Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8729/12.4TBVNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE
IMPOSTO DE MAIS VALIAS
Nº do Documento: RP201507028729/12.4TbVNG-G.P1
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação [art. 10/1a) do CIRS] é uma dívida da massa insolvente [art. 51/1c) do CIRE].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8729/12.4TBVNG do J3 da Secção Cível de Vila Nova de Gaia

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

A insolvente deste processo requereu, em 12/06/2014, que o imposto devido pelas mais-valias geradas pela da venda por 240.000€, pelo administrador da insolvência, de um imóvel da massa insolvente, imóvel que antes integrava o seu património e que tinha sido adquirido por doação, fosse considerado uma dívida da massa, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 51 do CIRE. A insolvente tinha declarado tal venda na sua declaração de IRS referente a 2013.
O AI opôs-se a que tal pretensão.
O Ministério Público acompanhou a posição da insolvente face ao teor do art. 51/1c) e d) do CIRE.
Foi então proferido o seguinte despacho [na parte que importa]: “concorda[-se] integralmente com a posição da insolvente e do MP quanto às mais-valias decorrentes da venda do imóvel, atentas as disposições legais citadas [pelo MP], e ao facto de não poder ser a insolvente penalizada no seu IRS com uma mais valia de um negócio que em nada a beneficiou, mas apenas à massa insolvente, pelo que, não deve ser a insolvente, mas a massa insolvente, a ser tributada por eventuais mais-valias decorrentes do imóvel a favor da massa”.
Quer o AI quer um dos credores (B… – sucursal em Portugal) recorrem desta decisão para que seja revogada e substituída por outra que indefira o requerimento da insolvente, com argumentos que serão transcritos mais à frente (tirados directamente do corpo das respectivas alegações).
O MP não contra-alegou (juntou um ofício da AT dizendo que a sua posição é, face ao teor das alegações de recurso […] a de não contra-alegar, porquanto a regularização dos créditos tributários não consubstancia matéria constante do litígio]. A insolvente contra-alegou defendendo a improcedência dos recursos (com argumentos que também serão transcritos).
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Questão que importa decidir: se as mais-valias resultantes da venda, pelo AI, de um imóvel, integrado na massa insolvente por força da declaração de insolvência, não devem ser consideradas dívida da massa mas sim da insolvente.
I
Diz a massa insolvente:
A massa insolvente não é sujeito passivo de imposto de mais-valias aquando procede à venda de bens imóveis que eram pertença da insolvente.
Conforme resulta dos documentos juntos, a massa não é sujeita passiva do imposto, mas antes a insolvente (cfr. doc. 2), nem poderia ser, como se demonstrará.
Assim sendo, a massa nada deve à administração tributária, nem pode substituir-se à insolvente, pela decisão do tribunal a quo.
Conforme resulta do n.º 1 do art. 46 do CIRE, “A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.
É pois a massa insolvente um património autónomo do devedor, cujo objectivo primordial é a satisfação dos credores da insolvência.
Não cabendo no conceito de sujeito passivo do art. 13 do CIRS, desde logo porque não se trata de uma pessoa singular, mas antes uma pessoa colectiva, conforme definição de Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2012 pág. 267: [transcreve a definição de pessoa colectiva dada por este Professor].
O que não permite que as normas constantes no CIRS sejam aplicadas à massa insolvente, pessoa colectiva, nomeadamente, a relativa às mais-valias (cfr. arts 10/1 e 13/1, ambos do CIRS).”
Enquadrável no mesmo tipo de argumentos, diz o credor recorrente:
Conforme alegado pela insolvente, a massa insolvente constitui um património autónomo sendo o mesmo responsável pelas suas dívidas e só responde pelas suas dívidas.
Ora, assim sendo não se poderá considerar que a venda do imóvel tenha gerado qualquer mais-valia para a massa insolvente;
Uma vez que, a massa insolvente não sendo sujeito passivo de IRS nunca poderia ser tributado em sede de mais-valias, senão vejamos,
Nos termos do art. 10 do CIRS é disposto o seguinte: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;”
No entanto, nos termos dos arts 13 e segs do CIRS na incidência pessoal do imposto devido não é enquadrável a massa insolvente como sujeito passivo de tal imposto.
Do referido deverá decorrer que sendo tal património autónomo (massa insolvente) devedora de qualquer imposto a título de mais-valias em sede de IRS” [sic].
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Decidindo:
Da natureza da massa insolvente
Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens são apreendidos para entrega ao AI e com isso dá--se uma separação de todos os bens susceptíveis de penhora dentro do conjunto do seu património, ou seja, quase todos os seus bens são afectados ao pagamento de um conjunto específico de dívidas [arts. 36/1g), 46, 51, 81/1, 149 e 150 do CIRE].
Daqui decorre uma autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma “certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas.” (Antunes Varela, em anotação ao art. 601 do Código Civil, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 586 – também Oliveira Ascenção, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, ROA Dez1995, págs. 652/653, citado pela insolvente no requerimento inicial desta questão, fala de património autónomo, tal como Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência, PUC 2000, pág. 127; e Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA 2005, vol. III, págs. 717 a 719), mas esta separação patrimonial não torna a massa autónoma um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer. Não passam a existir duas pessoas. Tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.
As massas insolventes são apenas partes separadas dos patrimónios das pessoas (singulares ou colectivas) a quem os bens pertencem. O que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas, como resulta do art. 81/1 do CIRE, uma transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, do insolvente para o AI. Os bens continuam a ser do insolvente, apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles (que de outro modo continuariam no insolvente por os bens serem dele).
Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, na forma de venda de bens integrantes desta massa, por um valor superior ao valor pelo qual ele foi adquirido, tal corresponde a um acréscimo do património do devedor, pessoa singular ou colectiva, e o imposto que esse acréscimo vai originar é um imposto do devedor mas pelo qual responde apenas o património separado naquela massa insolvente.
Isto mesmo resulta desde logo dos arts. 51/1c) e 268 do CIRE, especialmente deste último pois que prevê que as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável. Logo, se não se estiver perante uma destas hipóteses de isenção, as mais-valias realizadas, por exemplo, como no caso, com a venda de bens da massa insolvente, estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável.
Neste sentido, por exemplo, a informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Srª subdirectora-geral de 01/10/2010, citado nas contra-alegações da insolvente (http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf):
“[…] 4. Procedendo o AI, na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio, à alienação onerosa de bens imóveis na mesma integrados, não poderá tal situação ser confundida com as mais-­valias realizadas por efeito das figuras jurídicas da dação em cumprimento de bens do devedor (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos) a que, expressamente, se refere o art. 268/1 do CIRE.
5. Do que decorre que, não se aplicando a tais casos, o acima referido art. 268/1 do CIRE, se deva, de facto, considerar que a alienação onerosa de bens imóveis integrados na massa insolvente, desde que não geradora de rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, constitui uma mais­-valia prevista no art. 10/1a) do CIRS, a sujeitar a tributação com base nas disposições legais, expressamente, estabelecidas para o efeito.”
No mesmo sentido, vão Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, págs. 916/917, como resulta do facto de aceitarem a tese de Lima Guerreiro, Os créditos fiscais no novo CPERF, in Fisco, ano V, nº. 54, pág. 118, de que, mesmo no caso de dação em cumprimento ou de cessão de bens aos devedores, se “o devedor ainda receber alguma coisa do credor, essa fatia é passível de imposto, desde que, naturalmente, corresponda a uma mais valia efectiva.” (no mesmo sentido, veja-se Sara Luís da Silva Veiga Dias, O crédito tributário e as obrigações fiscais no processo de insolvência, págs. 98/99, dissertação de mestrado, no repositorium da Universidade do Minho, http://hdl.handle.net/1822/21395 - consultado de novo entre 15 e 20/06/2015).
No mesmo sentido, ainda, veja-se Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, CIRE anotado, Almedina, 2013, pag. 716, em anotação ao art. 268: “O que é certo é que o n.º 1 se aplica apenas a mais-valias que resultem da dação em cumprimento ou cessão de bens aos credores, mas já não à alienação de terceiros no contexto da liquidação da massa insolvente.” E acrescentam mais à frente: “As mais-valias estão sujeitas a tributação em sede de IRS, nos termos do art. 10 do CIRS […]”.
Pelo que, apreciando os argumentos dos recorrentes, (i) não importa que o documento 2 respeite à insolvente porque isso não implica que tenha de ser ela a pagar a dívida, podendo a mesma ser, como aliás é, da responsabilidade de uma parte do seu património; (ii) os arts. 13 e segs do CIRS não tinham de prever como sujeito passivo do imposto a massa insolvente, porque o sujeito passivo é a pessoa, singular, a que a massa pertence; (iii) a massa insolvente de uma pessoa singular não é uma pessoa, nem muito menos uma pessoa colectiva.
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A sujeição das sociedades insolventes aos impostos em geral
Embora no caso se esteja perante uma pessoa singular, em relação à qual nem sequer se indicia que tivesse qualquer empresa, os argumentos utilizados pelos recorrentes são os mesmos que se têm visto discutidos em termos genéricos pelos AI em confronto com a autoridade tributária no caso de sociedades declaradas insolventes, e é isso que explica que, por exemplo, a massa insolvente recorrente venha defender expressamente que é uma pessoa colectiva (e o mesmo faz, implicitamente, o credor recorrente ao remeter para o art. 2 do IRC, como se verá mais à frente).
Ana Cristina dos Santos Arromba Dinis e Cidália Maria da Mota Lopes, A fiscalidade das sociedades insolventes, uma primeira abordagem, Almedina, Abril 2015, págs. 58 a 71, sintetizam a posição dos AI dizendo que estes sempre “entenderam que não há actividade quando se delibera a li­quidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, já que não se visa o lucro mas apenas o pagamento aos credores, não se realizando por isso operações económicas de carácter empresarial (art. 3/4 CIRC a contrario). Defendem, por isso, os AI que uma sociedade insolvente não exerce a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, o que, por não obter rendimentos, a dispensará do pagamento de qualquer imposto.” E mais à frente: “Para os AI quando uma sociedade insolvente mantém a actividade, não existem dúvidas de que é sujeito passivo de imposto. Diferente será, porém, a situação da entidade insolvente que cessa de facto actividade, e que, portanto, deixa de ser sujeito passivo para efeitos de IRC. Isto porque após a declaração de insolvência, a entidade em causa deixa de consubstanciar uma estrutura económica que visa alcançar o lucro através do desenvolvimento de uma actividade comercial, industrial ou agrícola, para se transformar num conjunto de bens, sem qualquer ligação funcional entre si, que se destinam, tão só, a satisfazer os credores. Assim, após a declaração de insolvência opera-se a dissolução da sociedade, facto que permite concluir que, do ponto de vista subjectivo, tal entidade deixará, a partir desse momento, de configurar qualquer das figuras previstas no artigo 2.º do CIRC, enquanto sujeito passivo.” E daí que digam, na pág. 124, que o art. 268 do CIRE pode ser interpretado “no sentido de que efectivamente só considera a isenção daquelas operações aí previstas, por serem as únicas em que efectivamente se deva considerar as sociedades insolventes sujeitos passivos de IRC, por continuarem a sua actividade.”
A autoridade tributária tem uma posição diferente e que está sintetizada na circular 1/2010 que a DGI emitiu, na qual entende que nos termos do art. 141/1e) do CSC a declaração insolvência é causa imediata de dissolução da sociedade, entrando esta por força do art. 146/1 do CSC em fase de liquidação, o que não implica a concomitante extinção, a qual só se verificará aquando do registo do encerramento da liquidação de acordo com o art. 160 do CSC, pelo que a necessidade de exercer os direitos e de cumprir as obrigações que, nos vários domínios subsistem durante a fase de liquidação, justifica que o n.º 2 do art. 146 do CSC estabeleça que: “a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.” E continua: O perdurar da personalidade jurídica da insolvente após a dissolução, nos casos em que esta tenha como motivo a declaração de insolvência, não é posto em causa pela particular situação jurídica da insolvente delineada no CIRE, já que as inibições ou limitações que tal declaração impõe não têm consequências nesse plano. A personalidade tributária da insolvente, tal como definida no art. 15 da LGT, não é afectada pela declaração de insolvência, porquanto, inerente ao respectivo processo de liquidação está a realização de operações abrangidas pelo campo de incidência do imposto sobre o IRC e do IVA. E, por fim, na parte que interessa: […] o art. 268 do CIRE, […] introduzido no título benefícios emolumentares e fiscais […] vem, aliás, confirmar a sujeição das entidade insolventes aos impostos sobre o rendimentos, pois só se pode afastar do âmbito da tributação por isenção aquilo que, a priori, está sujeito […].” (http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/D0921D42-66D1-4152-A5A6-9543848187FA/0/Circular_1_2010.pdf).
Com algumas reservas, é também esta a posição de Sara Dias, obra citada, págs. 111/114, e também de Suzana Tavares da Silva e Marta Costa Santos, Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência, págs. 19/20, https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/24784/1/STS_MCS%20insolvencia.pdf
Por fim, a jurisprudência do STA pressupõe ou admite que a massa insolvente pode dar origem a obrigações tributárias pelas quais responde. Assim, por exemplo, o ac. do STA de 02/07/2014, 01431/13, diz que “não se não se desconhece que a insolvente ainda tinha, à data, obrigações fiscais semelhantes às das empresas que não se encontram declaradas insolventes, algumas pelo menos e com contornos algo diferentes […].” E antes, no ac. do STA de 24/02/2011, 01145/09, diz: “I. A sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, às disposições previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação, mantendo-se vinculada a obrigações fiscais declarativas.” Só que o lucro que o STA entende dever ser tributado é o lucro da liquidação e não qualquer lucro presumido. Daí que aquele ac. de 2014 diga: “I - Declarada a insolvência da sociedade comercial não é possível a determinação da matéria tributável por via dos métodos indirectos […].”
Com o que antecede dá-se o contexto dos argumentos utilizados pelos recorrentes, sendo que eles só fazem sentido, concorde-se ou não com eles, em relação a sociedades titulares de empresas, e não em relação a pessoas singulares que nem sequer se diz serem titulares de empresas. Desde logo porque uma pessoa singular nunca deixa de existir por razões ligadas ao processo de insolvência e por norma continua a auferir rendimentos e é obrigada a declará-los.
Por outro lado, se a venda de um prédio dá origem a mais-valias, está-se perante um facto tributário que dá origem a uma obrigação fiscal que nenhuma norma do CIRE ou de outro diploma legal isenta de tributação. Sendo aquele acto praticado pelo AI no decurso da sua administração, mais precisamente no decurso da liquidação dos bens da massa insolvente, o imposto a que a mais valia dá lugar, embora da insolvente, deve ser pago por aquela massa de bens destinado ao pagamento dessas dívidas [art. 51/1c) do CIRE], isto é, pela massa insolvente.
II
Diz a massa insolvente:
Não pode a massa insolvente ser responsabilizada pelas declarações erradamente prestadas pela insolvente.
Foi a insolvente quem erradamente declarou em sede de IRS, relativo a 2013, que havia vendido um imóvel (cfr. doc. 1 junto em anexo que aqui se dá por integralmente reproduzido – pag. 3), quando este havia integrado o património autónomo da massa insolvente e foi vendido por esta.
Sendo que, na sequência de tal e de outros rendimentos que obteve, a insolvente foi notificada da liquidação de IRS no valor de 21.631,75€ (cfr. doc. 2 junto em anexo que aqui se dá por integralmente reproduzido) - valor este idêntico ao relativo ao ano de 2011, conforme resulta do doc. 19 junto com a PI.
Ora, só à insolvente compete corrigir o erro que cometeu, ou não estando em tempo de o fazer, arcar com as consequências do erro praticado.”
Enquadrável no mesmo tipo de argumentos diz o credor recorrente:
“Mais se refira que, a entidade que procedeu à alienação do imóvel foi a massa insolvente, e não a própria insolvente, pelo que, não deveria a mesma ter declarado no âmbito da sua declaração de rendimentos, a venda do imóvel no âmbito dos rendimentos de categoria G (mais-valias e outros incrementos patrimoniais);
O mesmo só se aplicaria se a mesma tivesse recebido qualquer montante pela venda de tal imóvel, algo que não sucede no caso sub judice, uma vez que o valor de venda do mesmo não será suficiente tão pouco para ressarcimento dos credores.”
Responde a insolvente:
“A declaração de insolvência não dispensa a insolvente de continuar a apresentar anualmente a declaração de rendimentos em sede de IRS.
Acresce que, a declaração de insolvência não tem por efeito a transmissão de bens para a massa insolvente, apenas decreta a apreensão imediata desses bens para entrega ao AI, privando o insolvente dos poderes de sua disposição e administração, que passam a competir ao AI, nos termos dos artigos 36º, g), 81º, n.º1, 149º e 150º do CIRE. Ou seja, o imóvel em questão, para todos os efeitos, continuava na titularidade da Recorrida.
Ademais, a AT já se pronunciou no sentido de que a alienação de um imóvel que seja parte da massa insolvente pode constituir mais-valias, nos termos do artigo 10º, n.º 1, a) do CIRS (Informação Vinculativa relativa ao Processo 5957/2010, com despacho concordante da Senhora Subdirectora Geral de 01.10.2010).
Destes três factos, decorre que a insolvente não podia deixar de apresentar a declaração de rendimentos, incluindo a alienação do seu imóvel na categoria G – mais-valias e outros incrementos patrimoniais –, sob pena de omitir documentos e informações fiscalmente relevantes e ser sujeita a uma contra-ordenação tributária, motivo pelo qual, a insolvente procedeu à referida apresentação.
A este propósito, recorde-se que aquando o período de entrega da declaração de rendimentos, a insolvente confrontou o AI sobre quem deveria declarar a alienação do imóvel, que teve o entendimento de que deveria ser a insolvente.”
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Decidindo:
O acréscimo do património é, já se viu, da insolvente, embora reportado a uma massa patrimonial separada. A insolvente, como pessoa singular que é, está obrigada a fazer uma declaração de rendimentos para efeitos do imposto respectivo. E nessa declaração de rendimentos tem de declarar os acréscimos patrimoniais por mais-valias. Assim, não se vê razão para dizer que não era à insolvente que cabia fazer a declaração. Para mais, tendo em conta que o AI, como resulta das suas alegações de recurso entende que não tinha que declarar as mais-valias à autoridade tributária.
É que, como já se viu, como a separação patrimonial decorrente da declaração de insolvência, não passa a haver duas pessoas distintas, a insolvente e a massa, e o acréscimo patrimonial beneficiou a insolvente embora na parte do seu património separada para a massa.
Neste sentido, diz Sara Dias, obra citada, pág. 121: “[…] no caso da pessoa singular, o insolvente não pode ser fisicamente extinto por força da declaração de insolvência. Ora, assim sendo, não terá nexo esperar que fique a cargo do AI o cumprimento das suas obrigações tributárias. Por outro lado, sempre se dirá que, conforme a prática vem demonstrando, há nos processos falimentares de pessoas singulares uma relação de menor proximidade, um menor “embrenhamento”, entre o AI e o insolvente, já que este não assume, na insolvência de pessoas singulares, a representação do insolvente nos mesmos termos em que o faz na insolvência de pessoas colectivas. O insolvente singular, apesar de impedido de onerar/vender os seus bens, deverá continuar a cumprir pessoalmente com as suas obrigações [fiscais].”
III
Diz a massa insolvente (impossibilidade de cálculo ou inexistência de lucro)
“Ainda que assim não fosse, não se vislumbra como se poderia apurar o valor do imposto, atendendo à existência de duas pessoas distintas, entre a aquisição e a venda, por forma a dar cumprimento ao estipulado no na alínea a) do n.º 1 e alínea a) do n.º 4, do art. 10 do CIRS.
O imposto de mais-valias apenas está previsto no CIRS, uma vez que relativamente ao CIRC, refere o seu preâmbulo que “Deste modo, relativamente ao sistema anteriormente em vigor, o IRC funde, através da noção de lucro, a base de incidência da contribuição industrial, do imposto de mais-valias relativo à transmissão a título oneroso de elementos do activo imobilizado, incluindo os terrenos para construção e as partes sociais que o integram”.
Por este princípio, atendendo à natureza da existência e formação da massa insolvente, esta não gera qualquer lucro, antes pelo contrário, parte sempre de um prejuízo relativamente considerável, cujos bens e direitos apreendidos, e alienados posteriormente, nunca conseguem compensar os credores, sendo por isso o processo encerrado sempre sem a satisfação plena destes (cfr. art. 230 do CIRE).
Assim sendo, não havendo lucros, não poderá haver pagamento de quaisquer mais-valias, conforme define o CIRC.”
Enquadrável no mesmo tipo de argumentos, diz o credor recorrente:
“Pelo que, a ocorrer qualquer tributação deveria ocorrer em sede de IRC por enquadramento no art. 2 do CIRC, sendo assim tributado o rendimento global da massa insolvente;
Ora, como facilmente se compreenderá, o rendimento global da massa insolvente dificilmente existirá, uma vez que o produto da liquidação da mesma dificilmente ultrapassará o valor dos créditos detidos pelos seus credores, não podendo assim existir qualquer tributação.”
Responde a insolvente:
“Quanto ao argumento de que, se a massa insolvente declarasse a alienação, não seria tributada em sede de IRS, mas sim em sede de IRC e apenas pelo seu rendimento global, situação na qual não deveria qualquer valor a título de mais-valias, entende que igualmente não tem razão de ser, já que, como visto acima, não está em causa se o sujeito passivo da relação tributária em causa é a insolvente ou a massa insolvente. Só a insolvente tinha a propriedade do imóvel e apenas sobre esta impendia a obrigação de declarar os rendimentos que estes gerassem.
Conforme já devidamente respondido supra, a insolvente não foi dispensada de apresentar a sua declaração de rendimentos, pelo que, existindo imóveis na sua titularidade que foram alienados, necessariamente deverá declará-los.
Logo, o debate sobre em que sede – IRS ou IRC – a massa insolvente deveria ser tributada, não tem qualquer relevo para a decisão da questão objecto destes autos.”
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Decidindo:
Como já se explicou acima, não passa a haver duas pessoas distintas em consequência da declaração de insolvência; continua a haver só uma, pelo que dela não decorre nenhuma impossibilidade de cálculo do imposto devido pelo acréscimo patrimonial.
Por outro lado, como já referido acima, a massa insolvente de uma pessoa singular não é uma pessoa colectiva.
Por fim, o acréscimo patrimonial decorrente das mais-valias existe por si, não desaparecendo por inexistência de lucro da actividade da liquidação considerada no seu conjunto.
IV
Diz a massa insolvente (da violação do princípio da legalidade tributária):
“[A]tendendo ao princípio da legalidade referido no n.º 2 do art. 5 e art. 8, ambos da LGT, consagrado nos n.ºs 2 e 3 do art. 103 da CRP, não pode ser a massa insolvente responsável pelo pagamento de um imposto quando não existe lei que determine tal.
Não havendo qualquer previsão legal que o determine, só por mera benevolência dos credores, estes poderiam ressarcir a insolvente do valor equivalente de imposto pago por esta.
Sendo que, nesta circunstância, seria uma assunção de obrigações de terceiros carecendo do consentimento da comissão de credores, ou se esta não existir, pela assembleia de credores, conforme resulta do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3 do art. 161 do CIRE.
O que não aconteceu, pelo que a decisão de imputar à massa a responsabilidade pelo pagamento do imposto de mais-valias, erradamente declarado pela insolvente, sem o consentimento da comissão de credores ou da assembleia, é nula.
Nulidade que se arguiu, com as devidas legais consequências.”
Responde a insolvente:
“Esta questão nem sem põe, já que a massa insolvente, como não é o sujeito passivo da relação tributária, não é tributada.
Aquilo de que se trata é de uma dívida gerada pela tributação de uma mais-valia que nasce na esfera da insolvente, mas que deve ser qualificada como uma dívida da massa insolvente, por ter sido originada por um ato de liquidação de bens da massa insolvente, nos termos do artigo 51º, n.º 1, c) do CIRE.
Seja como for, importa ter presente que existe uma previsão legal claríssima, que não deixa margem para dúvidas de que deve ser a massa insolvente a suportar a dívida das mais-valias – o já referido artigo 51º, n.º 1, c) do CIRE – pelo que nunca se verificaria uma violação do princípio da legalidade.
E, aliás, a violação de princípios constitucionais – artigo 103º e 104º da CRP –, a existir, existiria na esfera da insolvente, já que, se a insolvente tivesse de suportar a dívida da mais-valia gerada pela alienação do imóvel, estaria a ser tributada em sede de imposto sobre os rendimentos por um rendimento que, efectivamente, não obteve. Apenas a massa insolvente beneficiou do rendimento gerado pela alienação do imóvel.
[…]
[Por fim, n]aturalmente que, como a dívida das mais-valias é directamente resultante de um ato de liquidação, então é uma dívida própria da massa insolvente e não uma obrigação de terceiro, pelo que não é necessário procurar qualquer consentimento para o seu pagamento.”
Decidindo:
A responsabilidade da massa pela dívida em causa decorre do art. 51/1c) do CIRE, sendo que o imposto nasce na esfera da insolvente por força do art. 10/1a), primeira parte, do CIRS.
V
Diz o credor recorrente (o cálculo devia ser feito com base noutros valores)
[C]aso se entendesse ser a massa insolvente devedora do referido imposto por mais-valias deveria o seu cálculo ser efectuado pelo valor patrimonial tributário do mesmo à data da sua aquisição, ou seja, da apreensão do mesmo para a ordem insolvente em 2012, onde o mesmo tinha um valor patrimonial tributário de 191.490€ e o valor de venda, o que originaria um valor a liquidar de imposto muito inferior ao devido pela insolvente.”
Responde a insolvente:
“[O argumento] desvirtua desvirtua a natureza da apreensão dos bens para a massa insolvente.
Isto pois, a simples apreensão de bens para a massa insolvente não tem natureza translativa. A titularidade dos bens não é alterada, continuando a pertencer à insolvente. Apenas é alterado quem tem o poder da sua administração e disposição, que passa a ser o AI, nos termos dos artigos 36º, g), 81º, n.º1, 149º e 150º do CIRE.
Pelo que, a única aquisição que ocorreu, necessariamente com eficácia translativa, deu-se quando a insolvente obteve o imóvel por doação.
Ora, do preenchimento da declaração de rendimentos resulta a obrigação de preencher os seguintes dois campos quando à alienação de imóveis – valor de aquisição e valor de realização –, não havendo qualquer campo onde possa ser indicado o valor patrimonial tributário do bem quando este foi apreendido pela massa insolvente.
Motivo pelo qual, a insolvente preencheu correctamente a declaração ao indicar o valor do imóvel quando o adquiriu por doação.”
Decidindo:
Já se disse acima que com a separação de bens não se verifica nenhuma transmissão de bens. A massa insolvente não adquire bens, porque os bens continuam a ser da insolvente, embora afectados ao pagamento de um conjunto específico de dívidas. A massa insolvente não é uma nova pessoa, colectiva, para a qual se transmitam bens. Portanto, o que interessa são os valores pelos quais o bem foi adquirido pela insolvente e foi vendido pela AI em representação da insolvente (repare-se que no art. 81/4 do CIRE se diz que o AI assume a representação do devedor, não a representação da massa…).
VI
Diz o credor recorrente (a mais valia não resultou de um acto de liquidação)
“[N]unca poderá a massa insolvente ser devedora do imposto devido pelas pessoas singulares a título de IRS, uma vez que, encontrando-se a insolvente a auferir rendimentos sem existir qualquer cessão de rendimentos para a massa presentemente, não existe qualquer fundamento para ser a massa a suportar tal tributo.
Ora, a insolvente alega que o referido tributo se deverá enquadrar na alínea c) do n.º 1 do art. 51 do CIRE que, sob a epígrafe “Dívidas da massa insolvente”, dispõe o seguinte: “1 - Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: (…) c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;”
Sendo que, não pode a massa insolvente concordar com a inserção do imposto devido por mais-valias em sede de IRS em tal disposição legal, uma vez que o mesmo não é uma decorrência imediata de tal liquidação, podendo uma mesma venda do mesmo imóvel operada pelo mesmo valor apenas será geradora de mais-valias tendo em conta o valor pelo qual a insolvente adquiriu o referido imóvel e não qualquer facto resultante da liquidação do referido imóvel no âmbito da insolvência.”
Responde a insolvente:
“Relativamente [ao argumento] de que a dívida das mais-valias […] não decorre de um ato de liquidação, mas sim do valor de aquisição e alienação do imóvel, a insolvente não entende a razão de ser do mesmo.
A mais-valia existe e nasce na esfera da insolvente como uma consequência directa e imediata do ato de liquidação do imóvel.
O valor de aquisição e de alienação do imóvel apenas são relevantes num segundo momento, para apurar o montante exacto da dívida.
Mas, como já referido, o ato que efectivamente dá origem à dívida é a alienação do imóvel – ato de liquidação –, independentemente do montante dessa mesma mais-valia.
Motivo pelo qual, a dívida das mais-valias geradas pela alienação do imóvel é uma dívida da massa insolvente, nos termos do artigo 51º, n.º 1, c) do CIRE.”
Decidindo:
Por aquilo que já foi dito acima, é clara a subsunção do acto da venda no art. 51/1c). A mais valia resultou da venda do imóvel pelo AI enquanto acto de liquidação dos bens da massa insolvente.
Como diz Sara Dias, “incluem-se aqui as dívidas relativas às obrigações tributárias geradas com os actos praticados após a declaração de insolvência, com a manutenção da empresa em actividade ou com a própria liquidação e venda dos bens que compõem a massa insolvente, ou seja, no normal desenrolar do processo de insolvência e no interesse do seu desenvolvimento.” (obra citada, pág. 36).
VII
Diz o credor recorrente (da inconstitucionalidade por favorecimento de um credor):
“[O] processo de insolvência [é] um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores, tendo sempre por base o princípio da igualdade;
Caso se entendesse que o referido imposto devia ser considerado uma dívida da massa insolvente, o mesmo consubstanciaria um claro favorecimento de um credor em detrimento de todos os outros,
A decisão recorrida poderia constituir assim uma fraude à lei, uma vez que conduziria à graduação de créditos de IRS em primeiro lugar, enquanto dívida da massa, em detrimento de credores garantidos, mormente do credor hipotecário como o é o recorrente.
A referida decisão poderá ainda considerar-se ferida de inconstitucionalidade, uma vez que, fraudando a lei visa atingir o objectivo do artigo 111 do CIRS, cuja inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do art. 751 do Código Civil, conforme acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 362/2002.”
Responde a insolvente:
“[D]ívidas da massa insolvente – artigo 51º – são tratadas pelo legislador de forma diferente dos créditos sobre a insolvência – artigo 47º do CIRE.
Ou seja, todas as dívidas da massa insolvente – previstas no artigo 51º do CIRE, nas quais se incluem as dívidas resultantes de actos de liquidação da massa insolvente – são satisfeitas antes dos créditos sobre a insolvência, nos termos do artigo 172º do CIRE.
Logo, esta preferência é determinada pelo legislador e em nada viola o princípio da igualdade, pois as dívidas da massa insolvente têm uma natureza diferente da dos créditos sobre a insolvência. Enquanto as primeiras são dívidas contraídas pela própria massa insolvente após a declaração de insolvência ou no âmbito do processo de insolvência, as segundas são as dívidas anteriores da insolvente.
Também não se põe em causa a correcta graduação dos créditos, pois esta só tem lugar em relação aos créditos sobre a insolvência – artigo 47º e 173º ss do CIRE – e não em relação às dívidas da massa insolvente, nas quais se enquadra o caso em apreço.”
Decidindo:
A dívida do imposto pelas mais-valias realizadas não existia antes da declaração de insolvência, só surgiu após esta, devido a um acto praticado no decurso da liquidação dos bens integrados na massa insolvente. Pelo que este crédito não está em igualdade de situação com os créditos anteriores e não virá a ser graduado em primeiro lugar porque nem sequer entra na graduação de créditos, porque pago com prioridade sobre eles (art. 46/1 do CIRE).
Na prática tal traduz-se, realmente, na subtracção de uma parte substancial da massa insolvente, prejudicando os credores da insolvência, em benefício de um outro credor, embora posterior (neste sentido, veja-se, por exemplo, para além do que dizem Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág. 309, Sara Dias, obra citada, págs. 37 a 39: “A prevalência de pagamento destas dívidas pode, na prática, prejudicar os interesses dos credores da insolvência – cuja satisfação parece ser o principal escopo do CIRE – uma vez que pode frustrar as expectativas de recuperação dos seus créditos.”)
Mas, por um lado, isto verifica-se em relação a todos os créditos da massa insolvente e não só em relação a este crédito ou tipo de crédito. E, por outro lado, tal resulta ainda da inexistência de uma norma de isenção do imposto nestas situações, ou seja do regime legal existente, opção do legislador que não se considera necessariamente inconstitucional: o legislador entendeu que não devia beneficiar os credores do insolvente em prejuízo das funções do Estado suportadas com o dinheiro dos impostos decorrentes de actos praticados já pelo AI.
VIII
Diz o credor recorrente (crédito sobre a insolvência):
“Sendo certo que, caso se entenda que o referido imposto deveria ser considerado como crédito sobre a insolvência poderia sempre a Autoridade Tributária vir reclamar o seu crédito nos termos do 146/2b) do CIRE por ser um crédito de constituição superior;
Devendo assim o mesmo ser verificado e graduado no seu devido lugar e não antes de todo e qualquer credor, garantido ou não nos presentes autos, sem tão pouco se verificar se o mesmo é devido.”
Decidindo:
Não há qualquer razão para, ao arrepio do art. 51/1c) do CIRE, considerar o crédito em causa como um crédito sobre a insolvência.
IX
Diz o credor recorrente (do art. 268 do CIRE):
Dispõe o art. 268 do CIRE o seguinte: “1 - As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor. 2 - Não entram igualmente para a formação da matéria colectável do devedor as variações patrimoniais positivas resultantes das alterações das suas dívidas previstas em plano de insolvência, plano de pagamentos ou plano de recuperação. ” (negrito e sublinhado nosso)
Ora, conforme o referido artigo nos seus n.º 1 e 2 estatui benefícios fiscais ao devedor/insolvente nos casos de dação e cessão de bens aos credores, assim como as variações patrimoniais positivas resultantes da alteração das suas dívidas;
Assim sendo, do referido normativo retira-se que efectivamente o imposto sobre o rendimento é devido na sua integra pelo devedor/insolvente e não pela massa insolvente.
Não se encontrando as mais-valias devidas por alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis tipificada como benefício fiscal e dada a submissão dos referidos benefícios fiscais ao princípio da legalidade tributária, é assim o referido imposto sobre o rendimento devido pela insolvente e não pela massa insolvente, uma vez que não é atribuído à massa insolvente qualquer benefício nestes termos.”
Responde a insolvente:
“Efectivamente, é verdade que a mais-valia gerada pela alienação de imóveis que integrem a massa insolvente não foi incluída no âmbito das isenções previstas no artigo 268º do CIRE.
Todavia, a falta de isenção apenas significa que existe efectivamente a tributação da mais-valia, que concorre para a determinação da matéria colectável do devedor/insolvente, ou seja, a tributação da mais-valia, de acordo com a natureza do devedor/insolvente.
Ainda assim, como é gerada por um acto de liquidação de bens da massa, necessariamente deve ser suportada pela massa insolvente, única beneficiária do rendimento respectivo, nos termos do artigo 51º, n.º 1, c) do CIRE e não pela insolvente.”
Decidindo:
O art. 268 do CIRE já foi ponderado. Dele resulta, como já foi visto, que não existe nenhuma isenção de imposto, benefício fiscal, para o caso de alienação de bens imóveis integrantes da massa insolvente. E por isso, as mais-valias realizadas, no caso, entram na determinação da matéria colectável do devedor, isto é, do insolvente. Mas quem deve pagar o imposto daí decorrente não é a insolvente com o seu património remanescente, mas sim a massa de bens separada para o efeito, isto é, a massa insolvente.
*
O valor do imposto que é devido pelas mais-valias
O valor apurado de que a insolvente deu conta diz respeito a todos os seus rendimentos e acréscimos patrimoniais. Ora, tudo o que foi dito acima só diz respeito a mais-valias. O IRS que a insolvente tenha de pagar com base nos rendimentos que auferiu pelo seu trabalho não tem de ser pago pela massa insolvente. Ou, de outra perspectiva, aquilo que a massa insolvente tem de pagar é apenas aquilo que, no valor de 21.631,75€, diz respeito ao imposto que seja devido pelas mais-valias geradas com a alienação do imóvel. E como esse valor não está apurado, tem de ser apurado em liquidação posterior.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, considerando-se que a parte do IRS devida pelas mais-valias geradas com a venda do prédio é uma dívida da massa insolvente, mas tendo essa parte que se apurar em liquidação desta decisão.
Custas pela insolvente e pelos recorrentes na proporção do que vier a ser o respectivo decaimento.

Porto, 02/07/2015
Pedro Martins
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida