, no entendimento doutrinal de Edgar Valles em “Arrendamento Urbano, Constituição e Extinção, p. 159 e s., ao qual segue e adere integralmente.
6ª - No PED, a oposição comporta a possibilidade de reclamação de benfeitorias, pois o arrendatário goza do direito de retenção por benfeitorias realizadas (art. 754 CC). Como tal, pode reter o locado até que seja pago por tais benfeitorias. Sendo assim, o direito de retenção constitui uma causa impeditiva de desocupação do locado.
7ª - Também não obsta o facto de o pedido ter de ser deduzido por via de reconvenção, quando o procedimento abrange só duas peças (requerimento de despejo e oposição).
8ª - Não admitir a possibilidade de reclamação de benfeitorias, será, na prática, suprimir o direito de retenção do arrendatário, quando não há norma expressa a fazê-lo.
9ª - Mas o ora recorrente igualmente sustenta a sua discordância da decisão do Tribunal a quo no entendimento jurisprudencial a que se refere no corpo destas alegações.
10ª - O pedido reconvencional estriba-se nos mais amplos direitos de defesa, dados ao recorrente e não há norma expressa a impedir a dedução da reconvenção.
11ª – A reconvenção é admissível, já que as respetivas tramitações – da mesma e do PED - não são absolutamente incompatíveis.
13ª - Sendo certo que na reconvenção, há um interesse relevante do recorrente em ver-se ressarcido das despesas efetuadas no arrendado, e a apreciação, quer do requerido pelo A., quer o reconvencionado é indispensável para a justa composição do litígio (parte final do nº 3 do art. 266 do CPC).
14ª - Não admitir a possibilidade de reclamação de benfeitorias seria, na prática, suprimir o R. de exercer o direito de retenção, na qualidade de arrendatário, previsto no art. 754 do C.C.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida, nesse segmento, e que se determine a admissibilidade do pedido reconvencional, seguindo os autos os seus ulteriores termos.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se no caso dos autos, referente a procedimento especial de despejo, é de admitir a dedução de pedido reconvencional.
*
Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
*
Passemos à apreciação do mérito do recurso.
1. Na decisão recorrida, pela fundamentação que atrás se deixou transcrita, não se admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo requerido, entendimento que tem agora a discordância deste em via recursiva, sustentado em doutrina e jurisprudência que referencia.
A argumentação da Mmª Juíza “a quo”, no sentido da inadmissibilidade da reconvenção, assenta essencialmente nos seguintes aspetos:
- não sendo pedido pelo senhorio o pagamento de rendas, encargos e despesas, não pode o arrendatário deduzir reconvenção, invocando o direito a ser indemnizado por benfeitorias, tal como não pode invocar a compensação alegando um crédito devido a benfeitorias;
- o procedimento especial de despejo comporta apenas dois articulados, seguindo-se de imediato o julgamento, sendo as provas oferecidas na audiência de julgamento;
- correspondendo ao pedido reconvencional a forma de processo comum declarativo esta é incompatível com o procedimento especial de despejo, em particular face à urgência dos atos a praticar pelo juiz, ao oferecimento de provas na audiência e à inexistência de audiência prévia.
2. A matéria em discussão, relativa à admissibilidade de reconvenção no âmbito do procedimento especial de despejo, mostra-se controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência.
No sentido da inadmissibilidade da reconvenção neste processo especial, seguido na decisão recorrida, apontam-se os seguintes acórdãos: Rel. Lisboa de 26.9.2019 (Inês Moura), proc. 427/19.4YLPRT-A.L1-2; Rel. Porto de 30.6.2014, proc. 1572/13.5YLPRT.P1 (Rita Romeira); Rel. Évora de 20.11.2014 (Alexandra Moura Santos), proc. 3588/13.2YLPRT.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Na doutrina, nesta orientação, referencia-se LAURINDA GEMAS, “Algumas questões controversas no novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento”, Revista do CEJ nº 1, 2013, págs. 23/24.
Pronunciando-se favoravelmente à admissibilidade da reconvenção, nestes casos, mencionam-se os seguintes acórdãos: Rel. Lisboa de 27.4.2017 (Pedro Martins), proc. 3222/16.9YLPRT-2; Rel. Lisboa de 6.3.2014 (Ondina Carmo Alves), proc. 2389/13.2YLPRT.L1-2; Rel. Lisboa de 29.9.2020 (Conceição Saavedra), proc. 2723/19.1YLPRT.L1-7; Rel. Lisboa de 5.4.2022 (Micaela Sousa), proc. 937/21.3 YLPRT.L1-7, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Na doutrina, nesta orientação, aponta-se RUI PINTO, “O Novo Regime Processual do Despejo”, 2ª ed., 2013, págs. 153/154 e 161, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª ed., 2018, pág. 536 e EDGAR VALLES, “Arrendamento Urbano – Constituição e Extinção”, 2ª ed., 2020, págs. 165/166.
3. Diversamente da decisão recorrida propendemos para considerar admissível a reconvenção no procedimento especial de despejo.
Vejamos então.
O procedimento especial de despejo foi criado pela Lei nº 31/2012, de 14.8 que veio alterar o NRAU[2], com vista a permitir a célere recolocação do local arrendado no mercado de arrendamento – cfr. art. 1, al. c) daquele diploma.
Depois o Dec. Lei nº 1/2013, de 7.1 e a Portaria nº 9/2013, de 10.1 vieram definir as regras de funcionamento do Balcão Nacional de Arrendamento e do procedimento especial de despejo.
O procedimento especial de despejo acha-se assim regulado nos arts. 15º a 15º-S do NRAU e no que toca à oposição ao mesmo por parte do requerido dispõe-se o seguinte no art. 15º-F:
«1. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2. A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.
(…).”
Seguidamente no art. 15º-H estatui-se o seguinte:
1. Deduzida oposição, o BNA apresenta os autos à distribuição e remete ao requerente cópia da oposição.
2. Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais, ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório.
3. Não julgando logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decidindo logo do mérito da causa, o juiz ordena a notificação das partes da data da audiência de julgamento.
4. Os autos são igualmente apresentados à distribuição sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial.”
Por seu turno, é também de assinalar ser obrigatória a constituição de advogado para dedução de oposição ao requerimento de despejo, sendo que as partes se têm de fazer representar por advogado nos atos processuais subsequentes à distribuição. Aos prazos aplicam-se as regras previstas no Cód. de Proc. Civil, mas não há lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação, havendo ainda a referir que os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente – cfr. art. 15º-S, nºs 3, 4, 5 e 8 do NRAU.
Patente é que na tramitação do procedimento especial de despejo não está prevista a possibilidade de dedução de reconvenção por parte do requerido, embora se contemple a apresentação de um novo articulado, sempre que tal seja necessário para garantir o contraditório – cfr. art. 15º-H, nº 2 do NRAU.
LAURINDA GEMAS (in ob. e loc. cit.), defendendo a inadmissibilidade da reconvenção nesta forma processual, escreve o seguinte: “(…) Não obstante a possibilidade de resposta à oposição, parece que dificilmente será admissível a defesa por reconvenção, atento o disposto no art. 266.º, n.º 3, do CPC, já que ao pedido reconvencional corresponderá a forma de processo comum declarativo, manifestamente incompatível com o processo especial duma ação no âmbito do PED, em particular face à urgência que os atos a praticar pelo juiz aqui assumem (art. 15.º-S, n.º 8), ao oferecimento das provas na audiência (art. 15.º-I, n.º 6) e à inexistência de audiência prévia. Admite-se, com dúvidas que, sendo peticionadas rendas, encargos e despesas pelo senhorio, o requerido possa invocar a compensação, designadamente com o crédito por benfeitorias ou outra indemnização a que tenha direito. (…).”
Trata-se inequivocamente de argumentação válida, uma vez que a formulação de um pedido pelo requerido contra o requerente com a consequente necessidade de apreciar e decidir novas questões poderá contrariar as razões de celeridade e simplificação que estiveram na base da criação do procedimento especial de despejo.
4. Porém, motivos que assentam na economia processual e na efetiva tutela da posição do arrendatário aconselham, em princípio, a adoção da posição oposta, no sentido da admissão da reconvenção mesmo nesta forma processual.
Tal como se refere no já mencionado Ac. da Rel. Lisboa de 29.9.2020, que temos vindo a acompanhar de perto, a admissão da reconvenção neste caso surge como “a forma mais adequada de proteger o interesse do arrendatário se este pretender reclamar do senhorio o seu crédito por benfeitorias ou despesas relativas ao imóvel (arts. 1036 e 1273 do C.C.), tendo em conta o direito que lhe assistirá de reter o locado, nos termos do art. 754 do C.C., quando obrigado a entregar o mesmo. Admitindo-se que tal direito apenas deveria ser exercido em ação autónoma que constituiria causa prejudicial relativamente ao PED, acabaríamos por contrariar, de igual modo, o caráter urgente deste mesmo procedimento (ver art. 272, nº 1, do C.P.C.).”
Neste mesmo sentido, referir-se-á a posição de RUI PINTO (ob. cit., págs. 153/154) que a propósito da oposição no procedimento especial de despejo escreve o seguinte:
“Dado ainda não ter corrido prévio processo judicial, deve entender-se que o direito de defesa determina que o conteúdo da oposição seja qualquer fundamento que possa ser invocado no processo de declaração. (…) Portanto, pode ser oposta impugnação e exceção e, bem assim, fazer-se valer o direito a benfeitorias. Se tal era admissível em sede de art. 929.º, nº 1, CPC[3] (…) não (pode) deixar de ser permitido, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efetiva da posição material do inquilino.
Assim, consoante as possibilidades dadas pelo direito substantivo, tanto poderá pedir a condenação do senhorio no pagamento do valor das benfeitorias, como o reconhecimento do direito a levantá-las, em reconvenção.”
Por outro lado, a tramitação própria do procedimento especial de despejo não se mostra necessariamente incompatível com a reconvenção.
Embora ao pedido reconvencional corresponda processo comum declarativo, o juiz sempre o poderá admitir, adaptando o processado nos termos permitidos pelas disposições conjugadas dos arts. 266º, nº 3 e 37º, nºs 2 e 3 do Cód. de Proc. Civil.
De resto, constituindo o procedimento especial de despejo um processo declarativo especial, naquilo que não esteja especialmente regulado valem as regras gerais e comuns do Cód. de Processo Civil e em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, vale o que se acha estabelecido para o processo comum – cfr. art. 549 do Cód. de Proc. Civil.[4]
E a possibilidade de apresentação de um novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório, pode servir para responder tanto a matéria de exceção como a matéria alegada em reconvenção.
Por seu turno, EDGAR VALLES (in ob. e loc. cit.)[5] escreve o seguinte:
“É nossa opinião que no PED a oposição comporta a possibilidade de reclamação de benfeitorias, pois o arrendatário goza do direito de retenção por benfeitorias (art. 754º CC). Como tal, pode reter o locado até que seja pago por tais benfeitorias. Sendo assim, o direito de retenção constitui uma causa impeditiva de desocupação do locado.
Também não obsta o facto de o pedido ter de ser deduzido por via de reconvenção, quando o procedimento abrange só duas peças (requerimento de despejo e oposição). O STJ, por Ac. de 6/06.2017[6], contrariou a tese da inadmissibilidade da reconvenção em procedimentos especiais, adotando uma posição mais flexível (“Código de Processo Civil Anotado”, António Geraldes e outros, Almedina, pág. 304).
É certo que esta possibilidade abre a via para paralisar o despejo, pois aquilo que se pretendia ficar consumado em três meses acaba por se prolongar por largo período de tempo. Poderá, no final, concluir-se que não foram realizadas benfeitorias ou que estas não conferem direito à indemnização. Mas em tais casos, pode funcionar a norma do art. 15º-D, nº 4, al. e), que responsabiliza o Requerido pelos danos causados ao Requerente e prescreve a condenação em multa de valor não inferior a 10 vezes a taxa devida, em caso de dedução de oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada.
Não admitir a possibilidade de reclamação de benfeitorias, seria, na prática, suprimir o direito de retenção do arrendatário, quando não há norma expressa a fazê-lo…”
Deste modo, diferentemente do despacho recorrido, entendemos que o pedido formulado em sede reconvencional pelo requerido, que se enquadra no disposto no art. 266º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, não contraria o regime do procedimento especial de despejo, devendo, por isso, ser admitido.
Por conseguinte, o recurso interposto é de julgar procedente, impondo-se a revogação da decisão recorrida na parte em que não admitiu a reconvenção deduzida pelo requerido.
*
Sumário (da responsabilidade do relator – ar. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
………………………………
………………………………
………………………………
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo requerido AA e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que não admitiu o pedido reconvencional, que se substitui por outra que o admite e ordena-se, nessa parte, o prosseguimento dos autos.
Custas a cargo do recorrido.

Porto, 13.7.2022
Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
____________
[1] Balcão Nacional de Arrendamento
[2] Aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27.2.
[3] Do anterior Cód. de Proc. Civil, que corresponde ao art. 860º, nº 1 do atual Cód. de Proc. Civil, onde se preceitua que o executado pode deduzir oposição à execução com fundamento em benfeitorias a que tenha direito.
[4] Cfr. RUI PINTO, ob. cit., pág. 160.
[5] Referenciado nas alegações de recurso.
[6] Relator Júlio Gomes, disponível in www.dgsi.pt.