Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5/19.8T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
ABUSO DO DIREITO
SUSPENSÃO DO PRAZO
RECURSO
Nº do Documento: RP202202105/19.8T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3 .ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão dos prazos decorrente do regime prescrito na Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, com a alteração que lhe foi dada pela Lei 4-B/2021, não se aplica ao prazo de recurso em 1ª instância, nos termos da alínea d) do nº 5 do artigo 6º -B da referida lei.
II - A não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, aplica-se quer as decisões tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021 quer tenham sido proferidas antes dessa data.
III - O dono da obra pode desistir livremente da empreitada, em qualquer altura, mesmo estando em execução, indemnizando o empreiteiro pelos prejuízos que lhe cause, segundo o que estabelece o artigo 1229º do Código Civil.
IV - A cláusula penal é, em princípio, absolutamente válida, dado ser admitida expressamente pelo artigo 810.º do Código Civil e ser consentida pelo princípio da liberdade negocial.
V - O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo art.º 812.º do Código Civil, depende do pedido do devedor, o qual também tem o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir.
VI - A faculdade de redução equitativa de clausula penal nos termos do artigo 812 do CPCivil, só deve efectuar-se em casos excepcionais, como forma de evitar abusos manifestos, tendo o devedor da indemnização o ónus de peticionar a redução e alegar e provar os factos que demonstrem a desproporcionalidade entre o valor da clausula e o dos danos.
VII - A redução da clausula penal poderá, contudo, ainda ser conseguida através do recurso oficioso ao instituto do abuso de direito.
VIII - Abusa do direito o credor que condescende com a inexecução do contrato, durante cerca de dez anos, e pede a indemnização estipulada como cláusula penal decorrente da resolução do contrato com base no incumprimento do devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº5/19.8T8PVZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca ... – ..., ..., Juiz ...
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Desembargadora Dra. Deolinda Varão
2º Adjunto Desembargador Dra. Maria Isoleta Almeida Costa
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

“V..., Lda.”, com sede na ..., Lote 10 ..., em ..., instaurou a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum, contra “... Na Avenida..., ..., ...” na qual formulou os seguintes pedidos:
«ser declarada a resolução do contrato de empreitada com fundamento no incumprimento definitivo do Réu, e por causa exclusivamente imputável a ele.
Quando assim não se entenda, deve ser declarada a alteração do contrato de empreitada, por causa exclusivamente imputável ao Réu.
Em consequência de tal resolução e/ou alteração, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora a quantia de € 24.796,83 (vinte e quatro mil, setecentos e noventa e seis euros e oitenta e três cêntimos), acrescido de juros à taxa legal comercial, calculados sobre tal valor, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Mais deve o Réu ser condenado no pagamento das custas e demais despesas do processo.”.
Para tanto a autora alegou, em síntese, que se dedica à actividade de construção civil e que celebrou com o réu um contrato de empreitada, nos termos do qual estipularam que aquela iria executar para este os trabalhos de reabilitação do edifício, correspondentes a substituição de cobertura e reparação de fachada, em duas fases, pelo preço global fixo de € 49.593,65 (quarenta e nove mil, quinhentos e noventa e três euros e sessenta e cinco cêntimos). Mais alegou que as partes acordaram ainda que caso o réu decidisse cancelar, resolver ou alterar o contrato, por causa não imputável à autora, ou por forma a não ser executada uma das fases da empreitada, ficaria obrigado a indemnizar a autora pelo valor correspondente a metade do preço da empreitada.
A autora executou os trabalhos correspondentes à primeira fase da empreitada contratada, que foram aceites pelo réu e por ele liquidados.
Porém, o réu até ao presente não autorizou a autora a iniciar os trabalhos correspondentes à segunda fase, apesar de ter sido por diversas vezes interpelado nesse sentido, tendo sido condição do acordo que a segunda fase da obra se iniciasse no mês de março de 2008. Como o réu não autorizou a autora a iniciar os trabalhos da segunda fase em março de 2008, ou até ao presente, o réu perdeu o interesse na adjudicação da obra da segunda fase à autora, recusando responder às suas interpelações ou fixar um prazo para o início da obra, e ainda porque é sua intenção adjudicar, e já adjudicou, tal obra a outra empresa, assiste à autora o direito a resolver o referido contrato em consequência da mora, entretanto convertida em incumprimento definitivo e o direito a haver do réu a indemnização que ambos acordaram.
Regularmente citado, o réu contestou a acção e deduziu reconvenção.
O réu impugnou parte da factualidade invocada na petição inicial, invocou a falsidade do contrato junto pela autora e argumentou que em reunião de Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada em 28 de Julho de 2007, por unanimidade dos presentes e/ou representados, foi aprovado a proposta de Orçamento e o Contrato de Fornecimento de Bens e Serviços que junta. Em meados do mês de Novembro de 2007 a autora iniciou os trabalhos na cobertura do edifício, que em Dezembro de 2007 concluiu, tendo para o efeito apresentado a factura no valor de €7.549,79 que foi saldada pelo réu. Porém, a autora não retirou do edifício o fibrocimento, não obstante esta obra lhe ter sido integralmente liquidada pelo réu. Invocou ainda que mesmo que se admitisse que o alegado contrato junto pela autora fosse válido e que a sua administração tivesse excedido os poderes inerentes às suas funções ao ter assinado o mesmo, sem conhecimento e autorização da assembleia de condóminos, o mesmo também não produziria efeitos na esfera jurídica do réu por não ter a E..., Lda. poderes para o acto e o aludido contrato de empreitada não caber no âmbito das suas funções de administração, porque a autora sabia do hipotético abuso de representação daquela legal representante, dado que fora a mesma a elaborar o orçamento de 4 de Dezembro de 2006 e o contrato de 2 Março de 2007. Mais alegou que autora não respondeu às solicitações no sentido de executar os trabalhos de reabilitação da fachada do prédio e a Administração do réu considerou que o orçamento e contrato outrora aprovados estavam desajustados às patologias entretanto verificadas no edifício e que as soluções apresentadas não eram adequadas. Acrescentou que a autora, no início do ano de 2013, apresentou uma proposta de orçamento ao réu destinada à reparação da cobertura que ficou danificada e não interpelou o réu para o cumprimento contratual, o que se traduz num comportamento de quem não quer ou não tem interesse em executar a obra, pelo que houve por parte da autora uma quebra da boa-fé na relação contratual com o réu, na modalidade de “venire contra factum proprium”.
Quanto à reconvenção peticionou o réu/reconvinte a condenação da autora/reconvinda no pagamento do valor €16.439,69 (dezasseis mil quatrocentos e trinta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), referente aos trabalhos de remoção do fibrocimento que não foram executados pela mesma aquando da realização de obras na cobertura.
Para tanto o réu/reconvinte alegou, em resumo, que com base na proposta de orçamento de 4 de Dezembro de 2006, contratou com a autora a obra na cobertura que consistia em remover o revestimento em fibrocimento existente no telhado, substituindo esse material por aplicação de painel. Contudo, a autora limitou-se a remover as placas de fibrocimento existentes no telhado, deixado as mesmas na esteira da laje do desvão da cobertura. Esse material é conhecido por conter partículas de amianto, que acarreta graves riscos para a saúde pública e em particular para os moradores do prédio, sendo obrigação da autora desencadear todos os mecanismos previstos no Dec.-Lei nº 266/2007, de 24 de Julho, procedendo à remoção, acondicionamento, selagem e transporte a vazadouro autorizado, de acordo com as exigências legais sobre os resíduos com amianto. Por conseguinte, no que à obra na cobertura do edifício diz respeito, a autora não executou na íntegra os trabalhos de remoção do fibrocimento e de limpeza da área exposta ao material contendo amianto, por total incúria, negligência, omissão e desrespeito dos procedimentos legais. a Administração do réu vê-se compelida a proceder à remoção do aludido material e limpeza da esteira da laje de cobertura, local onde se encontram amontoadas as várias placas de fibrocimento retiradas do telhado pela autora, sendo que a empreitada de remoção e limpeza da esteira da laje da cobertura, ascenderá ao valor de € 16.439,69 (dezasseis mil quatrocentos e trinta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), cuja obrigação de pagamento é da responsabilidade da autora.
A autora apresentou réplica, na qual sustentou, quanto ao incidente de falsidade de contrato, que o réu não invoca a falsificação de assinatura e que o documento é real e corresponde à vontade manifestada pelos legais representantes das partes, tendo sido assinado pelo punho de ambos, razão pela qual deve tal incidente ser indeferido. Mais alegou que o documento junto pelo réu não se acha assinado pela autora ou pelo legal representante do condomínio réu àquela data, nunca foi negociado pela autora, não sendo válido ou eficaz, sendo que o conjunto de pessoas que alegadamente o assinam não representam o condomínio e nem têm qualquer poder de vinculação do mesmo. Invocou ainda que caducou o direito do réu de reclamar da autora a eliminação de putativos vícios de uma obra concluída em dezembro de 2007, sendo que o réu rececionou a obra, procedeu à integral liquidação da primeira fase, e não ofereceu qualquer reclamação à mesma até à contestação apresentada nestes autos. Ademais, a autora interpelou por diversas vezes os administradores do réu, solicitando autorização para iniciar a segunda fase da obra. Por outro lado, a E..., Lda. era a administração do condomínio réu à data da celebração do contrato de empreitada e tinha poderes para o assinar, nunca tendo sido transmitido à autora que os condóminos não lhe conferiam tais poderes ou que os restringiam a determinadas condições contratuais, que nunca lhe foram comunicadas. O réu solicitou à autora orçamentos de alterações, por forma a protelar o inicio dos trabalhos e assim evitar a execução dos trabalhos por aquela. Só quando a autora verificou que o réu iria adjudicar tais obras a outra empreiteira, em incumprimento do contrato de empreitada, é que instaurou os presentes autos. Também alegou a autora que procedeu à remoção e condução a vazadouro autorizado das placas de fibrocimento removidas para a execução da sua empreitada e que, a existirem placas de fibrocimento ou outro material no desvão de telhado ou já ali se encontravam, ou foram ali depositados posteriormente à empreitada, pelo que não têm relação com os trabalhos da autora. De qualquer forma, sempre estaria caducado o direito de o réu reclamar da autora qualquer reparação ou indemnização, atinente aos referidos trabalhos, que foram integralmente pagos, sem qualquer reclamação, em 2008. Concluiu pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador, despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Realizou-se a audiência final com observância de todo o formalismo legal.
Na sentença recorrida foi decidido:
« IV-DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
A) Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência condenar o réu a pagar à autora o valor de € 4.959, 36 (quatro mil novecentos e cinquenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da prolação da presente decisão, até integral pagamento.
B) Julgar a reconvenção improcedente e, em consequência absolver a reconvinda do pedido.
C) Julgar improcedente o incidente de falsidade do documento.
Custas da acção a cargo da autora e do réu, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 4/5 para a autora e 1/5 para o réu nos termos do artigo 527º do C.P.C.
Custas da reconvenção a cargo do reconvinte, nos termos do artigo 527º do C.P.C.
Custas do incidente de falsidade a cargo do réu.
Registe e notifique...»(sic)

Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
A autora com o requerimento de interposição do recurso apresentara alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «…. EM CONCLUSÃO:
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Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, ser revogada a douta sentença da 1ª. Instância e substituída por outra que condene o Réu a pagar à Autora o valor da cláusula penal, de € 24.796,83, acrescido de juros à taxa legal, vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Assim, decidindo, farão Vªs Exªs, aliás como sempre,
Justiça!»(sic).
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O réu deduziu recurso subordinado e deduziu alegações, apresentando em resumo as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES:
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TERMOS EM QUE com o douto suprimento que sempre se espera de V. Exas deve o recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que condene a Reconvinda a pagar ao Reconvinte o valor de € 16.439,69 referente aos trabalhos de remoção do fibrocimento e limpeza da esteira da laje de cobertura, com juros contabilizados à taxa legal desde a prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!»(sic).
O réu deduziu igualmente contra-alegações tendo em resumo pugnado pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida na parte em que condenou o réu a pagar á autora o valor da clausula penal de 4959,36 Euros acrescida de juros.
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A autora juntou após esse artolado requerimento a fls. 277 peticiona que seja declarada a extemporaneidade das contra-alegações e do recurso subordinado, tendo alegado para o efeito o seguinte: «..1.º O prazo para o Recorrido responder à alegação do Recorrente é idêntico ao da interposição do recurso. (art. 638.º, n.º5, CPC).2.º Ou seja, 40 dias, considerando impender o recurso sobre a reapreciação de prova gravada. (art. 638.º, n.º1 e 7, CPC).3.ºO prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária. (art. 633.º, n.º2 do C.P.C.) 4.ºO Recorrido considera-se notificado do recurso oferecido pela Recorrente em 25 de fevereiro de 2021. 5.ºO último dia do prazo para o Recorrido responder à alegação da Recorrente foi o dia 15 de abril de 2021. 6.º O Recorrido podia ainda praticar o ato de resposta à alegação da Recorrente até ao terceiro dia útil subsequente, pagando a respetiva multa, ou seja, até 20 de abril de 2021.
7.º O Recorrido praticou o ato, ou seja, as contra-alegações e o recurso subordinado, em 16 de maio de 2021, quase um mês depois de o prazo ter precludido.
8.º Foi considerada nesta contagem a suspensão dos prazos judiciais nas férias de Páscoa.
9.º A Lei 4-B/2021 de 1 de fevereiro, que retroage a 22/01, não interfere na contagem deste prazo, na medida em que de acordo com o artigo 6.º B, n.º 5 d) se forem proferidas sentenças não se suspende o prazo de interposição de recurso, e é esta a interpretação da unanimidade dos tribunais.».

Seguidamernte a autora junta novo requerimento a fls. 279 onde em resumo invoca que para além da extemporaneidade, que não se admita o recurso subordinado e a resposta por não terem conclusões nem pedido final.
O recorrido junta resposta aos preditos requerimentos da parte contrária, pugnando em resumo, que se considerem inadmissíveis os referidos requerimentos e que o recurso é tempestivo porque considera que a a Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que retroage a 22.01, no nº 1 do art.º 6-B refere que: “São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais (...) que corram termos nos tribunais judiciais (...), sem prejuízo do disposto nos números seguintes.”. Refere que esta norma, alude no nº 5, alínea d) que, “O disposto no n.º 1 não obsta (...) a que seja proferida decisão final (...) caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso (...)”, e considera que o legislador, quando menciona “caso em que”, se refere expressamente às decisões proferidas ao abrigo do regime previsto na Lei n.º 4-B/2021, isto é, às decisões proferidas após a entrada em vigor da citada Lei.
Refere que, a sentença foi proferida a 14.01.2021 e notificada às partes em 15.01.2021, antes da entrada em vigor da aludida Lei nº 4-B/2021, suspendendo-se assim, o prazo de interposição de recurso com a vigência da citada Lei. A Autora interpôs o recurso de apelação a 22.02.2021, considerando-se o Réu notificado em 25.02.2021, data em que os prazos processuais se encontravam suspensos, pelo que, o prazo de interposição do recurso subordinado com reapreciação da prova gravada (40 dias), por parte do Réu se contou a partir da entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021, de 05 de Abril (que veio cessar o regime de suspensão de prazos processuais), tendo-se iniciado a 6-4-2021 data da entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021), e dado ter sido junto aos autos a 16 de Maio de 2021 o mesmo é tempestivo.
Pugna por outro lado que não existe nenhuma ininteligibilidade do recurso subordinado apresentado pelo Réu.
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Foi proferido despacho de admissão do recurso o qual admitiu ambos os recursos, como sendo de apelação a subir de imediato e com efeito devolutivo.
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QUESTÃO PRÉVIA:
Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir, devendo todavia apreciar a questão prévia acima referida:

Tempestividade do recuso e contra alegações e ininteligibilidade do recurso.

No que diz respeito ao segmento atinente à alegada falta de conclusões e de pedido quanto ao recurso subordinado e das contra-alergações, resulta manifesto da leitura desses requerimentos que o réu deduziu as conclusões e faz o seu pedido.
Improcede assim a invocada inteligibilidade do recurso subordinado e das contra-alegações.
Cumpre analisar a questão da intempestividade do recurso subordinado e das contra-alegações.
São os seguintes os factos constantes do processo que relevam para a apreciação da questão:
- O Recorrido considera-se notificado do recurso oferecido pela Recorrente em 25 de fevereiro de 2021.
- AS contra alegações e recurso subordinado foram juntos a 16/5/2021.
- A sentença recorrida foi proferida a 14.01.2021 e notificada às partes em 15.01.2021
- A Autora interpôs o recurso de apelação a 22.02.2021, considerando-se o Réu notificado em 25.02.2021.

Devido à situação de emergência de saúde pública e à classificação do vírus SARS-CoV-2 como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde e à situação de calamidade pública, e nos sucessivos estados de emergência, foram introduzidas no ordenamento jurídico diversas alterações legislativas de excepção e com carácter temporário.
A questão prévia traduz-se em se apurar se o prazo de interposição de recurso da sentença proferida pela 1ª instância foi, ou não, suspenso por força da aplicação da Lei n.º 1-A/2020 na redação que foi introduzida pela Lei n.º 4-B/2021 de 01/02, em especial com o aditamento do art.º 6.º -B.
A Lei n.º 4-B/2021, de 1/02, em alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março estabelecer um novo regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais, com efeitos reportados a 22/01/2021.
O artigo 6.º-B da Lei 4-B/2021, de 1/02, sob a epígrafe «Prazos e diligências» a estabelecer o seguinte: 1 — São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
5 — O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.”
Por comparação entre este regime que foi instituído pela Lei n.º 4-B/2021 e o que resultou do regime inicial da suspensão dos prazos que vigorou no primeiro semestre de 2020, a preocupação do legislador foi a de permitir que se tramitem os processos quando tal não implique contactos presenciais com sujeitos ou participantes processuais, o que se verifica no caso da interposição de recursos que é efetuada por via eletrónica.
De tudo isto resulta que da sentença proferida em processos não urgentes pelos tribunais de 1.ª instância, os prazos para a prática dos atos subsequentes não se suspenderam.
Daí que nas decisões finais proferidas antes ou depois da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 não se suspendem os prazos de interposição de recurso, devendo o recurso ser interposto no prazo legalmente fixado.
A suspensão dos prazos decorrente do regime prescrito na Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, com a alteração que lhe foi dada pela Lei 4-B/2021, não se aplica ao prazo de recurso em 1ª instância, tal como que decorre da alínea d) do nº 5 do artigo 6º -B da referida lei.
Em face do exposto é de concluir que o prazo para interposição de recurso não se suspendeu, quer em relação às sentenças já proferidas e notificadas às partes, quer em relação a sentenças já proferidas e ainda não notificadas às partes, quer em relação a sentenças proferidas com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021.
Neste sentido, vide o Ac RL 598/18.7T8LSB.L1-8, Relator: ISOLETA COSTA, 13-05-2021 (disponível na base de dados da DGSI, local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de origem) Sumário: I – A lei da suspensão dos prazos processuais aprovada no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controle da pandemia Covid 19 e perante a declaração de estado de emergência, surge com o desiderato de evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio.
II - É com referência à ratio legis referida em I que terá de interpretar-se o nº 5 alínea d) do artigo 6º-A da Lei nº 1-A/2020, de 19., aditado pela Lei nº 4-B/2021, de 2.2
III – Em face do referido em II, não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei.
IV – Consequentemente, a referida norma deve ser interpretada como sendo de aplicação às decisões proferidas nos tribunais superiores sem que haja de atender à data das mesmas.
Igualmente vide o AC da RP 121276/19.8YIPRT.P1, Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA,07-10-2021 «Sumário: A não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, aplica-se quer as decisões tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021 quer tenham sido proferidas antes dessa data.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac do STJ 263/19.8YHLSB.L1.S1, Relator:FERREIRA LOPES, 22-04-2021 Sumário : «I - Nos termos do nº 5, alínea d) do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021 de 01.02.2021, não estão abrangidos pelo regime de suspensão de prazos processuais fixado no nº 1, entre outros actos, os requerimentos de interposição de recurso;..».
Igualmente no mesmo sentido vide o Ac da RC processo:2769/20.7T8LRA.C1 , Relator: VITOR AMARAL, 09-11-2021Sumário: 1. - A legislação de suspensão dos prazos processuais no âmbito das medidas de controle da pandemia Covid 19 visou evitar a propagação do vírus, cujo contágio ocorre essencialmente através dos contactos pessoais.
2. - Porém, com a legislação adotada em 2021 (Lei n.º 4-B/2021, de 01-02) procurou-se atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos resultante da legislação excecional entrada em vigor em 2020.
3. - Deve, por isso, ser interpretada extensivamente a norma do art.º 6.º-B, n.º 5, al.ª d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação daquela Lei n.º 4-B/2021, de molde a contemplar – para efeitos de não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão –, não apenas as decisões proferidas no período de suspensão legal dos prazos processuais, mas também as anteriormente proferidas cujo prazo de recurso ainda não estivesse esgotado.
4. - Assim, quanto a uma sentença proferida anteriormente a 22/01/2021, mas cujo prazo recursivo estivesse a correr nessa data, não ocorre suspensão desse prazo e decorrente paralisação do processo, o que se compreende, satisfeitas as razões de saúde pública, à luz do interesse da celeridade processual e da pronta realização da justiça, bem como perante as exigências de igualdade de tratamento.».
No mesmo sentido, vide Ac RC 2706/20.9T8LRA.C1, Relator: CRISTINA NEVES, 26-10-2021:«Sumário: I- Com a Lei 4-B/2021, de 01/02, visou o legislador impedir a proliferação de casos de contágio generalizado da doença Covid 19 e, ao mesmo tempo, salvaguardar a regular tramitação dos actos e procedimentos ainda que em processos não urgentes, quando se não verifique este perigo de contágio, assegurando assim às partes o direito a um processo equitativo e decidido em prazo razoável (cfr. artº 20º, nº 1 e 4 da Constituição).
II- Neste objetivo se inserem as excepções à regra geral de suspensão de prazos, contidas no nº 5 do artº 6º-B da Lei 4-B/2021.
III-A norma contida na alínea d) do nº 5 do artº 6º-B da lei 4-B/2021 deve ser interpretada no sentido de que não se suspendem os prazos para recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que essa decisão seja proferida, por só assim se mostrar salvaguardado os imperativos constitucionais de observância de um processo equitativo e justo e da igualdade e proporcionalidade das medidas restritivas de direitos liberdades e garantias, previstos nos artºs 20º, nº1 e 4, 13º e 18º da Constituição.».
E por fim, vide o Ac da RG 2016/20.1T8VCT.G1, Relator:VERA SOTTOMAYOR, 21-10-2021 Sumário: I -A suspensão dos prazos decorrente do regime prescrito na Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, com a alteração que lhe foi dada pela Lei 4-B/2021, não se aplica ao prazo de recurso em 1ª instância, tal como decorre da alínea d) do nº 5 do artigo 6º -B da referida lei.
II - Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 não se suspendeu o prazo para interposição de recurso, quer em relação às sentenças já proferidas e notificadas às partes, quer em relação a sentenças já proferidas e ainda não notificadas às partes, quer em relação a sentenças proferidas após a entrada em vigor da referida Lei.

No caso dos autos verifica-se que a sentença foi proferida a 14-1-2021 e notificada ás partes a 15-1-2021 (antes da entrada em vigor da Lei nç4-B/2021), e que a autora interpos o recurso a 22-2-2021, estando o réu notificado a 25-2-2021, e não estando o prazo para recorrer suspenso, verifica-se que o prazo para o recorrido responder ao recuso e interpor recurso subordinado (que é de 40 dias dado atender á rereciação da prova nos termos do artigo 638 nº1 e 7 do CPC), terminou no dia 15-4-2021 ou até ao dia 20-4-2021 mediante o pagamento de multa.
Constata-se que o recorrido deduziu o recurso subordinado e as contra-alegações no dia 16/5/2021, e tendo o prazo terminado a 20/4, é manifesto que o recurso subordinado e as contra-alegações é intempestivo.

Pelo exposto, por ter sido apresentado quando já se encontrava precludido o direito ao recurso, não se admite o recurso subordinado, nem as contra-alegações por serem intempestivas, e nessa medida não se conhece do recurso subordinado por extemporaneidade de interposição, nem se considera as contra-alegações.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelante, resulta que são os seguintes os pontos a analisar:

A - Nulidade da sentença
B - Incorrecção do julgamento da decisão proferida quanto à matéria factual (ponto 2 facto não provado)
C - Alteraçao da decisão de mérito: Nulidade da redução da cláusula penal com fundamento no instituto do abuso de direito e por conhecimento extra vel petitum do tribunal, ou quando assim não se entenda por inverificados os pressupostos, por violação do disposto no artigo 812º do Código Civil.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença recorrida foi proferida quanto á matéria de facto nos seguintes termos:«… Factualismo considerado provado e, com relevância para a decisão da causa:«… II-FUNDAMENTAÇÃO
1.1. Factos Provados
1. A autora dedica-se à actividade de construção civil.
2. Através de acordo escrito, a autora e o réu estipularam que aquela iria executar para este os trabalhos de reabilitação do edifício, correspondentes a substituição de cobertura e reparação de fachada, termos constantes do dos documentos juntos a fls. 11 a 18 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. As partes acordaram na realização da obra de reabilitação do edifício em duas fases:
a) a obra de substituição da cobertura seria executada em primeiro lugar, numa primeira fase, e teria o seu inicio no mês de novembro de 2007;
b) a obra de reabilitação da fachada seria executada em segundo lugar, numa segunda fase, e teria o seu inicio em março de 2008.
4. A autora e o réu acordaram que o preço global dos trabalhos seria de € 49.593,65 (quarenta e nove mil, quinhentos e noventa e três euros e sessenta e cinco cêntimos).
5. Consta da cláusula 4ª, n.º 3 do aludido acordo: “o preço fixado é global e unitário, sendo que caso a Primeira ou Segunda Contratante venha a cancelar, resolver ou alterar o presente contrato, por causa não imputável à outra Outorgante, por forma a não ser executada uma das fases da empreitada, ficará obrigada a indemnizar a Primeira ou Segunda Outorgante pelo valor correspondente a 50% (metade) do valor dos trabalhos contratados.”.
6. A autora executou para o réu os trabalhos correspondentes à primeira fase da obra, que não tiveram reclamação pelo réu e foram por ele liquidados.
7. O réu, até ao presente, não autorizou a autora a iniciar os trabalhos correspondentes à segunda fase.
8. Foi condição do acordo, e do preço global proposto pela autora, que a obra lhe fosse adjudicada na totalidade.
9. As partes acordaram que a segunda fase da obra se iniciasse no mês de Março de 2008.
10. Em 2019, o réu adjudicou a obra de reabilitação da fachada do seu edifício à empresa A..., Lda.
11. Após o mês de Março de 2008, o réu não fixou à autora um prazo para o início da segunda fase da obra.
12. Como o prédio sito na ... nº 123, em regime de propriedade horizontal, na freguesia de ..., concelho a ..., necessitava de obras de conservação/reabilitação, a nível da cobertura e da fachada, derivado a patologias existentes, a administração do réu, solicitou junto da autora uma proposta de orçamento.
13. Os trabalhos de reabilitação do Edifício consistiriam na reparação da fachada, tratamento de todos os vãos de caixilharia, reparação dos terraços e substituição da cobertura, designadamente a desmontagem do telhado existente em fibrocimento e aplicação de painel ..., incluindo caleiras e chapim em chapa galvanizada.
14. Para esse efeito, a Administração do réu, na altura representada pela empresa E..., Lda. contactou com a autora para orçamentar as obras no item anterior referenciadas.
15. Em meados do mês de Novembro de 2007, a autora iniciou os trabalhos na cobertura do edifício, que consistiu na desmontagem do telhado existente em fibrocimento e fornecimento e aplicação de painel ... de 30 mm, incluindo caleiras e chapim em chapa galvanizada lacada.
16. Em Dezembro de 2007, a autora já tinha concluída a obra aludida no item anterior, tendo para o efeito emitido e apresentado a factura no valor de € 7.549,79, que de imediato foi saldada pelo réu.
17. A autora não retirou do edifício o fibrocimento (material que contem amianto).
18. Em 25 de Fevereiro de 2008, a E..., Lda. não foi reeleita na administração do réu, pelos condóminos manifestarem o seu desagrado pela forma como tinha conduzido as obras de substituição de cobertura.
19. A administração do réu, representada pela Drª. AA, estabeleceu contactos com a autora, através do Engº. BB, para orçamentar trabalhos complementares, referentes à obra da fachada.
20. Para o efeito, em Julho de 2008, a autora enviou ao réu a proposta/orçamento...-R, referente a trabalhos complementares à proposta de orçamento inicial.
21. No início do ano de 2013, a autora apresentou uma proposta de orçamento ao réu destinada à reparação da cobertura que ficou danificada derivado ao temporal, nos termos constantes de fls. 60 e verso, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
22. O edifício sito na Avenida..., ..., na freguesia de ..., concelho ..., constituído em regime de propriedade horizontal, é de construção que remonta à década de 80.
23. A autora removeu as placas de fibrocimento existentes no telhado, deixado as mesmas na esteira da laje do desvão da cobertura, entre a laje de cobertura do quarto e último andar do prédio e o telhado.
24. Investigações sobre a protecção da saúde contra os riscos ligados à exposição ao amianto no trabalho concluíram que as fibras de amianto são cancerígenas.
25. Para remoção das placas de fibrocimento amontoadas na laje é necessário transportar, montar e desmontar os meios de acesso à esteira da laje da cobertura e à cobertura e terá que ser colocada uma vedação na obra de forma a garantir a segurança e saúde dos trabalhadores que vão ficar expostos aos riscos de manuseamento daquele material.
26. Vai ser necessário proceder ao levantamento total das telhas de painel tipo sandwich existentes na cobertura para acesso ao vão do telhado, de modo a ser removido todo o material solto que se encontra sobre a laje de cobertura, incluindo restos de corte de painel sandwich e entulho.
27. Após terem passado pelos processos de plastificação, etiquetagem e palatização é que as placas de fibrocimento podem ser transportadas a vazadouro próprio.
28. Toda a área exposta ao material recolhido tem que ser limpa e aspirada.
29. A final tornar-se-á necessário repor as telhas do tipo sandwich que foram removidas para acesso ao vão do telhado para retirar todo o material solto existente sobre a laje de cobertura.
30. O preço dos referidos trabalhos de remoção e limpeza da esteira da laje da cobertura ascende ao valor de € 16.439,69 (dezasseis mil quatrocentos e trinta e nove euros e sessenta e nove cêntimos).
31. O Sr. CC apresentou-se perante a autora como o gerente da empresa S..., Lda.
32. Sr. CC apresenta propostas em nome da S..., Lda., participa nas assembleias de condóminos dos diversos edifícios que tal empresa administra, em representação de tal empresa, recebe e responde às cartas que são dirigidas a tal empresa, dando instruções e ordens aos seus trabalhadores.
33. A Drª. AA chegou a reunir com a autora na Rua ..., ....
34. A Drª. AA indicou à autora como morada, na troca de correspondência em nome do réu, a Rua ..., ....
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1.2 - Factos Não Provados
1. A sociedade “S..., Lda.” foi eleita administradora do réu em Assembleia de Condóminos.
2. O réu remeteu a “... à Avenida..., ..., ... Representada pela empresa S..., Lda., Rua..., ... ..., carta datada de 29 de Dezembro de 2017, nos termos constantes de fls. 20 e verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
3. Foi elaborado pela autora a Proposta de orçamento nº ...-B de 4 de Dezembro de 2006 e o Contrato de Fornecimento de Bens e Serviços de 2 de Março de 2007, nos termos constantes de fls. 47 verso a 51 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
4. Em reunião de Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada em 28 de Julho de 2007, por unanimidade dos presentes e/ou representados, foi aprovado a proposta de Orçamento e o Contrato de Fornecimento de Bens e Serviços, no item anterior referenciados- conforme ACTA nº ... nos termos constantes de fls. 52 verso a 53 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
5. Os condóminos ficaram convictos que as assinaturas da autora e a E..., Lda. Seriam recolhidas em data posterior. 6. A E..., Lda., em 06.05.2008, procedeu à entrega de todos os pertences e documentos do réu à administração que lhe sucedeu.
7. O acordo e orçamento referidos em 3 dos factos provados não faziam parte do espólio, nem do acervo da documentação havia referência aos mesmos.
8. Quando assinaram esse escrito, as outorgantes nele intervenientes sabiam que estavam a agir contra a manifestação de vontade dos condóminos.
9. A autora tinha conhecimento que a legal representante do réu, a empresa E..., Lda. Não fora autorizado pelo réu para celebrar o acordo referido em 3 dos factos provados porque já tinha minutado e elaborado o acordo datado de 2 de Março de 2007, para ser sujeito aprovação da Assembleia de Condóminos com a proposta de orçamento nº ...-B de 4 de Dezembro de 2006.
10. A autora não respondeu à solicitação da ... para orçamentar trabalhos complementares.
11. CC conheceu o teor da carta que a autora dirigiu à empresa S..., Lda.
12. O filho de CC, ..., foi eleito administrador do réu.
13. A autora ficou convencida, por informação prestada por CC, que era a empresa S..., Lda. que administrava o réu.
14. A autora transportou para aterro todo o material que removeu do telhado para execução da sua empreitada.
15. A autora procedeu à remoção e condução a vazadouro autorizado das placas de fibrocimento removidas para a execução da obra.
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O demais alegado não obtém qualquer resposta a nível probatório uma vez que se trata de matéria de direito e/ou conclusiva, configura mera impugnação ou não releva para a decisão da causa.»(sic).
No que concerne à fundamentação jurídica da sentença recorrida, na parte objecto do recurso, a mesma é a seguinte: «…3. Análise dos factos e subsunção ao direito da matéria de facto dada como provada resulta que entre a autora e o réu se estabeleceram relações contratuais, no desenvolvimento das quais aquele se obrigou a realizar uma obra, contra o pagamento do respectivo preço, pelo que celebraram um contrato de empreitada.
A autora peticionou a declaração de resolução do contrato por incumprimento definitivo por parte do réu.
O direito de resolução de um contrato constitui um meio de extinção do vínculo contratual (cfr. artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil), fundada na lei ou convenção.
No caso concreto, as partes estabeleceram a possibilidade de resolução do contrato por incumprimento das disposições nele consagradas, para além das causas de resolução e extinção resultantes da lei civil – cláusula 14ª do contrato.
A autora alegou que o réu não autorizou o início da 2ª fase da obra e que adjudicou a mesma a um terceiro, o que decorre da factualidade apurada, mormente dos factos provados sob os n.ºs 7 e 10.
Ademais, embora se tenha provado que o réu solicitou à autora, em 2008, orçamento complementar para a obra da fachada, também se demonstrou que aquele apresentou o mesmo ao réu. Acresce que a autora solicitou várias vezes ao réu informação sobre a data de reinicio dos trabalhos. Por conseguinte, não se pode concluir que a autora tenha perdido o interesse na prestação.
A adjudicação pelo réu da obra da fachada a uma terceira empresa configura uma desistência da empreitada celebrada com a autora.
Com efeito, nos termos do artigo 1229º do C. Civil “o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contando que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e do trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.”.
Em anotação a esta disposição legal, escreveram P. Lima – A. Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, pág. 745):
“A desistência por parte do dono da obra não corresponde a uma revogação ou resolução unilateral, nem, rigorosamente, a uma denúncia do contrato, dados os especiais efeitos prescritos neste artigo. A empreitada é eficaz até ao momento da desistência, ficando o dono da obra proprietário de tudo aquilo que já estiver executado e dos próprios materiais não incorporados, se o seu custo for computado na indemnização. É além disso obrigado a indemnizar o empreiteiro, não só pelos danos emergentes como pelos lucros cessantes, tal como se houvesse resolução pelo não cumprimento da obrigação imposta ao desistente.
Trata-se, pois, de uma situação sui generis, que não corresponde a nenhuma daquelas figuras, e cujo objectivo é apenas o de dar ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, interrompendo a sua execução para o futuro, o que pode ter a sua justificação nas mais variadas causas: mudança de vida, alteração das condições económicas, etc., ou de prosseguir nela, mas com outro empreiteiro, ou de realizar a obra por outra forma (administração directa, por exemplo).”
A extinção do contrato, por desistência do dono da obra (art.1229 CC ), constituindo uma excepção à regra "pacta sunt servanda", é uma faculdade discricionária que pode ser tácita, sem forma especial, não carece de fundamento, nem de pré-aviso e assume eficácia ex nunc.
A lei não exige forma especial para a desistência aplicando-se as regras gerais previstas para a declaração negocial, nomeadamente o disposto no artigo 217 do CC (P. Lima e A. Varela, loc. cit. p. 908, nota 4 ao artigo 1229).
“Integra uma desistência tácita do contrato de empreitada por parte do dono da obra a contratação por este de um novo empreiteiro para completar a obra;” – Ac. RL de 05-12-2005, p. 6158/2005-6, acessível em www.dgsi.pt.
Deste modo, o réu optou por prescindir dos serviços da autora e recorrer a um outro empreiteiro para continuar a obra, pelo que os réus/reconvintes, de modo informal e tácito, o que fizeram foi desistir dos serviços da autora, extinguindo assim o contrato de empreitada.
Nesse caso, o dono da obra apenas terá que indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.
Consta da cláusula 4ª, n.º 3 do contrato celebrado entre as partes que: “o preço fixado é global e unitário, sendo que caso a Primeira ou Segunda Contratante venha a cancelar, resolver ou alterar o presente contrato, por causa não imputável à outra Outorgante, por forma a não ser executada uma das fases da empreitada, ficará obrigada a indemnizar a Primeira ou Segunda Outorgante pelo valor correspondente a 50% (metade) do valor dos trabalhos contratados.”.
Esta cláusula reveste a natureza de cláusula penal, a qual pode ser definida como a estipulação negocial em que uma das partes se obriga antecipadamente, perante a outra, caso não cumpra a obrigação ou não a cumpra exactamente nos termos devidos, ao pagamento de uma quantia pecuniária, a título de indemnização (cfr. A. Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 44 e Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, pág. 136).
O direito de estipular tal cláusula é manifestação do princípio da autonomia privada constitucionalmente tutelado e da liberdade contratual afirmada no artigo 405.º do C. Civil. Portanto, a cláusula penal resulta de um acordo das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, revista e actualizada, pág. 75). A mesma está regulamentada pelos artigos 810.º a 812.º do Código Civil. Tradicionalmente, a cláusula penal reveste duas modalidades: compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento; moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento. Em função do escopo visado pelos contraentes, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória.
Atenta a índole e a função da cláusula penal convencionada, não há que averiguar se a credora sofreu ou não prejuízos, como consequência da inexecução da obrigação, nem o seu valor, aplicando-se a mesma desde que a violação do contrato seja imputável a culpa do obrigado.
Nos termos da cláusula 4ª, n.º 3 do contrato, as partes fixaram o montante indemnizatório em caso de “cancelamento, resolução ou alteração” do mesmo “por causa não imputável à outra outorgante”, por forma a não ser executada uma das fases da empreitada.
Consideramos que tal tem aplicação no caso concreto, porquanto o réu desistiu da empreitada, inviabilizando a execução da 2ª fase da obra, o que configura uma causa de extinção do contrato por causa não imputável à autora.
No entanto, o réu invocou ainda que a autora actua com abuso do direito ao accioná-lo judicialmente com base no aludido contrato, decorridos que se encontram mais de 10 anos sobre a data da celebração do mesmo.
Nos termos do artigo 334º do C. Civil “É ilegítimo o exercício de um direito, quando exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.”.
O abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. Tal como defende Baptista Machado (in Obra Dispersa, I, 415 e ss.) o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”.
A figura do abuso do direito assenta, essencialmente, no princípio geral de que "as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”, cfr. Coutinho de Abreu, in “Do Abuso de Direito”, pág. 55. “Pode definir-se como o exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido e em que fundadamente a outra parte confiou. A proibição do “venire contra factum proprium” ou a proibição da chamada conduta contraditória, ou seja, aqui abrange-se o chamado “dar o dito por não dito”, e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa-fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito. A confiança digna de tutela deve ser objectivamente motivada, e é aquela que resulta de uma apreciação objectiva do conjunto dos actos e comportamentos das partes no quadro económico e social em que se desenvolve o processo de constituição e exercício das relações jurídicas entre elas. Essa confiança deve basear-se em conduta da outra parte que, objectivamente considerada, revele intenção de se vincular a determinado modo de agir futuro, e foi com base nessa conduta concludente que a contraparte criou expectativas legítimas, nela confiando e investindo, orientando a sua vida em conformidade. Assim contraria o princípio da boa-fé que alguém exerça um direito em contradição com conduta sua anteriormente assumida, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta contrária no futuro.” – Ac. RP de 11-11-2014, processo n.º 9734/11.3TBVNG-A.P1, acessível em www.dgsi.pt.
“A confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura”, cfr. Prof. Baptista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium”, in RLJ 118, pág. 171.
Para o Prof. Menezes Cordeiro (in Da Boa Fé no Direito Civil, p. 45) «o venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo».
O abuso do direito constitui uma excepção material de conhecimento oficioso. E, no caso dos autos, até foi expressamente invocada pelo réu.
Ora, a autora pretende prevalecer-se de uma cláusula penal mais de 10 anos depois da celebração do contrato e do último contacto com o réu sobre a execução do mesmo, criando na contraparte a confiança de que a mesma não seria invocada, o que configura uma situação de exercício ilegítimo de um direito, por exceder de forma manifesta os limites impostos pela boa fé. Na realidade, durante o referido período temporal a autora nada mais comunicou ao réu, e somente agora, que o réu adjudicou a conclusão da obra a um terceiro, reclama o seu pagamento.
Ademais, não foi sequer alegado pela autora que tenha interpelado admonitoriamente o réu para o cumprimento da obrigação, nem que tenha diligenciado no sentido de revogar o contrato, o que poderia fazer.
A redução da cláusula penal poderá ser efectuada através do recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artigo 334º do C. Civil. Neste sentido, Ac. RC de 20-06-2017, p. 95/05.0TBCTB-H.C1, acessível em www.dgsi.pt.
Deste modo, entendemos que tal cláusula se afigura excessiva face às circunstâncias do caso concreto, considerando o lapso temporal decorrido desde a última interpelação por parte da autora, a concreta obra por si efectuada, os trabalhos que ficaram por realizar e o lucro que poderia retirar da obra, devendo ser equitativamente reduzida com base no instituto do abuso do direito, o que se determina, para o valor de 10% do valor dos trabalhos contratados, ou seja, para € 4.959, 36 (quatro mil novecentos e cinquenta e nove euros e trinta e seis cêntimos).
Os juros referentes às quantias fixadas com base na equidade, são actualizadas no momento da decisão, pelo que, quanto a estas, os mesmos se contam somente a partir da presente data de prolação da sentença, sendo à taxa anual de 4% (artigos 804º, 805º, n.º 1, 806º e 559º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) - Ac. da R.C. 26/2/92, C.J. 1/92, pág. 119 e Ac. R.L. de 20.02.90.
Por conseguinte, a tal valor acrescem juros de mora, contados desde a prolação da presente decisão, por a quantia ser fixada com base em critérios de equidade, à taxa legal de 4% …
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IV-DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
A) Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência condenar o réu a pagar à autora o valor de € 4.959, 36 (quatro mil novecentos e cinquenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da prolação da presente decisão, até integral pagamento.
B) Julgar a reconvenção improcedente e, em consequência absolver a reconvinda do pedido.
C) Julgar improcedente o incidente de falsidade do documento.
Custas da acção a cargo da autora e do réu, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 4/5 para a autora e 1/5 para o réu nos termos do artigo 527º do C.P.C.
Custas da reconvenção a cargo do reconvinte, nos termos do artigo 527º do C.P.C.
Custas do incidente de falsidade a cargo do réu.
Registe e notifique. »(sic)
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
A- NULIDADE DA SENTENÇA-
O recorrente alega que a sentença está em oposição com a prova e com os fundamentos, alegando para o efeito que a decisão alicerça a redução da cláusula penal convencionada entre as partes com fundamento na invocação, pela Ré/Recorrida, do abuso de direito, tendo considerado em síntese que a autora pretende prevalecer-se de uma cláusula penal mais de 10 anos depois da celebração do contrato e do último contacto com o réu sobre a execução do mesmo, criando na contraparte a confiança de que a mesma não seria invocada, o que configura uma situação de exercício ilegítimo de um direito, por exceder de forma manifesta os limites impostos pela boa fé (durante esse tempo a autora nada mais comunicou ao réu e somente quando o réu adjudicou a conclusão da obra a um terceiro é que reclama o pagamento desse valor).
Invoca que essa fundamentação contraria os seguintes factos declarados provados, os quais impunham decisão diversa: 7. O réu, até ao presente, não autorizou a autora a iniciar os trabalhos correspondentes à segunda fase.
19. A ..., representada pela Drª. AA, estabeleceu contactos com a autora, através do Engº. BB, para orçamentar trabalhos complementares, referentes à obra da fachada.
20. Para o efeito, em Julho de 2008, a autora enviou ao réu a proposta/orçamento...-R, referente a trabalhos complementares à proposta de orçamento inicial.
21. No início do ano de 2013, a autora apresentou uma proposta de orçamento ao
réu destinada à reparação da cobertura que ficou danificada derivado ao temporal, nos termos constantes de fls. 60 e verso, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
Considera o recorrente que essa factualidade declarada provada demonstra que foi o Réu que não autorizou a Autora a iniciar os trabalhos correspondentes à segunda fase e que demonstra que pelo menos no ano de 2013 a Autora trocou comunicações com o Réu e manifestou intenção de iniciar o mais rapidamente a 2.,ª fase das obras e nessa medida não podia a decisão recorrida ter fundamentado um qualquer abuso de direito, num alegado hiato de comunicações da Autora, superior a 10 anos, quando se acha declarado provado nos autos uma comunicação de 2013.
E muito menos podia ter alicerçado um qualquer putativo abuso de direito na Autora, com fundamento num qualquer silêncio ou ausência de comportamento desta, quando ficou demonstrado que foi o réu que, até ao presente, não autorizou a autora a iniciar os trabalhos correspondentes à segunda fase.
Conclui, referindo que a sentença é nula, já que os fundamentos e a decisão de direito estão em oposição com a prova produzida.

Nos termos do artigo 615 do CPcivil , a sentença é nula, quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC de 06-11-2012 , disponível ma base de dados da DGSI:« Sumário: I – Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia)..”.
Nos termos desse normativo (artigo 615 nº1 alinea c)) a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, quando se fala, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto, traduzindo-se num vicio formal da sentença nos termos dos artigos 614º e seguintes do C.P.Civil, sem dizer respeito a questões substantivas que são relativas á decisão de mérito e não com o aspecto formal.
No que diz respeito ao vício da ininteligibilidade decorrente da ambiguidade ou obscuridade, o mesmo está limitado à parte decisória, e só releva quando um declaratário normal, nos termos do art. 236º, nº1 e 238º, nº1, ambos do C.Civil “não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.”
Assim, ter-se-á de concluir que neste segmento a decisão não padece deste vicio porque na decisão foi considerada uma dada factualidade e fez se um dado enquadramento jurídico não existindo nenhum vicio formal e estrutural que implique a sua nulidade, sendo que inversamente poderá apenas estará em causa a impugnação da matéria de facto e algum erro na aplicação do direito.
Pelo exposto, improcede este fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que competirá decidir na apreciação dos também outros fundamentos recursivos da “impugnação da matéria de facto” e do “erro na aplicação do direito”.
Assim, improcede neste segmento o recurso, dado que a sentença não é nula.
*
B- Modificabilidade da decisão de facto.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm actualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) Indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;
b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) indicação, ou transcrição, exacta das passagens da gravação erradamente valoradas.

O recorrente, sob pena de rejeição do recurso, deve determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorrectamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal a quo.

Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC (Relator: CARLOS MOREIRA) de 10-09-2019:«Sumário: I - A não discriminação, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, quer do início e fim dos depoimentos na gravação, quer, muito menos, das concretas passagens dos mesmos em que o recorrente funda a sua pretensão, implica a liminar rejeição do recurso sobre a decisão da matéria de facto – artº 640º nº 1 al. b) e nº2 al. a) do CPC.
II - A simples discordância, por exegese diferenciada, do teor dos depoimentos não impõe – salvo lapso material ou erro lógico patente do julgador na apreciação dos mesmos – a censura da sua convicção…»

Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “ […] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
Para outros desenvolvimentos, video Ac da RC (Relator: CARVALHO MARTINS) de 02-12-2014: «Sumário:..3- Não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. A efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido. É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil…»
Conforme defende Abrantes Geraldes, in In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 396 do Código Civil). O tribunal da Relação quando reaprecia a prova deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com os outros meios de prova e verificar se foi ou não cometido erro de apreciação da prova que deva ser corrigido (vide, A. Geraldes, in Recursos, pág. 299).

No presente caso a recorrente impugnou a matéria de facto e indicou a factualidade impugnada, a prova a apreciar e a decisão sugerida, estando assim respeitados os pressupostos de ordem formal para proceder á reapreciação desse segmento da decisão.

No caso dos autos a recorrente pugna por uma alteração na matéria de facto da sentença nos seguintes termos: O facto declarado como não provado sob o ponto 2 - («2. O réu remeteu a “... à Avenida..., ..., ... Representada pela empresa S..., Lda., Rua..., ... ..., carta datada de 29 de Dezembro de 2017, nos termos constantes de fls. 20 e verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.»), - deveria antes ter sido declarado provado.
Na sentença recorrida consta na motivação que esse facto foi dado como não provado, dado que o documento junto a fls. 20 foi impugnado pela parte contrária e não decorre dos autos que o mesmo tenha sido efectivamente remetido, inexistindo qualquer aviso de recepção comprovativo de tal envio.
O réu na contestação refere no ponto 19 que nunca recebeu a carta de fls. 20 ou doc. 4 junto com a petição inicial referindo estar endereçada para a sede da empresa S... LDA e que essa empresa nunca administrou o condomínio réu.
O recorrente refere para fundamentar essa alteração, em síntese que o réu invoca que não recebeu essa carta porque a ... não é a S... LDA, mas sim CC e este último é gerente de facto e socio do S..., LDª e não negou que tivesse recebido a carta na empresa que gere. Alega por outro lado que desse depoimento resultou que o mesmo confessa te recebido a carta que constitui o documento de fls. 20 dos autos que tomou conhecimento.
Do depoimento do legal representante do réu CC (legal representante do réu desde 2014) quanto á carta de fls. 20 resultou, conforme consta da acta, que o mesmo declarou que a carta junto a fls. 20 dos autos foi dirigida á empresa s...
Ouvido esse depoimento resulta que o depoente perante a exibição da carta de fls. 20 declarou que essa carta chegou ao escritório da S... que é a sua empresa e que teve conhecimento da mesma.
Do depoimento de parte do legal representante do réu não consta nenhuma confissão desse facto (de resto da acta não consta a redução a escrito de nenhuma confissão do teor desse ponto 2), sendo que do seu depoimento resultou que o mesmo teve conhecimento dessa carta de fls. 20, mas essa declaração não equivale a que haja confirmado a matéria que o réu pretende ver alterada e nessa medida improcede esse pedido (tal depoimento não prova que a autora haja remetido a carta à administração do condomínio réu representada pela empresa S..., Ld.ª a qual não era a administradora do condomínio).
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Pelo exposto, e considerando os meios de prova que foram produzidos relativamente á factualidade objecto da impugnação versada nas alegações, não existe nenhuma razão para se realizar qualquer alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida.
A prova produzida não impõe nos termos do artigo 662 do CPCivil decisão diversa quanto á matéria de facto.
Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a fixada pelo tribunal a quo.
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C- Alteração da decisão de mérito.
Neste segmento, alega a recorrente que a redução da cláusula penal, com fundamento em alegado abuso de direito da Autora, para além de não ter qualquer adesão com a realidade, é manifestamente injusta e infundada.
Considera que esta modalidade de abuso de direito, no caso sub iudice, não existe, nem pode existir, atenta a factualidade provada e a demais fundamentação de facto e de direito da sentença.
Em primeiro lugar, deve atentar-se que o Réu não aceitou que o contrato fosse verdadeiro, tendo arguido a falsidade do mesmo e da referida cláusula penal, e nessa medida refere que, não se compreende como é que a Autora teria criado no Réu a convicção e confiança de que não acionaria uma cláusula penal, que este se mostrou surpreso existir, e invocou desconhecer e ter sido falsificada.
Por outro lado, alega que a decisão de abuso de direito, com fundamento em que a Autora durante dez anos nunca mais nada comunicou ao Réu, acha-se contrariada pela demais factualidade provada e com a fundamentação da decisão de direito. Dado que, por um lado, não foi a Autora que deixou de comunicar com o Réu.
Foi o Réu que até ao presente não autorizou a Autora a iniciar os trabalhos correspondentes à segunda fase. (ponto 7 dos factos provados).
E mais foi o Réu que, sem qualquer aviso ou comunicação prévios à Autora, que em 2019 adjudicou a obra de reabilitação da fachada do seu edifício à empresa A..., Lda.” (ponto 10 dos factos provados).
Acresce que considera que se a Autora nunca perdeu o interesse na prestação, e se solicitou várias vezes ao Réu informação sobre a data de reinício dos trabalhos, tal significa que nunca criou no Réu a expectativa ou a confiança de que prescindiria de executar o contrato.
Bem antes pelo contrário, a Autora teve sempre a confiança de que iria executar a obra e contrato, nunca tendo criado expectativas contrárias ao Réu, o que resulta quer da factualidade provada quer da fundamentação da sentença.
Invoca, em resumo que a Autora sempre manifestou pretender cumprir o contrato e, por isso mesmo, a sua atuação nunca foi suscetível de criar no Réu a expectativa ou confiança que não exigiria o seu cumprimento, ou que não retiraria do seu incumprimento as consequências dele constantes.
Conclui, que não existe qualquer abuso de direito da Autora, e por conseguinte, não poderia a referida cláusula penal ser reduzida com apelo ao conhecimento oficioso do instituto do abuso de direito, conforme resulta da fundamentação de direito, e, por isso, o Tribunal, ao conhecer da redução da cláusula penal com esse fundamento, conheceu de questões que não poderia conhecer, sendo a sentença nula nessa parte.
Acresce que, refere o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo art. 812º, não é oficiosa, mas dependente de pedido do devedor da indemnização
Considera, assim que não tendo o Réu solicitado a redução da cláusula penal, que não aceitou existir, já que invocou a falsidade do contrato, que não logrou provar, a sentença é nula.

Invoca, por outro lado, que os pressupostos em que o Tribunal considera assentar tal redução por si decidida não se verificam:
a) O tempo decorrido é imputável e imputado ao Réu e não à Autora; e o decurso de tal período de tempo apenas pode beneficiar, e não prejudicar, a Autora, na atribuição da cláusula penal, considerando que executou a primeira fase da obra em 2008, investindo materiais, mão-de-obra e meios financeiros que não lhe trouxeram lucro, tendo em vista a execução da segunda fase da obra, que o Réu lhe defraudou;
Refere que a cláusula penal visava ainda compensar o investimento financeiro, a mobilização e disponibilização de mão-de-obra, equipamentos e materiais, e ainda o prejuízo parta a imagem e perda de publicidade na execução da obra de reabilitação da fachada, que sempre traria créditos comerciais e de promoção da empresa Autora.
Por tal motivo, a redução a 10% da cláusula penal, para além de ilegal, não traduz os efetivos prejuízos acarretados para a Autora e decorrentes da inexecução da 2.ª fase da empreitada e, por isso, não é equitativa.
Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait.
Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.” (in obra citada, pp. 272 e 273).
No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.”
No caso em apreço, os factos provados permitem perceber das razões pelas quais se registou o incumprimento contratual em que o Réu, pois que foi ele que desistiu da empreitada e adjudicou a obra a terceira empresa, concorrente da Autora, sem sequer lhe ter comunicado previamente ou dado oportunidade de cumprir, pelo que inviabilizada fica qualquer possibilidade de afirmação de que apesar desse inadimplemento o Réu atuou de boa-fé, do mesmo modo que inviabilizada fica qualquer possibilidade de ser ter por ilidida a presunção de culpa que recai sobre o Réu.
Por outro lado, no quadro global de negociação em que se fixou a cláusula penal, com a cobrança de um preço manifestamente reduzido pela 1.ª fase da obra, não se nos afigura que aquela cláusula seja sequer excessiva, quanto mais manifestamente excessiva.
À data em que se verificou o incumprimento que determinou a exigibilidade da cláusula penal, a Autora tinha executado metade da obra, no valor global de €49.593,65, e apenas tinha cobrado do Réu €7.549,79.
Ou seja, faltava a Autora cobrar €17.247,03 para alcançar o valor correspondente a metade da obra. E não o cobrou porque tinha acordado com o Réu que tal quantia seria cobrada durante a execução da 2.ª fase da obra, já que a 1.ª fase tinha sido executada de urgência, e com recurso aos meios financeiros arrecadados pelo Réu condomínio dos seus condóminos, e a 2.ª fase, que demoraria mais meses a executar, permitiria ao Réu condomínio reforçar os seus meios financeiros para o pagamento.
Assim, estavam em dívida, relativamente à 1.ª fase da obra, pelo Réu à Autora, a quantia de €17.247,03.
E a diferença para os €24.796,83, da cláusula penal, não permitem concluir pela eventual excessiva onerosidade que possibilitasse a redução da cláusula penal.
O decurso do tempo, que foi determinado pela atuação culposa do Réu, não pode ser levado em consideração para efeito de redução da cláusula penal, bem antes pelo contrário, sob pena de se conceder ao devedor uma faculdade de unilateralmente, e em prejuízo do credor, se furtar às consequências decorrentes do incumprimento em que incorreu, bastando-lhe para o efeito retardar injustificadamente as obrigações por si assumidas.
A cláusula em questão foi estabelecida num quadro negocial de execução da empreitada em duas fases, com recurso aos meios financeiros disponíveis que na altura o Réu dispunha, sendo o Réu representado por uma empresa especializada na gestão de condomínios.
Tudo visto, é forçoso concluir que para além de o Réu não o ter invocado, tampouco o Tribunal poderia ter concluído que a cláusula penal em apreço era excessivamente onerosa, o que, de resto, não resulta demonstrado de qualquer factualidade carreada aos autos.
Consequentemente, deve tal redução da cláusula penal ser declarada nula, por conhecimento extra vel petitum do tribunal, ou, quando assim não se entenda, deve ser declarada improcedente, por inverificados os seus pressupostos e, por isso, por violação do disposto ao artigo 812.º do C.C..
E deve, por isso, o Réu ser condenado no pagamento à Autora do valor da cláusula penal, de €24.796,83, acrescido de juros à taxa legal, vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Cumpre decidir.

Não vem colocada em causa a qualificação do acordo celebrado entre as partes como um contrato de empreitada (nos termos do artigo 1207º do Código Civil que empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço).
Igualmente resulta que o réu ao adjudicar a obra a uma outra empresa, desistiu da empreitada celebrada com a autora.
A desistência da empreitada pelo dono da obra encontra-se prevista no artigo 1229º do Código Civil que estabelece que “O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.
A este propósito escreve Pedro Romano Martinez (Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, página 173), que a “desistência por parte do dono da obra é uma faculdade discricionária, não carece de fundamento, apresenta-se como insusceptível de apreciação judicial e não carece de qualquer pré-aviso” e tem eficácia ex nunc, considerando-a uma situação sui generis, algo intermédio entre a revogação e a denúncia (ob. cit. página 174).
Por outro lado, decorre também do referido artigo 1229º, 2.ª parte, que em caso de desistência do dono da obra, assiste ao empreiteiro não só o direito a ser indemnizado dos seus gastos e trabalho mas também do proveito que poderia tirar da obra.
O que se pretende é permitir ao dono da obra que possa obstar à realização da obra, sem prejuízo do empreiteiro.
No contrato dos autos está prevista a seguinte clausula:( cláusula 4ª, n.º 3 do aludido acordo): “o preço fixado é global e unitário, sendo que caso a Primeira ou Segunda Contratante venha a cancelar, resolver ou alterar o presente contrato, por causa não imputável à outra Outorgante, por forma a não ser executada uma das fases da empreitada, ficará obrigada a indemnizar a Primeira ou Segunda Outorgante pelo valor correspondente a 50% (metade) do valor dos trabalhos contratados.”.
Estamos perante uma cláusula penal fixada por acordo das partes, como prevê o artigo 810º, nº 1, do Código Civil.
Trata-se, pois, de uma cláusula indemnizatória ou uma indemnização fixada a forfait, invariável, só redutível por razões de equidade.
A fixação da cláusula penal está legitimada pelo estabelecido no nº 1 do artigo 810º do Código Civil que estabelece que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.
A cláusula penal insere-se no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, revista e actualizada, pág. 75).
Nos termos do n.º 2 do art.º 812.º do Código Civil é permitida a permite a redução equitativa da cláusula penal nos seguintes termos:
“1. A pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.”
Dado que a redução aqui prevista limita os princípios gerais da autonomia privada e da liberdade contratual, o juiz só pode intervir quando for solicitado e quando reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência.
A redução só é admissível quando ela aparecer como evidentemente desproporcionada, em face das circunstâncias concretas.
Em face da natureza e da razão de ser da cláusula penal referida, tem-se entendido que o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação dos danos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes.
O ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos recai sobre o devedor.
Entende a recorrente que a cláusula penal não podia ser reduzida oficiosamente e que, mesmo que assim se entendesse, não deveria ter sido reduzida porque não é excessiva.
Quanto à questão atinente à redução oficiosa da clausula penal, apesar de o artigo 812º, nº 1, do Ccivil estabelecer que a mesma pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, considera-se que o tribunal não pode reduzir oficiosamente a clausula penal, devendo a redução ser pedida pelo devedor (neste sentido vide Galvão Teles, in Direito das Obrigações, pág. 441, refere que a cláusula penal é, segundo o actual Código, susceptível de ser reduzida pelo tribunal, a pedido do devedor).
Igualmente no mesmo sentido, vide o Ac da RP, Nº Convencional: JTRP00039447, Relator: DEOLINDA VARÃO, 14-09-2006:«Sumário: I- A cláusula penal não pode ser reduzida oficiosamente, mas tem de ser pedida pelo devedor interessado, quer por via de acção ou reconvenção, quer por via de excepção…»(sic).
Quanto à clausula penal o recorrido invocou na contestação que era uma clausula «gravosa e desproporcional» (e invocou o abuso do direito), o que equivale a alegar que seria excessiva, mas não peticiona a sua redução.
Assim, ao não peticionar a sua redução não era possível proceder oficiosamente à redução da clausula penal.
Todavia, na sentença recorrida o tribunal não reduziu a clausula penal nos termos do artigo 812 do CCIvil ou por a considerar manifestamente excessiva, ao invés procedeu a essa redução tendo por base o instituto do abuso do direito (que foi invocado expressamente pela recorrida).
Assim, é manifesto que o tribunal não incorreu em qualquer nulidade ao ter reduzido a clausula penal.
No caso dos autos, a recorrida alegou para além da desproporcionalidade, que existiria abuso do direito, tendo o tribunal recorrido considerado reduzir a cláusula com base nesse instituto.
Tem sido entendido, que é legítimo ao tribunal, mesmo fora do contexto do artigo 812 do Ccivil, recorrer oficiosamente ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC, para conseguir a redução de cláusulas penais, sempre que se constate que as mesmas se revelem manifestamente excessivas ou desproporcionadas.
Neste sentido, vide o Ac da RC 95/05.0TBCTB-H.C1, Relator: ISAÍAS PÁDUA, 20-06-2017: «Sumário: I- A cláusula penal prevista no artº. 810º, nº 1, do CC, num conceito amplo engloba dentro de si cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.
II- Esses dois tipos de cláusulas são, em termos de execução, cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes.
III- Qualquer cláusula penal pode, à luz artigo 812º do CC, ser reduzida pelo tribunal, segundo critérios de equidade.
IV- Trata-se se uma norma de ordem pública, inspirada em fortes razões de ordem moral e social, levando a que prevaleça sobre as convenções privadas.
V- Para que essa redução aconteça não basta que essa cláusula seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao conteúdo do direito que se propõe realizar.
VI- Nessa tarefa de redução, que deve pautar-se por critérios de equidade, o tribunal dispõe de uma ampla liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc..
VII- A redução de tais cláusulas poderá, contudo, ainda ser conseguida através do recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC.».

Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser o exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem (para maiores desenvolvimentos, vide Fernando Augusto Cunha e Sá, Abuso Do Direito, 1973, Lisboa, pág. 164 a 188 e Ac. S.T.J de 11/5/1995, Cj 1995, t. 3, pág. 100).
O Conselheiro Jacinto Bastos (notas ao Código Civil, v. 2, pág. 103) refere que esta fórmula abrange não só o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem, mas também o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade de modo a comprometer o gozo dos direitos dos outros e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências que os outros têm de suportar.
No caso, entende-se tal como consta na sentença recorrida, que existe abuso de direito devendo reduzir-se a clausula com base no Instituto do abuso de direito, dado que decorreu cerca de dez anos entre a realização da 1 fase da obra e o pedido de indemnização, sendo que esse lapso temporal criou na contra parte a confiança de que essa clausula não seria invocada.
Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum.
***
V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 10/02/2022
Ana Vieira
Deolinda Varão
Maria Isoleta Almeida Costa