Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8/09.0TBMCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
QUALIDADE DE LESADO E LESANTE REUNIDO NA MESMA PESSOA
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
DANO MORTE
Nº do Documento: RP201211268/09.0TBMCD.P1
Data do Acordão: 11/26/2012
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 483º E 504º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- Tratando-se de transporte gratuito, a responsabilidade de quem tem a direcção efectiva do veículo abrange apenas os danos pessoais das pessoas transportadas, ou seja, os danos patrimoniais e não patrimoniais produzidos sobre essas pessoas.
II- O afastamento da indemnização quando coincidem lesante e lesado, decorrente da redacção dada ao artº 483º do Código Civil, tem o seu fundamento na culpa: não faz sentido que o responsável (culposo) pelos danos a si mesmo beneficie da protecção da lei civil e, por consequência, da do seguro obrigatório.
III- O proprietário do veículo era um ocupante do veículo que se não provou que o conduzisse, pelo que beneficia da indemnização prevista no artº 504º do Código Civil da reparação do dano morte.
IV- Os familiares dos ocupantes do veículo têm apenas direito aos danos não patrimoniais sofridos pelo seu familiar falecido, imediatamente antes do acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8/09.0TBMCD.P1

Recorrentes – B…., SA; intervenientes C……, D…… e E…...

Recorridos – F….. e G….; H…., I…. e J…..; K…., L….. e M…..; B….. e intervenientes C…., D…. e E…..

Recursos:
1 – Apelação da ré seguradora sobre decisão interlocutória.
2 – Apelação da ré seguradora sobre a decisão final.
3 – Apelação dos intervenientes sobre a decisão final.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Recurso interlocutório interposto pela seguradora a fls. 496
Por se tratar de recurso interlocutório que só por lapso não foi oportunamente objeto de despacho de recebimento (ou de não recebimento), porquanto, se o fora, haveria de ter subido de imediato e em separado, e porque para o seu conhecimento irrelevam totalmente os factos fixados a final, por uma questão de ordem lógica e legal, iremos conhecer do mesmo antes dos demais, separadamente, e de imediato.

1.1 Relatório
Na primeira sessão de julgamento, concretamente a fls. 481 destes autos, e apreciando o requerimento probatório da ré seguradora (de fls. 176/177), o Sr. Juiz de Círculo proferiu despacho onde, no que ora importa, decidiu: "Quanto ao referido em H)[1], por se tratar de matéria meramente opinativa e sem interesse direto para a boa decisão da causa indefere-se o requerido."

Inserindo-se no processo entre as atas das diversas sessões de julgamento, veio a seguradora a recorrer do despacho que acabámos de citar (fls. 495), tendo apresentado as suas alegações a fls. 497/503, onde pretende que o aludido despacho seja revogado e substituído por outro "que determine a obtenção do referido parecer".

Este recurso obteve a resposta de H…. e filhos e K…. e filhas, que consta de fls. 514/515.

Como se deixou dito no despacho do relator que antecede este acórdão, o recurso ora referido não foi objeto de qualquer despacho (de recebimento ou de não recebimento) e, por isso, com prévio contraditório, se propôs o seu conhecimento, agora neste momento processual. Todas as partes, expressamente notificadas, nada vieram dizer. Em conformidade, ir-se-á conhecer o objeto dessa apelação, interposta a fls. 496.

Ao apelar do despacho que, em audiência e apreciando o seu requerimento de prova, indeferiu o pedido de parecer formulado na alínea H) desse mesmo requerimento, a seguradora pretende a revogação do decidido e a sua substituição por decisão que determine a obtenção desse parecer. Formula as seguintes Conclusões:
1 – A lei processual civil prevê a possibilidade de o tribunal solicitar pareceres técnicos, no artigo 535 do CPC;
2 – Um parecer, seja ele técnico ou não, é sempre matéria opinativa;
3 – O objeto indicado pela recorrente para o parecer é do maior interesse para esclarecer o alcance e sentido da sua defesa e, por consequência, para a boa decisão da causa;
4 – Ao indeferir a requisição do parecer, o tribunal violou o disposto no artigo 535 do CPC.

Os recorridos H…. e filhos e K…. e filhas responderam ao recurso. Defendem que a seguradora deveria ter solicitado ela própria e diretamente os pareceres às entidades que discrimina; concordam com o despacho sob censura, quando este refere que a matéria é meramente opinativa e não tem interesse direto para a boa decisão da causa; por fim, defendem que essa mesma matéria, se assim se entender, pode ser objeto de prova testemunhal, como acontece com a matéria constante do ponto 27 da base instrutória, igualmente conexionada com os mesmos factos.

Como já se salientou em despacho próprio, notificado às partes (fls. 775 e ss.) este recurso "não foi admitido ou não admitido" na 1.ª instância; "em suma, não foi recebido e os autos prosseguiram. Na ocasião o recurso seria, se recebido, para ser processado em separado. Tal não aconteceu e, se bem vemos, agora deixou de se justificar". Acrescentou-se que, por uma questão de celeridade e cooperação "o recurso pode ser recebido nesta instância", mas que, para tanto, "devem as partes pronunciar-se sobre essa possibilidade, em especial se entenderem que tal não deve ser feito". Em conformidade, as partes foram notificadas do aludido despacho ("pelo qual se antecipa a possibilidade de receber o recurso de fls. 495") e para "se pronunciarem, querendo, considerando-se que nada opõem a essa possibilidade se nada disserem no prazo de 10 dias".

Não houve qualquer pronúncia das partes.

Em conformidade, considerando os princípios processuais da cooperação e celeridade, e uma vez que o recurso foi tempestivamente interposto, a decisão sob censura é recorrível, e os recorridos foram notificados (tendo alguns deles respondido) Admite-se o recurso interposto com o requerimento de fls. 495, que é de apelação e, porque findo o processo, sob nos autos, com efeito devolutivo.

1.2 Objeto do recurso de fls. 496
Definido pelas conclusões da ré apelante, o objeto deste recurso (apelação interlocutória) consiste em saber "Se deveria ter sido deferida a pretensão da ré seguradora no sentido de ser pedido "parecer técnico".

1.3 – Fundamentação de facto e apreciação jurídica do recurso de fls. 496
A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso resulta clara do relatório antecedente e da definição, pela ré seguradora apelante, do objeto recursório. Ainda assim, com interesse ao conhecimento do seu objeto, acrescentamos o seguinte, que os autos documentam:
1.3.1 - Junta com a petição dos autores, encontram-se no processo, certificadamente, os autos de Inquérito que correram termos pelo crime de homicídio negligente, respeitante ao acidente de viação que aqui se discute.
1.3.2 - Deles consta, além do mais, o "auto de exame direto ao local" (do acidente), com as características da via e a sinalização.
1.3.3 - A fls. 54, nesse Inquérito, dá-se especificamente conta do tipo de pavimento, largura e configuração da faixa de rodagem, número e largura das vias, estado de conservação e superfície da via, descrição dos lados marginais e luminosidade. Igualmente se dá conta da sinalização vertical e horizontal (inexistente) e do limite de velocidade.

Apreciemos.

A fls. 175/178 a seguradora/recorrente apresentou o seu requerimento de prova (para o qual, mais adiante, remeteu) e aí, entre outras pretensões, formulou a constante da alínea H), concretamente a fls. 177, in fine/178.

Nessa alínea, a ora recorrente veio "Requer, nos termos do disposto no artigo 535, n.º 1 do CPC que ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ao Ministério e ao ANSR - Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária seja requisitado parecer técnico destinado a esclarecer o seguinte: no local onde se deu o acidente de viação a que reportam os autos, atentas as características que o mesmo possuía na data do acidente, atenta a necessidade de a via cumprir os requisitos de segurança legalmente impostos, era necessária a colocação de guardas ou barreiras de segurança que impedissem a passagem dos veículos da via para a albufeira do Azibo, em caso de despiste? Caso existissem no local as referidas barreiras de segurança ou outras que se acharem mais adequadas, seria provável que, mesmo assim, o veículo caísse às águas da albufeira do Azibo?"

Por não ter ocorrido pronúncia anterior sobre o aludido requerimento probatório, aquando do julgamento, e ditado para a respetiva ata da audiência, foi proferido despacho que, no respeitante à citada alínea H) indeferiu a pretensão da ré, "por se tratar de matéria meramente opinativa e sem interesse direto para a boa decisão da causa".

Vejamos.

Funda a recorrente a sua pretensão – e, por consequência, o seu recurso – no disposto no artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC).

Este normativo refere-nos o seguinte, no seu n.º 1: "Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade"; o n.º 2 do preceito acrescenta que "A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros".

A redação acabada de citar alterou o texto primevo do preceito ("O tribunal pode, por sua iniciativa ou mediante sugestão de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade") que, deste modo, transformou o que era considerada uma simples faculdade ou um poder discricionário num poder-dever ou, pelo menos, numa discricionariedade vinculada.

Tal alteração, ainda assim, não modificou de maneira nenhuma o ónus de prova e os deveres das partes a ele inerentes, nem a exigência que a requisição pelo tribunal só faz sentido quando a parte demonstre que não pode obter, pelos seus meios, o documento em causa e, mesmo aí "o tribunal deve fazer um juízo prévio sobre a pertinência e conveniência dos dados a solicitar" (Acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2006, dgsi).

A lei, no fundo, continua a conferir "ao tribunal a faculdade de requisitar documentos, atividade que o tribunal deve exercer quando considere que os documentos são necessários para a descoberta da verdade. Fora desse condicionalismo não deve o tribunal tomar a iniciativa de requisitar documentos nem deve aceitar requerimento ou sugestão em tal sentido" – Fernando Pereira Rodrigues, A Prova em Direito Civil, Coimbra Editora, 2011, pág. 97.

A relevância (necessidade) para a descoberta da verdade, bem se vê, refere-se à matéria de facto, pois o Direito só ao tribunal compete aplica-lo. Nesse sentido, o autor acabado de citar (no loc. cit.) refere muito explicitamente que "os pareceres técnicos que o tribunal pode requisitar são pareceres sobre a matéria de facto e não sobre a matéria de direito.[2] "

No caso presente, como se viu supra na factualidade transcrita, constam já dos autos os elementos pertinentes (elaborados pela autoridade de investigação competente) relativos às características da via e, nomeadamente à sua sinalização.

Pretender, como pretende a recorrente, um parecer que vá além dessa realidade de facto é pretender um parecer de conteúdo jurídico ou pelo menos conclusivo, que dos factos se aparta, pois apenas os interpreta.

A recorrente não invocou a impossibilidade de, ela mesma, obter esse aludido parecer. O qual, repete-se, não tem verdadeiramente por objeto a matéria de facto relevante à apreciação da causa, antes (e apenas) a pressupõe.

Em conformidade, o juízo da 1.ª instância, ao considerar que o parecer era opinativo e não tinha direto interesse para a decisão da causa (leia-se, para os factos que interessam à boa decisão da causa) não nos merece qualquer censura.

Improcede, por isso a apelação interlocutória da ré seguradora e confirma-se a decisão da primeira instância, com custas do recurso pela recorrente, conforme a final se renovará.

2 – Recursos finais interpostos pela ré seguradora e pelos chamados

2.1 – Relatório
2.1.1 – A pretensão inicial
Os autores F..... e G..... (primeiros); H....., I..... e J..... (segundos) e K....., L..... e M..... (terceiros) instauram a presente ação declarativa ordinária e, demandando a B…., SA, pediram a condenação da ré a pagar-lhes, além dos juros legais que, à taxa de 4%, consideram devidos desde a citação, das custas e demais procuradoria, a quantia total de 1.194.125,24€ (um milhão, cento e noventa e quatro mil, cento e vinte e cinco euros e vinte e três cêntimos), assim repartida pelos autores:

A – À primeira autora, F....., a quantia de 152.058,00€.
B – Ao primeiro autor, G....., a quantia de 63.750€.
C – À segunda autora, H....., a quantia de 590.833,90€.
D – Ao segundo autor, I....., a quantia de 68.966,67€.
E – À segunda autora, J......, a quantia de 69.316,67€.
F – À terceira autora, K......, a quantia de 140.866,66€.
G – À terceira autora, L….., a quantia de 54.166,67€
H – À terceira autora, M…., a quantia de 54.166,67€.

Os autores iniciais, fundamentando os pedidos formulados, vieram, ora em síntese, dizer a tribunal o seguinte:
- No dia 1.11.2007, pela 1H30, na Estrada Municipal, junto à Albufeira do Azibo, concelho de Macedo de Cavaleiros, ocorreu um acidente de viação em que teve intervenção o Mercedes ..-..-SG, propriedade de N….. e por este conduzido, e no qual se deslocavam, no sentido Santa Combinha, além do proprietário, três outras pessoas: O…., P….. e Q…..
- Ao descrever uma curva à direita, atento o sentido de marcha, o veículo entrou em despiste, saiu da estrada e passou pela ribanceira (ao lado esquerdo da via), vindo a capotar e a cair nas águas da Albufeira do Azibo, ficando imobilizado no seu leito, de rodas para o ar.
- O acidente deu-se numa reta com 300 metros, permitindo 90Km/hora de velocidade máxima, de piso recente, em alcatrão, então seco, e não ficaram marcas de travagem, mas de derrapagem, com 28, 30 metros de extensão, antes de resvalar pela ribanceira.
- O veículo era um seis cilindros de caixa automática; quando foi removido da água encontrava-se engrenado na velocidade "D" (automático); os dois pneus traseiros não estavam homologados e apresentavam-se completamente lisos (o do lado esquerdo tinha mesmo a tela à vista).
- Como consequência do acidente resultou a morte do proprietário e dos três ocupantes, seus conhecidos e amigos e com quem havia estava a confraternizar, minutos antes, no café junto à Albufeira, café onde tinham chegado cerca das 11H30.
- Os ocupantes não tinham experiência de condução de veículos com caixa automática, e o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do proprietário, que circulava com os pneus traseiros sem a necessária aderência ao piso e com velocidade inadequada.

Depois da descrição do acidente, os autores invocam a sua legitimidade, como familiares dos acompanhantes falecidos, a responsabilidade da ré, atenta a existência de contrato de seguro e, sem conceder, invocam ainda a responsabilidade da demandada, mesmo que não demonstrada a culpa, a título de risco, e até ao limite de 1.200.000,00€.

Os autores, de seguida, descrevem os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Juntaram diversos documentos (fls. 32 a 159)

2.1.2 – A oposição da Seguradora
Citada, a ré veio contestar (fls. 163 e ss.). Começa por caracterizar a via onde ocorreu o acidente (salientando, nomeadamente que, na ocasião do sinistro, não era sinalizada nem iluminada) e acrescenta que a viatura, nessa mesma ocasião, não era conduzida pelo N......, ainda que se desconheça por quem o era, pois aquele N...... entregou as chaves a um dos companheiros, para que este conduzisse. Diz que no momento do acidente quer o N…. quer o P...... estavam sob a influência do álcool; que todas as vítimas faleceram asfixiadas por afogamento, num local em que a profundidade das águas era inferior à altura delas, e não por traumatismo provocado pelo embate do veículo no que quer que seja. Acrescenta que o veículo, antes do acidente, não circulava a velocidade superior a 70Km/h e quando saiu da faixa de rodagem não ia animado de velocidade superior a trinta, apenas tendo capotado no fim do talude, já junto à água.

A seguradora entende que a única causa de morte foi a "incrível e criminosa circunstância" de num local tão perigoso a estrada não estar ladeada de qualquer barreira de segurança, impeditiva da queda nas águas da Albufeira, pois o despiste do veículo, só por si, não foi suficiente "para provocar tamanha tragédia". Também a circunstância de as rodas do veículo estarem muito gastas não deu causa, em concreto, ao acidente, pois o piso estava seco e era constituído por asfalto em ótimas condições.

2.1.3 – A réplica dos autores.
Os autores, a fls. 183 e ss., vieram replicar. Mantiveram a versão inicial, no sentido do veículo estar a ser conduzido pelo seu dono e que só mais tarde (certamente com medo de uma eventual ação de regresso) o filho daquele passou a dizer que não era o seu pai quem o conduzia, mas uma das outras vítimas, sem, porém, saber qual. Os autores, no entanto, defendem que se não fosse o proprietário a conduzir o veículo – o que apenas colocam por mera hipótese académica – continuava a ser ele quem tinha a direção efetiva desse veículo.

2.1.4 – Intervenção Principal Provocada
A ré seguradora, conforme fls. 190 e ss., veio requerer a Intervenção Principal Provocada de C……, D….. e E….. (respetivamente, esposa, filho e filha do falecido N......, proprietário do veículo sinistrado). Reafirmou que não era o proprietário do veículo quem o conduzia e que tal circunstância concede aos requeridos (intervenientes) o direito a uma indemnização idêntica à peticionada pelos restantes autores, impondo-se, por isso mesmo, o seu chamamento.

Conforme despacho de fls. 195-A e ss., o incidente foi julgado procedente e ordenada a citação dos chamados.

2.1.5 – A pretensão dos chamados
C….., D….. e E….., depois de chamados aos autos, demandam a B…., SA e pedem a condenação desta no pagamento da quantia de 299.122,68€ (duzentos e noventa e nove mil, cento e doze euros e sessenta e oito cêntimos), assim repartidos:
I - À C…..: 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 90.000,00 a título de danos patrimoniais.
J – Ao D….: 30.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
L – À E…..: 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 20.000,00€ a título de danos patrimoniais.
M – Aos autores (chamados), em conjunto: 80.000,00€, a título de danos não patrimoniais; 19.112,68€ a título de perda total do veículo e 10.000,00€ a título se seguro de ocupantes.

Os chamados, fundamentando as suas pretensões, invocam o "seguro obrigatório", o "seguro de danos próprios" e o "seguro de vida".

Começam por alegar a sua legitimidade, por serem os únicos e legais herdeiros de N...... (conforme habilitação notarial junta a fls. 220/221). De seguida, descrevem o acidente dizendo que o N...... era um passageiro transportado no veículo (desconhecendo quem conduzia o mesmo), tendo-se sentado no banco da frente, ao lado do condutor, lugar de onde foi resgatado pelo seu próprio filho. Dizem que o facto de os pneus traseiros do veículo se encontrarem parcialmente lisos em nada contribuiu para o acidente e que o (veículo) "SG", entre o momento em que arrancou, conduzido por um condutor não identificado, e o despiste, não percorreu mais de 400 metros.

Os chamados, de seguida, descrevem os danos patrimoniais e os não patrimoniais, sofridos com o acidente. Nomeadamente, referem que o malogrado N...... não faleceu imediatamente, antes se apercebeu do despiste e da queda na água, sentido angústia e dor por não conseguir respirara e por sentir a morte a aproximar-se, sem que nada pudesse fazer. Atento este padecimento, os intervenientes têm por adequada a quantia de 5.000,00€ de indemnização, "a título de danos não patrimoniais da vítima."

Invocando o "seguro facultativo", os referidos intervenientes dão conta do seu pai e marido ter contratado com a ré seguradora um seguro de danos próprios com o valor de 27.667,68€ e uma franquia de 1.000,00€ e acrescentam que o veículo, em virtude do acidente, ficou irrecuperável, tendo a demandada atribuído aos salvados o valor de 7.555,00€.

Finalmente, invocando o "seguro de vida" dão conta da celebração pelo seu pai e marido de um seguro de ocupantes com o capital por morte de 10.000,00€, na modalidade de todos os ocupantes e frisam que o N...... era ocupante do "SG" e faleceu enquanto tal.

2.1.6 – Contestação da ré à pretensão dos chamados.
A ré, a fls. 240 e ss., mantém a versão que já dera sobre o acidente; diz desconhecer os factos relativos aos danos sofridos e que tem por exageradas as verbas peticionadas. Em relação às coberturas facultativas, defende que todos os ocupantes, com exceção do O….., circulavam debaixo de uma taxa de alcoolemia superior a 0,5g/l e, caso se venha a apurar que um deles era o condutor do veículo seguro, as coberturas estão excluídas.

2.1.7 – A intervenção do ISS, IP.
Alegando o pagamento de pensões aos familiares de Q….., o Instituto da Segurança Social, IP requer a condenação da ré no pagamento da quantia de 9.378,00€, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência desta ação (fls. 282).

Este pedido foi contestado pela ré a fls. 296, remetendo para a descrição do acidente, já antes feita, e invocando o desconhecimento dos demais factos invocados no pedido do ISS, IP.

A seguradora foi notificada para juntar aos autos a apólice do seguro referido pelos chamados, o que fez a fls. 302.

No (2.1.8) prosseguimento dos autos, foi elaborado despacho saneador, onde se fixou o valor da causa (1.502.618,82€), se assentaram vários factos e se quesitaram muitos outros (fls. 304/329).

Depois das reclamações de fls. 337 e de fls. 340, o despacho de fls. 417/419, além de admitir a prova (também a fls. 424 e a fls. 481), a gravação dos depoimentos e de relegar para momento oportuno a pronúncia sobre a necessidade de inspeção ao local aditou e retificou alguns dos factos levados, quer à matéria assente quer à base instrutória.

Na primeira sessão de julgamento, concretamente a fls. 481 e apreciando o requerimento probatório da seguradora (de fls. 176/177), o Sr. Juiz de Círculo proferiu despacho onde, no que ora importa, decidiu: "Quanto ao referido em H), por se tratar de matéria meramente opinativa e sem interesse direto para a boa decisão da causa indefere-se o requerido."

Inserindo-se entre as atas das diversas sessões de julgamento, veio a seguradora a recorrer do despacho que acabamos de citar (fls. 495), tendo apresentado as suas alegações a fls. 497/503, onde pretende que o aludido despacho seja revogado e substituído por outro "que determine a obtenção do referido parecer". Este recurso obteve a resposta de H….. e filhos e K..... e filhas, que consta de fls. 514/515.

Tiveram lugar as diversas sessões de julgamento (fls. 480/485; 486/489; 490/493; 509/511 – auto de inspeção – e 512; 526/529) e respondeu-se à matéria de facto constante da base instrutória (fls. 530 a 548).

A seguradora, seguidamente, alegou de direito.

2.1.9 – A sentença
Conclusos os autos, foi proferida sentença final que assim decidiu:
"1) Julgo a ação parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos. Consequentemente:
a) Condeno a ré a pagar à autora F..... a quantia global de 151.045,47€ (cento e cinquenta e um mil, quarenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a citação sobre a quantia parcelar de 1.500€ (mil e quinhentos euros) e desde a data desta sentença sobre o remanescente, sempre até integral pagamento.

b) Condeno a ré a pagar ao autor G..... a quantia global de 46.500€ (quarenta e seis mil e quinhentos euros) a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento.
c) Condeno a ré a pagar à autora H..... a quantia global de 422.112,14€ (quatrocentos e vinte e dois mil, cento e doze euros e catorze cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a citação sobre a quantia parcelar de 3.243€ (três mil, duzentos e quarenta e três euros) e desde a data desta sentença sobre o remanescente, sempre até integral pagamento.
d) Condeno a ré a pagar ao autor I..... a quantia global de 53.466,66€ (cinquenta e três mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença e até integral pagamento.
e) Condeno a ré a pagar à autora J..... a quantia global de 53.266,66€ (cinquenta e três mil, duzentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença e até integral pagamento.
f) Condeno a ré a pagar à autora K..... a quantia global de 90.978, 26€ (noventa mil, novecentos e setenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a citação sobre a quantia parcelar de 1.300€ (mil e trezentos euros) e desde a data desta sentença sobre o remanescente, sempre até integral pagamento.
h) Condeno a ré a pagar à autora L..... a quantia global de 37.666,66€ (trinta e sete mil, trezentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença e até integral pagamento.
i) Condeno a ré a pagar à autora M..... a quantia global de 37.666,66€ (trinta e sete mil, trezentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data desta sentença e até integral pagamento.
j) No mais pedido, absolvo a ré.

2) Julgo os pedidos formulados pelos intervenientes principais provocados C….., D…. e E…. parcialmente procedentes e provados, nos termos sobreditos. Consequentemente:
a) Condeno a ré a pagar-lhes a quantia global de 29.112,68€ (vinte e nove mil, cento e doze euros e sessenta e oito cêntimos) a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento.
b) No mais pedido, absolvo a ré.

3) Julgo o pedido de reembolso formulado pelo ISS, IP, parcialmente procedente e provado, nos termos sobreditos. Consequentemente:
a) Condeno a ré a pagar-lhe a quantia global de 13.915,25€ (treze mil, novecentos e quinze euros e vinte e cinco cêntimos) a que acrescem juros de mora desde a data da presente sentença e até integral pagamento.
b) No mais pedido, absolvo a ré".

2.1.10 – Os recursos
Tanto os chamados como a ré seguradora, versando sobre a decisão final, vieram apelar a esta Relação.

2.1.10.1 – A apelação dos chamados.
O recurso interposto pelos chamados (C….. e filhos) pretende, conforme fls. 633 e ss., a revogação do decidido e prende-se (como eles mesmo sintetizam) com dois concretos pontos, a saber:
a) Resposta à matéria de facto, designadamente no que reporta ao quesito 1 da base instrutória;
b) Indemnização devida aos apelantes por força do falecimento de seu marido e pai, N.......

Os apelantes (chamados) rematam o seu recurso com as seguintes Conclusões:
1 – Considerando a prova produzida e gravada, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, designadamente ao quesito 1 da BI.
2 – O tribunal a quo deu aquela matéria como provada com base no que não foi dito, em depoimentos indiretos prestados pelas testemunhas e bem assim fundamentado no depoimento de uma testemunha que não referiu tal factualidade.
3 – O depoimento indireto no sentido de ser o N...... o condutor do veículo à data do sinistro foi prestado pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e resulta, segundo as mesmas, de conversas tidas com o filho do dito N.......
4 – Esse mesmo filho do N...... não depôs em audiência, o seu depoimento não foi requerido e nem o tribunal o ordenou.
5 – O depoimento indireto daquelas testemunhas não pode ser valorado, pelo que se impõe a alteração da resposta àquele primeiro quesito da BI, passando a constar como "não provado."
6 – Ao não promover a prestação de depoimento em audiência por parte do alegado filho de N......, e ao suportar a decisão em tais depoimentos indiretos, o tribunal violou o princípio do contraditório.
7 – Acresce que o depoimento dessas mesmas testemunhas em que o tribunal se suportou para responder à matéria de facto denota interesse no desfecho da ação, assim como no favorecimento dos respetivos familiares, aqui autores (que não os apelantes) se não mesmo favorecimento próprio, pois que pelo menos uma delas é casada com a filha de um dos falecidos.
8 – Acresce que, em sede de audiência, outra testemunha houve, R…., que igualmente relatou o que o filho do N...... lhe transmitira, afirmando que o que aquele disse foi exatamente o oposto ao que aquelas outras testemunhas afirmaram em juízo.
9 – Este agente da autoridade, que o ouviu em exercício de funções e nessa qualidade relatou ao tribunal o que ouviu dizer ao filho do N......, o que igualmente se tem de considerar depoimento indireto.
10 – Ainda que não se valore o facto daqueles dizeres terem sido proferidos perante autoridade policial, sempre teremos de considerar que há pelo menos duas correntes de depoimento indireto, uma preconizada pelos familiares dos autores nos autos, e outra pela testemunha R…., GNR incumbido da investigação criminal do caso.
11 – O tribunal não abordou, sequer, esta contradição, optando pelo depoimento dos familiares dos autores e, ao assim decidir, deixando uma viúva e dois filhos sem qualquer ressarcimento pelo falecimento do seu marido e pai.
12 – Independentemente da identidade do condutor, considerando a legislação nacional respeitante ao seguro automóvel obrigatório, e bem assim a diretivas europeias sobre as quais a mesma assenta, sempre será de ressarcir os ora apelantes pelos prejuízos emergentes do sinistro, designadamente da morte do seu marido e pai, conforme peticionado, assim se alterando a douta sentença, nessa parte.
13 – Neste mesmo sentido, cf. Ac. da RP de 12.05.2008, dgsi; Ac. da RC de 16.01.2007, dgsi; Ac. da RC de 3.10.2006, dgsi, e ainda o douto entendimento do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Urbano Dias.
14 – A douta sentença violou o disposto nos artigos 3.º, 516, 653, 655 do CPC e artigos 342, 349, 392, 396, 483, 562 do CC, e ainda no artigo 14 do DL. 291/2007, de 21 de agosto.

Não houve resposta a este recurso que foi recebido, conforme despacho de fls. 762, como apelação, com subida imediata e nos autos e com efeito devolutivo.

2.1.10.2 – Apelação da ré seguradora
A fls. 652 e ss. a ré seguradora veio apelar. Pretende a revogação da sentença e a sua absolvição dos pedidos. Formula as seguintes Conclusões:
1 - O menor acerto da sentença no que respeita à questão de facto, prende-se unicamente com a resposta dada ao número 1 da Base Instrutória, onde se perguntava se "No dia, hora e local mencionados em A), o veículo aí identificado era conduzido por N......?"
2 - A única prova testemunhal mais próxima do momento do acidente corresponde aos depoimentos das testemunhas S….. e T….., com particular ênfase para esta última, dada a forma altamente pormenorizada, segura e consistente como pormenorizadamente descreveu tais momentos.
3 - Estas duas pessoas foram as últimas a estar com todas as vítimas e separaram-se delas no preciso momento em que umas entraram no carro do N......, enquanto que outras entraram noutro carro, circunstância esta que foi confirmada pela testemunha Natividade, como confirmado pelo tribunal a páginas 10 do despacho onde se respondeu à matéria de facto da Base Instrutória.
4 - A testemunha S…., que prestou depoimento na audiência de 28/06/2011, entre as 11H25 e as 12H20, referiu claramente ver o N...... sentado no banco do passageiro da frente do seu veículo, tendo antes acrescentado que o Sr. N...... solicitou aos seus companheiros que um deles conduzisse na medida em que se encontraria indisposto. Palavras que ficaram registadas até aos minutos 07:00 do seu depoimento.
5 - No mesmo sentido se pronunciou a testemunha T…., cujo depoimento igualmente foi prestado na audiência de 28/6/2011, entre as 10H48 e as 11H24.
6 - Esta testemunha - que não chegou a entrar dentro do bar do N......, pois encontrou todas as vítimas e o S…. já saindo do bar, descendo as escadas - referiu igualmente estes factos, vivenciados em conjunto com o S….., o que se poderá confirmar a partir do minuto 02:00 do seu depoimento.
7 - A instâncias do mandatário signatário, já pelo minuto 12:00, descreveu mesmo com grande pormenor o momento em que o Sr. N......, já sentado no interior do seu veículo, referiu à testemunha que não a acompanharia ao local onde iria beber mais uns copos com o S….., porque estava mal disposto. Precisou mais pormenores aos demais mandatários, em trechos do seu depoimento, respetivamente aos minutos 12:00 e 23:00.
8 - Relativamente a estes dois depoimentos testemunhais, como se referiu os que se reportam temporalmente a instantes mais "próximos" do momento do acidente, o tribunal entendeu não lhes conferir qualquer credibilidade, apenas porque estas duas testemunhas referiram ao tribunal que quando se deslocaram ao local do acidente não comentaram com ninguém que o N...... não era o condutor, contra o que seria habitual.
9 - Trata-se de um argumento absolutamente insustentável, porque a nenhuma testemunha foi perguntada sobre a circunstância de no local do acidente se ter sequer questionado quem seria o condutor.
10 - Ninguém perguntou a estas testemunhas se se comentou no local quem iria a conduzir o veículo. Contudo, a todos se perguntou, de forma esconsa, se no local se comentou que não era o Sr. N...... quem conduzia.
11 - Do facto de se não ter comentado um pormenor do acidente não deriva nem pode derivar a conclusão de que estas testemunhas faltam à verdade.
12 - O D….., durante algum tempo, como refere no depoimento prestado na GNR e que consta da certidão do inquérito criminal, terá partido da suposição de que seria o seu pai quem conduzia, sendo que só pôs em causa essa ideia, quando concluiu que a posição invertida do veículo o terá induzido em erro.
13 - A testemunha T….. desmentiu completamente e com total segurança que o D…. estivesse no bar no dia seguinte de manhã, quando a testemunha U…. - v. de minutos 02:00 e 12:00 em diante, onde a testemunha se refere a tal conversa do D…. - amigo do autor I....., refere exata e precisamente o contrário, quando diz ter ouvido o D….. nesse local e a essa hora, falando vaga e indiretamente da questão, ao se referir à cronologia dos factos quando retirava os corpos da água.
14 - Os demais depoimentos que se pronunciam sobre esta questão, são depoimentos indiretos, todos reportados ao que em momentos diferentes teria sido dito pelo filho do N......, o D….., pessoa que todas as partes, com exclusão do próprio, tiveram oportunidade de chamar a tribunal para depor como parte, mas que ninguém tomou a iniciativa de o fazer.
15 - São depoimentos que invariavelmente se referem a conversas que o D…. terá tido após o acidente e em que terá referido, não que o pai era o condutor, mas apenas que o teria retirado do lugar do condutor.
16 - São depoimentos que se não podem comparar com o depoimento das testemunhas S…. e T…., os quais convergiram no sentido de que viram o N...... sentado no lugar do passageiro da frente, instantes antes do carro dele arrancar em direção ao IP4.
17 - Concluir que os depoimentos destas duas testemunhas são falsos, apenas porque no local, uma ou duas horas após o acidente, não disseram a ninguém que o N...... não seria o condutor, não é aceitável, ainda por cima quando há notícia, relatada pelo agente da GNR que dirigiu o inquérito às condições do acidente, R….., cujo depoimento foi prestado em 09/05/2011, tendo durado das 11H01 até às 12H40, o qual referiu claramente que estava convicto de que, de facto, poderia não ser o N...... o condutor.
18 - Durante o julgamento não se apurou de forma conclusiva quem era o condutor do veículo, razão porque o número 1 da Base Instrutória deveria ter merecido resposta negativa, o que nesta instância de recurso se requer seja feito.
19 - Examinada a relação dos factos provados que interessam à questão da culpa, logo se vê que, para além de meras circunstâncias puramente objetivas, que nos permitem apenas verificar a trajetória do veículo, o tribunal nada apurou relativamente ao comportamento do seu condutor.
20 - Nenhuma circunstância relativa ao exercício da condução, como seja a velocidade do veículo, a sua prévia posição de marcha, ou a eventual realização de uma qualquer manobra, fosse ou não perigosa, como uma ultrapassagem, ficou provada!
21 - Não nos parecer ser possível afirmar que o veículo automóvel invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária (à sua), quando sequer se apurou por qual das faixas circulava o veículo quando acabou de descrever a curva referida na ação.
22 - Desconhecendo-se qual era a posição de marcha do veículo antes da derrapagem, nada nem ninguém poderá afirmar que o veículo, antes da derrapagem e despiste, não circulava pela sua metade esquerda da via, quiçá ultrapassando outro veículo, quiçá, desviando-se de um qualquer obstáculo imobilizado na via, quem sabe pura e simplesmente assim circulando por pura distração do seu condutor.
23 - Não se sabendo por onde antes circulava o veículo, é forçoso não afirmar que o mesmo veículo invadiu esta ou aquela faixa de rodagem, na qual, por isso mesmo, até se poderá ter iniciado o despiste.
24 - O tribunal entendeu que alguém que se despista - por razões desconhecidas, como é o caso! - e que na sequência desse mesmo despiste, desgovernadamente passa a circular pela faixa contrária e, ato contínuo, pela berma e ribanceira adjacente, infringe a lei que o impede de circular pelas bermas e ribanceiras.
25 - Trata-se, é bom de ver, de uma asserção verdadeiramente sui generis, que encerra, como é bom de ver, uma verdadeiro paradoxo!
26 - Se alguém se despista por razões desconhecidas - como é o caso! – não pode em circunstância alguma cometer uma infração à lei
27 - Não podem, assim, restar quaisquer dúvidas de que in casu não estamos perante uma qualquer conduta humana, mas tão-somente perante um facto que, na falta de mais elementos, teremos de qualificar como fortuito.
28 - Por isso, daí não se pode em circunstância alguma inferir que o seu condutor, fosse ele quem fosse, infringiu uma qualquer regra de circulação.
29 - Daí que se conclua ser verdadeiramente paradoxal dizer por um lado que "Não se apurou a razão concreta que provocou o despiste (ou derrapagem)", e depois se diga que o condutor infringiu uma qualquer regra de circulação rodoviária quando se despistou.
30 - Se o veículo se despistou sem que se saiba porque tal aconteceu, não se pode a seguir dizer que, o despiste em si mesmo, a circulação descontrolada, conduziu a uma infração de trânsito.
31 - Partindo da insustentável tese, segundo a qual o condutor do veículo "invadiu" a berma, o tribunal passa a referir que dessa circunstância se deve presumir a culpa desse mesmo condutor, tendo em conta que, segundo jurisprudência há longo tempo firmada no STJ, "A prova da inobservância de leis ou regulamentos de natureza rodoviária faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência."
32 - Estamos, manifestamente, perante um mau aproveitamento do que proficiente e repetidamente vem sendo afirmado pelo STJ a este propósito.
33 - Quando de um acidente de viação nada mais se sabe do que a circunstância de o veículo ter derrapado e entrado em despiste, não se pode falar de um condutor que objetivamente agiu por forma contrária à lei.
34 - Ora, inexistindo prova de que o condutor do veículo haja infringido qualquer norma, não se pode, com base no referido entendimento jurisprudencial, passar a presumir que o mesmo condutor agiu com culpa, desde logo porque a ideia de culpa pressupõe, como não poderia deixar de ser, um comportamento antijurídico, consciente, censurável pela ordem jurídica, o que não sucede num despiste provocado por razões que se desconhecem.
35 - Assim sendo, devemos concluir sem espaço para grandes dúvidas, que não se estando no presente processo perante a prova de uma qualquer conduta ou comportamento do condutor do veículo, teremos de afastar a possibilidade de formular um qualquer juízo de culpa que possa recair sobre a causa do acidente, mesmo que de um juízo presumido se trate.
36 - Acresce ainda referir, como vem precisando o STJ a este propósito, que "Se alguém comete um infração às regras estradais temos de ver se essa conduta gerou um risco de acidente em concreto, ou se apenas criou a possibilidade de tal risco em abstrato.
37 - Ou seja, sequer basta a prova de uma qualquer violação de regras de trânsito!
38 - É ainda necessário que a conduta apurada tenha criado em concreto um risco para a eclosão daquele acidente, para que se possa daí partir para a presunção da culpa.
39 - Tudo visto, podemos, assim, extrair mais a seguinte conclusão: o condutor do veículo, fosse quem fosse, não agiu com culpa, nem essa culpa é presumível.
40 - O próprio tribunal reconhece (inconsequentemente) que "É claro que a existência de barreiras de retenção poderia ter evitado o capotamento pelo talude abaixo (e consequente queda nas águas da albufeira), só que tal não exclui o nexo de causalidade adequada entre o despiste e o capotamento.
41 - Daí só não retirou o tribunal as devidas consequências, porque o seu enfoque estava exclusivamente na culpa do condutor, tendo descurado completamente a culpa de terceiros, alegada e amplamente demonstrada no processo, culpa de terceiros que omitiram dramaticamente o dever de sinalizar vertical e horizontalmente um perigosíssimo local da estrada e de nela colocar as indispensáveis guardas de proteção.
42 - Assim sendo, dúvidas não podem restar que de quem criou uma fonte de perigo do jaez daquela que os autos documentam, bem como quem omitiu o cumprimento do dever de afastar ou minimizar tal perigo, seja sinalizando a estrada, seja nela colocando as necessárias guardas de segurança, infringiu clara e decisivamente o dever objetivo de cuidado que não poderá deixar de constituir base do juízo de censura ético-legal que fará recair sobre o autor de tal omissão toda a culpa pela produção das nefastas consequências do acidente de viação descrito nos autos, isto é, quatro mortes por afogamento.
43 - E não se diga, como faz a sentença, que o prévio conhecimento do local pelo agente seria suficiente para afastar a culpa e responsabilidade de quem omitiu o cumprimento daqueles deveres.
44 - As estradas e a circulação que todos por elas fazemos, não é nos dias de hoje, uma pura opção de vida, que se faz ou não faz consoante o capricho.
45 - Nem é certo afirmar que quando sabemos que um determinado local é seguro, tudo quanto de mal lá nos suceder é da nossa exclusiva responsabilidade.
46 - Se, como atrás se viu, um acidente tem uma causa desconhecida, é absolutamente inócuo ou indiferente saber se o condutor do veículo conhecia ou não ou perigo e a sua fonte.
47 - Estamos, assim, perante um típico caso de acidente cujos contornos e consequências são claramente imputáveis a culpa de terceiros, mais exata e precisamente, àqueles que tinham o dever de sinalizar e afastar as circunstâncias que decisivamente transformaram uma mera derrapagem de um veículo automóvel, que deveria ter terminado com duas ou três amolgadelas e um valente susto, num (a)típico acidente que mais parece um episódio da história trágico marítima, com quatro pessoas a morrerem por afogamento, sem um qualquer arranhão ou traumatismo, afogamento esse provocado pelo que antes sucedeu em terra firme.
48 - Recordados assim os factos logo se alcança que a teoria da causalidade adequada, se constitui na "fórmula" que nos permite responder à pergunta se determinado facto deve ser excluído do conjunto de factos que se devem considerar causa adequada de determinado acontecimento, não servindo, ao invés, para incluir um qualquer facto nesse mesmo conjunto.
49 - No fundo, o caminho que nos sugerem aqueles dois autores é, não o de apurar se um determinado facto é causa de outro, mas sim se ele não é causa de outro.
50 - Dúvidas não podem restar de que a mera circunstância de o veículo seguro na recorrente ter resvalado lateralmente na faixa de rodagem, depois de ter percorrido uma curva, só por si, é muito pouco para explicar o afogamento de todos os seus ocupantes.
51 - Dúvidas ainda não podem restar de que a mera omissão do dever de afastar um perigo, dever esse decorrente de normas técnicas previamente estabelecidas, se constitui normativamente num ato culposo, não causador do acidente, mas causador das nefastas consequências que dele decorreram, e, por isso, gerador de responsabilidade civil.
52 - À luz da regra da causalidade adequada se pode encontrar um nexo de adequação entre a derrapagem e o despiste - o primeiro será até conditio sine qua non do segundo - não é menos verdade que esse nexo de adequação inexiste de todo entre a derrapagem e a morte por afogamento de quatro pessoas.
53 - Não vemos razões para estabelecer valores diferentes para a perda da vida das quatro vítimas.
54 - Todas tinham idades muito próximas, pelo que não é razoável pensar que tivessem expectativas diferentes quanto às suas vidas.
55 - Por outro lado, considerando que todas se encontravam com idade muito próximas dos 60, a entrar por isso no último e provável terço das suas vidas, afigura-se-nos que pela perda do dano vida de qualquer uma das vítimas será exagerado montante superior a EUR 40.000,00.
56 - A aquisição das pedras tumulares, ou seja, do túmulo, não é uma despesa, antes correspondendo à aquisição de um bem que se não perde após a aquisição e que, ao invés, ingressa e enriquece o património de quem a adquire.
57 - Acrescenta-se ainda mais adiante na sentença: "Importada da doutrina francesa tem-se generalizado a ideia de que do rendimento (seja salário, seja pensão) auferido, o comum das pessoas gasta com a sua pessoa 1/3 ou até apenas ¼ daquele para suas necessidades pessoais, pelo que a privação do montante que àquelas seria afetado para contribuição das despesas domésticas se cinge à parte sobrante - e, no caso, resultou demonstrado 1/3.
58 - As despesas domésticas incluem de novo despesas com a vítima, a qual, deixando de integrar o núcleo familiar, deixou de produzir as despesas correspondentes.
59 - Importa ainda referir que a pensão que era auferida em França pelo falecido O….. está documentada nos autos como valor bruto, a que importaria descontar os inevitáveis imposto e demais encargos.
60 - Atribuir aos herdeiros uma indemnização de EUR 93.045,47, correspondentes a 20% de EUR 116.303,28, por seu lado correspondentes ao valor total das pensões deixadas de auferir, significa a atribuição de uma exageradíssima indemnização.
61 - Desde logo, porque para além do que a vítima gastaria consigo própria, dos demais 2/3 parte seria de novo afeta à vítima, no âmbito do conjunto das despesas domésticas.
62 - Ora, tendo em conta que no essencial as despesas domésticas seriam as do próprio e de sua esposa, a base de cálculo da indemnização deveria ser de apenas metade da pensão líquida (deduzida dos inerentes impostos sobre o rendimento) auferida, o que nos remete, com base na equidade, para um valor de não mais de EUR 70.000,00.
63 - Relativamente à vítima P......, a sentença estimou razoável, considerando as taxas de IRS e as eventuais deduções, reduzir em 30% o rendimento anual de 88.000,00.
64 - Trata-se, é bom de ver, de uma redução inferior à que com justiça deveria ser feita.
65 - Nos tempos que correm e nos mais próximos, o P......, se fosse vivo, não deixaria como todos os demais portugueses, de pagar os altíssimos impostos sobre o rendimento que a todos afetam, suportando, por isso a taxa máxima de IRS, que sempre suporta quem tem rendimentos anuais do trabalho superiores a EUR 88.000,00.
66 - Na verdade, não é difícil de facto imaginar que quem aufere um salário de mil euros, destine 1/3 ou até menos, ¼, aos seus gastos pessoais.
67 - Contudo, o normal será que quem aufere rendimentos anuais na ordem dos EUR 88.000,00, despenda consigo próprio não menos de 40% do que ganha, deixando o remanescente para as despesas domésticas conjuntas do agregado familiar.
68 - Assim sendo, contrariamente ao que se concluiu na sentença – que chegou a uma verba final, a título de lucros cessantes, em benefício do P......, de EUR 495.395,04 - afigura-se-nos que EUR 150.000,00 serão verba correspondente a justíssima indemnização.
69 - Aliás, para se aquilatar do enormíssimo exagero da sentença confirme-se que a verba de EUR 495.395,04, se atribuída, proporcionará aos beneficiários juros anuais de não menos de EUR 25.000,00 (a uma taxa de juro anual de 5%, ainda assim inferior àquelas que os bancos praticam hoje e praticarão nos tempos mais próximos, em busca dos capitais que carecem de captar no país, dada consabida dificuldade em os obter fora), que quase permitiriam que até à data em que o P...... completasse 70 anos, vivessem quase e só dos rendimentos do capital, que assim estariam intactos nessa altura.
70 - Falta ainda referir que na sentença se ignorou completamente que os lesados herdeiros do P......, designadamente a esposa, não deixarão de beneficiar até ao fim das suas vidas das pensões do regime da segurança social, que a sentença apenas ponderou nos montantes já recebidos, ignorando os que serão recebidos no futuro.
71 - Fê-lo, contudo, paradoxalmente, na medida em que mais adiante reconheceu à segurança social o direito de peticionar nesta ação o reembolso do que já pagou e, no futuro, em futuras demandas, do que ainda irá pagar.
72 - Ora, se à segurança social assiste o direito a esse reembolso, a ré jamais poderá incorrer na possibilidade de pagar tais indemnizações duas vezes, razão porque no cálculo das indemnizações deverão ser consideradas as quantias que os lesados receberão no futuro da segurança social e que esta poderá reembolsar da recorrente.
73 - Por tudo isso, a este título de lucros cessantes, será sempre exagerada uma indemnização superior a EUR 150.000,00.
74 - Os mesmíssimos reparos merce a indemnização fixada para ressarcir os lucros cessantes dos herdeiros do Q…..
75 - Ignorou-se que que relativamente às prestações sociais pagas pela segurança social, há que adicionar as que ainda serão pagas no futuro, até ao falecimento dos beneficiários, com o que saem reduzidos os lucros cessantes destes lesados.
76 - Do mesmo modo se ignorou que o Q…. deveria pagar impostos sobre rendimentos anuais de EUR 10.000,0, meso que até hoje os não tenha pago.
77 - Por isso, a indemnização destinada a ressarcir os danos patrimoniais futuros dos herdeiros do Q…. não deverão ir além dos EUR 30.000,00.
78 - No que respeita aos danos destinados a ressarcir os herdeiros do N......, teremos de reabrir a discussão da questão de facto.
79 - Na sua contestação, a recorrente invocou que "No momento em que se deu o acidente quer o N...... quer o P...... encontravam-se debaixo da influência de uma taxa de álcool no sangue de 1,01 e 0,73, respetivamente".
80 - Os herdeiros do N......, que quando foram citados para intervirem nos presentes autos receberam cópia da contestação da Ré, não impugnaram tal facto, do mesmo modo que não impugnaram por réplica a contestação que a recorrente deduziu ao seu pedido, e onde alegou em 5 e 6, que o N...... seguia com uma taxa de álcool no sangue de 1,1 e que da cláusula artigo 37.º das condições gerais da apólice resultava a exclusão de qualquer cobertura facultativa devido a essa taxa de alcoolemia.
81 - Factos estes que se devem ter todos por confessados, nos termos referidos e que a sentença completamente ignorou.
82 - Ou seja, aos herdeiros do N......, enquanto se considerar ter sido ele o condutor do veículo, não assiste o direito de receber qualquer indemnização.

As coautoras H..... e filhos e K..... e filhos vieram responder ao recurso da ré seguradora (fls. 717 e ss.). Entendem que a recorrente não tem razão quando pretende, no seu recurso sobre a matéria de facto, que seja alterada a resposta ao ponto de facto número 1 da base instrutória. Consideram, para tanto, que a 1.ª instância fez uma análise global e ponderada de (toda) a prova produzida, enquanto a recorrente "faz tábua rasa dos princípios da livre apreciação e da imediação". As coautoras chamam à colação um conjunto de depoimentos que a recorrente omite ou interpreta em sentido diferente (nomeadamente no que respeita à pretensa indisposição do Sr. N...... e à pretensa entrega das chaves do veículo a um dos seus amigos, que o acompanhavam naquela noite). Quanto à parte do recurso que versa matéria de direito, entendem que, considerando que era o Sr. N...... quem conduziu o veículo, a culpa deriva dos factos dados como provados e que o comportamento do condutor foi causal aos danos sofridos por quem circulava no veículo, sendo certo que não foi provada qualquer causa de exclusão, nomeadamente causa de força maior nem culpa de terceiro, já que o condutor conhecia o local como ninguém e a seguradora não aponta defeitos à via no que toca à conceção e construção, ou seja, "com ou sem sinalização, com ou sem guardas de proteção, aquele acidente teria sempre ocorrido, em virtude da má conduta do condutor". Finalmente, no que respeita ao montante das indemnizações, a decisão só pode "pecar por defeito, mas os recorridos não pretendem interpor recurso subordinado, pelo que a decisão deve ser mantida".

O recurso, como resulta de fls. 762, foi recebido como apelação, com subida imediata, nos autos, e com efeito devolutivos.

Nesta Relação o processo correu os Vistos legais.

Nada obsta ao conhecimento do mérito das apelações.


2.1.11 – Ojecto dos recursos
Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente.

2.1.11.1 – Recurso dos chamados
2.1.11.1.1 – Se deve ser alterada a resposta dada ao ponto 1 da BI, passando a constar como "não provado".
2.1.11.1.2 – Se é devida indemnização aos apelantes por força do falecimento de seu marido e pai, N......, e conforme por estes foi (apelantes/intervenientes) foi peticionado.

2.1.11.2 – Recuso final da ré seguradora
2.1.11.2.1 - Se deve ser alterada a resposta dada ao ponto 1 da BI, passando a constar como "não provado" (conclusões 1 a 18).
2.1.11.2.2 – Se não ficou demonstrada a culpa do condutor do veículo, quem quer que tenha sido.
2.1.11.2.3 – Se não houve nexo causal entre o comportamento do condutor do veículo e o (dano do) acidente.
2.1.11.2.4 – Se o acidente se ficou a dever (é imputável) a terceiro.
2.1.11.2.5 – Se o dano morte arbitrado é excessivo (pois nunca deveria ultrapassar os 40.000,00€) e não pode deixar de ser igual para todos os sinistrados.
2.1.11.2.6 – Se o dano patrimonial arbitrado é excessivo e deve ser diminuído.
2.1.11.2.7 – Se devia ter sido considerado na sentença que o marido e pai dos chamados era portador de alcoolemia, na ocasião do acidente e, por via disso, os chamados não tem direito a qualquer indemnização fundada no seguro facultativo.

3 – Apreciação dos recursos

3.1. – Fundamentação de facto
Sem prejuízo da posterior apreciação das apelações no atinente à reapreciação da matéria de facto (que, como decorre do referido em 2.1.11.1.1 e em 2.1.11.2.1 tem apenas como objeto o ponto 1 da Base instrutória), transcrevemos, desde já, os factos que ficam assentes na decisão da 1.ª instância. São os seguintes:
1 - No dia 1 de novembro de 2007, pela 1H30, na Estrada Municipal n.º 548, junto à Albufeira do Azibo, freguesia de Santa Combinha, concelho e comarca de Macedo de Cavaleiros, ocorreu um acidente de viação, em que teve intervenção o veículo automóvel ligeiro de passageiros, Mercedes Benz, com a matrícula ..-..-SG, modelo S 320 CDI, pertença de N...... (A).
2 - No veículo deslocava-se o referido proprietário, N......, acompanhado de mais três pessoas, O….., P….. e Q…. (B).
3 - O referido Mercedes circulava na dita estrada municipal, no sentido Santa Combinha – IP4 (C).
4 - Ao descrever uma curva, que se desenha para a direita, atento o seu sentido de marcha – Santa Combinha – IP4, o veículo identificado em A), entrou em despiste (D).
5 - E passou pelo talude/ribanceira, sita no lado esquerdo da via atento o seu sentido de marcha e veio a capotar e a cair nas águas da Albufeira do Azibo (E).
6 - Ficando imobilizado no leito da mesma, de rodas para o ar e com a frente virada no sentido de marcha Santa Combinha – IP4 (F).
7 - O acidente referido em A) ocorreu num troço da via, constituído por uma reta com 300 metros de extensão, sem obstáculos e com faixa de rodagem de 5,60 metros de largura, com piso recente e em alcatrão, em bom estado de conservação, e dividido por duas faixas de rodagem (G).
8 - Não havia marcas de travagem no local, relativamente ao veículo automóvel com a matrícula ..-..-SG mas havia marcas de derrapagem em 28 x 30 metros de extensão, deixadas por ele, antes de resvalar pela ribanceira sita no lado esquerdo, atento o sentido de marcha Santa Combinha – I.P.4 (H).
9 - Era de 90 km/hora a velocidade máxima de circulação de veículos automóveis ligeiros, permitida no local do acidente, que era antecedido por uma curva à direita, atento o sentido de marcha do veículo (I).
10 - Como consequência direta e necessária do sinistro referido em A), resultou a morte de N......, O…., P…. e Q…., no dia 1 de novembro de 2007, sendo estes três últimos conhecidos de N...... (J).
11 - Consta do relatório de autópsia junto aos autos a fls. 38/39 que a causa da morte de Q…. pode ter sido devida a afogamento (K).
12 - Consta do relatório de autópsia junto aos autos a fls. 40/41 que a causa da morte de N...... pode ter sido devida a afogamento (L).
13 - Consta do relatório de autópsia junto aos autos a fls. 42/43 que a causa da morte de P….. pode ter sido devida a asfixia por submersão; que não foram encontrados sinais de violência e foi detetada uma TAS de 0,73 de álcool por g/l (M).
14 - Consta do relatório de autópsia junto aos autos a fls. 44/45 que a causa da morte de O….. pode ter sido devida a asfixia por submersão; que não foram encontrados sinais de violência e foi detetada uma TAS de 0,10 de álcool por g/l (N).
15 - Consta da cópia certificada junta aos autos de fls. 125, da certidão notarial de habilitação de herdeiros que a Autora F..... é a viúva de O….. e, que o Autor G..... era seu filho, constituindo ambos os únicos herdeiros do mesmo (O).
16 - Consta da cópia certificada junta aos autos de fls. 129/130, da habilitação notarial de herdeiros que a Autora H..... é a viúva de P….. e, que os Autores I..... e J..... eram seus filhos, constituindo os três os únicos herdeiros do mesmo (P).
17 - Consta da certidão junta aos autos de fls. 131 a fls. 133, da habilitação notarial de herdeiros que a Autora K..... é a viúva de Q….. e, que as Autoras M..... e L..... eram suas filhas, constituindo as três as únicas herdeiras do mesmo (Q).
18 - Consta da certidão junta aos autos de fls. 219 a fls. 221, da habilitação notarial de herdeiros que a Autora C….. é a viúva de N...... e, que os Autores D…… e E…. eram seus filhos, constituindo os três os únicos herdeiros do mesmo (R).
19 - O...... nasceu no dia 2 de fevereiro de 1946 (S).
20 - F..... nasceu no dia 29 de dezembro de 1948 (T).
21 - P...... nasceu no dia 18 de janeiro de 1949 (U).
22 - H..... nasceu no dia 22 de setembro de 1947 (V).
23 - Q...... nasceu no dia 10 de agosto de 1947 (Y).
24 - K...... nasceu no dia 8 de agosto de 1949 (W).
25 - N...... nasceu no dia 20 de novembro de 1952 (X).
26 – D….. nasceu no dia 14 de setembro de 1977 (Z).
27 - E...... nasceu no dia 4 de março de 1987 (AA).
28 - C...... casou com N...... no dia 26 de junho de 1976 (BB).
29 - Por contrato válido e eficaz à data do acidente referido em A), a responsabilidade civil de danos provocados pelo veículo automóvel com a matrícula ..-..-SG encontrava-se transferida para a Ré, contrato esse titulado pela apólice n.º 0045.80.427979 (CC).
30 - N...... tinha celebrado com a Ré relativamente ao veículo automóvel identificado em A), um contrato de seguro concernente a ocupantes com um capital por morte de € 10.000,00, na modalidade de todos os ocupantes (DD).
31 - Com base no falecimento, em 2007/11/01, do beneficiário n.º 11062164501, Q...... e, do beneficiário n.º 11102958414 P......, em consequência do acidente a que dizem respeito os autos, foram requeridas no ISS,IP/Centro Nacional de Pensões, pelas viúvas, respetivamente, K..... e H....., as respetivas prestações por morte, as quais foram deferidas (EE).
32 - Em consequência, o ISS,IP/CNP pagou à viúva K....., a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no período de dezembro/2007 a agosto/2009 o montante global de € 6.784,44 (FF).
33 - O ISS,IP/CNP pagou, igualmente, em consequência do acidente dos autos, à viúva, H....., a título de pensões de sobrevivência no período de dezembro/2007 a abril/2008 o montante global de € 2.593,56 (GG).
34 - O ISS, IP/CNP continuará a pagar ao cônjuge sobrevivo do beneficiário Q......, a pensão de sobrevivência, enquanto este se encontrar nas condições legais, com inclusão de um 13.º mês de pensão em dezembro e de um 14.º mês de pensão em julho de cada ano, pensão cujo valor mensal é de € 179,69 (HH).
35 - O ISS pagou, a título de subsídio por morte e de pensão de sobrevivência, à viúva do beneficiário Q......, K......, no período de dezembro de 2007 a junho de 2011, um total de 11.321,69€, sendo 2.387,16 € a título de subsídio por morte e 8.934,53 € a título de pensões de sobrevivência (certidão de fls. 525).
36 - N...... havia contratado com a ré um seguro de danos próprios para o SG com o valor de 27.667,68 € com franquia de 1.000 € (II).
37 - Sendo o valor do salvado no montante de 7.555 € (JJ).
38 - No dia, hora e local mencionados em A), o veículo aí identificado era conduzido por N...... (1).
39 - O veículo automóvel identificado em A), era um modelo S 320 CDI, com 6 cilindros e de cilindrada 3222 com caixa de velocidades automática e, quando tal veículo foi removido da água, o seletor da caixa de velocidades encontrava-se engrenado na velocidade “D” (automático) (2).
40 - Os dois pneus traseiros do veículo com a matrícula ..-..-SG não estavam homologados nem registados no livrete por esse veículo, tendo medidas superiores às constantes do livrete (3).
41 - No momento do acidente referido em A), os pneus traseiros do veículo automóvel com a matrícula ..-..-SG estavam completamente lisos e o do lado esquerdo possuía a tela à vista (4).
42 - N...... não costumava entregar a outrem a condução do veículo automóvel com a matrícula ..-..-SG (5).
43 - O......, P...... e Q...... não tinham experiência de condução de veículos automóveis com caixa automática (6).
44 - Entre a faixa de rodagem e o início do talude aludido em E), que a separa das águas da albufeira, existe uma berma constituída por cascalho e gravilha (7).
45 - Com 1 metro de largura, no máximo (8 e 16).
46 - E a um nível inferior ao da faixa de rodagem, com 5 cm, no máximo (9 e 16).
47 - Inexistia qualquer barreira de segurança, quer entre a estrada e a berma, quer entre a berma e o referido talude, quer entre este e as águas da albufeira (10).
48 - Seja de cimento, betão ou metal, vulgo rails, que sirva para deter a queda à água de quaisquer pessoas, veículos ou outras coisas (11).
49 - À data do acidente, não existia qualquer sinalização horizontal (12).
50 - À data do acidente, não havia qualquer marcação pintada no leito da estrada, designadamente para assinalar o eixo da via ou os limites da faixa de rodagem (13).
51 - No local e na data referidos em A), não existia qualquer iluminação pública (14).
52 - Do mesmo modo que não existia qualquer sinalização de perigo, seja a indicar a existência de bermas baixas, a execução de trabalhos na via ou a existência de outros perigos (15).
53 - O talude aludido em E) tinha cerca de 10 m de altura (17).
54 - Inexistia qualquer sinalização na via (18).
55 - O piso, no local referido em A), tinha sido recentemente substituído (19).
56 - O que se verifica pela cor preta marcadamente escura e pela abundante presença nas faixas de rodagem, junto aos seus limites, de gravilha solta e negra (20).
57 - O veículo identificado em A) derrapou sobre a faixa de rodagem ao longo de 16,80, até invadir a berma (24).
58 - Na data referida em A), o proprietário do veículo automóvel aí identificado não dispunha de certificado de inspeção técnica periódica válido (25).
59 - A albufeira do Azibo e respetivas águas, bem como o talude ou ribanceira, eram visíveis de dia para quem circulasse por qualquer uma das duas hemi-faixas de rodagem, com o esclarecimento de, sendo de noite, só serem visíveis para quem circulasse de máximos ligados (26).
60 - N...... conhecia bem o troço onde ocorreu o acidente referido em A), por onde já passara centenas de vezes de automóvel (27).
61 - N...... foi resgatado pelo autor D…., quando o veículo identificado em A) se encontrava caído nas águas da albufeira do Azibo (30).
62 - O...... era uma pessoa alegre e sociável (31).
63 - Era pessoa saudável (32).
64 - E, pouco gastador (33).
65 - Bem como um marido e pai extremoso (34).
66 - Muito dedicado, atento e preocupado (35).
67 - Os Autores F..... e G..... sofreram um enorme choque emocional com a morte inesperada de O...... (36).
68 - E continuam a sofrer com tal perda (37).
69 - E sentem-se revoltados com a perda do marido e pai (38).
70 - Recordando-a a todo o tempo (39).
71 - Bem como, sentem uma enorme tristeza pela perda sofrida (40).
72 - E, uma profunda angústia (41).
73 - Bom como, sentem dor por tal perda (42).
74 - A Autora F..... sofre de modo especial pela inesperada frustração e corte da expectativa de uma vida futura com O......, seu companheiro de vida há 33 anos (43).
75 - A Autora F..... e O...... à data do acidente referido em A), encontravam-se reformados (44).
76 - O...... à data referida em A), beneficiava a título de reforma processada pela Segurança Social Francesa a quantia mensal de €843,34 (45).
77 - Auferia ainda a quantia anual de 4.417,83€ a título de pensão complementar do “V….” paga com a periodicidade trimestral (46).
78 - Da soma dos valores referidos nas respostas aos artigos 45º e 46º O...... não gastava consigo próprio mais do que 1/3 (47).
79 - A Autora F..... gastou a quantia de €1.500,00 na pedra tumular ou jazigo raso do seu marido (48).
80 - P...... era muito trabalhador, com alguns artigos científicos publicado (49).
81 - E era uma pessoa alegre (50).
82 - Era pessoa saudável (51).
83 - E tinha grande desejo de viver (52).
84 - Era pessoa poupada (53).
85 - Era um pai e marido extremoso (54).
86 - Muito atento, preocupado e muito dedicado à família (55).
87 - À data referida em A), P...... era licenciado em teologia e tinha feito cadeiras “ad hoc” do curso de língua e literatura Portuguesa (56).
88 - E exercia as funções de professor de literatura portuguesa no ….., sito em ….., concelho de Soure (57).
89 - Onde simultaneamente exercia as funções de administrador, do qual era sócio fundador (58).
90 - Foi membro da assembleia de freguesia da sua terra natal (59).
91 - E fundador do Movimento de Cristão para a Paz de Portugal (60).
92 - Bem como foi presidente da ALBaiz, associação que visa o desenvolvimento do concelho de Alvaiázere (61).
93 - E, em 2007, foi convidado para exercer as funções de Diácono na Diocese de Coimbra, pelo Senhor Bispo D. Albino Cleto (62).
94 - Nunca chegou a exercer tais funções (63).
95 - Os Autores H....., I..... e J…. sofreram um enorme choque emocional com a morte inesperada de P...... (64).
96 - E continuam a sofrer com tal perda (65).
97 - E sentem-se revoltados com a perda do marido e pai (66).
98 - Recordando-a a todo o tempo (67).
99 - Bem como, sentem uma enorme tristeza pela perda sofrida (68).
100 - E uma profunda angústia (69).
101 - Bom como, sentem dor por tal perda (70).
102 - A Autora H..... sofre de modo especial pela inesperada frustração e corte da expectativa de uma vida futura com P......, seu companheiro de vida há 24 anos (71).
103 - Faziam companhia um ao outro (73).
104 - P...... no exercício das funções de professor e administrador do Instituto referido na resposta ao artigo 57º auferia a remuneração mensal de 6.540,92€ e anual de 88.463,40€, com o esclarecimento de se tratar da remuneração bruta (74).
105 - Do rendimento referido na resposta ao art. 74º, não gastava consigo próprio mais de 1/3 (75).
106 - Parte do restante era aplicado para as despesas que fazia com os filhos I..... e J….. (76).
107 - Parte do restante era entregue à autora H..... (77).
108 - À data referida em A), o Autor I..... frequentava o quarto ano do curso de engenharia civil na Universidade de Coimbra, curso de Mestrado que tem a duração de 5 anos (78).
109 - À data referida em A), a Autora Eva frequentava o 2.º ciclo da licenciatura bietápica em radiologia da Escola Superior de Tecnologia da Saúde, curso que terminou em 2008 (79).
110 - Como não conseguiu colocação, matriculou-se e frequentou o curso superior de medicina legal, com início em 24/10/2008, e que concluiu em novembro de 2009 (80 e 81).
111 - Era o P...... quem pagava as propinas anuais com os estudos do Autor I..... (82).
112 - Que em 2007/2008 e 2008/2009 eram no valor anual de €900,00 (83).
113 - Bem como pagava as propinas anuais com os estudos da Autora J….. (84).
114 - No ano letivo de 2007/2008 eram de pelo menos 600€ (85).
115 - No ano letivo de 2008/2009 eram de pelo menos 1.000€ (86).
116 - E ainda pagava uma mesada mensal a cada um dos Autores I..... e Eva no valor de €500,00 a cada um (87).
117 - O referido em 87), seria para o Autor I..... desde novembro de 2007 até ao final do ano de 2009, data em que terminaria a sua formação académica (88).
118 - E para a Autora J….. o referido em 87) seria em igual período mencionado em 88) (89).
119 - A Autora H..... gastou a quantia de €2.520,00 no terreno para jazigo no cemitério da freguesia de Granja do Ulmeiro para o seu marido (90).
120 - E com o funeral de P...... gastou a quantia de €3.243,00 (91).
121 - Q...... era uma pessoa alegre (92).
122 - Bem como, extremamente trabalhador (93).
123 - Era saudável (94).
124 - Bem como, muito poupado (95).
125 - E era muito dedicado à família (96).
126 - Bem como, tinha um grande desejo de viver (97).
127 - As Autoras K......, L….. e M….. sofreram um enorme choque emocional com a morte inesperada de Q...... (98).
128 - E continuam a sofrer com tal perda (99).
129 - E sentem-se revoltadas com a perda do marido e pai (100).
130 - Recordando-a a todo o tempo (101).
131 - Bem como, sentem uma enorme tristeza pela perda sofrida (102).
132 - E uma profunda angústia (103).
133 - Bom como, sentem dor por tal perda (104).
134 - A autora K...... sofre de modo especial pela inesperada frustração e corte da expectativa de uma vida futura com Q......, seu companheiro de vida há 32 anos (105).
135 - Faziam companhia um ao outro (106).
136 - Aquando do referido em C) Q...... trabalhava por conta própria, explorando terrenos agrícolas do casal (107).
137 - E utilizava parte dos frutos e produtos da terra para consumo próprio da sua família (108).
138 - E vendia os restantes (109).
139 - Com os frutos e produtos da terra que obtinha dessa exploração, que consumia com a família e que vendia, obtinha, entre a poupança na compra de alimentos e o lucro das vendas quantia não inferior a 4.000 € anuais (110).
140 - Além do referido na resposta ao art. 107º, Q...... trabalhava à jeira entre 10 a 12 dias por mês (111).
141 - Auferia, com o referido na resposta ao art. 111º, em média, a quantia mensal de 500 € e anual de 6.000 € (112).
142 - Do rendimento anual de 10.000€, correspondente à soma das quantias referidas nas respostas aos artigos 111º e 112º, Q...... não gastava consigo próprio mais de 1/3 (113).
143 - A Autora K...... gastou a quantia de €1.300,00 na pedra tumular ou jazigo raso de Q...... (114).
144 - N...... era muito trabalhador (115).
145 - E era muito bem disposto (116).
146 - E gostava de passear e de conhecer novos locais e novas gentes (117).
147 - Era uma pessoa estimada (118).
148 - Era um bom pai e marido (119).
149 - N...... apercebeu-se que iam cair à água (120).
150 - Em consequência ficou angustiado (121).
151 - Por não conseguir respirar, por a água estar muitos graus abaixo da temperatura do seu próprio corpo, N...... ficou aflito (122 e 123).
152 - Sentiu a morte a aproximar-se até que deixou de ter forças para lutar pela vida (124).
153 - E então faleceu pouco tempo após a imersão (125).
154 - Os autores C…., D…. e E…. e N...... apoiavam-se uns nos outros (126).
155 - O falecimento de N...... foi sentido de forma grave pelos Autores C…., D…. e E…. (127).
156 - Pois viviam e conviviam diariamente com N...... (128).
157 - Após dois anos do falecimento de N......, os autores C…., D…. e E…. ainda falam dele ou ouvem o seu nome com lágrimas (129).
158 - Os Autores C......, D...... e E...... ficaram profundamente chocados por verem N...... desaparecer da sua vida (130).
159 - Os Autores C......, D...... e E...... sofreram com a perda de N...... (131).
160 - E continuam a sofrer com tal perda (132).
161 - Após o falecimento de N......, os autores C......, D...... e E...... passaram a ser pessoas mais introvertidas e irritáveis (133).
162 - Passaram a isolar-se mais (134).
163 - Até à data referida em A), os autores C......, D...... e E...... eram pessoas alegres e bem dispostas (135).
164 - Com o falecimento de N......, os autores C......, D...... e E...... perderam a alegria de viver (136).
165 - Pois sentem a ausência diária do marido e pai (137).
166 - O referido na resposta ao art. 30º provocou angústia ao autor D...... (138).
167 - E por isso sentiu de forma mais violenta o falecimento do seu pai (139).
168 - A autora E...... à data mencionada em A) era estudante e frequentava o 3.º ano do curso de medicina dentária da Universidade Privada Fernando Pessoa (140).
169 - Que tem a duração de 5 anos a que acrescem os estágios (141).
170 - A autora E...... era sustentada pelos seus pais até terminar a sua formação académica (142).
171 - E eram os seus pais que pagavam a faculdade da autora E......, livros, material e hospedagem e alimentação, tudo no montante de €1.000,00 mensais (143).
172 - À data referida em A), N...... auferia salário mensal superior a 1.485,29€ - no montante anual superior a 20.794,06€ (144).
173 - Do montante referido na resposta ao art. 144º, N...... não gastava consigo próprio mais de 1/3 (145).
174 - Para além do que consta na resposta ao art. 143º, N...... destinava ainda e pelo menos parte dos seus rendimentos ao agregado familiar (146).
175 - O automóvel identificado em A), por causa do acidente referido nos autos ficou irrecuperável (147)[3].

3.3 – Reapreciação da matéria de facto e aplicação do direito

3.3.1 – Reapreciação da matéria de facto
Reapreciação conjunta, atenta a similitude do objeto, dos pontos 2.1.11.1.1 e 2.1.11.2.1, das apelações, respetivamente, dos chamados e da ré seguradora.

3.3.1.1 – Considerações prévias
Em jeito de considerações genéricas, e antes da apreciação em concreto dos recursos, na parte em que versa a reapreciação da matéria de facto, deixamos dito que, desde há muito, o nosso regime processual civil admite a competência das relações para o julgamento de direito e de facto.

Com efeito, já no domínio do CPC que precedeu o que, com alterações múltiplas, continua vigente, as decisões do tribunal coletivo sobre a matéria de facto (ou seja aquelas em que a prova, em princípio, não estava reduzida a escrito) podiam ser modificadas quando do processo constassem todos os elementos que serviram de base a essa decisão, quando os elementos fornecidos pelo processo impusessem, sem possibilidade de contradição por qualquer outra prova, uma decisão diferente e, por último, nos casos de apresentação de documento novo e superveniente, documento por si bastante à destruição a prova que havia fundado a decisão da primeira instância - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição, 1952, págs. 469 a 475.

O regime acabado de referir manteve-se consagrado no CPC de 1961 e as suas alterações só adquiriram relevante significado quando se assumiu o princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Visando-o, o DL. 39/95, de 15 de fevereiro, consubstancia, além de outras alterações, a do artigo 712[4] e adita o artigo 690-A, ao mesmo tempo que deixa plasmado no seu preâmbulo que se pretendeu prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências, permitindo alcançar um triplo objetivo: Em primeiro lugar, a criação de um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, pois considerava o regime vigente insuficiente. Em segundo lugar, o legislador entende que o registo dos depoimentos é meio idóneo para afrontar o clima de quase total impunidade e da absoluta falta de controlo que envolve o possível perjúrio do depoente e, por último o registo da prova é apresentado como instrumento adequado para satisfazer o próprio interesse do tribunal e dos magistrados que o integram.

O mesmo diploma considera, no entanto, que o novo regime não deverá redundar na criação de fatores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil. Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo (…). E esclarece o que tantas vezes é citado e deve ser sublinhado: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, pontos que, por isso, o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Ou seja – e voltamos a transcrever - Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. Dito de outro modo, A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto, com o sentido e com os limites em que deve ser entendido, resultava explicitado numa leitura conjugada dos artigos 690-A (revogado pelo artigo 9.º do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de agosto) e 712, ainda na redação anterior à aplicável a estes autos, abrangendo as situações que o CPT/39 já admitia, e as possibilidades posteriores, resultantes, em especial, da gravação da prova.

Depois da entrada em vigor do Decreto-Lei 303/2007, o enquadramento legal do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se mostra modificado na sua essência, não obstante a alteração na redação da alínea a) do n.º 1 do artigo 712, que mais não é que a remissão, agora, para o artigo 685-B, ambos do CPC.

Assim, na versão do CPC aplicável aos presentes autos, esclarece o artigo 712 que a possibilidade de alteração da (decisão sobre a) matéria de facto deve suceder quando, justificando-se em concreto, “a) do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685-B, a decisão com base neles proferida; b) os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”. Por sua vez, o artigo 685-B do CPC, aditado pelo artigo 2.º do citado Decreto-Lei 303/2007, esclarece a oneração do recorrente que impugne a matéria de facto, cominando com a rejeição do recurso os casos em que não se especifiquem os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados e "os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida."

Como se mostra claro no Preâmbulo do diploma que teve por intenção a consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, os ónus impostos ao recorrente que pretenda sindicar o julgamento da matéria de facto têm por fim combater uma indiscriminada e vaga manifestação contrária a esse julgamento, origem de indiscutível morosidade, e obrigam a uma tomada de posição muito precisa, concreta, quanto aos aspetos que o recorrente entende mal apreciados, a que acresce a necessária indicação dos meios de prova que deviam ter conduzido a julgamento diferente e, havendo gravação da prova, com referência ao assinalado, para cada depoimento, na ata respetiva. Efetivamente, no que a este último aspeto concerne, o artigo 685-B do CPC exige, continua a exigir, que "quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição" (685-B, n.º 2). E, nesta hipótese, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição" (685-B, n.º 3).

Importa dizer, na ponderação das razões de oneração, mas na aceitação do chamado duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, que a referência aos meios probatórios invocados que impunham decisão diversa não tem que ser entendido, ou entendido apenas, para os casos de provas contrárias ou depoimentos conflituantes; se assim sucede muitas vezes, a impugnação da matéria de facto continua a fazer sentido para quem nem sequer a apresentou mas, beneficiando de não ser onerado, pretende que se reveja a decisão para a qual contribuiu apenas a prova da outra parte. Neste contexto, não há propriamente (outros) meios de prova que imponham solução diversa, mas a indicação daqueles que, no entendimento do recorrente, se mostram precários (contraditórios, sem direto conhecimento dos factos, com esquecimentos seletivos, etc., etc.) cumpre o ónus que se lhe exige.

De todo o modo, importa ter também presente que a eventual modificação da matéria de facto ocorre num recurso e não – propriamente – num segundo julgamento. É que duplo grau não é repetição, mesmo quando é reapreciação, e as provas foram produzidas num tempo e num modo que se tem por adquirido, sob pena de uma busca infrutífera à (inexistente) verdade absoluta e a cada passo modificável. Acresce que a 1.ª instância tem fatores de ponderação relevantes que a Relação não possui, dos quais destacamos a imediação. Em suma, o labor da Relação deve orientar-se para a deteção do erro de julgamento na decisão da matéria de facto, não chegando a essa classificação qualquer divergência mínima na valoração da prova - Abrantes Geraldes, “Reforma dos recursos em processo civil”, in Julgar, n.º 4, janeiro/abril 2008, págs. 74 a 76.

O que queremos dizer – e seguimos as palavras escritas no acórdão desta Relação de 9.10.2012 (dgsi, processo n.º 5394/10, relator: Desembargador José Igreja Matos) - é que "um registo áudio não iguala uma inquirição presencial enriquecida com a imediação que é própria da 1ª Instância. Todavia, certo é também que não está em causa agora repetir o julgamento mas atentar nos concretos pontos de facto impugnados e “conseguir formar uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, (...) fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” (cf. Abrantes Geraldes, em “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril/2008, págs. 69 a 76)".

E como se refere no mesmo acórdão, citando o do Supremo de 10.5.2007 (dgsi, relator: Conselheiro Pires da Rosa), o tribunal de recurso “não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exatamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.”

Feitas estas considerações e também porque os recorrentes cumpriram o ónus de impugnação da matéria de facto, cumpre conhecer, nessa parte, o mérito das apelações.

3.3.1.2 – Reapreciação em concreto
Como decorre da definição do objeto das apelações (dos chamados e da ré seguradora) a discordância quanto à matéria de facto que foi fixada na 1.ª instância prende-se com a resposta dada ao ponto 1.º da Base Instrutória (BI): o tribunal entendeu que a correspondente pergunta merecia resposta positiva (provada) e os recorrentes entendem precisamente o contrário.

A pergunta feita nesse primeiro ponto da BI foi, conforme fls. 310, a seguinte: "No dia, hora e local mencionados em A), o veículo aí identificado era conduzido por N......?"

O dia, hora e local mencionados em A) são os do acidente: "No dia 1 de novembro de 2007, pelas 1H30, na Estrada Municipal n.º 548, junto à Albufeira do Azibo, freguesia de Santa Combinha, concelho e comarca de Macedo de Cavaleiros, ocorreu um acidente de viação, em que teve intervenção o veículo automóvel ligeiro de passageiros, Mercedes Benz, com a matrícula ..-..-SG, pertença de N......"; a pergunta, por sua vez, ao questionar quem conduzia o veículo, só à primeira vista é estranha: os autores iniciais, antecipando uma eventual dúvida sobre o exercício da condução naquela ocasião, vincam que ela era feita pelo proprietário; a ré seguradora insiste que não este quem conduzia, e os chamados dizem que não era o marido e pai deles (o N......) mas um outro companheiro de viagem, que não conseguem identificar, quem conduzia o veículo sinistrado.

Saber-se quem conduzia o veículo num determinado acidente, mesmo quando, como sucedeu, todos os quatro ocupantes vieram a falecer não devia ser uma situação inabitual, mas é o que se passa nestes autos. Acresce que a resposta a essa questão é, no caso concreto, de crucial relevância, porquanto se reflete no direito a aplicar.

O tribunal da 1.ª instância respondeu "provado" àquela pergunta e, por isso, levou aos factos assentes que "38 - No dia, hora e local mencionados em A), o veículo aí identificado era conduzido por N...... (1)".

Na fundamentação dessa resposta (fundamentação essa que, nesse preciso aspeto, se mostra criticada pelos recorrentes) o tribunal da 1.ª instância, depois de descrever com suficiente concretização os depoimentos prestados, escreveu o seguinte: " (…) resulta do que já ficou dito que, aquando da tomada da ocorrência do acidente, pela GNR e bombeiros, no local, e não obstante lá terem estado o D......, filho de N......, e, ainda, T...... e S......, em nenhum momento foi referido que o condutor do Mercedes fosse outro que não N......, quando, como resulta dos depoimentos dos agentes da GNR e dos Bombeiros, em audiência, e, de resto, sempre resultaria das regras da experiência comum, o acidente, designadamente, as suas causas foi discutido logo no local, pelo que, evidentemente que se o condutor não fosse, contra o que seria normal (era o dono e não costumava emprestar o veículo), o N......, tal teria sido de imediato referido. E isto, tanto mais que, por um lado, o filho era justamente uma das pessoas que se encontrava no local e, por outro, que também lá estavam T...... e S...... que, nos seus depoimentos em audiência, afirmam, em substância, que por se sentir indisposto, o N...... tinha entregue as chaves do Mercedes a um dos outros três (curiosamente, não sabem dizer, na sua tese, a qual dos três) e ter-se-ia sentado no lugar do passageiro (a sua razão de ciência dever-se-ia ao facto de, comprovadamente, S...... ter estado no restaurante do …. com os 4 e, alegadamente, de T...... se ter para lá deslocado para se encontrar com ele). Sucede porém que, repita-se, não obstante estas duas testemunhas se terem deslocado ainda nessa madrugada do acidente ao local, onde estiveram com a GNR e Bombeiros, interessados em apurar das causas possíveis do acidente (veja-se que S...... até acompanhou um GNR para averiguarem de algum rasto de atravessamento de javalis, uma das hipotéticas causas que logo tinha sido levantada; veja-se que às 9 horas da manhã foi T...... ver os rastos de javalis) ainda assim nunca referiram que o condutor não fosse o N....... Tal atitude é absolutamente incompreensível, totalmente desconforme às regras da experiência e da lógica, e lança uma insuperável suspeição sobre a veracidade dos relatos destas testemunhas. E tal suspeição só se adensa ainda mais quando consideramos duas circunstâncias: Primeiro, referem que se deslocaram ao Panorama, na manhã a seguir ao acidente e que lá não se encontrava o D...... quando, como se viu, inúmeras testemunhas viram-no lá e falaram com ele. Segundo, é o próprio D......, primeira pessoa a chegar ao local do acidente e que tenta salvar o pai e os restantes quem relata aos presentes, de manhã – e vai relatá-lo também à própria funcionária, W….. – que o pai vinha a conduzir e explica até que não conseguiu abrir a porta do lado do condutor – e, de facto, como se viu, o manípulo da porta do condutor tinha sido arrancado durante o acidente; não há portanto qualquer hipótese de confusão – pelo que abriu a porta do lado do "pendura", sendo o corpo do pai, por isso, o segundo resgatado. Daqui resulta, pois, com a necessária segurança, que era N...... quem ia a conduzir. De salientar, ainda, o depoimento de X...... na parte em que pretendeu fazer crer que o D......, depois do acidente e de ter resgatado os corpos, veio para casa dele e lá ficou a dormir até à tarde, o que, evidentemente, desafia as regras de experiência (então, vai dormir para casa de um estranho à família, e deixa a mãe sozinha?) e foi absoluta e frontalmente contrariado pelas numerosas testemunhas que se referiram já, e que de manhãs, no restaurante, a diversas horas, falaram com o D......, pelo que aquele relato de tal testemunha não merece qualquer crédito".

Uma primeira nota que deixamos, a propósito da fundamentação da convicção do tribunal é que, com todo o respeito por melhor opinião, não constitui uma "insuperável suspeição" o depoimento de duas testemunhas que, afirmando terem presenciado a "troca de lugares do condutor" (ainda que não identifiquem quem passou a conduzir), depois não afirmem de imediato e perante os presentes que não era o proprietário quem conduzia o veículo, antes participando na indagação das causas do sinistro, coisa bem diversa da autoria. Não vemos, novamente com todo o respeito por diferente opinião, a relação entre a omissão da referência imediata a quem não era o condutor e a violação das "regras de experiência", tal como não podemos considerar que conduza a essa conclusão o facto (pretensamente instrumental, mas inequivocamente inócuo) que o dono do veículo "não costumava emprestar o veículo", pois certamente também não costumava "sentir-se indisposto" (como decorre dos depoimentos que se tomam por desconsideráveis).

Esta primeira nota, acrescida da constatação que, afinal, a prova sobre o facto de a condução ser exercida pelo dono do veículo resultar de declarações citadas (que não depoimento direto[5]) do filho deste, impõe que, com toda a atenção, ouçamos os depoimentos prestados em audiência.

Ouvimos os depoimentos prestados pelas testemunhas a seguir indicadas (com referência, em nota de rodapé, aos que não se apresentam relevantes à concreta impugnação):
- R….., militar do destacamento de trânsito da GNR, na parte da investigação criminal e que conduziu o inquérito (junto aos autos) relativo ao acidente (ficheiro n.º 20110509110136 – 23637 - 64741);
- Y……, Cabo da GNR, que foi o participante do acidente (ficheiro n.º 20110509142207);
- Z….., Bombeiro mergulhador (ficheiro n.º 20110509143901);
- AB….., Colaborador de Notário, mas que era, naquela ocasião, Bombeiro voluntário (ficheiro n.º 20110509150413);
- AC….., Cozinheira, funcionário do N...... no restaurante junto à barragem (ficheiro n.º 20110509152215);
- AD…., Agricultor, sobrinho do O…. e da autora F..... (ficheiro n.º 20110509154109);
- AE….., Oficial de justiça, sobrinho do falecido O….. (ficheiro n.º 20110512103328[6]);
- AF……, Motorista, sobrinho do Q…. (ficheiro n.º 20110512103937[7]);
- AG….., Construtor Civil (ficheiro n.º20110512104543[8]);
- AH…., Reformado, "primo segundo" do O….. (ficheiro n.º 20110512110938[9]);
- AI……, Encarregado de construção civil, cunhado da mulher do Q….. e também conhecia o O….. (ficheiro n.º 20110512111645[10]);
- AJ…., Comerciante funerário (ficheiro n.º 20110512113156[11]);
- AK….., Segurança, exercia funções nos Bombeiros e foi ao local (ficheiro n.º 20110512111351);
- AL….., Pintor da construção civil, genro do falecido Q...... (ficheiro n.º 20110513102107);
- AM….., Procurador-Geral-Adjunto jubilado (e não Procurador da República jubilado, como por lapso se refere na ata), cunhado do falecido P….. (ficheiro n.º 20110513104311);
- NA….., Industrial, que conhecia o falecido P….. e (mal) o N...... (ficheiro n.º 20110513110144[12]);
- AO….., Professor, que conhecia o P...... e família (ficheiro n.º 20110513111803[13]);
- AP….., Escriturário (ficheiro n.º 20110513113455[14]);
- AQ….., Gestor de markting, amigo do filho (I.....) do falecido P…. (ficheiro n.º 20110513114830);
- AR….. Cardoso, Professor (ficheiro n.º 20110513121233[15] );
- AS….., Geógrafo (ficheiro n.º 20110609103918[16]);
- AT….., Enfermeira, prima dos autores H….. e filhos (ficheiro n.º 20110609105019);
- AU….., Agricultor, irmão da autora K...... (ficheiro n.º 20110609111358[17]);
- AV….., Doméstica, irmã da autora K...... (ficheiro n.º 20110628102842[18]);
- AW….., Construtor civil, cunhado do falecido Q...... (e não do falecido N......, como erradamente se escreveu na ata da audiência, a fls. 527 (ficheiro n.º 20110628103712[19]);
- AX….., Reformado da GNR (ficheiro n.º 20110628104843);
- AY…., Trabalhador da construção civil, que conhecia o N...... e (vagamente) o Q….. (ficheiro n.º 20110628112528);
- AZ….., Coordenador técnico, que conhecia o N...... e o filho D...... (ficheiro n.º 20110628122120) e
- BA….., Empresário comercial, irmão do falecido N...... (ficheiro n.º 20110628141321[20]).

Depois do elenco anterior, vejamos sucintamente os depoimentos que versam (direta ou indiretamente) sobre a questão da condução do veículo, objeto da impugnação feita no recurso dos chamados e da ré seguradora.

- R……. foi quem procedeu ao inquérito relativo a este acidente. Depôs com precisão sobre as características técnicas do veículo[21], esclarecendo que o mesmo capotou no acidente. Referiu também o seu elevado peso (2.400 Kg) e acrescentou que o veículo, depois do despiste e capotagem, podia manter algum tempo as luzes acesas, porquanto a bateria se situa na mala, mas com a submersão rapidamente as luzes se apagam (46,50).

A testemunha, na elaboração do inquérito, ouviu várias pessoas, incluindo familiares e, na parte final, o filho do proprietário (6,30). O aludido filho, D….., foi ouvido – como decorre dos documentos juntos aos autos – em 25.02.2008 (o acidente ocorreu na noite do dia 1.11.2007) e a testemunha descreve com precisão esse depoimento e o que percecionou e sentiu quando o tomou. A testemunha esclarece que foi um auto de inquirição complexo, uma inquirição complicada de duas horas e meia, pois o D...... estava a relatar os factos como se ainda estivesse no local e emocionava-me muito (tendo o interrogatório sido interrompido várias vezes). R….. diz que ficou "com a ideia que o pai vinha no local do passageiro" (9,10), percecionando que o D...... abriu a porta como sendo a do condutor e (só) depois teve a noção que o carro se encontrava capotado (10,20); afirma que "ficou-me a sensação é que era essa a convicção dele" (lugar do passageiro) – 11,00.

Explicando melhor o depoimento, a testemunha refere que o veículo "estava invertido" como explicação para a abordagem (ao lugar do passageiro) e o erro de perceção (sobre o lugar do condutor). Refere que o D...... "tinha visto antes, mas estava escuro e, como estava capotado, deslocou-se à porta do pendura (12,40). Acrescentou: "Não quer dizer que tenha tido a perceção de o carro estar capotado… iria à frente do lado esquerdo, mas se o carro está invertido, abria primeiro a porta do passageiro (13,50)… tanto mais que há uma fotografia, a fotografia 24[22], com mais pormenor… não tem o sistema de fecho do lado do condutor e a porta não estava aberta" (15,10).

Sobre as causas do acidente, a testemunha avança algumas[23], mas claramente conclui que de nada pode ter certeza. Mas, quanto ao depoimento do D......, a testemunha afirma a convicção que o D...... abriu a porta do condutor e retirou o seu pai; no entanto, na sequência da inquirição e descrição que vai fazendo fica a ideia que o lugar não era o do condutor mas o lugar do passageiro, mais próximo da margem (26,40; 27,50 e 44,10)[24]. A testemunha não retirou qualquer elemento se algum dos corpos tinha cinto (31,00).

Que o pai foi retirado do lugar do passageiro foi a ideia com que ficou a testemunha (52,30). Igualmente refere que "não há fingimento no depoimento do D......, que relata os factos como quem os vive" (62,30)[25].

- Y……. Foi o participante do acidente. Chegaram ao local por volta das duas e estavam o INEM e os Bombeiros e o filho, o D...... (3,30). Ele estava num estado muito perturbado e não foi estabelecido diálogo (4,00). Os corpos já estavam em cima do chassis e o carro estava virado. Não se via bem (4,40). Não sei quem ia a conduzir; o D...... é que tirou os corpos (4,50).

No auto de ocorrência indiquei o "proprietário como condutor por presunção e sem qualquer testemunho" (5,40).

O filho estava chocado, foi ele que os ajudou a tirar (8,00). Testemunhas não havia… não havia ninguém, eram duas da manhã, só os bombeiros lá estavam e "o filho nunca disse que não era o pai a conduzir" (10,50) mas não falei com o filho que não estava em condições (13,20).

- Z…... Quando chegou ao local estava muita gente e já havia outros bombeiros. Perguntaram quem era e já havia gente a dizer que tinha sido o BB…. e mais uns amigos (4,00). Uma vítima estava já no INEM, outra na margem e duas em cima da viatura (4,30).

À pergunta "quem os retirou?" a testemunha não responde, usando uma expressão de ignorância ("pp…") – 5,10. O condutor? – Não faz ideia (5,45) "nem sei identificar as vítimas, mas o senhor BB…. estava em cima do carro (esse conheci-o) e era o Q….. quem penso estava na margem (6,30). Falava-se do porquê? – Não faço ideia (7,10)… talvez velocidade, falaram, "não estou certo" (7,50)… não sei quem tirou as pessoas, penso que foi o pessoal do INEM, penso…

"Falava-se que quem ia a conduzir não era o senhor N......?" (8,50) – Não sei… já nem vi o filho… não ouvi nada disso (9,20). Não sei a posição dos corpos, estavam dois em cima da viatura[26] … tinha uma porta aberta, de que lado agora não me recordo… será verdade o que disse no inquérito… estava uma porta aberta, "eu penso"… não me lembro mesmo das portas… não me recordo, penso que era a do condutor… penso… penso que estava uma aberta… (10,40; 11,20; 12,30; 12,50; 13,20 e 14,25)

Novamente, "alguém dizia que não era o senhor N…..?[27] " – Não, não ouvi nada (16,50).

A temperatura da água, não faço ideia (18,10). Custou-me a mim, o que faria ao filho (20,00). Os colegas diziam que teria sido o filho a tirar os corpos…. Ninguém ia comentar, todos ficaram de tal maneira… (20,30).

- AB…... Era meia noite e meia, uma da manhã e fui com o colega AK….. e outro; foi no desencarcerador e à frente ia o INEM, que saiu antes do quartel.

"Quando cheguei estavam os colegas, um corsa branco cá em cima, do D......, filho do senhor N…. e acho que a irmã dentro do carro, e a viatura do INEM" (4,10). O D...... "estava desesperado e só dizia por favor vai lá baixo… só dizia isso… " (4,35).

A testemunha refere que estava um senhor que não soube quem era na berma da água e dois corpos em cima da viatura, na parte da frente; o carro estava tombado… "outro mais ou menos com um alcance (…) estava à frente, dentro de água e fora do carro" (5,55).

"O D...... referiu alguma coisa?" – Dizia só, por favor vai lá baixo que está lá o meu pai, só isso (7,10) … e quando vim para cima não vi mais o D......…

"Portanto, quando vem para cima já estava muita gente; essa gente dizia coisas; alguém disse que quem ia a conduzir não era o pai do D......?" (8,20) – Não vi conversas desse género.

"Seria natural que ele viesse ter consigo…" (9,05) – Não, o D...... estava num ato de desespero (9,20).

Quanto aos corpos em cima do carro… estavam lado a lado, acho eu (10,00), não fiquei com isso na memória. "quando foi ouvido…"[28]. Não me lembro de ter dito (11,10).

- AC……. O Sr. N…. tinha estima pelo Mercedes e não o costuma emprestar[29]. Vim embora do restaurante antes do N...... e dos amigos que ficaram lá, não assisti à saída (5,40). Ainda os vi chegar, ele vinha a conduzir e vinham mais três; beberam meio fino, outro meio fino e os outros dois meio uísque cada, estavam bem dispostos (7,20). Também estava lá o S...... e mais ninguém (9,20).

Depois de sair e ir para casa o D...... telefonou-me porque não conseguia contactar o pai. Depois, às duas da manhã é que vim a saber do sucedido… foi um telefonema de um taxista que também já morreu (11,00). Não falei com ninguém sobre quem ia a conduzir.

"O D...... disse-lhe alguma vez que o pai não ia a conduzir?" – Nunca falámos disso (12,10).

O D...... disse, e também a irmã, que foi ele quem tirou os corpos. Não disse que o pai não ia a conduzir (14,30).

- AD……. Sobre a matéria de impugnação, à pergunta "alguém lhe disse que era ele[30] quem conduzia", a testemunha refere o seguinte: " Não falei com ninguém, ouvi dizer que era ele que ia a conduzir; ouvi no restaurante e ouvi ao D...... que iam os quatro e quem conduzia era o pai… ele disse que quem conduzia era o pai no dia seguinte… foi às sete, sete e pouco da manhã, acho que nessa noite. Telefonaram-me para ao ….. e o D...... não estava calmo, estava em estado de choque, estava a desabafar e disse que tirou os corpos" (7,10; 8,30 e 9,20).

Acrescenta a testemunha: "Não sei quem me chamou… telefonaram porque estava lá a prima sozinha (a H…..); estava lá mais gente. Ele é que estava a dizer… quanto às causas, aquilo era quase impossível e o D...... disse que o pai ia a conduzir… mas ninguém sabe as causas e também não as discutiram" (10,10 e 12,10)

- AK…... Exercia funções de Bombeiro e foi ao local, à noite, depois da meia noite. Foram os primeiros a chegar, só estava o D...... e só falou com um colega que ele conhecia; depois apareceu mais gente.

"Alguém dizia que o pai do D...... não ia a conduzir?" – Não ouvi. O D...... não disse nada (2,20).

"Alguém disse que não estava (o N…..) no sítio do condutor?" – Ninguém disse nada (5,30).

- AL…... Genro do Q....... À pergunta, "Quem ia a conduzir?", disse: "Não poso afirmar mas falei com o D...... e ele disse-me que para tirar o pai do volante não conseguia abrir a porta e teve que tirar os outros todos". Disse-lhe nesse mesmo dia, pelas dez da manhã (4,30).

Foi o D...... quem tirou os corpos; tirou-os todos, disse ele (7,30).

" O D......… não sei as palavras, mas disse que teve de tirar os outros para ter acesso ao pai… não acedia à porta, foi o que ele disse" (17,04).

- AM……..
"Quem ia a conduzir?"
- "… acho, tenho a certeza que era o N......, porque na manhã desse dia um, o D......, quando lhe fui dar os pêsames, referiu que naquela noite e madrugada tentou contactar o pai e não conseguiu; receando coisa mais grave dirigiu-se ao bar da barragem e pelo caminho apercebeu-se das luzes de um carro na água da albufeira, e depois verificou que era o do pai; como estava submerso dirigiu-se ao carro e foi à porta do condutor e tentou abri-la e depois foi do outro lado e tirou o P….. e por aí é que tirou o pai" (4,00). Os outros corpos não sei bem.

O D......, acrescenta, manteve isso durante todo o dia e passados meses refletiu, porque até o seu sobrinho (I…..) lhe telefonou a dizer que o D...... agora dizia que a coisa não seria bem assim (5,55).

- AQ…...
Refere esta testemunha que, na altura, chegou lá cerca do meio dia e falou com o D......; o D...... contou que foi ele quem viu o carro; que tentou ir ao condutor mas teve que ir pelo outro lado e tirou primeiro o P….. do lado do pendura, para poder chegar ao pai (2,35; 14,00; 15,00 e 15,50)).

Acrescenta que, no dia seguinte, o D...... estava menos afetado e acho estranho ele falar de seguradoras e que era melhor dividirem por todos… mas, mesmo aí não alterou na história (3,50 e 22,10).

- AT…….
Refere que pelo que disse o filho, o D......, quem conduzia era o seu pai. Disse-o nesse dia, pelas dez e meia, onze horas, quando falou para quem estava no restaurante (2,20).

Segundo a testemunha, o D...... disse que foi ele e a irmã: viram os faróis do carro e tentaram socorrer, "aproximaram-se do carro" (3,35), deduzindo a testemunha que a irmã também terá ido. "Tentaram" tirar o pai, mas porque a porta estava bloqueada "foram" por outro lado e tirou primeiro o P…… e depois o pai (4,40).

Esclareceu que o restaurante em que ouviu o que relata estava aberto mas apenas para os familiares das vítimas (17,00), que ficou com a ideia (da conversa) que as luzes estavam acesas e o D...... "não referiu que o carro estava capotado" (20,00). Não disse se teve de tirar o cinto ou se os corpos estavam misturados, mas que o P….. ainda dava sinais de vida (22,40).

- AX……..
A testemunha chegou ao café/restaurante cerca da meia noite e estavam estacionados o Mercedes (do falecido N......) e o Audi (da testemunha S......). Refere que quando saiu do seu carro o Q….. dirigiu-se ao Mercedes. Porque estava combinado, entre si e o S......, irem a Santa Combinha provar um vinho, dirigiu-se ao N......, a convidá-lo, também. O Q….. já estava sentado no banco do lado direito e a testemunha debruçou-se; o N...... disse-lhe que estava mal disposto e que não ia. A testemunha refere que, na ocasião, o ouviu dizer, "Tomai lá as chaves e conduzi vós" (2,30). A testemunha não chegou a estar com eles dentro do café, só conhecia, e de vista, dois dos outros e não sabe quem chegou a conduzir (4,40 me 5,20).

O N...... – refere a testemunha – não explicou a indisposição que teria; pensa que isto ocorreu pelas 00H20 e tem a certeza que ele estava do lado direito (13,40 e 14,00). Mas não viu dar as chaves, só ouviu "tomai lá as chaves" (14,20). Os outros três entraram no carro quando a testemunha virou costas, quando veio para o seu carro, e não sabe quem entrou para a frente ou para o banco de trás (15,30). Quando a testemunha arrancou já os outros estavam, a entrar no alcatrão, aí uns cem metros à frente (17,00); não sentiram qualquer estrondo porque então já estavam dentro dos carros e virados noutro sentido (o de Santa Combinha) – 18,10.

Depois de estarem em Santa Combinha, aí pelas duas da manhã o S….. recebeu uma chamada e foram para o local (3,40). Nessa altura já não estavam lá os cadáveres e também (a testemunha) não viu o D......, nenhum carro do D...... e não teve conversas com ninguém (19,50 e 21,10).

Insiste (a pergunta do Exmo. Juiz) que não viu dar as chaves, só ouviu (23,20).

À pergunta "Do povo que lá estava, alguém levantou a hipótese de não ser o N...... a conduzir?", responde a testemunha, Não, o pessoal nem devia conhecer quem vinha no caro (25,20).

A testemunha refere ainda que no dia seguinte foi à barragem e depois ao restaurante …. e não viu o D...... (cerca das 11H00); que o restaurante propriamente dito estava fechado e que só viu o D...... no Cemitério (28,00 e 29,20).

- S…….
Como decorre do depoimento desta testemunha, a mesma estava no café (do senhor N......) com a (testemunha) AC….. quando chegaram as quatro pessoas que vieram a falecer no acidente. Depois de estarem algum tempo sentados, a AC…. saiu e ficaram os cinco. O N...... – refere a testemunha começou a sentir-se mal disposto e disse, "vamos embora". Saíram porta fora e estiveram ali um bocadinho a falar (2,30). Lembra-se de o N…. dizer que alguém levasse o carro (2,50). O T…..,[31] que entretanto chegou (havia combinado com a testemunha irem a Santa Combinha experimentar um vinho) convidou o N...... e os demais. O N...... entregou as chaves e "entrou no lado direito (3,00 e 4,40).

A testemunha diz que "houve uma demorazita" (a arrancarem) e não sabe quem levava o carro mas não era o senhor N….. (5,30). Entre a saída e o local do acidente, esclarece, são seiscentos ou setecentos metros, enquanto para Santa Combinha é mais longe, mas pouca diferença.
Só à volta das duas horas é que a testemunha tomou conhecimento (do acidente), tendo-lhe ligado a AC….. Quando chegou ao local (também a testemunha T….., com quem estava em Santa Combinha) já não viu os cadáveres, mas havia muita gente; não viu o D...... (7,00). Quando foi ao ….. (manhã seguinte) estava o mesmo fechado, "só estava aberto a quem lhe abriam a porta" e só voltou a ver o D...... no dia do funeral (7,30).

Diz a testemunha que, na altura em que saíram (os quatro) tem a certeza quer (o N......) não ia a conduzir (8,20), embora, no acidente não saiba, nem saiba a quem ele entregou as chaves (8,50).

A esclarecimentos, a testemunha referiu que estiveram (no café/restaurante) mais ou menos entre as 23H20/23H30 e as 00H00/00H10 e que o N......, enquanto esteve sentado esteve sempre na sua mesa. Que o N...... passou a chave ao descer do bar (11,20) e disse para levarem o carro (12,50); no entanto, não tem a certeza a quem entregou; não sabe "a quem foi que as entregou" (13,40). O N...... unicamente disse que se estava a sentir mal disposto (17,00). Lembra que ele recebeu um telefonema quase no fim; "saímos eu mais os três e o N…..ficou na caixa; depois saiu e depois é que chegou o T...... (18,00/18,30). "O carro estava ao fundo das escadas e o N…. encaminhou-se para ele; o meu carro estava logo ao lado"… ele levava as chaves na mão, mas "não vi quem as recebeu"; o T….. "convidou o N…. e estavam todos junto ao carro; "acho que o N…. já estava dentro, o T….. esteve a falar com ele assim em cima" (20,40; 21,30; 23,50 e 24,20).

Refere que foram ao local (do acidente) e não estava lá o D...... nem viu o carro deste. Ouviu comentários sobre poder ter sido o atravessamento de javalis a causa do acidente ("eram pessoas que não identifico"). Ainda foi ver (com um GNR que tinha uma lanterna) e viam-se vestígios. O T….. não foi (ver), estava fora parte (30,50 e 31,40). No café não houve apresentações nem a testemunha esclareceu que estava à espera do T......; este não chegou a entrar no bar, mas convidou os outros; o N…. disse que não (39,00). No local do acidente, quando chegaram, estavam a prender o carro para puxar, não havia cadáveres (40,10).

"O que falava o povo do porquê?" – O que mais se falava era javali… (41,00).

"Naquela altura… não sei; ninguém falava que era o N…., eu não ouvi"[32] (41,40).

A testemunha esclareceu que não falou com o D......, no dia a seguir ou antes. Não comentou quem não era o condutor (44,30), nem ninguém perguntou, nem notou que o T….. tivesse falado; "Não se falou nisso" (45,40). À pergunta do porquê de não se lembrar, que devia lembrar-se… "foram quatro mortos, houve queixa, foi à três anos…l" a testemunha responde: "Nem sei se a GNR fez a pergunta" (49,00).

E mais esclareceu que o povo é que falou em javalis, pois é uma zona de passagem deles… não havia outra explicação e o javali… parecia; se fosse outra pessoa (a conduzir) o javali continuava a ser uma hipótese, "pois ainda seria pior" (51,00).

Por fim: "Quando o T….. chega o N…. não estava ainda dentro do carro, mas não posso dizer se o T….. viu a entrega da chave … mas já lá estava (53,40).

- AZ…….
Esta testemunha trabalhava em Mirandela e morava numa das casas do D....... O D...... apareceu lá num "estado estonteante, com a roupa toda molhada e eu nem sabia o que ele dizia, só falava em barragem" (2,40). O D...... não conseguia falar nada.

Foram à barragem; viu que era escuro e havia dois corpos em cima do carro, virado ao contrário, havia um outro corpo na berma (fomos lá tirá-lo") e ainda um outro; só a testemunha e o D...... é que lá estavam quando chegaram os Bombeiros e então o D...... disse, "Vamos embora (4,20).

O D...... – refere a testemunha – não dizia coisa com coisa; pouco tempo antes de chegarem os bombeiros a testemunha ligou a uma enfermeira amiga e ela disse-lhe para "o pôr em água quente" na banheira e depois deram-lhe um "carregamento de comprimidos". O D...... "esteve a dormir, esteve ali o dia seguinte" (6,10), o D...... "ficou ali".

A testemunha diz que não conseguiu perceber o que se tinha passado e que no local não havia luz (7,20). "Não conhecia os outros… ajudei a puxar um corpo … ficámos gelados (8,20); não falei com os bombeiros"

Quando voltaram – insiste a testemunha – "foram para aquela casa (…) ele não tinha trocado de roupa e voltaram aquela casa, ele não foi a casa do tio; "ficou ali na banheira, vestiu-se e deitou-se".

O D...... "virou o carro[33]para apontar as luzes" (16,15). "Estive lá[34] toda a noite com o D......" (20,00).

Descritos os depoimentos mais relevantes (independentemente das suas contradições e dos seus fundamentos) cumpre agora fazer a análise crítica dos mesmos, por modo a concluir-mos se o ponto número 1 da BI deve manter a resposta dada pela 1.ª instância ou se, ao invés, deve ser considerado como não provado.

A tal propósito, dizemos o seguinte:

1 – Em traços gerais, a prova traduz-se nos depoimentos de quem ouviu (diz que ouviu) o D...... relatar a recuperação dos corpos e em dois depoimentos que (dizem que) viram o início da viagem do Mercedes e ambos estes colocam o proprietário do veículo sentado no lugar do passageiro da dianteira.

2 – Uma primeira nota, ainda de caráter genérico, pretende lembrar o que não transparece minimamente das questões colocadas no decurso da audiência e, salvo o devido respeito, nem sequer das respostas dadas aos pontos de facto da BI: não é normal que numa situação extrema e de completa anormalidade as pessoas tendam a agir com normalidade. E a situação, no que respeita concretamente ao D...... ("o depoente que o não foi"), era de completa anormalidade: numa barragem de água muito fria (1 de novembro) e um filho que vai abordar um carro capotado no rio e tenta salvar (o que não consegue) os ocupantes, um dos quais era o seu pai! Como é do conhecimento médico geral, um enquadramento dramático com estes contornos produz, a mais das vezes, um síndrome pós-traumático cujas características mais frequentes são a perda de memória e a confusão.

3 – Independentemente do acabado de referir (que não podemos dar por certo, mas cuja habitualidade não podemos ignorar por completo) o que temos neste processo é o "depoimento" do D...... no dia do acidente, umas horas depois, e o seu depoimento (perante um investigador criminal) três meses e tal depois. No primeiro, as pessoas que depuseram ouviram-no de modo algo diferente e ao longo de várias horas, durante a manhã (ficando a ideia, algo estranha, que o filho do falecido passou a manhã a contar o que sucedido): uma testemunha "ouviu" que a irmã também o acompanhou na tentativa de resgatar o pai; outra testemunha "ouviu" que ele teve de retirar todos os corpos para poder retirar o do pai (embora o veículo, como se sabe, seja de quatro portas…) e duas outras testemunhas referem que "ouviram" que ele teve de ir pela porta do passageiro para retira o pai, mas depois de retirar o falecido P..... Mais tarde, três meses e tal mais tarde, o D...... veio dizer que foi pela porta que pensava ser a do condutor, mas que, raciocinando depois que efetivamente o carro estava virado ao contrário, afinal estava a ir pela porta do passageiro e conclui que o pai não era quem ia a conduzir.

4 – A disparidade do que ouviram as testemunhas que primeiro contactaram o D......, aceitando que estão a falar verdade, significa que é o próprio relato do D...... que foi mudando ao longo da manhã: foi com a irmã; teve de retirar todos os corpos; teve de retirar um corpo. E, questionamo-nos nós, no estado em que ele se encontraria, o mais plausível mesmo não era que o seu relato fosse incoerente e confuso?

5 – Acresce um outro elemento que a produção de prova, salvo o devido respeito, quase ignorou. Não se apurou se os falecidos levavam cinto de segurança, mas é inequívoco que o carro se despistou e que capotou. Como é que se pode saber (incluindo o D......) que os falecidos não mudaram de posição e, nomeadamente, não fizeram esforços para se libertarem, empurrando (ou não) os outros ocupantes, naquela aflição?

6 – Ou seja, o próprio depoimento do D......, mesmo que queira ser verdadeiro, tem pouca probabilidade de ser certo.

7 – E, ainda assim, parece-nos mais coerente, quando, ainda que prestado três meses e tal depois, leva o investigador criminal a considera que o depoente está a relatar diretamente o que viveu, está a ser sincero, e conclui que o pai iria no lugar do passageiro.

8 – Para além destas considerações, e contrariamente ao que resulta da fundamentação da 1.ª instância, não pensamos que o depoimento das testemunhas S...... e T...... traga consigo uma "insuperável suspeição". Os depoimentos em causa são coerentes entre si (quer no que sucedeu na partida do Mercedes, quer quando essa duas testemunhas, lá pelas duas horas, se deslocaram ao local do acidente) e afirmam, no fundo, que quando o veículo arrancou, ou seja, 600 metros, 700, um quilómetro que fosse, antes do acidente, o N...... seguia no lugar do passageiro, à frente.

9 – A fundamentação da matéria de facto desconsidera estes depoimentos essencialmente porque estas testemunhas não foram dizer, logo que se deslocaram ao local, ou de seguida a essa deslocação, que "não era o N...... quem ia a conduzir". Também neste enquadramento, pergunta-se sistematicamente às testemunhas se as pessoas, no local, se alguém "dizia que não era o D….. quem ia a conduzir". Ora, salvo o devido respeito, não vemos como um juízo de normalidade justifique o comportamento contrário ao das testemunhas como sendo o comportamento que deviam ter tido. Do que as pessoas falam, o que se comenta, são as causas de um acidente, o porquê de ter acontecido, não propriamente a autoria da condução: é frequentíssimo que a condução seja exercida por pessoa diversa do proprietário e é habitual que se reparta a condução numa determinada viagem. Como iria o "povo" falar da autoria em vez de dos javalis (que por ali passam) e, essencialmente, da falta de explicação para a anormalidade do sucedido. E também aquelas duas testemunhas, num juízo de normalidade, não teriam que ir "correr a avisar" que o condutor podia não ser o N....... E daí (colocando-nos, se possível, na cabeça delas) que interesse tinha isso, então, para o caso?

10 – Em suma, o depoimento coerente destas testemunhas indicia fortemente que o N...... não seria o condutor.

11 – O facto de o N...... não emprestar habitualmente o carro sequer tem uma instrumentalidade relevante. Em rigor, o N...... não emprestou carro algum, pediu a um dos amigos que o conduzisse. Não é a mesma coisa.

12 – Mas depois de tudo isto, que nos leva a concluir pela falta de certeza sobre quem conduzia, um outro aspeto – ora jurídico – importa não esquecer. Os autores demandaram a seguradora dizendo que o N...... causou culposamente o acidente, porquanto, além de tudo o mais, conduzia o veículo. O N......, neste contexto jurídico, é o "quem" do artigo 483 do Código Civil e aos autores cumpre provar que era ele quem conduzia. Por isso, e bem, o quesito foi formulado na positiva.

13 - É bem de ver, considerando agora o ónus de prova, que os autores não provaram que o N...... conduzisse o veículo no momento do acidente.

Em conformidade com tudo quanto se deixou dito, julgamos procedentes as apelações dos chamados e da ré seguradora na parte em que impugnam a matéria de facto fixada e, por isso, respondemos "Não Provado" ao ponto de facto que constitui o número 1 da BI e, consequentemente, eliminamos o n.º 38 dos factos assentes ("No dia, hora e local mencionados em A), o veículo aí identificado era conduzido por N......").

Ainda em sede de matéria da facto – e embora não impugnada por qualquer dos recorrentes – importa apreciar a contradição entre o ponto 8 e o ponto 57 da matéria de facto, o primeiro a traduzir a matéria assente na alínea H) e o segundo correspondendo à resposta dada ao ponto 24 da BI.

Como decorre de uma leitura imediata de ambos os factos, e se atendermos ao modo como se expressa a alínea H), ou seja, "28x30", pareceria não haver contradição entre as duas realidades. É manifesto, no entanto, que aquela expressão de deve a um claro e inequívoco lapso, pois não faria sentido que se estivesse a falar de uma área e não de uma distância. E, efetivamente, no "auto de exame direto", concretamente a fls. 55 dos autos, a distância referida é de "28,30 metros de extensão". Assim, quando se escreveu "28x30" queria escrever-se "28,30", ou seja, vinte e oito metros e trinta centímetros.

Porque essa distância mostra ser a distância assente, logo na ocasião de saneamento dos autos, importa eliminar a resposta dada ao ponto 24 da BI, que se mostra contraditória com um facto anterior, já assente.

Em conformidade, nos termos do artigo 646, n.º 4 do CPC, tem-se por não escrita a resposta ao ponto 24 da BI, eliminando-se, por isso, o facto n.º 57.

Uma última nota, relativa ao recurso da ré e que se prende com o eventual complemento da matéria de facto: a ampliação da matéria de facto, abrangendo o facto confessado – decorrente da falta de resposta dos chamados à invocada alcoolemia do proprietário do veículo sinistrado – só tem interesse para a causa, é bem de ser, se desse facto resultar alguma modificação do decidido.

A seguradora recorrente, aliás, refere-se à necessidade desse alargamento no pressuposto do pai e marido dos chamados ser o condutor do veículo.

Porque o não é, consideramos a questão prejudicada, como melhor se verá, infra, aquando da análise do recurso da ré.

Prosseguindo a análise dos recursos de apelação.

2.1.11.1.2 Se é devida indemnização aos apelantes por força do falecimento de seu marido e pai, N...... (apelação dos chamados).

A questão aqui colocada, começamos por dizê-lo, pode não receber resposta idêntica consoante se perspetive a partir dos factos fixados na 1.ª instância (e do direito aí aplicado) ou se perspetive agora, desde logo a partir do momento em que se decidiu que "não ficou provado" que o proprietário do veículo, marido e pai dos chamados, foi o condutor e o culpado pelo acidente.

Na 1.ª instância, colocando-se a questão perante outra factualidade relevante, decidiu-se contra a pretensão dos chamados. Entendeu-se, grosso modo, que o seguro obrigatório não responde perante o lesado/lesante (se assim podemos dizer) perante o causador culposo do acidente.

Vejamos melhor o que, a propósito, se escreveu na 1.ª instância:
"(…) Passemos à análise do pedido dos herdeiros do N......, condutor do veículo e culpado exclusivo do acidente. A apreciação desse pedido só se coloca porque demonstrado ficou ter o malogrado N...... celebrado com a ré, relativamente ao veículo em causa, um contrato de seguro de ocupantes, com um capital por morte de €10.000,00, na modalidade de todos os ocupantes, e que havia ainda contratado com a ré um seguro de danos próprios para o referido veículo com o valor de 27.667,68€ com franquia de 1.000€.
Com efeito, não fossem tais coberturas facultativas, improcederiam liminar e totalmente os pedidos formulados pelos herdeiros. Na verdade, preceitua o art. 14º/1 e 2 do DL 291/2007 de 21/8 (e já assim preceituava o artigo 7.º/1 e 2 do DL 522/85 de 31/12) que: "1. Excluem-se da garantia do seguro os danos corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro responsável pelo acidente assim como os danos decorrentes daqueles. 2. Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos materiais causados às seguintes pessoas: a) Condutor do veículo responsável pelo acidente; b) Tomador do seguro; (…) e) Cônjuge, ascendentes, descendentes ou adotados das pessoas referidas nas alíneas a) a c), assim como outros parentes ou afins até ao 3.º grau das mesmas pessoas, mas, neste último caso, só quando elas coabitem ou vivam a seu cargo; f) Aqueles que, nos termos dos artigos 495.º, 496.º e 499.º do Código Civil, beneficiem de uma pretensão indemnizatória decorrente de vínculos com alguma das pessoas referidas nas alíneas anteriores; (…) 4 - Excluem-se igualmente da garantia do seguro: a) Os danos causados no próprio veículo seguro”.
Portanto, todos os danos invocados pelos herdeiros do falecido condutor (dano morte; danos não patrimoniais do falecido; danos não patrimoniais dos herdeiros; danos patrimoniais – emergentes, lucros cessantes, futuros – dos herdeiros) estão excluídos do seguro obrigatório, pelo que a ré seguradora só é responsável e na medida da existência daqueles contratos facultativos (…) Pelo que supra já se disse quanto à exclusão da garantia do seguro, improcede tudo o demais peticionado, justamente porque não abrangidos pelo seguro – a ré responde enquanto garante do pagamento da indemnização - pelo que prejudicada fica a apreciação dos danos correspondentes".

Da transcrição que antecede eliminou-se a pretensão indemnizatória que decorria dos seguros facultativos: essa foi deferida aos chamados e estes, naturalmente, a ela se não opõem[36]. Do que os chamados recorrem é de não terem sido indemnizados em sede de seguro obrigatário e nesse não deferimento da pretensão o tribunal fundamentou-se no facto de (e citamos) "todos os danos invocados pelos herdeiros do falecido condutor (dano morte; danos não patrimoniais do falecido; danos não patrimoniais dos herdeiros; danos patrimoniais – emergentes, lucros cessantes, futuros – dos herdeiros) estão excluídos do seguro obrigatório, pelo que a ré seguradora só é responsável e na medida da existência daqueles contratos facultativos".

Estamos de acordo com a conclusão da 1.ª instância, o que dizemos, sempre com todo o respeito, mesmo conhecedores de jurisprudência diversa, nomeadamente a citada pelos chamados/recorrentes.

A questão, versando exatamente esse aspeto (se a seguradora responde perante os familiares do condutor, único culpado do acidente) já foi especificamente tratada nesta Relação, recentemente, em decisão unânime e por este mesmo coletivo. Por isso remetemos para o acórdão de 19.03.2012 (RP20120319265/10.0TVPRT.P1, dgsi), assim sumariado: "Não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 496.º do CC quando determinado acidente se ficou a dever a ação culposa e exclusiva do condutor de um veículo, que veio a falecer, e a seguradora não tem que indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares desse condutor, já que o condutor, reunindo em si a incompatível qualidade de lesante e lesado, também por esses danos não responderia".

Nesse aludido acórdão tecem-se considerações jurídicas que entendemos pertinentes ao caso presente. Aqui as renovamos, sucintamente:
"A questão envolve o problema do âmbito do seguro obrigatório e também a de saber se, em termos gerais, ou seja, em termos de responsabilidade civil, os familiares podem beneficiar da indemnização que desta responsabilidade decorre (…)
Apreciando, manifestamos a nossa concordância e afirmamos – apenas mas relevantemente – que os familiares, ao reclamarem a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, não estão excluídos da garantia do seguro, por lhes não ser aplicável qualquer das exclusões previstas. Ainda assim, esta primeira conclusão não responde cabalmente (…) importa saber se os familiares, mesmo não excluídos dessa garantia do seguro, têm direito à reparação, nos termos e moldes da responsabilidade civil, responsabilidade essa que, através de um seguro obrigatório, se transmitiu à seguradora.
(…) estamos em sede de seguro obrigatório e em sede de responsabilidade civil por culpa (indiferente, ao caso, que ela se enquadre no artigo 483.º ou no artigo 503.º do Código Civil – CC) e, por isso, é preciso saber se, antes da seguradora, alguém respondia pelos danos causados aos autores e interveniente (…) O seguro, já se disse, é um seguro obrigatório (…) visa a tutela de terceiros lesados pela (com a) conduta do segurado. E a pergunta que fica é esta: os familiares podiam alguma vez responsabilizar o falecido em razão da conduta deste, quando esta conduta os não atinge? Naturalmente que o falecimento do marido e pai dos autores não desvirtua a pergunta, que podia ser igualmente colocada se aquele ficasse vivo, mas em tal estado que os autores sofressem imenso com a situação em que ficou, em consequência do acidente. O sentido da pergunta, à qual respondemos negativamente, é o de dizer que os familiares só podiam ser indemnizados quando o falecido tiver sido lesado por uma ação de terceiro. Como refere Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 8.ª edição, Almedina, 2000, págs. 465/466) a responsabilidade civil "ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e o lesado credor". Ora, importa não esquecer que o dano próprio previsto no artigo 496.º, n.º 2 do CC é um dano indireto, ou seja, é um dano resultante da lesão sofrida por outra pessoa – no caso, o marido e pai dos autores – mas isso pressupõe necessariamente que o lesado direto possa ser considerado lesado (repetimos: lesado) para efeitos da responsabilidade civil. Só que, olhando ao disposto no artigo 483.º do CC, não pode ser lesado direto quem interveio sozinho num acidente, melhor dito, o único causador do sinistro. O artigo 483.º, n.º 1 do CC alude apenas à ação do agente sobre os bens (o direito de) outrem e as exceções a esta regra, previstas nos artigos 495.º e 496.º do mesmo diploma, continuam a pressupor que o lesante é uma pessoa diversa do lesado direto, ou seja, que há um ato ilícito de terceiro que viola o direito à vida, à integridade física ou à propriedade do lesado.
(…) Por ser assim, e porque temos por indefensável que possa haver dano indireto sem dano direto imputável, o que verdadeiramente sucede é que não há responsabilidade civil de ninguém (ou seja de outrem) pelos danos causados ao pai e marido dos autores (…) Por isso, no caso, os autores, independentemente da abrangência abstrata do seguro, não têm o direito de serem indemnizados pelos danos morais sofridos. A conclusão a que se chega não é infirmada pelo Direito Comunitário, concretamente pelas chamadas Diretivas Automóvel. Todas elas não deixam de remeter expressamente ou não se opõem, antes pressupõem a validade e a eficácia da Lei Nacional na definição do acidente de viação e nos requisitos da obrigação de indemnizar".

Assim, e tal como foi decidido na primeira instância, os familiares do falecido N......, familiares que não seguiam no veículo e N...... que (na versão de então) conduzia e culposamente deu causa ao acidente, não tinham direito à indemnização decorrente do seguro obrigatório.

Sucede, no entanto, que – agora – não sabemos se o N...... conduzia e, por isso, tudo se passa como se não conduzisse o veículo. Não sabemos, implícita mas necessariamente, se o N...... teve algum comportamento (facto) ilícito e culposo de onde proveio o dano, inclusivamente o seu.

A partir de agora, por isso, a questão tem que ser reequacionado independentemente da culpa e da autoria do facto (mesmo que ilícito).

Iremos reequacioná-la no recurso da seguradora, atentas as questões por esta suscitadas e relevantes também para a compreensão do eventual "novo" direito dos chamados. Em sede da apelação da ré e num enquadramento global (a seguradora pretende, em primeira via, a total revogação da sentença) apreciaremos, por isso, além desta, todas as demais questões.

Do recurso da ré/ seguradora
2.1.11.2.2Se não ficou demonstrada a culpa do condutor do veículo, quem quer que tenha sido.
A propósito da culpa (referindo-a então ao (então) identificado condutor do veículo) a 1.ª instância concluiu pela sua verificação.

Em nosso entendimento, porém, a não determinação de (quem seja) o condutor do veículo afasta irremediavelmente a culpa, no sentido da responsabilidade civil prevista no artigo 483 do Código Civil (CC)[37].

Diríamos, por isso, que a alteração da matéria de facto com o consequente afastamento do falecido N...... da condução do veículo, ou melhor, a constatação de que não se sabe quem conduzia o veículo no momento do acidente, nos remete imediatamente para a responsabilidade civil por risco. Sem embargo, cautelarmente e ponderando o objeto concreto em que se exprime a apelação da ré, apreciemos, ainda assim, se terá havido culpa, independentemente de quem conduzia o veículo.

Para concluir pela sua verificação (então, repetimos, na pessoa do proprietário do veículo) a sentença da 1.ª instância, depois de tecer considerações sobre a responsabilidade civil[38], disse o seguinte:
"É aplicável o C. Estrada aprovado pelo DL 44/2005 de 23/2 (em vigor à data dos factos). Provou-se, no essencial, atenta a factualidade constante dos factos provados n.s º 1) a 9), 38) e 57), que o veículo automóvel em causa (ligeiro de passageiros) seguia pela Estrada Municipal 548, conduzido pelo respetivo dono (N......) e no qual iam como passageiros O......, P...... e Q......, quando, logo a seguir a uma curva para a direita, entrou em despiste, derrapando, vindo a sair da estrada pelo lado esquerdo atento o seu sentido de marcha, e, depois de passar pelo talude ou ribanceira, capotou e caiu nas águas da albufeira do Azibo. A faixa de rodagem tinha um piso recente, em bom estado, e tinha uma largura de 5.60 m, sendo composto por duas hemi-faixas (com dois sentidos de trânsito).
O condutor do veículo, N......, infringiu o disposto no n.º 1 do art. 13º/1 C. Estrada que preceitua que “o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes” e no n.º 2 do mesmo normativo, que preceitua que “quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção”, na medida em que invadiu a hemi-faixa contrária, à esquerda atento o seu sentido de trânsito, atravessou-a, e, depois de invadir a berma, veio a cair pelo talude abaixo, capotando e acabando por se imobilizar nas águas da albufeira.
Não se apurou a razão concreta que provocou o despiste (ou derrapagem).
Porém, conforme vem decidindo a jurisprudência (usando da prova de “primeira aparência”, isto é, de presunções judiciais, art. 351º C. Civil), “deve atribuir-se a culpa na produção do acidente, por presunção judicial, ao condutor do automóvel que invadiu a berma (...) se ele não provou quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto” – Ac. RP, 7/11/91, CJ, 5, 182 ss.
Tal orientação jurisprudencial foi reafirmada nos Acs. STJ de 8/6/99 (BMJ, 488º-323), e, exemplarmente, de 20/11/2003 (P. 03A3450, dgsi) “A prova da inobservância de leis ou regulamentos de natureza rodoviária faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência. É que, embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão em princípio não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (artigo 487º, nº. 1, do C. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta, assim, que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a atuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso”) – no mesmo sentido, Acs. STJ de 3/3/90, BMJ, 395º-534 e de 6/1/87, BMJ, 363º-488, e, muito mais recentemente, de 4/11/2010, P. 32/1991.G1.S1: “Não é necessário que se apure qual a razão concreta que provocou o despiste para se ter como preenchido o conceito normativo de culpa”.
É certo que podem existir circunstâncias que afastem a culpa do condutor, mas estas, em obediência ao disposto no art. 342º/2 C. Civil, têm de ser alegadas e provadas pelo lesante, o que não ocorreu – note-se a propósito que a ausência de sinalização, só por si, é inócua, pois que, o condutor deve adequar a sua marcha atendendo às características e estado da via (art. 24º/1 C. Estrada) e sobremaneira porque tinha perfeito conhecimento da estrada, por onde já tinha passado de automóvel centenas de vezes (facto provado nº 60)".

Vejamos:

Como decorre, a 1.ª instância retira da violação do artigo 13.º, n.º 1 do Código da Estrada (CE) a culpa (presumida) do condutor e, antes disso, necessariamente, retira dos factos (para preencher o aludido artigo) que o veículo não transitava pelo lado direito da estrada.

A 1.ª instância, no fundo, acolhendo jurisprudência constante, mas, de algum modo, esquecendo o crivo da "causalidade", retira a culpa da prática da contravenção. Cita em seu abono, além do mais, o acórdão do STJ de 4.11.2010, cujo sumário, efetivamente, pode conduzir a uma conclusão desconforme à decisão: nesse acórdão, o STJ confirma a decisão da Relação que concluiu haver culpa efetiva, retirada da interpretação dos factos provados, e não culpa presumida, decorrente da contravenção praticada[39]. Estamos, por isso, perante situações diferentes.

No caso presente, estamos perante um acidente no qual não é possível dizer as razões pelas quais o veículo invadiu a faixa contrária (faixa, ainda assim, não assinalada na estrada). Não se sabe, de todo, o que aconteceu.

Por outro lado, parece-nos excessivamente formal a conclusão que o veículo deixou de transitar pelo lado direito da faixa de rodagem e que – inerentemente – passou a transitar pelo lado esquerdo. Não é aplicável a um caso como o dos autos, salvo o devido respeito, o conteúdo normativo do citado artigo 13.º, n.º 1 do CE: o veículo não passou a transitar pelo lado esquerdo… despistou-se; e o despiste é já uma consequência de um comportamento causante, que de todo desconhecemos (o condutor desviou-se de um obstáculo?; acionou errada e repentinamente o travão com o pé esquerdo – erra um carro automático – continuando a acelerar?, etc., etc.).

Para lá da presunção retirada pela 1.ª instância esquecer a causalidade (não houve qualquer dano enquanto o veículo "transitou" pelo lado esquerdo) entendemos que a própria contravenção não ocorre, no caso presente: o veículo passou, descontrolado, pela faixa esquerda, não transitou por ela.

Tendo em conta o que se deixa dito, e porque a culpa apurada na 1.ª instância decorreu, tão só, da invasão da faixa esquerda, concluímos que, a quem quer que tenha conduzido o veículo, não é imputável culpa no acidente.

2.1.11.2.3Se não houve nexo causal entre o comportamento do condutor do veículo e o (dano do) acidente.
A causalidade, salvo melhor opinião, já resulta como não existente da abordagem feita ao ponto anterior (da culpa). No entanto, nesta parte, estamos a falar da causalidade contraordenacional e se dissemos que a invasão da faixa esquerda nem sequer é, no caso concreto, um comportamento contraordenacional, necessariamente entendemos que não é causal ao acidente. Neste prisma, a conclusão é, aliás, óbvia: por muito tempo que o veículo estivesse na faixa esquerda (ou na direita) não caia à albufeira.

Mas a seguradora coloca a questão da causalidade noutro ponto, concretamente nas condições (ou falta de condições) da via de trânsito.

A este propósito, a decisão da 1.ª instância (refletindo também sobre a invocada imputação do acidente a terceiro, aqui questão 2.1.11.2.4) refere o seguinte:
"Sustenta a ré, todavia, que o despiste do veículo não foi causa adequada da morte dos ocupantes pois, diz, se existissem barreiras de retenção (vulgo “rails”) o veículo não teria caído nas águas da albufeira, pelo que causa da morte dos ocupantes foi a ausência dessas barreiras. Sem razão, porém.
O despiste do veículo (e sua consequente saída da estrada, capotamento pelo talude abaixo e queda nas águas da albufeira) foi a causa real e adequada da morte do condutor e dos três acompanhantes. Real, porque foi o despiste do veículo que funcionou como fator desencadeador ou como condição detonadora da morte daqueles – pois, evidentemente que, não fosse o despiste, o acidente não teria ocorrido. Adequada, porque, no plano geral e abstrato, a condição verificada (despiste), dada a sua natureza, não era de modo nenhum indiferente para a verificação do dano.
Dispõe o art. 563º C. Civil que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Esta norma consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa dada por Enneccerus-Lehmann (assim, cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 930, 9ª ed.: “como a doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito, é a da formulação negativa correspondente ao ensinamento de Enneccerus-Lehmann, será essa a posição, que, em princípio, deve reputar-se adotada no nosso direito constituído”), nos termos da qual a condição deixará de se causa do dano sempre que, “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano” (in “Recht der Shuldverhaltnisse”, 14ª ed., 1954, pág. 63”). Assim também escreve o Prof. Almeida Costa que “o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais” (Direito das Obrigações, 675, 7ª ed.).
Também assim tem sido entendimento jurisprudencial. Assim, o STJ, no seu Ac. de 22/4/2004 (P. 04B1040, dgsi) decidiu que importa indagar se “no plano geral e abstrato, a condição verificada é ou não causa adequada do dano, isto é, se dada a sua natureza geral, era de todo indiferente para a verificação do dano e só o provocou em virtudes de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que hajam intercedido no caso concreto. Isto sendo sabido que a nossa lei civil adotou (art. 563º) a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, adotada por Ennecerus Lehman”).
É claro que a existência de barreiras de retenção poderia ter evitado o capotamento pelo talude abaixo (e consequente queda nas águas da albufeira), só que tal não exclui o nexo de causalidade adequada entre o despiste e o capotamento. Na verdade, como vem acentuando a jurisprudência, a doutrina da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano, pois podem ter colaborado na sua produção outros factos concomitantes ou posteriores (assim, v.g., Ac. STJ de 31/03/2009, 08B2421, dgsi), razão pela qual, aliás, como se acentua no Ac. STJ de 20/1/2010 (670/04.0TCGMR.S1, na mesma base de dados), “com inteira razão, a dogmática moderna tende a substituir a designação imprópria de teoria de causalidade adequada, que a “praxis” tradicional consagrou, pela da teoria ou doutrina da adequação, ou seja pela imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuída ao agente como coisa sua, isto é, produzida por ele.
E, isso, no nosso caso, é tanto mais assim quanto as características do local do acidente eram, como já se disse, do perfeito conhecimento do condutor.
Ora, no juízo ou prognóstico “a posteriori” de adequação abstrata, deve atender-se, tanto às circunstâncias cognoscíveis, à data da produção do facto, por uma pessoa normal, como às na realidade conhecidas do agente, de maneira que, ainda que o facto, não seja, em princípio adequado à produção do resultado (e no caso era-o), sempre o será se as concretas circunstâncias que a determinaram eram do conhecimento do agente, pois neste caso a produção do resultado era previsível (assim, cfr. Profs. Almeida Costa, ob. cit., 675 e Antunes Varela, ob. cit., 928), tendo ele o domínio do facto. Portanto, é de concluir que ao acidente foi causa real e adequada da morte dos quatro ocupantes e que, como ocorreu por culpa do condutor do veículo, este se constituiu na obrigação de indemnizar (art. 483º/1 C. Civil)".

Apreciando.

Retirando dos dizeres da 1.ª instância os que que se referem à prática de uma conduta culposa e os que pressupõem a autoria e os conhecimentos específicos do autor (então o proprietário do veículo), enquanto fundamentos da conclusão, mantemo-la integralmente.

Com efeito, independentemente de quem iria a conduzir o veículo, independentemente da inexistência de culpa, ou seja, independentemente de agora termos que sair da responsabilidade por culpa e reequacionar-mos o acidente em sede de responsabilidade pelo risco, são acertados os fundamentos invocados na sentença sob recurso.

Um veículo, por razões completamente não apuradas, entra em despiste e cai por uma ribanceira onde capota, caindo na água, virado ao contrário. Os seus ocupantes morrem por afogamento. É esta a causa real – apurada – do acidente destes autos. A causa real é, no iter de adequação, um conjunto de causas derivadas, aqui todas adequadas a produzir, a continuar o percurso que termina no resultado danoso. Por qualquer razão, alguém perdeu o controlo do veículo e este despistou-se para o lado esquerdo, lado onde, depois do alcatrão, havia uma berma, uma ribanceira e uma albufeira.

A inexistência de barreiras não é causa virtual de afastamento da causa real, na medida em que esta é adequada ao resultado danoso.

Nesta parte, por isso, confirma-se o decidido, mesmo que agora se tenha em conta que não se sabe quem era o condutor e que quem quer que tenha sido não agiu culposamente.

2.1.11.2.4Se o acidente se ficou a dever (é imputável) a terceiro.
Salvo o devido respeito por melhor saber, a questão da imputação a terceiro do acidente aqui em causa mostra-se resolvida depois de termos concluído que a causa real foi adequada à produção do dano (morte dos ocupantes).

E mostra-se resolvida, como decorre do já dito, no sentido negativo: não pode imputar-se a terceiro o acidente que, independentemente da culpa e da autoria, foi o resultado adequado do despiste no veículo, naquelas concretas circunstâncias de local e de tempo.

As considerações da recorrente que imputam a terceiro o evento coincidem com a quebra do nexo causal real que, já vimos não ocorreu.

Em termos abstratos é sempre possível construir hipóteses que interroguem a causalidade real e que, se resultam de um comportamento (ativo ou omissivo) de terceiros, imputam a estes o evento danoso. As estradas, desde a sua conceção à sua sinalização serão campo fértil para essas hipóteses, afinal sempre poderia fazer-se melhor. No entanto, quando a causalidade real se basta à explicação do acidente, do concreto acidente, não vemos como possa ser imputável a terceiro.

A seguradora insiste que as guardas da via, melhor dito, a sua falta é que são verdadeiramente a causa do acidente e, por isso, que as devia lá ter colocado e não colocou é que é o imputado do sinistro.

Não se concorda. Basta pensar que a relevância dessa omissão está manifestamente condicionada pela incerteza da sua inadequação a evitar o acidente. Ora, basta pensar (se pensamos em hipóteses) que o veículo podia ter capotado de frente (em vez de lateralmente) de encontro com as barreiras.

Mas mais: a seguradora refere, com muito acerto, que estamos perante uma acidente completamente estranho e anormal, insólito, em que quatro pessoas morrem de afogamento, na água em que tinham pé, junto à barreira de uma albufeira. Se o acidente não fosse o real, mas um outro e hipotético, não seria de pensar, naturalmente antes dele acontecer, que seria mais provável morrer alguém num embate violento numa barreira do que numa queda na água, a pouca altura e com pé[40].

Em suma, a causa do acidente (despiste) foi adequada às mortes e nada se demostrou que permita concluir com o mínimo de certeza que outra ação de um terceiro (ou a omissão relevante deste) foi, essa sim, a verdadeira causa.

A busca das causas de um sinistro é louvável e é tarefa que o tribunal deve fazer, mas até ao limite do possível: algumas vezes, mesmo que raras, não é possível apurar qualquer culpa, sequer imputar o evento a uma pessoa ou entidade determinada.

Ora, no caso presente, ponderando todos os factos, não vemos culpa nem imputação a terceiros. O acidente foi devido, no seu sentido juridicamente relevante, ao risco de circulação do veículo.

Importa prosseguir.

No prosseguimento da apreciação dos recursos, antes de entrarmos na questão dos danos indemnizáveis e no quantum indemnizatório, importa apreciar a responsabilidade da seguradora (que com o recurso pretende, em primeira linha, a completa revogação do decidido) e do seu reflexo na pretensão indemnizatória dos recorrentes chamados, relativamente aos quais, apenas se confirmou a denegação do seu pedido em razão de, então, se considerar o marido e pai deles como único culpado do acidente.

Dos factos apurados, e no sentido que já decorre de tudo quando fomos dizendo, não é possível imputar a alguém o acidente que aqui se aprecia. Desde logo, não foi possível apurar a autoria do facto desencadeante do evento e, também, qualquer que tenha sido o condutor do veículo, que haja agido com culpa.

Esta constatação remete-nos para a responsabilidade objetiva, prevista nos artigos 500 e ss. do Código Civil.

Nos termos do artigo 503, n.º 1 (respeitante a acidentes causados por veículos), "aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este se não encontre em circulação".

Como resulta deste normativo, a responsabilidade pelo risco não se confunde com a culpa na condução, nem sequer com a condução, já a responsabilidade, nos casos de comissão, é do comitente e não do comissário; por outro lado, o interesse ("no seu próprio interesse") não se afere apenas ao momento do acidente, porque a responsabilidade continua a existir mesmo que o veículo não se encontre em circulação.

O caso de um despiste, como sucedeu no acidente destes autos, é um exemplo paradigmático da previsão do artigo 503. Antunes Varela (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118, pág. 119) dizia que "se há acidentes que, por sua natureza, contendam especialmente com as características próprias dos veículos automóveis, a derrapagem (…) é um deles". Acrescentava: "Não é de modo nenhum uma causa estranha ao funcionamento do veículo; é, pelo contrário uma causa de acidentes inerente ao funcionamento do veículo, à condição ou à natureza da viatura. É um dos riscos próprios do veículo"[41].

Sendo inequívoco, no caso dos autos – e como resulta sobejamente do conjunto dos factos apurados – que o tomador do seguro, o proprietário N......, tinha a direção efetiva do Mercedes (e nem a perderia, como é óbvio, por eventualmente não o conduzir nos seiscentos ou setecentos metros que precederam o despiste do veículo) estamos perante um acidente cuja responsabilidade pela reparação dos danos decorre do citado n.º 1 do artigo 503 do CC.

Nestes casos, o artigo 504 do CC identifica os beneficiários dessa responsabilidade: terceiros[42] e pessoas transportadas e, quanto as estas, os danos abrangidos: danos que atinjam a pessoa contratualmente transportada (n.º 2) e apenas os danos pessoais da pessoa transportada, no caso de transporte gratuito (n.º 3).

No caso presente, atentos os danos peticionados (pelos autores e chamados) sempre irrelevaria a natureza contratual ou gratuita do transporte, mas o conjunto de factos apurados obriga-nos a concluir que estávamos perante um transporte gratuito[43].

No entanto, fosse um ou outro o caso, os familiares, as pessoas a que se referem "os artigos 495.º, n.º 3 e 496.º, n.º 2 e 3, embora ligadas à vítima do acidente por laços de sangue, pelo vínculo do casamento ou por relações de afinidade, só terão direito a indemnização, havendo culpa do condutor" (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 516)[44].

Em suma, tratando-se, como se trata, de transporte gratuito, a responsabilidade de quem tem a direção efetiva (leia-se da seguradora, agora) abrange apenas os danos pessoais das pessoas transportadas, ou seja, os danos patrimoniais ou não patrimoniais produzidos sobre essas pessoas.

Neste ponto, importa completar agora a pretensão recursória dos chamados.

E a questão que se coloca é se também na responsabilidade pelo risco a direção efetiva do veículo afasta a indemnização (a indemnização ao próprio e, no caso, a dos danos morais peticionados e do próprio dano morte, já se vê), por coincidirem a pessoa do legalmente responsável com a pessoa do lesado.

Entendemos que não.

O afastamento da indemnização quando coincidem lesante e lesado, decorrente da redação dada ao artigo 483 do CC, tem o seu primeiro fundamento na culpa: não faz sentido que o responsável (culposo) pelos danos a si mesmo beneficie da proteção da lei civil e, por consequência, da do seguro obrigatório[45].

Por outro lado, no caso presente, estamos perante o puro risco de circulação (se assim se pode dizer), ou seja, não existe qualquer comportamento imputável ao proprietário (pneus traseiros já gastos e mais largos[46] - por isso não homologados - e falta de inspeção obrigatória do veículo) que tenha sido demonstradamente causal do despiste, ou seja, do acidente.

O proprietário do veículo era (e no caso presente nada mais se provou) um ocupante do veículo, ocupante que não o conduzia (pois não se sabe quem o conduzia) uma pessoa transportada, no sentido previsto pelo artigo 504 do CC, que define o âmbito subjetivo da proteção decorrente do artigo 503, n.º 1 do CC. A questão, por isso, não se coloca, no âmbito dos artigos 503, n.º 1/504 como se colocaria perante a responsabilidade culposa, prevista no artigo 483, todos do CC.

Entendemos por isso que o proprietário do veículo, sendo um passageiro transportado, não sendo ele o condutor nem lhe podendo ser imputado qualquer comportamento causador do acidente, beneficia da indemnização prevista no artigo 504 do CC (no caso, e atenta a alteração feita à matéria de facto, da reparação do dano morte)[47].

Em conformidade e apreciando o caso presente, concluímos que, quer os autores quer os chamados têm direito ao recebimento da indemnização correspondente ao chamado dano morte. Os autores a não mais que isso, os intervenientes também – como se verá – aos danos não patrimoniais sofridos pelo seu marido e pai, imediatamente antes do acidente.

Por ser assim, desde já fica prejudicada a questão suscitada pela ré seguradora, identificada em 2.1.11.2.6 (Se o dano patrimonial arbitrado é excessivo e deve ser diminuído), porquanto não é devida a reparação do dano patrimonial dos familiares.

Outra questão:

Quanto à pretensão dos chamados, integrante da sua pretensão recursória de verem deferida a totalidade da indemnização por eles reclamada, e que agora respeita ao valor peticionado a título de danos não patrimoniais sofridos pelo pai e marido antes da morte (5.000,00€), importa ver se a mesma merece acolhimento.

A propósito, ou como fundamento desta pretensão, relevam os factos seguintes: 149 - N...... apercebeu-se que iam cair à água (120); 150 - Em consequência ficou angustiado (121); 151 - Por não conseguir respirar, por a água estar muitos graus abaixo da temperatura do seu próprio corpo, N...... ficou aflito (122 e 123); 152 - Sentiu a morte a aproximar-se até que deixou de ter forças para lutar pela vida (124); 153 - E então faleceu pouco tempo após a imersão (125).

O que está aqui em causa são os danos pessoais, de natureza não patrimonial, sofridos pelo falecido N...... nos momentos que precederam a sua morte.

Que esses danos não patrimoniais devam merecer a tutela do direito resulta legalmente da sua gravidade, a qual, no caso presente, se verifica, porquanto se traduz num profundo sofrimento e em acentuada angústia, ainda que de duração temporalmente escassa, por ter sobrevindo de imediato a morte.

Ponderando os factos que descrevemos e num juízo objetivo, parece-nos adequado o montante de 4.000,00€ (quatro mil euros) aferidos ao tempo de prolação da sentença da 1.ª instância, para indemnização desses danos não patrimoniais.

Questão diversa é a da titularidade ativa deste direito indemnizatório.

O acórdão do STJ de 22.06.2010 (dgsi), aborda o problema com profundidade: "A questão (…) passa, uma vez mais, pela adoção de uma das referidas posições: caber o direito ao falecido, transmitindo-se, depois, aos seus herdeiros legais ou testamentários; caber o direito inicialmente ao de cujus transmitindo-se sucessoriamente para as pessoas indicadas no n.º 2 do art. 496º, ou, finalmente, tratar-se de direito adquirido originariamente pelas pessoa mencionadas nessa norma. Aqui em causa estão, agora, os sofrimentos da vítima antes da sua morte que, como os danos morais sofridos diretamente por terceiros, colhem referência expressa no segundo segmento do n.º 3 do art. 496º. Tais danos surgem e radica-se ainda na titularidade da própria vítima, pressupondo sempre a morte não instantânea. Ora, crê-se que, também quanto a este ponto, não sendo o direito exercido pelo próprio lesado antes da morte, haverá de ser no n.º 2 do art. 496º que terá de se encontrar a determinação do sujeito da titularidade da indemnização devida, nomeadamente no tocante à ordem por que se opera a transferência do direito originariamente da vítima. Efetivamente, por um lado, o n.º 2 do art. 496º alude ao direito à indemnização «por danos não patrimoniais”, sem quaisquer limitações ou restrições, em abrangência de todos os danos originados «por morte da vítima», enquanto, por outro lado, o n.º 3 refere que «no caso de morte» podem ser atendidos os danos «sofridos pela vítima» e também os sofridos pela pessoas referidas no n.º 2. Parece, pois, que se quis englobar num mesmo regime, autossuficiente, todos os danos não patrimoniais inerentes a um ato lesivo que tenha conduzido à morte do lesado. Assim, como nota CAPELO DE SOUSA, foi alterado o Projeto VAZ SERRA, “estendendo aos familiares ora referidos no art. 496º-2 do Código Civil o direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima (n.º 2 e 3 do art. 498º da 2ª Ver. Min.), para além do direito de indemnização por danos morais que eles mesmos tenham sofrido pela morte do de cujus (o que já constava do n.º 2 do art. 759º do art. de VAZ SERRA e do n.º 3 do art. 476º da 1ª Rev. Min.)[48]”. Consequentemente, também neste caso, o direito compensatório cabe às pessoas eleitas pelo legislador de entre as ligadas por certas relações familiares ao falecido, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório. Numa palavra, o direito à indemnização pelos danos não patrimoniais que a vítima tenha sofrido antes do seu decesso transfere-se para as pessoas indigitadas no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada ".

No mesmo sentido, entendemos que a indemnização fixada anteriormente é devida ao cônjuge e aos filhos, ou seja, a todos os chamados, também conjuntamente e tal como entendemos suceder com o dano da morte, propriamente dito.

Para deixarmos para o fim o que entendemos mais relevante, igualmente dizemos já que a questão colocada pela recorrente seguradora (2.1.11.2.7 Se devia ter sido considerado na sentença que o marido e pai dos chamados era portador de alcoolemia, na ocasião do acidente e, por via disso, os chamados não tem direito a qualquer indemnização fundada no seguro facultativo), não merece acolhimento.

Se bem vemos, a própria recorrente, condiciona a sua razão ao pressuposto do proprietário, além de conduzir, conduzir com alcoolemia. Se ele não conduzia (ou seja, se não se apurou que conduzisse) não faz sentido, como se adiantou anteriormente, reanalisar a matéria de facto para eventualmente se vir a concluir, por falta de impugnação do alegado pela recorrente, que o fazia com alcoolemia.

Efetivamente, a cláusula 42.º, alínea e) das Condições Gerais da Apólice[50], aplicável aos seguros facultativos (como o é o documentado a fls. 302) expressamente exclui a cobertura dos "sinistros resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos". Assim sendo, irreleva ao caso presente se o efetivo condutor era portador dessa taxa proibida e até (questão que a primeira instância coloca) se tal taxa foi causal ao acidente: no caso presente não sabemos quem exercia a condução, e sabemos que nem todos os que hipoteticamente a poderiam exercer eram portadores de álcool no sangue.

É manifesto, por isso, que, nesta parte, o recurso da ré seguradora não pode proceder.

Antes da apreciação dos danos (da morte) acrescentamos ainda que a revogação da decisão, pretendida pela seguradora/recorrente tem razão de ser quanto à condenação no pagamento das quantias pagas pela ISS, interveniente no processo.

Efetivamente, não obstante o rigor com que a 1.ª instância apreciou a questão, estando agora em causa apenas os danos pessoais sofrido pelos falecidos não existe qualquer causalidade entre o pagamento feito pela Segurança Social e o dano morte, propriamente dito, pelo que não pode haver sub-rogação.

A condenação do responsável pela reparação no pagamento à Segurança Social corresponde ao pagamento do adiantamento que esta Instituição fez aos familiares das vítimas. Como a obrigação de indemnizar, no caso presente, se restringe aos danos não patrimoniais – e, em especial, ao dano morte – sofridos pelas vítimas não há qualquer correspondência entre o "direito social" e a indemnização arbitrada: aquele é da titularidade dos familiares, ainda que tenha origem no falecimento das vítimas; este é um direito das vítimas, e só este se encontra previsto no artigo 504 do CC.

Por isso e nesta parte, a pretensão revogatória da seguradora é procedente.

Prosseguindo.

2.1.11.2.5Se o dano morte arbitrado é excessivo (pois nunca deveria ultrapassar os 40.000,00€) e não pode deixar de ser igual para todos os sinistrados.

Na fixação do valor correspondente a este dano, a 1.ª instância referiu o seguinte:
"Pela perda do direito à vida de cada um dos passageiros – O......, P...... e Q...... – peticionam os respetivos herdeiros a mesma quantia: 57.500€.
À perda do direito à vida, o primeiro dos direitos fundamentais, corresponde uma indemnização que cabe (transmite-se), em conjunto e em primeira linha, ao cônjuge e aos filhos da vítima (art. 496º/2 C. Civil). Para a sua fixação há que recorrer a critérios de equidade (sendo certo que os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável para indemnização do dano corporal decorrente de acidente de viação, estabelecidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, apenas podem servir como patamar mínimo de ressarcimento em caso de ação judicial de reparação de danos, coadjuvados por critérios correntes adotados pela jurisprudência e balizados pelos critérios legais da responsabilidade civil – Ac RP de 26/1/2011, P. 585/06.8GEGDM.P1; tal valor é de 40.000 € – sobretudo quando o acidente ocorreu antes da entrada em vigor de tal portaria – Ac. RP de 17/3/2011, 2993/08.0TBPVZ.P1), tendo-se em atenção as circunstâncias do caso concreto e sempre em consideração que o montante a atribuir não visa substituir o bem vida, já que este, em si mesmo, tem um valor absoluto, e por isso, não quantificável, mas antes proporcionar ao titular do direito uma satisfação indireta, porventura de ordem espiritual que compense, até certo modo, os males sofridos (Prof. Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 377, 6ª ed.). Conforme se escreve no Ac. STJ de 8/9/2011 (2336/04.2TVLSB.L1.S1): “Em abstrato, não tendo a vida um preço, não será legítimo fazer qualquer distinção para valorar mais ou menos a vida de uma pessoa à de qualquer outra. No entanto, face à necessidade de atribuir uma indemnização pela sua perda, temos que considerar que ela não só tem um valor de natureza - igual para toda a gente - mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação. Não sendo este valor atendível em termos absolutos, temos que o encarar em termos muito relativos, utilizando a equidade e o bom senso, encarando a vida que se perde na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral, no papel excecional que desempenha na sociedade, assinalado por um valor de afeição mais ou menos forte. Neste campo, tem que se considerar que atentar contra o respeito à vida produz um dano - a morte - superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica, sem olvidar que a reparação desse dano assume uma natureza mista, visando não só reparar o prejuízo, como também punir a conduta do autor dessa lesão máxima da personalidade, que é a sua própria extinção”. Concretizando ainda mais os fatores a ponderar na fixação do “quantum” compensatório pelo bem supremo que é o direito à vida, referiu-se o Supremo, para além, evidentemente, da própria vida em si, e, no que respeita à vítima, à sua vontade e alegria de viver, à sua idade, saúde, estado civil, projetos de vida e às concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, incluindo a sua situação profissional e socioeconómica (Ac. de 23/2/2011, 395/03.4GTSTB.L1.S1).
Vemos que as vítimas tinham, sensivelmente, a mesma idade (61 anos o O…., 58 anos o P......, 60 o Q….) – tendo, ainda, portanto, uns bons anos de esperança de vida à sua frente, que se deve fixar em 73 anos - cf. Ac. STJ de 7/11/06, P. 06A3349, citando estatísticas produzidas pela ONU – eram todos casados há longos anos (33 anos no caso do O…., 24 anos no caso do P......, 32 anos no caso do Q….), saudáveis, alegres, perfeitamente inseridos na sociedade (o O…. era já reformado, o P...... era professor, para além de uma intensa atividade associativa, o Q….. era agricultor), com situação económica remediada no caso do O….. e Q….. e muito boa no caso do P.......
Isso tudo ponderado, e tendo em conta os montantes que vêm sendo atribuídos pelo Supremo (a quantia de 50.000€ vem sendo afirmada como um limiar mínimo - cfr. Ac. de 17.12.2009, 77/06.5TBAND.C1.S1,), afigura-se justo fixar em 53.000€ a compensação pela perda do direito à vida para o O….. e Q….. e em 56.000€ para o P...... (atenta a maior função e projeção social que tinha), quantias estas que serão repartidas, em partes iguais, pelas viúvas e filhos respetivos".

Apreciemos.

O dano morte, a igualdade do valor vida, o caso julgado e o quantum adequado.

Como é sabido, consagra a nossa lei civil a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (ou morais), desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496. n.º 1 do CC). E se alguns consideram que essa consagração foi feita em “moldes deprimidos” (Menezes Cordeiro) ou arrastando as dificuldades próprias de uma cláusula geral (Inocêncio Galvão Teles), parece que “é precisamente este caráter indeterminado que, com a participação criadora da jurisprudência, permite encarar a solução legal portuguesa como generosa” (Maria Manuel Veloso, “Danos Não Patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do CÓDIGO CIVIL e dos 25 anos da Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2007, Volume III, págs. 495 e ss.).

Muitos são os exemplos dos danos de natureza não patrimonial que justificam a tutela do direito. E se alguns, além de ocorrerem, carecem necessariamente de uma especial gravidade para serem ressarcidos (por exemplo, o dano de apego – sentimental loss – pela perda de um objeto ou de um animal), outros, porque existem, são logo suficientemente graves e merecedores de tutela, mesmo que esta, naturalmente, venha a ser quantitativamente variável de caso para caso. Está nesta última hipótese o (chamado) dano morte.

Conforme a doutrina e a jurisprudência têm afirmado amiúde, os familiares, melhor dito, os titulares previstos na lei (artigo 496, n.º 2 do CC), têm o direito a obterem uma compensação pelo seu próprio sofrimento, causado pela morte da vítima, e também uma compensação correspondente ao próprio dano da perda da vida (da vítima).

Refere o aludido preceito, efetivamente, o seguinte: “Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”.

O direito conjunto a que corresponde o dano morte não se confunde com os danos próprios dos familiares. Em relação ao dano morte, importa começar por dizer (ou repetir) que a admissibilidade do seu ressarcimento nos parece hoje relativamente pacífica e aceite (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 4.ª edição, Almedina, 1982, pág. 541)[51] mormente depois do Acórdão do STJ de 17.03.1971 (BMJ/205, pág. 150), ao afirmar que a perda do direito à vida “é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação gerada pela ação ou omissão de que a morte é consequência” (Rui Manuel de Freitas Rangel, A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade Civil, 3.ª edição, Almedina, 2006, pág. 39); ou seja, o dano patrimonial da perda da vida é autonomamente indemnizável (Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, págs. 182/191).

Aceitando-se cada vez melhor o reconhecimento da indemnização pela perda da vida, o problema tem residido mais no cálculo do concreto valor que a deve reparar. Em síntese, cruzam-se dois entendimentos, ambos fundados: um, partindo do valor absoluto do bem em causa, tenta alcançar uma compensação de sentido mais abstrato e uniforme, pois se cada vida é um bem supremo, todas valerão o mesmo; outro, não deixando de aceitar o valor do bem em causa, joga com outros fatores, necessariamente circunstanciais a cada caso, que vêm a distinguir a compensação. E, neste último contexto, não descuram a idade, a robustez, a saúde ou mesmo a vida profissional do falecido (STJ, 25.03.2004, dgsi), na lembrança, por certo, de uma célebre frase do escritor José Gomes Ferreira, Viver também cansa.

Temos por mais correto o entendimento que tenda a encontrar um valor indemnizatório numa perspetiva abstrata, quando, inequivocamente, está em causa o direito absoluto da vida e não qualquer dos seus reflexos; direito, acrescente-se, que é do – foi adquirido pelo – falecido[52].

Parece-nos que a ponderação de fatores como a saúde e até mesmo a idade conduzem a uma distinção aleatória e que se revela perniciosa num direito absoluto como este. Pense-se, por exemplo, na circunstância saúde: será mais valorizável a vida de quem é saudável ou a de quem, mesmo com dificuldades, continua vivo? Os ensinamentos da psicologia mais recente tendem a considerar que, por exemplo, a “alegria de viver” não tem direta ligação a fatores objetivos, como a riqueza, a idade ou a saúde, e a taxas de suicídio nos Países Nórdicos foram sucessivamente apontadas como índices dessa falta de correspondência.

Sem embargo, a conceção que perfilhamos, não conduzirá a resultado diverso de um entendimento mais ligado à relevância das circunstâncias pessoais dos falecidos, mormente no caso presente, em que os factos revelam que os sinistrados eram pessoas um pouco além da meia-idade (sessenta anos), familiar e profissionalmente integrados.

Discordamos que, no contexto fáctico desta ação, haja motivo bastante para ter distinguido o valor vida de um dos falecidos, em relação a outros dois. Tanto mais que os próprios autores, ao peticionarem, consideraram esse valor igual. Mas igualmente discordamos da seguradora/recorrente quando defende que o valor devia ter sido inferior ao arbitrado.

Por outro lado, o valor estipulado para os autores – relativo ao falecimento dos respetivos familiares – mostra-se transitadamente fixado, enquanto valor máximo, porquanto nenhum deles recorreu.

Em suma, ainda que com essa condicionante, interessa essencialmente encontrar um montante equilibrado e respeitador do que vem sendo o entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores.

E, neste contexto (onde se remete, exemplificativamente, para acórdãos da Relação do Porto – 11.05.2004, dgsi e de Coimbra – P. 3089/07, CJ/2010, Tomo II, 2010 -, o primeiro, fixando 50.000,00€ e o segundo fixando 60.000,00€) consideramos equitativamente adequado o montante indemnizatório de 56.000,00€ (cinquenta e seis mil euros), aferido, nesse juízo de equidade, ao momento da prolação da sentença da 1.ª instância.

Esse valor é o que atribuímos ao pai e marido dos chamados[53] e que mantemos (ainda que não pelas razões distintivas da 1.ª instância) em relação aos familiares do falecido P....... Quanto aos restantes, terá de valer, em razão do caso julgado, a decisão da 1.ª instância (53.000,00€)

Como já se disse, a indemnização pelo dano da perda da vida dos sinistrados, maridos e pais, é conjuntamente devida a cada grupo de autores e ao grupo dos chamados (artigo 496.º, n.º 2 do CC) e os juros são devidos desde a decisão em 1.ª instância (29.11.2011).

As custas, como as da 1.ª instância, são devidas em conformidade ao vencimento e decaimento.

Não vemos outras questões a resolver. Em conformidade com tudo quanto se disse, os recursos da decisão final são ambos parcialmente procedentes.

3 – Sumário (da responsabilidade do relator, nos termos do artigo 713, n.º 7 do CPC):
1 – A responsabilidade extracontratual prevista no artigo 483 do CC precisa de um autor do facto; não sendo o mesmo apurado (pois podem ser vários que vieram, todos eles, a falecer) estamos remetidos para a responsabilidade objetiva.
2 – O proprietário do veículo, quando é um passageiro não condutor, cabe na previsão do n.º 3 do artigo 504 do CC.
3 – Em princípio, a indemnização pelo dano morte deve ser igual para todos os seres humanos. Ainda que assim se não entenda, não devem ser feitas distinções quando os vários falecidos têm idade próxima e, todos eles, têm plena e bem sucedida integração profissional, social e familiar.

4 – Decisão:
Por tudo quanto se deixou dito, acorda-se no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação interlocutória interposta pela ré seguradora, mantendo-se o despacho que indeferiu a prova (parecer técnico) por ela pretendida e em julgar parcialmente procedentes ambas as apelações da decisão final (a dos chamados e a da ré seguradora) e, em conformidade, revoga-se a decisão da primeira instância, substituindo o seu dispositivo nos seguintes termos:

"a) Condena-se a ré seguradora a pagar aos autores F..... e G..... a quantia 53.000,00€ (cinquenta e três mil euros) a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data da sentença e até integral pagamento.
b) Condena-se a ré seguradora a pagar aos autores H....., I..... e J..... a quantia de 56.000,00€ (cinquenta e seis mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data da sentença e até integral pagamento.
c) Condena-se a ré seguradora a pagar às autoras K....., L..... e M..... a quantia de 53.000,00€ (cinquenta e três mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data da sentença e até integral pagamento.
d) Condena-se a ré seguradora a pagar aos chamados C......, D...... D…. e E...... a quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros), sendo 4.000,00€ (quatro mil euros) devidos pelos danos não patrimoniais da vítima, sofridos antes da morte e 56.000,00€ (cinquenta e seis mil euros), correspondentes ao dano morte, acrescida de juros à taxa de 4% desde a data da sentença até integral pagamento.
e) Mais se condena a ré seguradora a pagar aos mesmos chamados a quantia de 29.112,68€ (vinte e nove mil, cento e doze euros e sessenta e oito cêntimos) a que acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a notificação do articulado inicial de intervenção e até integral pagamento.
f) No mais do pedido (pelos autores, pelos chamados e pelo ISS, IP) absolve-se a ré seguradora.

Custas do recurso interlocutório pela recorrente/seguradora. Custas da apelação interposta pelos chamados por eles e pela seguradora, na proporção de 2/3 para os primeiros e de 1/3 para a seguradora. Custas da apelação interposta pela seguradora por ela e pelos recorridos (chamados e autores) na proporção, respetivamente, de 1/5, 1/5 e 3/5. Custas da ação (em primeira instância) na proporção do vencimento e decaimento, agora decididos.

Porto, 26.11.2012
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
José Eusébio dos Santos Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim (voto de vencido que se junta)
_______________________
VOTO VENCIDO – Proc. 8/09.0TBMCD.P1

O presente voto de vencido dirige-se apenas às questões suscitadas pelos apelantes, nas respectivas apelações da sentença, pois votamos em conformidade quanto à decisão interlocutória.
Votamos vencido em relação às seguintes questões apreciadas no presente acórdão:
- reapreciação da decisão da matéria de facto; e
- responsabilidade pela produção do embate.
- Reapreciação da matéria de facto –
A respeito desta matéria, considerando os argumentos dos apelantes, cumpre-nos referir que o depoimento indirecto ainda que constitua um meio de prova frágil, não é de todo um meio de prova proibido, como também, o depoimento de familiares dos lesados não pode ser desvalorizado, por essa particular relação de parentesco, quando a lei não estabelece qualquer impedimento.
Da conjugação do art. 396º CC, com o art. 655º CPC, resulta que o depoimento testemunhal é livremente apreciado pelo tribunal e em confronto com os demais elementos de prova.
Como bem ensinou Alberto dos Reis: “ … prova ( … ) livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. “ ( Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569 ).
A livre apreciação da prova baseia-se na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, ou seja, em regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência. Estas podem conduzir à prova directa do facto controvertido ou à ilacção desse facto através da prova de um facto indiciário: neste último caso, a prova fundamenta-se numa presunção natural ou judicial ( art. 351º CC ) ( Miguel Teixeira de Sousa “ Estudos sobre o Novo Processo Civil “, pag. 347).
O simples facto de existir entre as testemunhas indicadas e os Autores uma relação de parentesco não desvaloriza o seu depoimento, nem pode, só por si, servir para questionar a credibilidade do depoimento das testemunhas, pois a própria lei admite a depor como testemunhas quem com a parte mantém uma relação de parentesco, face ao que dispõe o art. 618º CPC.
A testemunha é um terceiro em face da relação jurídica processual, ainda que não perante a relação jurídica material ou os interesses que no processo se discutem ( Lebre de Freitas “A Acção Declarativa Comum “, pag. 249 )
Daqui se conclui, que o interesse na causa, só por si, não desvaloriza o depoimento da testemunha, nem impede a sua audição nessa qualidade. O interesse da testemunha na causa releva como um dos factores a ter em conta na apreciação do seu depoimento.
O facto do depoimento das testemunhas se configurar como um depoimento indirecto constitui um aspecto determinante para avaliar do seu valor probatório.
A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve percepção.
Os depoimentos indirectos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos directamente percepcionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos.
No caso concreto, para apurar a matéria de facto a que se reporta o ponto 1 da base instrutória, o juiz do tribunal “ a quo “ ponderou um conjunto de provas, entre os quais depoimentos de testemunhas que relataram conversas com o filho do falecido N......, mas não só, considerou-se um outro conjunto de depoimentos e prova pericial e procedeu-se a uma análise critica da prova, que não merece censura.
Neste particular mereceu-nos particular relevo os depoimentos de Y….., Z….., AB….., AC….., AG….. ( nota 8 ), AH….. ( nota 9 ), AF….. ( nota 19 ), R….. ( nota 21 ), depoimentos transcritos no texto deste acórdão.
Também o depoimento das testemunhas que conversaram com o filho de N...... no dia do acidente ( entre as 0 horas e durante o resto do dia em particular no período da manhã ) merece particular relevo, como sejam o depoimento de AD…., AK….., AL….., AM….., AQ….., AT…...
O depoimento das testemunhas AX….. e S….. não nos mereceu credibilidade, porque os depoimentos visam induzir a ocorrência de factos, que as testemunhas não revelaram conhecer. O depoimento das testemunhas mostra-se contraditório em relação a questões relevantes e que supostamente deviam conhecer, como seja onde se encontrava o N...... quando a testemunha AX….. chegou ao local – dentro ou fora do automóvel. A respeito de saber quem recebeu a chave do veículo, nenhuma das testemunha revelou ter conhecimento, o que não é plausível. Acresce que as testemunhas referem que proprietário do veículo, N...... comentou que estaria indisposto, mas ninguém refere se seria transportado para casa. Por outro lado, a empregada do Bar onde se encontravam, AC….. referiu que todos ingeriram bebidas alcoólicas e estavam bem dispostos.
A respeito do depoimento da testemunha AZ….. constata-se que está em contradição com o depoimento da testemunha AB….. e a explicação que dá para o filho de N...... não se recolher na casa da mãe e irmã, não colhe, como aliás anotou o juiz do tribunal “ a quo “.
Consideramos, assim, face ao depoimento do participante, dos bembeiros que se deslocaram ao local, do exame pericial ao veículo e da composição das várias conversas que diferentes pessoas mantiveram com o filho de N......, que apenas este, proprietário do veículo, conduzia o veículo no momento em que ocorreu o embate.
De modo particular releva o facto da porta do condutor não se conseguir abrir, o facto de se terem deslocado para o local várias unidades de bombeiros, nomeadamente bombeiros com automóvel desencarcerador. Aqui o depoimento da testemunha AB….. Sequeira mostrou-se determinante para concluir que o condutor do veículo era N......, que estava encarcerado e que o filho não conseguiu retirar, apesar de retirar todos os outros corpos, só ou com o auxilio de terceiros. Aliás, de outro modo, não se explica que depois de se encontrarem os bombeiros no local, se revele necessário chamar o INEM e ainda, o automóvel desencarcerador, que segue imediatamente atrás do INEM. Também o pedido que o filho, D......, faz insistentemente à testemunha, que seguiu nesse veículo é revelador: “ … por favor vai lá baixo que está lá o meu pai… “. Porque motivo não se dirigiu à equipa do INEM.
As conversas a que se reportam as testemunhas são reveladoras do estado de emoção do filho e afigura-se natural que quando confrontado com os familiares das vítimas tentasse explicar o sucedido, porque foi a primeira pessoa a deslocar-se ao local e tentasse, por isso, dar uma explicação. Aliás, a própria testemunha S…… admitiu que no dia em que ocorreu o acidente recebiam as pessoas que se dirigiam ao Bar, apesar das portas se encontrarem encerradas.
Concluímos, assim, que a resposta à matéria de facto não merece censura, pois não se aponta qualquer erro na apreciação da prova.
-
- Responsabilidade pela produção do embate –
No que concerne à causa do embate consideramos, atendendo aos factos provados que a decisão em recurso também não merece censura, nomeadamente, por não reconhecer aos chamados o direito à indemnização com a amplitude peticionada.
Consideramos que para a produção do embate contribuiu a conduta culposa do condutor N...... que imprimia ao veículo uma velocidade que não era adequada para o local e condições da via, o que é indiciado pelas marcas de derrapagem – 28 - 30 metros de extensão – deixadas pelo veículo antes de resvalar pela ribanceira sita no lado esquerdo atento o sentido de marcha Santa Combinha – IP 4 ( alínea H) dos Factos Assentes – ponto 8 dos factos provados ).
Resulta da conjugação dos factos provados, que o veículo prosseguiu a marcha sem atender à curva, seguindo em frente e porque seguia animado de uma velocidade que não se mostrava adequada não conseguiu descrever a curva à direita. Seguindo em frente invadiu a faixa de rodagem contrária, transpôs a berma e apenas se detém na margem da albufeira, depois de virar ou capotar, entrando dentro da albufeira.
A Ré não logrou provar qualquer circunstância que exclua a culpa do condutor, sendo certo que o facto da estrada não dispor de barreiras de protecção apenas poderia ser equacionado como factor potenciador de danos, cuja prova também recaía sobre a Ré ( art. 342º/2 CC ).
Não resulta dos factos provados, que pelo facto do condutor do veículo – N...... - apresentar uma TAS superior ao limite legal contribuiu para a produção do acidente e por esse motivo, não funciona a cláusula de exclusão, a que se reporta a apólice no âmbito do seguro facultativo.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não merece censura na imputação culposa dos factos ao condutor do veículo N...... e consequentemente também consideramos que assiste aos chamados o direito a receber a indemnização peticionada, nos termos e com os limites fixados na sentença, que nesta parte não merece censura.
Ana Paula Pereira Amorim
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[1] O aí requerido e depois indeferido é o que agora se transcreve: "Requer, nos termos do disposto no artigo 535, n.º 1 do CPC que ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ao Ministério e ao ANSR _ Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária seja requisitado parecer técnico destinado a esclarecer o seguinte: no local onde se deu o acidente de viação a que reportam os autos, atentas as características que o mesmo possuía na data do acidente, atenta a necessidade de a via cumprir os requisitos de segurança legalmente impostos, era necessária a colocação de guardas ou barreiras de segurança que impedissem a passagem dos veículos da via para a albufeira do Azibo, em caso de despiste? Caso existissem no local as referidas barreiras de segurança ou outras que se acharem mais adequadas, seria provável que, mesmo assim, o veículo caísse às águas da albufeira do Azibo?"
[2] Por isso, refere o mesmo autor, conforme resulta do artigo 649, n.º 1 do CPC, "quando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza técnica, cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o juiz não possua, pode este designar pessoa competente que assista à audiência final e aí preste os esclarecimentos necessários, bem como, em qualquer estado da causa, requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos."
[3] Na sentença a 1.ª instância acrescentou-se a seguinte justificação para alguns dos factos fixados: " Nos termos do art. 659º/2 CPC, devem tomar-se em consideração, na sentença, e para o que ora importa, os factos provados por documentos e que interessem à boa decisão da causa. Ora, foi junta, em audiência, pelo ISS, a certidão de fls. 525, documento autêntico cuja falsidade não foi suscitada e que por isso prova plenamente (art. 371º/1 C. Civil) os factos nela narrados, e da qual emerge que o ISS pagou, a título de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência, à viúva do beneficiário Q......, K...... K….., no período de dezembro de 2007 a junho de 2011, um total de 11.321,69€, sendo 2.387,16€ a título de subsídio por morte e 8.934,53€ a título de pensões de sobrevivência. Consigna-se que tal facto passará a constar da enumeração dos factos provados".
[4] José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes (Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 121/127) dizem-nos que este artigo “foi crescendo, desde 1939 a 1999, ao longo de sucessivas alterações”, alterações de que dão detalhada nota.
[5] Nos seus recursos, os recorrentes acham de algum modo estranho que o D...... (filho do falecido N......) não tenha sido ouvido em depoimento. Quanto a essa estranheza cabe-nos dizer que tal omissão só resulta, em primeira via, de as partes (ou copartes) o não terem requerido.
[6] Esta testemunha falou das condições familiares e do choque sofrido com o acidente, sem depor sobre a causa deste ou sobre o exercício da condução no momento do sinistro.
[7] O seu depoimento não versa as causas do acidente ou o exercício da condução, tendo apenas referido que "o tio nunca teve carros com mudanças automáticas; que na altura, no local, não havia sinalização e que, conhecendo mais ou menos o N......, é provável que ele passasse por lá muitas vezes, porque tem o restaurante" – min. 1,20; 2,30 e 3,10.
[8] Além das condições familiares e da pessoa do Manuel Pedro, apenas referiu que o N...... tinha um Golf (além do veículo envolvido no acidente) que que duvida que ele emprestasse este segundo "porque andámos juntos na tropa"; Os outros que conhece – acrescentou – não tinham carros automáticos.
[9] "Tinha um mercedes, mas não era bom, tinha os pneus lisos (4,10); Nunca o vi no carro, mas não costumava entrega-lo e (os outros) não eram pessoas para lhe pedirem a chave (4,50). O N…. tinha o café por lá" (….. do Azibo) – 6,20.
[10] "O Q….. e o O….. nunca tiveram carros com mudanças automáticas (2,30); o dono do carro conhecia a estrada pois tinha lá um bar" (3,00).
[11] O seu depoimento não versou sobre as causas ou autoria do acidente, apenas sobre as despesas do funeral.
[12] Referiu, apenas, que "os carros que conhecia ao Dr. P….. eram todos de caixa manual e nunca o viu conduzir carros de caixa automática" (1,40).
[13] Referiu que viajou com ele (P….) e que lhe conheceu vários carros, mas nenhum de caixa automática, concluindo que o mesmo não tinha experiência nesse tipo de carros.
[14] O depoimento versou apenas sobre o conhecimento que tinha da pessoa do falecido P….. e sobre as consequências pessoais e familiares do acidente.
[15] Referiu que o Dr. P…. teve muitos automóveis, mas todos eles eram de caixa manual e que "ele não tinha conhecimento de automóveis de caixa automática" (2,15).
[16] Depoimento versou apenas as consequências do acidente na pessoa e família do falecido P….. e não sobre as causas ou o modo como ocorreu o acidente.
[17] O depoimento versou apenas sobre o seu cunhado e as consequências do acidente.
[18] O depoimento teve objeto idêntico ao referido na nota anterior.
[19] Referiu apenas (no contexto da impugnação ao ponto de facto número 1) que viu o carro interveniente no acidente, no dia ou no dia seguinte, mas já na posição normal e viu os pneus traseiros lisos, um deles já "com a tela à mostra" (2,00). Acrescentou que nunca viu aquele carro a ser conduzido por ninguém que não o N......, que até lhe chegou a dizer "carros e mulheres nunca se emprestam a ninguém" (3,00)
[20] O seu depoimento versou sobre o falecido N......, seu irmão e as consequências do acidente na família. No seu depoimento referiu, ainda assim que "até hoje o D...... tem sido amnésico, ainda não conseguiu ultrapassar as coisas… teve um choque térmico" (8,00).
[21] Como resulta do auto de exame pericial, junto aos autos (fls. 50/51) era um Mercedes S320 CDI de caixa automática (quando removida da água o seletor de velocidades estava engrenado em automático (D); Os travões eram de disco ventilado à frente e de disco à retaguarda; tinha direção assistida variável e suspensão pneumática. Os pneus tinham medidas diferentes em cada um dos eixos: à frente, uns 245/45 Raio 18, fabricados em fevereiro de 2007; no eixo traseiro uns 275/40 Raio 18, fabricados em meados de 2003. Os pneus do eixo traseiro encontravam-se com o piso já liso, sendo que o do lado esquerdo desse eixo já tinha, na parte interior, a tela à vista.
[22] Fls. 479.
[23] Não foi possível estimar a velocidade (17,40); era possível o acidente resultar de inexperiência de condução de veículos com caixa automática (20,10); a velocidade máxima no local é de 90, mas a velocidade do veículo não seria muito elevada, pois se fosse muito rápido iria pelo ar e tal não sucedeu (atento o rasto visível no local); se a velocidade fosse grande teria de voar (23,20). A noite estava escura e a visibilidade era só a do veículo. Parece que não foi acionado o travão, pois não há marcas (48,00); para a velocidade ter sido a causa do despiste teríamos de eliminar outras causas, por exemplo, o atravessamento de javalis (49,00). Os pneumáticos gastos seriam só a terceira causa do acidente… não estava o piso molhado, o pneu não rebentou e a velocidade não podia ser muito grande, porque o carro não voou… se fosse hoje teria mais atenção à questão da caixa de velocidades, a que na altura não liguei… o pneu não vai quente, pois o trajeto foi curto, caso contrário o rasto liso até podia potenciar a aderência (72,50). Não se sabendo quem é o condutor e se quem conduz não tem experiência neste tipo de veículos, pode, ao desfazer a curva com alguma velocidade, sentir necessidade de reduzir (…) a tendência normal é embraiar, mas, como não tem pedal pode travar a fundo e desequilibrar o carro (75,30). Perante um obstáculo pode corrigir a manobra ou travar (78,20); o carro, se perde a trajetória à saída da curva é por alguma razão (outro veículo, javali…) e pode ter guinado em razão desse obstáculo… ao guinar não deixa marca, só quando tenta corrigir (88,20). A testemunha refere ainda que o carro, depois de engrenado em D faz tudo automático, o problema é se é preciso reduzir (38,50).
[24] "na fotografia número catorze nota-se que o carro está assente no leito da albufeira e não se veem as rodas da frente, o carro está apoiado sob o tejadilho e para-brisas da frente… a porta da frente do lado do condutor não a podia abrir e, mesmo que abrisse, essa porta não tinha espaço" (29,40)
[25] "Raciocina inicialmente que o carro estará direito… abordou uma porta pensando que era a outra (…) presumo que tinha pé, mas não dava para empurrar o carro… estava a ver uma fotografia e excluo essa possibilidade… o veículo teve de ser retirado com um guincho, com muito trabalho e depois de colocado na sua posição normal…" – 67,30.
[26] Nesta altura o mandatário pergunta/refere se (que) o N...... estava em cima do corpo do O…. (10,20)
[27] Quem conduzia.
[28] Advogado.
[29] "nunca o vi emprestar, mas não sei se o filho o conduzia" – 8,10 e 8,40.
[30] O N.......
[31] Testemunha anterior.
[32] Referindo-se à possibilidade de não ser o N...... quem conduzia o veículo.
[33] Em que se deslocou.
[34] Na casa.
[35] Sublinhados nossos.
[36] A questão da exclusão em razão de alcoolemia nos seguros facultativos, invocados pelos chamados, é colocada pela ré no seu recurso e, mais adiante se apreciará.
[37] As hipóteses limite de coautoria na condução (por exemplo, alguém segura o volante, enquanto outro continua a acionar os pedais) que podia remeter para o artigo 490 do CC ou um caso em que de todo fosse irrelevante a determinação do condutor, porque nunca haveria alteração da concreta obrigação de indemnizar por parte da seguradora são apenas académicas, no contexto do caso presente. A primeira não resulta minimamente dos factos apurados; a segunda – a ser admissível – mostra-se aqui afastada pela construção jurídica que já avançamos na apreciação da apelação dos chamados: relativamente a quem tem culpa a resposta indemnizatória da seguradora não é igual à resposta indemnizatória devida aos demais ou aos familiares destes.
[38] Citamos: "É manifesto que estamos perante uma questão de responsabilidade civil extracontratual, emergente de acidente de viação, e fonte da obrigação de indemnizar, uma vez verificados os necessários pressupostos, que são (art. 483º/1 C. Civil):
- um facto (controlável pela vontade do homem); - a sua ilicitude, nas vertentes de violação de um direito ou interesse legalmente protegido de outrem; - a imputação (real ou presumida) do facto ao lesante, a título de culpa (nas modalidades de dolo ou mera negligência), salvo nos casos de responsabilidade objetiva; - a ocorrência de danos; - e um nexo de causalidade real e adequada entre o facto e o dano".
[39] Escreveu-se o seguinte nesse acórdão do STJ, e no que agora releva: "Esta longa transcrição do acórdão recorrido destina-se a demonstrar que a condenação não assentou em nenhuma presunção de culpa, mas antes na análise da prova produzida e da fundamentação da decisão de facto.
Com efeito, para além de observar que, em abstrato, se espera de um condutor que mantenha o veículo na parte da faixa de rodagem onde deve circular, o acórdão recorrido analisou a prova feita e os fundamentos da decisão de facto e concluiu que, nas circunstâncias do caso, o despiste se ficou a dever à perda injustificada de controlo do veículo, em violação do dever de cuidado exigível (culpa).
Não é assim exato, em primeiro lugar, que o acórdão tenha baseado a sua condenação numa simples presunção de culpa, deduzida da contravenção revelada pelos factos provados na alínea F) da especificação. A conclusão sobre a verificação da culpa efetiva resultou antes de uma diversa análise da matéria de facto, por confronto com a sentença, e não de qualquer presunção que lhe permitisse ultrapassar a falta de prova (o que já se disse neste Tribunal ser inadmissível: cfr., por exemplo, o acórdão de 7 de julho de 2010, dgsi, proc. nº 2273/03.0TBFLG.G1.S1)". Sublinhados nossos.
[40] Ainda que não seja juridicamente relevante, não esquecemos o depoimento de uma das testemunhas que referiu que, algum tempo depois deste acidente e muito próximo do local, caiu um veículo na albufeira e os cinco jovens que nele circulavam saíram ilesos.
[41] Num sentido semelhante, e também relevante à apreciação deste caso concreto Já Vaz Serra (no n.º 90 do BMJ, a pags. 159/161) referia, dando realce ao facto de não ter de haver coincidência entre o risco e o mau funcionamento do veículo, "visto que a razão de ser da responsabilidade objetiva está no risco da atividade e esta se verifica também quando o dano se produz no estado e funcionamento normais do veículo (…) não são só os danos causados por defeito do veículo ou por falta dos seus dispositivos ou por vícios de construção ou por defeitos de manutenção do veículo que são devidos ao risco especial criado pelos veículos: também os que surgem no estado e funcionamentos normais do veículo podem ser devidos a esse especial risco e parece deverem, por isso, sujeitar-se ao mesmo tratamento". E, com toda a coerência, o citado autor acrescentava, exemplificativamente: a " hipótese de derrapagem devida, não a excesso de velocidade (pis, então há, em regra, culpa), mas, por exemplo, à humidade da estrada: um dos riscos de utilização de veículos está precisamente em circular em estradas que podem não oferecer toda a segurança contra derrapagens".
[42] No dizer de Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 8.ª edição, Almedina, 200, págs. 573/574) o conceito de terceiros abrange, antes de mais, os que se encontravam fora do veículo, mas não apenas estes: "também se consideram terceiros as pessoas ocupadas na atividade do veículo (ex. motorista, maquinista, cobrador ou fiscal dos transportes coletivos) sempre que o acidente se relacione com os riscos que são próprios daquele", ainda que a responsabilidade que se produz para com tais terceiros, "quando os ligue à entidade transportadora um contrato de trabalho, há de ter o mesmo em linha de conta". Porém, acrescenta o autor (ainda que dando nota da posição contrária, de iure condendo de J. G. Sá Carneiro, na Revista dos Tribunais – ano 85, págs. 403 e ss), excluem-se da responsabilidade objetiva "as pessoas enumeradas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 495.º e no n.º 2 do artigo 496.º, que hajam sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais. Estas só têm um direito autónomo a indemnização, desde que exista culpa do condutor".
[43] Desde logo o facto n.º 2, oportunamente levado à Matéria Assente afirma que "2 - No veículo deslocava-se o referido proprietário, N......, acompanhado de mais três pessoas, O......, P...... e Q...... (B)".
[44] No mesmo sentido, acórdão RL de 29.06.2010 (dgsi).
[45] Note-se que o suicídio (não sendo, ainda assim exatamente a mesmo coisa pois pressupõe um comportamento doloso) só é protegido nos seguros facultativos, e mesmo aí depois de um período de carência.
[46] O que, aliás, numa situação normal, permite maior área de aderência.
[47] Neste sentido o acórdão do STJ de 22.04.2008 (dgsi) que, a partir das normas comunitárias e da interpretação que delas tem feito o TJCE, conclui pelo rompimento "da conceptualização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como visando apenas a cobertura dos danos causados a outrem", o qual – refere "abrange, assim, também os danos causados ao próprio tomador e proprietário do veículo, se passageiro não condutor do mesmo". Citando-se Adriano Garção Soares/Maria Isabel Rangel de Mesquita (Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Almedina, 2008, pág. 77) dá-se nota do acórdão do TJCE de 30 de junho de 2005 (Processo C- 537/03 – Reenvio prejudicial) quando refere que "ao prever que o seguro de responsabilidade civil relativo à circulação dos veículos automóveis cobre a responsabilidade pelos danos físicos de todos os passageiros, que não os do condutor, o artigo 1.º da Terceira Diretiva estabelece apenas uma distinção entre o condutor e os outros passageiros"
[48] A propósito do valor dos trabalhos preparatórios nesta interpretação, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8.ª edição, Almedina, 1994, págs. 623/628 (nota nossa).
[49] Sublinhados nossos.
[50] E não a 37.ª, como afirmou a recorrente.
[51] Em especial, Diogo Leite de Campos, “A vida, a morte e a sua indemnização”, in BMJ/356, págs. 16 e ss.
[52] Citamos Leite de Campos ("Os danos causados pela morte e a sua indemnização", Comemorações dos 35 anos do CÓDIGO CIVIL e dos 25 anos da Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2007, Volume III, págs. 135/136), "Indo pela estrada ao longo do mar que vai de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel, para Vila Franca do Campo passo por um cemitério à beira do mar, ligado a essa estrada por uma pequena alameda chamada "Rua da Igualdade". Eis um bom parâmetro para a indemnização. Mais: para a representação do dano da morte. Os seres humanos são todos iguais, sendo por isso o prejuízo da perda da vida o mesmo para todos. Portanto, a indemnização deve ser a mesma para todos. Por baixo das funções sociais, das profissões, da maior ou menor capacidade para fazer a sua própria felicidade e dos outros, da utilidade social, etc., encontra-se, no núcleo central, uma vida, a mesma para todos os seres humanos, dado que todos os seres humanos são iguais neste núcleo essencial. A indemnização deve ser medida pelo seguinte critério: a morte é o prejuízo supremo, envolvendo a desaparição do ser humano (desta vida). A destruição do bem vida envolve a destruição de todos os outros bens da personalidade: o ser humano não fruirá mais dos prazeres dos sentidos, da razão, do movimento, dos sentimentos, etc. A morte é um dano que absorve todos os prejuízos não patrimoniais".
[53] Relativamente ao qual não deixámos de atender aos seguintes factos: 25 - N...... nasceu no dia 20 de novembro de 1952 (X); 144 - N...... era muito trabalhador (115); 145 - E era muito bem disposto (116); 146 - E gostava de passear e de conhecer novos locais e novas gentes (117); 147 - Era uma pessoa estimada (118); 148 - Era um bom pai e marido (119).