Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
253/12.1GAVLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: PRONÚNCIA
INDÍCIOS SUFICIENTES
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RP20140212253/12.1GAVLC.P1
Data do Acordão: 02/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Tanto para a acusação como para a pronúncia, a lei exige que tenham sido “recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente”.
II – O conceito indeterminado “indícios suficientes” tem de ser encontrado no confronto com outras cláusulas gerais e abstractas com conceitos indeterminados que pululam no CPP para definir os níveis de convicção da decisão judiciária de acusar, pronunciar e condenar.
III – Os indícios são suficientes quando é mais provável que se tenham verificado as “razões” que sustentam e revelam a acusação ou a pronúncia do que não se tenham verificado.
IV – Por força do princípio do in dubio pro reo, enquanto regra de apreciação da prova decorrente do princípio da presunção de inocência, a decisão de pronúncia deve assentar em versão consistente do Assistente, considerada em si mesma, e corroborada pelos restantes meios de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em
Conferência os Juízes no Recurso Penal nº 253/12.1GAVLC.P1

O Inquérito 253/12.1VLC do MP de VLC com origem em RDA da Denúncia de 24.7.2012 de B… versus C… terminou com os seguintes DESPACHOS de 25.01.2013 a fls. 100-103:

«Declaro encerrado o inquérito, nos termos do disposto no artigo 276.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
*
l. Notificação para acusação particular:
B… apresentou queixa contra C… dando conta, além do mais, que este no dia 23 de Julho de 2012 dirigiu-se-lhe chamando-a de “porca”.
Estes factos encontram-se suficientemente indiciados pelas declarações da assistente B… (fls. 27), assim como dos depoimentos de D… (fls. 30) e E… (fls 28) que os confirmam, depoimentos estes que se revelam credíveis, não sendo a negação da sua prática pelo arguido (fls. 32) suficiente para afectar a indiciação.
Nestes termos, notifique a assistente B… para, em 10 dias, querendo, deduzir acusação particular contra o arguido C… pelos factos acima indicados, com a menção expressa de que, no nosso entender, foram recolhidos indícios suficientes da prática do crime de injúria, nos termos do disposto no artigo 285.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, sob pena de, não o fazendo, os presentes autos serem, nesta parte, arquivados.
***
II. Acusação:
[…]
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em processo comum e com intervenção do tribunal singular, deduz ACUSAÇÃO contra:
C…, serralheiro mecânico, divorciado, filho de F… e de G…, nascido a 08.06.1981, natural da freguesia de …, concelho de Vale de Cambra e residente na …, …, …, em Vale de Cambra,
Porquanto:
1. No dia 23 de Julho de 2012, cerca das 12h00, quando B… se encontrava no interior da padaria “H…” sita na …, em Vale de Cambra, uma amiga disse-lhe que o arguido C…, que nesse momento estava a sair daquele local, a tinha questionado sobre se a conhecia.

2. Por esse motivo, B… dirigiu-se ao arguido e perguntou-lhe porque é que andava a fazer perguntas a seu respeito e, após uma troca de palavras, o arguido disse-lhe tem mas é cuidado que eu passo-te com o carro por cima e tem cuidado com o teu filho”.

3. Acto contínuo, empurrou B… pelo peito desequilibrando-a, tendo B… se agarrado à porta de entrada do prédio e, nesse momento, o arguido empurrou a porta com força contra B… fazendo com que lhe batesse na face do lado esquerdo.

4. Em virtude deste comportamento do arguido, B… sofreu dores no ombro esquerdo e cervicalgia e uma equimose ténue de coloração acastanhada localizada na região zigomática esquerda com 1,5 cm de diâmetro.

5. Estas lesões determinaram-lhe um período de um dia para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem consequências permanentes.

6. O arguido C… agiu de forma livre, voluntária e consciente ao proferir a expressão acima referida, na circunstância em que o fez e querendo com isso dizer que haveria de atentar contra a integridade física da ofendida e do seu filho, sabia que aquela expressão era adequada a causar a esta medo e receio, tendo o arguido actuado com a intenção de perturbar a tranquilidade daquela e a afectá-la na sua liberdade, o que conseguiu.

7. O arguido C… actuou ainda de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de, através do comportamento acima descrito, molestar B… no seu corpo e saúde e provocar-lhe dores e lesões no corpo, bem sabendo que aquela conduta era adequada a esse fim.

8. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Pelo exposto, incorre o arguido C… na prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.
*
PROVA:
1. Por declarações da assistente B…,
2. Testemunhal:
2.1. D…,
2.2. E…,
*
3. Pericial:
3. 1. Relatórios de Exame Médico-Legal para avaliação de dano corporal de fls. 12 a 14, 62 a 64 e 90 a 92.
*
4. Documental:
4.1. Informações clínicas de fls. 79 a 81 e 83
*
Estatuto processual do arguido: …» [1].

Notificada a ASSISTENTE nos termos e para os efeitos dos arts 285-1-2-3 e 277-3 do CPP, B… veio em 08.02.2013 a fls. 112-117:

A- DECLARAR A SUA ADESÃO Á ACUSAÇÃO PÚBLICA:
1. Por princípio de economia de meios, com toda a vénia e respeito, dá-se aqui como integralmente reproduzido o teor da Douta Acusação de fls... deduzida pela Diga Magistrada do M.P., acompanhando-a, nos termos e ao abrigo do disposto no art° 284 do C.P.P.

B- DEDUZIR ACUSAÇÃO PARTICULAR E PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL, contra:

REQUERIDO: C…, divorciado, Serralheiro Mecânico e residente na …, …, freguesia …, deste concelho e comarca, com os seguintes fundamentos:

2. No dia 23 de Julho de 2012, entre as 12:00 e as 12:30 H, a requerente encontrava-se no interior da H… sita na …, quando alertada foi por uma amiga de que o requerido, que estava a sair daquele local, dias antes a havia questionado se conhecia a ora requerente.

3. A ora requerente saiu da padaria e dirigiu-se ao requerido que estava a entrar no prédio vizinho ao da referida padaria, questionando-o sobre o porquê de andar a fazer perguntas a seu respeito, dizendo-lhe que devia fazer as perguntas directamente e não por intermédio de terceiros.

4. De seguida, o requerido sem que nada o fizesse prever proferiu contra a requerente a seguinte expressão: “Eu fui falar com a porca da tua amiga e tu também és uma porca.”

5. Expressão esta que o requerido alto e bom som e susceptível de ser ouvida por quem se encontrasse nas imediações dirigiu directamente á ora assistente, sentindo-se esta deveras vexada, humilhada, desgostosa e ofendida na sua honra e consideração.

6. A expressão supra referida e da autoria do requerido foi então proferida com grande alarido, de viva voz e grande exaltação por parte do requerido contra a ora assistente.

7. O requerido actuou contra a assistente livre e voluntariamente, sem que nada o justificasse, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida por lei e que como tal praticava um crime.

8. Pelo exposto, praticou o requerido na pessoa da assistente um crime de injúrias p. e p. pelo art° 181 do C. P.

C- PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:

9. A assistente é pessoa séria, honrada, digna de toda a consideração social e sã formação cívica e moral.

10. Ficando, por isso, deveras humilhada, vexada e psicologicamente afectada com o inadmissível comportamento do requerido e cujo comportamento pôs em causa o bom nome, honra e consideração da assistente.

11. Com tal expressão e actuação o requerido pôs em causa e com dolo directo a pessoa íntegra e séria que a assistente é.

12. Tão grave e notório desvalor jurídico não pode nem deve ser computado em quantia inferior a 500,00 € que a título de danos não patrimoniais o requerido deve ser condenado a pagar.

13. Ainda no mesmo dia, hora e local o ora requerido empurrou a porta do prédio contra a ora assistente, fazendo com que lhe batesse na face do lado esquerdo.

14. Em virtude de tal comportamento a requerente sofreu dores no ombro esquerdo e cervicalgia e uma equimose ténue de coloração acastanhada localizada na região zigomática esquerda com 1,5 cm de diâmetro, o que foi causa directa e necessária de um período de 1 dia para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem consequências permanentes, conforme expresso no relatório clínico que se dá como integralmente reproduzido.

15. Tal empurrão foi feito pelo requerido inesperada e violentamente, com o propósito de molestar a ora requerente no seu corpo e saúde, acabando por atingi-la na zona do ombro esquerdo, cervicalgia e região zigomática.

16. O requerido ao agredir pela forma descrita agiu livre, voluntária e conscientemente com o propósito de atentar contra a integridade física da requerente.

17. Mercê do empurrão com a porta fazendo com que ela batesse na face da requerente, esta sofreu dores e padecimento físico que inclusive lhe causaram um período de 1 dia para a cura.

18. O certo é que no próprio dia e nos dias que se seguiram a acção como até hoje a requerente ainda sente dores, mau estar e debilitação nas zonas em que foi agredida.

19. Acresce que com tal agressão por parte do requerido, a requerente sentiu-se deveras humilhada e desgostosa pelo facto de tal agressão ter sido feita perante pessoas que se encontravam nas imediações.

20. Por outro lado, após uma troca de palavras o requerido disse á assistente: “tem mas é cuidado que eu passo-te com o carro por cima e tem cuidado com o teu filho.”

21. Tais expressões causaram á requerente medo e receio, tendo o requerido actuado com a intenção de perturbar a tranquilidade da requerente afectando-a na sua liberdade, o que conseguiu, receando pela vida, integridade física e saúde sua e de seu filho.

22. A requerente em virtude do comportamento do requerido sentiu medo, insegurança e pavor.

23. Sentimento que ainda hoje se mantém, pois desde essa data passou a ter medo de sair de casa e de andar com o seu filho sozinha na rua.

24. Tudo pelo medo que sente de a qualquer momento vir a ser interceptada pelo requerido e este venha a concretizar a ameaça.

25. Bem sabendo e tendo o requerido plena consciência de que as suas condutas não eram legais nem permitidas, antes constituíam crime.

26. Praticou assim o requerido na pessoa da assistente um crime de ofensa á integridade física simples p. e p. pelo art° 143 n° 1 do C.P. e um crime de ameaças p. e p. pelo art° 153 n° 1 do C. P.

27. Assim, pelas dores, sofrimentos, desgosto, humilhação e desconsideração que tais agressões implicaram para a requerente, peticiona a requerente a equitativa quantia de 500,00 € (quinhentos euros), peticionando a quantia de 500,00 € (quinhentos euros) pelo medo e receio que a conduta do requerido provocou na requerente ao ameaçá-la da forma como o fez.

Termos em que,
Deve a presente acusação ser recebida e o arguido submetido a julgamento e o presente pedido civil ser julgado procedente, por provado e o requerido, C…, ser condenado ao pagamento da quantia indemnizatória de 1.500,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos pela requerente acrescidos de juros vincendos á taxa legal de 4% ano até efectivo e integral pagamento.
[…]
Testemunhas da Acusação e do pedido de indemnização civil:
1ª – D…,
2ª – E…, … » [2].

CENTRO HOSPITALAR DE ENTRE O DOURO E VOUGA, EPE, em 08.02.2013 a fls. 120-123 também deduziu Pedido de Indemnização Civil contra C…, pedindo sua condenação no pagamento de 108 € com juros vincendos a partir da notificação até efectivo e integral pagamento.

O MINISTÉRIO PÚBLICO despachou em 11.02.2013 a fls. 125:

«… nos termos e para os efeitos do artigo 285., n.º 4 do Código de Processo Penal, [que] acompanha a acusação particular constante de fls. 112 a 117, deduzida pela assistente B… contra o arguido C…, melhor identificado a fls. 101, quer quanto à matéria fáctica aí descrita, que aqui damos por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, quer quanto à qualificação jurídico-penal dos factos Imputa dos ao arguido que consubstanciam a prática de um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
*
PROVA: a indicada na acusação particular.
*
Cumpra o disposto no artigo 277.º, n.º 3, aplicável por força dos artigos 285.º, n.º 4 e 283.º, n.ºs 5 e 6, todos do Código de Processo Penal, sendo que relativamente ao arguido e respectivo defensor o deverá ser ainda com cópia da acusação particular deduzida.
Além da Contestação de fls. 134-135 ao Pedido Civil da Assistente também em 15.02.2013 o Arguido C… requereu a fls. 131-132 a ABERTURA DE INSTRUÇÃO nos termos do art 286 sgs do CPP porquanto:

1. O arguido é uma pessoa honesta e pacífica, muito respeitada no seu meio familiar e social, sendo incapaz de injuriar, ameaçar e atingir a integridade física de quem quer que seja.

2. Pelo exposto, contrariamente ao que entendeu o Ministério de Público, os elementos de prova pouco credíveis para indiciar o arguido pelos crimes que lhe são imputados.

3. O arguido em consciência entende que não praticou os crimes de que está acusado

4. Pelo que não ameaçou, não atingiu a integridade física, nem injuriou a assistente

5. Os crimes não se encontram insuficientemente indiciado nos autos, em virtude dos depoimentos testemunhais serem pouco credíveis

6. Nos autos de inquérito não se encontram suficientemente indiciados a prática pelo arguido dos crimes de que foi acusado na douta acusação pública e na acusação particular. Pelo exposto as acusações deduzidas contra o arguido não são suportadas por elementos de prova credíveis.

7. Pelo exposto existe nos presentes autos uma dúvida razoável de que o arguido tenha praticado os crimes que lhe são imputados. A investigação criminal desenvolvida não apresentou e não colheu indícios suficientes para que o arguido seja levado a julgamento. Pelo que o Ministério Público não tem elementos para sustentar a acusação que deduziu, pois não recolheu indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido uma pena ou uma medida de segurança (artigo 308°, nº 1 do CPP)» [3].

A INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS 1) I…, 2) J… (irmã do Arguido) e 3) K… (prima do Arguido) cujos depoimentos foram objecto de gravação áudio, seguida de DEBATE INSTRUTÓRIO ut Acta de 09.4.2013 a fls. 165-167, culminou no seguinte DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA de 15.4.2013 a fls. 171-177 que foi objecto de RECURSO:

DECISÃO INSTRUTÓRIA
1. Relatório
*
O Tribunal é o competente.
O Ministério Público e a assistente têm competência para a prossecução da acção penal.
O arguido tem legitimidade para requerer a presente instrução.
Inexistem nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem â prolação de decisão instrutória.
**
Por acusação pública, deduzida a fls. 101 e seguintes, pelo Ministério Público foi imputa da ao arguido C… a prática de factos susceptíveis de o fazer incorrer, em autoria material e concurso efectivo, na comissão de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.°, n.° 1, e de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo art. 153.°, n.° 1, ambos do Código Penal. Por acusação particular, deduzida a fls. 1 12 e seguintes, pela assistente B… foi imputada ao arguido C… a prática de factos susceptíveis de o fazer incorrer, em autoria material, na comissão de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.°, n.° 1 do Código Penal.
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Em concreto, sustentaram o Ministério Público e a assistente o quanto se resume:
*
1. Em 23/07/12, cerca das 12:00 horas, encontravam-se no interior da padaria “H…”, sita na …, …, em Vale de Cambra, o arguido C… e a assistente B….
2. Ambos trocaram palavras entre si, tendo o arguido, dirigindo-se à assistente, proferido a expressão “tem mas é cuidado que eu passo-te com o carro por cima e tem cuidado com o teu filho”.
3. Assim como “eu fui falar com a porca da tua amiga e tu também és uma porca”.
4. Após, empurrou-a pelo peito, desequilibrando-a, e, tendo-se a assistente agarrado à porta de entrada do prédio em cujo exterior se encontravam, o arguido empurrou essa porta com força contra aquela, fazendo com que lhe batesse na face do lado esquerdo.
*
Inconformado, requereu o arguido abertura de instrução, concluindo pela sua não pronúncia, tendo, em síntese, argumentado serem falsos os factos que lhe são assacados e, concomitantemente, a insuficiente indiciação quanto à perpetração, da sua parte, dos ilícitos em apreço.
*
Atenta a admissibilidade e tempestividade do assim requerido, e a legitimidade do arguido para o efeito, foi declarada aberta semelhante fase processual, no decurso da qual procedeu o Tribunal à inquirição de três testemunhas arroladas por aquele e realizou o debate instrutório de lei.
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2. Fundamentação
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2. 1 Da instrução
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De acordo com o art. 286.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, acrescentando o respectivo n.° 2 que semelhante fase processual tem carácter facultativo. No que tange ao seu conteúdo, esclarece o art. 289.°, n.º 1 do mesmo Código ser a instrução formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis.
Simas Santos e Leal Henriques salientam com propriedade a “inquestionável relevância e significado” da instrução, uma vez que, no mais, “os princípios do acusatório e da investigação se perfilam lado a lado com os do contraditório, da oralidade e da imediação da prova, tudo com vista à perseguição da verdade material” (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 11 Volume, 2. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, 158). Num pendor acentuadamente mais pragmático, acentua Maia Gonçalves não ser a instrução “um novo inquérito, mas tão-só um momento processual de comprovação; não visa um juízo sobre o mérito, mas apenas um juízo sobre a acusação, em ordem a verificar da admissibilidade da submissão do arguido a julgamento com base na acusação que lhe é formulada” (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12. Edição, Almedina, 2001, 572).

Impõe-se, desta forma, uma apreciação crítica da totalidade da prova recolhida, não apenas na instrução, mas igualmente em sede de inquérito, tendo em vista a prolação de decisão final - de pronúncia ou não pronúncia - conforme se conclua pela existência, ou não, de indícios suficientes, que permitam a submissão do arguido a audiência de julgamento. Neste particular, o julgador não se encontra limitado ao material probatório que lhe é pré sente por acusação e defesa, devendo ao invés — caso se mostre necessário à descoberta da verdade — instruir autonomamente os factos em apreciação.

Como anteriormente se expendeu, a decisão de pronúncia basta-se, em conformidade com o preceituado pelo art. 308.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, com a prova meramente indiciária, e, nessa medida, completamente distinta do grau de convicção em termos probatórios exigido na fase do julgamento. Nas palavras de Germano Marques da Silva, são suficientes “sinais da prática de um crime” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 111 Volume, Verbo, 1 994, 1 83), enquanto fundamentadores de uma possibilidade razoável de ter, efectivamente, sido o arguido quem praticou a factualidade em apreço. Donde, estamos em face de juízos de probabilidade, e não de certeza. Cumprirá acrescentar considerar o legislador suficientes os indícios sempre que destes resulte, conforme estatuído pelo art. 283.°, n.° 2 do Código de Processo Penal, uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
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2.2 Do caso concreto
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In casu, visa a bondade da instrução questionar a acusação deduzida nos autos pelo Ministério Público e pela assistente B…, cujos precisos contornos acima se expuseram, e assim atestar da propriedade da imputação ao arguido C… de factos consubstanciadores da prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143 .°, n.° 1, de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo art. 153 .°, n.° 1, e de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.°, n.° 1, todos do Código Penal.
*
2.2. 1 Das incriminações em apreço
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a) Do crime de ofensa à integridade física simples
*
Dispõe o n.° 1 do art. 143.° do Código Penal que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
*
Encerra a incriminação vertente o tipo legal fundamental no que concerne aos crimes que visam tutelar a integridade física da pessoa humana, sendo este o bem jurídico visado proteger com a incriminação que ora se cura. Configura-se aqui, por um lado, um crime material e, por outro lado, um crime de dano, uma vez que o tipo legal abrange um determinado resultado, “que é a lesão do corpo ou da saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais” (Paula Faria, Comentário Conimbricense, I, Coimbra Editora, 1999, 204). No mais, estamos em face de um tipo de realização instantânea, uma vez que o respectivo preenchimento depende tão só da verificação do resultado contemplado pela norma.
*
Quanto ao tipo objectivo de ilícito, prende-se este com a ofensa no corpo, o mesmo é dizer, com “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante” (Paula Faria, ob. cit., 205), sendo objecto desse mau trato outra pessoa. Ora, o conceito de semelhante ofensa corporal deve ser entendido “com sentido médico-legal” e, nessa medida, como uma “alteração anatómica ou patológica, uma perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” (Pinto da Costa, Ofensas Corporais, Introdução ao Seu Estudo Médico-Legal, Colóquio de 01/03/83 proferido na Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto, apud Leal Henriques e Simas Santos, O Código Penal de 1982, 111, 1986, 95). Já quanto ao respectivo elemento subjectivo, é este um tipo necessariamente doloso, nessa medida pressupondo a intencionalidade da conduta e, com isso, a representação do facto e a actuação com vontade de o realizar, ou, ainda, a assunção dessa realização como consequência necessária ou possível da conduta encetada, nas hipóteses de dolo necessário ou eventual.
*
b) Do crime de ameaça simples
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Dispõe o n.º 1 do art. 153.° do Código Penal que quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
*
Enquadra-se semelhante incriminação no âmbito dos ilícitos que “descrevem e punem os ataques ou afectações ilícitas da liberdade individual”, acolhendo o Código Penal o valor fundamental da liberdade como um verdadeiro “bem jurídico intrassocial”, e, nessa medida, providenciando adequada tutela à liberdade de acção e decisão, “que vê na paz individual uma condição da sua realização” (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, Coimbra Editora, 340 e seguintes).
*
No que tange ao elemento objectivo da incriminação em apreço, são três as características fundamentais do conceito de ameaça do respectivo normativo, atinentes à sua tradução num mal, de natureza futura e cuja ocorrência há-de depender da vontade do agente. Igual mente releva, enquanto elemento integrante do tipo objectivo de ilícito, o conhecimento da ameaça por banda do sujeito passivo, já que a norma alude expressamente a outra pessoa. Exige-se, ademais, a adequação da ameaça à provocação de medo ou inquietação no visado, bastando contudo que “a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado” (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, I, Coimbra, 1999, 348, corroborando o entendimento de Figueiredo Dias, Actas, 1993, 500). O critério de semelhante adequação há-de revestir-se de um cariz objectivo-individual, considerando-se, por um lado, a susceptibilidade da ameaça em ordem à intimidação de qualquer pessoa, mas não se descurando, por outro lado, as características próprias do concretamente ameaçado. Já quanto ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de ameaça é doloso, impondo-se que o agente aja com intencionalidade, o mesmo é dizer, que exista a representação do facto e a actuação com vontade de o realizar, ou, ainda, a assunção dessa realização como consequência necessária ou possível da conduta encetada, nas hipóteses de dolo necessário ou eventual. Saliente-se ser “irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça” (Taipa de Carvalho, ob. cit., 351).
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b) Do crime de injúria
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Dispõe o n.º 1 do art. 181 .° do Código Penal que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
A fundamentalidade da protecção jurídico-penal da honra radica na necessidade, demonstrada pela própria realidade social, de preservar, em todos os seus traços, o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, enquanto pedra angular do ordenamento jurídico, em causa estando um bem jurídico complexo, incluindo “quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior” (cfr. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 607 e 629), sendo que as duas vertentes divisíveis neste bem jurídico — o lado individual, respeitante ao bom-nome, e o lado social, atinente à consideração — se fundem “numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros, (...) uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade” (cfr. Silva Dias, Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e Injúria, Edições da AAFDL, 1 8). Integrarão o conceito de honra os valores éticos que cada pessoa possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade de cada um, en quanto que, por consideração, dever-se-á entender o merecimento que cada indivíduo tem no meio social, isto é o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, e a reputação; desta forma, a honra diz respeito ao património pessoal e interno de cada um, enquanto que a consideração é o merecimento que um indivíduo tem no meio social (a opinião pública) (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, II, 317)

Quanto ao tipo objectivo de ilícito, são duas as condutas susceptíveis de o preencherem
— a imputação de factos ou a direcção de palavras —, em ambos os casos sendo imprescindível o ataque directo, sem tergiversação, à pessoa do ofendido, e a recondução desse ataque a uma ofensa da honra ou consideração do visado. Já no que concerne ao respectivo elemento subjectivo, é este um crime exclusivamente doloso, pelo que se torna mister apurar da intencionalidade da conduta e, assim, a representação do facto e a actuação com vontade de o realizar, ou, ainda, a assunção dessa realização como consequência necessária ou possível da conduta encetada, nas hipóteses de dolo necessário ou eventual.
**
2.2.2 Do mérito das acusações pública e particular.
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Detenhamo-nos, agora, no caso em apreço, em ordem a apurar da suficiência de indícios, com relação aos factos sub judice, que imponham a prossecução dos autos.

Atentemos nas diligências probatórias levadas a cabo em sede de inquérito.

Encontramos a sua génese no auto de denúncia datado de 24/07/12, apresentado por B…, posteriormente constituída assistente, no âmbito do qual a mesma relatou, ora com relevo, que, cerca das 12:00 ou 12:30 horas do dia 23/07/12, se encontrava no interior do estabelecimento de padaria conhecido como “H…”, nesta Comarca, quando uma amiga sua lhe transmitiu que um indivíduo, identificado como C…, ulteriormente constituído arguido, que marcava presença nesse local, lhe havia feito perguntas acerca de si, ao que decidiu confrontá-lo com a sua razão de ser. Disse que, durante a troca de palavras que mantiveram, o mesmo lhe disse “eu fui falar com a porca da tua amiga e tu também és uma porca”, e que, tendo a mesma aventado chamar as autoridades, aquele lhe dirigiu a expressão “tem mas é cuidado que eu passo-te com o carro por cima e tem cuidado com o teu filho”. Acrescentou que, estando tal indivíduo a entrar num prédio, a empurrou pelo peito por forma a desequilibrá-la, ao que se agarrou à porta de entrada, após o que o mesmo empurrou essa porta com força na sua direcção, batendo-lhe na face esquerda e determinando a sua queda no solo, tendo perdido os sentidos.

Foram inquiridos como testemunhas E… e D…, os quais, estando presentes no interior do referido estabelecimento aquando do sucedido, na companhia, entre outros, da assistente B…, atestaram que esta se dirigiu ao arguido C…, ambos se tendo travado de razões no seu exterior, usando de tom de voz elevado, o que, porém, justificaram, de modo não inteira mente conforme, o primeiro tendo aludido a que a empregada de mesa da padaria teria dito a B… “ele está ali” e que esta foi ao seu encontro para o questionar “sobre uma suposta troca de mensagens que dias antes tinha ocorrido” (sic) (cfr. o respectivo auto de inquirição, a fls. 28 verso), enquanto que o segundo aduziu que a mencionada empregada teria proferido a expressão “olha foi aquele ali que andou a fazer perguntas sobre ti”, ante o que B… o questionou “relativamente ao facto de (...) supostamente ter andado a tirar informações a seu respeito” (sic) (cfr. o respectivo auto de inquirição, a fls. 30 verso). Diferentes surtiram igualmente as expressões que terão ouvido dizer ao arguido C…, tendo a testemunha E… escutado a frase “tu e a tua amiga têm que se ir lavar” (sic) (cfr. o respectivo auto de inquirição a fls. 28 verso), ao passo que a testemunha D… ouviu diversas frases, a saber, “não me chateies, já me estou a enervar”, “não tenho que te dar justificações” e “tu e a tua amiga vão-se lavar, porcas” (sic) (cfr. o respectivo auto de inquirição, a fls. 30 verso). Ambos revelaram coerência na afirmação de que a assistente B… impediu que o arguido C… fechasse a porta do prédio para onde visava entrar, e de que, nesse seguimento, o arguido C… lhe desferiu um soco no ombro, com que a afastou, mas não se revelaram consistentes quanto à factualidade imediatamente subsequente. Com efeito, o primeiro pugnou que a assistente B… se limitou a tentar contactar por telemóvel o seu marido, tendo sido “a meio dessa conversa [que] a mesma caiu desamparada, batendo com a cabeça no chão do passeio e (...) perdendo os sentidos” (sic), que recuperou volvidos “cerca de dois ou três minutos” (sic), “já os bombeiros se, encontravam no local a prestar assistência” (sic), convocados que foram pela testemunha D… perante o desfalecimento da assistente B… (cfr. o respectivo auto de inquirição a fls. 28 verso); o segundo, por seu turno, deu conta de que esta, uma vez afastada pelo arguido D…, “deu novamente um passo para a frente na direcção da mesma porta de entrada, tendo o denunciado batido com a porta com bastante intensidade, que chegou a atingir a cabeça da denunciante” (sic), apenas após tendo tido lugar a predita chamada telefónica, no decurso da qual a assistente B… desfaleceu, motivo pelo qual chamou os bombeiros que se encontravam no local quando recuperou a consciência, aproximadamente dois ou três minutos depois de ter sido atingida (cfr. o respectivo auto de inquirição a fls. 30 verso).

Foi constituído como arguido e interrogado nessa qualidade C…, o qual asseverou que “em momento algum injuriou, ameaçou, agrediu ou sequer empurrou a denunciante”, sendo “falsos os factos contra si mencionados no presente auto” (sic) (cfr. o respectivo auto de interrogatório, a fls. 32 verso e 33), a propósito do que apenas acedeu a ter trocado palavras com a assistente B…, esta o tendo questionado “relativamente ao facto de (...) ter andado a perguntar informações a seu respeito a outras pessoas” (sic), mais tendo alvitrado que, tendo aberto a porta do prédio em questão, “entrou e sem fechar a porta, por a porta ser de fecho automático (mola), [e] subiu em direcção ao seu apartamento, sem ter tido conhecimento de quaisquer outros factos” (sic) (cfr. o respectivo auto de interrogatório, a fls. 33).

Recolheram-se elementos clínicos respeitantes às sequelas da imputada agressão à assistente B…, em cujo contexto foi carreado para os autos o relatório pericial de avaliação do dano corporal, efectuado em 25/07/12, no mesmo se referindo ter sido facultada ao Gabinete Médico-Legal de Santa Maria da Feira “cópia de registos do Serviço de Urgência do CHEDV, EPE — Hospital de Oliveira de Azeméis” (sic), destes constando, entre o mais, a sua admissão nesse serviço em 23/07/12, cerca das 14:54 horas, tão-só tendo sido detectada agitação por parte da assistente B…, sendo que, examinada, apresentava “equimose ténue de coloração acastanhada, localizada na região zigomática esquerda”, “pescoço com imobilização com colar cervical” e “mobilidade do ombro [esquerdo] com limitação dolorosa, sem outros sinais de lesões traumáticas” (sic), dada a falta de estabilização da situação, se tendo sugerido nova presença daquela para submissão a novo exame em período não inferior a sessenta dias (cfr. o respectivo relatório, a fls. 12 e seguintes). Regressada a assistente B… ao mesmo Gabinete, em 11/10/12, afirmou a mesma, entre o mais, que “efectuou após a agressão as consultas do médico assistente do Centro de Saúde de Vale de Cambra, [tendo sido] medicada com analgésico”, e que “retirou colar cervical em 19/08/12 por indicação do médico” (sic), tendo então sido detectados “fenómenos dolorosos no ombro esquerdo e cervicalgia” (sic) (cfr. o respectivo relatório, a fls. 62 e seguintes), pelo Sr Perito Médico tendo sido solicitado o envio de informação complementar, mormente por parte daquele Centro de Saúde, na sequência do que foi junto aos autos atestado de saúde, no qual o respectivo médico exarou, entre o mais, que “a paciente em causa esteve apenas uma vez na minha consulta após a suposta agressão (...), [realizada] em 07/08/12 (...), para mostrar resultados dos exames complementares de diagnóstico solicitados pela própria paciente (...), [tendo sido] medicada com a sua medicação já habitual (...), não [trazendo] qualquer colar cervical (...)“, “em conclusão [atestando] que a única consulta (...) realizada à paciente após o episódio de 23/07/12 não esteve minimamente relacionada com o episódio pelo qual é solicitado este relatório (sic) (cfr. o respectivo atestado, a fls. 80 e seguinte), no relatório pericial final, datado de 18/12/12, se tendo retirado as ilações de que “a data da cura das lesões é fixável em 24/07/12”, “as lesões (...) terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a afirmação” e que “tais lesões terão determinado um dia para a cura, sem afectação da capacidade geral” (sic) (cfr. o respectivo relatório, a fls. 90 e seguintes).
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Revertamos, pois, às diligências instrutórias, e, deste modo, à inquirição das testemunhas I…, amiga do arguido C… e desavinda com a assistente B…, J… e K…, ambas familiares daquele primeiro, sendo, respectivamente, sua irmã e sua prima, e conhecidas de vista da assistente B…, cuja apreciação crítica se impõe.

I… em medida alguma auxiliou na descoberta da verdade, porquanto a facto algum assistiu, desconhecimento que, porém, não a impediu de adoptar uma postura em Juízo altamente parcial, tentando trazer à colação problemas distintos do discutido e cuja responsabilidade seria da assistente B…. Esclarecida, por mais do que uma vez, no sentido de os presentes autos cuidarem, tão-só, das imputações feitas ao arguido C…, não se quedou, ao ponto de ter perturbado o regular andamento da diligência. Donde, sequer a necessidade de aferição da sua credibilidade.

J… e K… depuseram de modo mecânico, evidenciando artificialidade na descrição do sucedido, contrariando, inclusive, as regras da experiência e da normalidade em várias das suas asserções, a que acresceram sintomas de insegurança, donde, a nossa percepção de uma consonância entre os seus excurso apenas aparente, desmerecedora de credibilidade. Ambas expuseram que, aquando da factualidade vertida nos libelos acusatórios, se encontravam no interior do veículo pertença do arguido C…, aparcado que estava em frente ao estabelecimento de padaria e com visibilidade para a sua porta, o que explicaram com uma ida por parte daquele a Arouca, com o fito de as ir buscar, para comparecerem em almoço na casa dos seus avós. Afirmaram terem visto a assistente B… sair desse estabelecimento atrás do arguido C…, que o puxou pelo braço da camisola, e auscultado insultos por parte da mesma a este, em concreto, o tendo apodado de “filho da puta” e “banana” (sic) e lhe tendo dito para “ter cuidado na rua, que o seu namorado passaria com o carro por cima dele” e que “não tinha vergonha de andar com uma mulher grávida” (sic), ao que o arguido C… apenas respondeu que o “deixasse em paz” e que “não a conhecia” (sic). Disseram que este, por virtude da vergonha que sentiu ante o proferimento de tais epítetos e expressões, se refugiou em casa, sita no prédio ao lado da padaria, tendo a assistente B… ainda ficado na rua a resmungar, depois tendo reentrado no estabelecimento.

Especificou a testemunha J… que o arguido C… “fugiu” (sic) para o interior do dito prédio, sendo que, instada sobre a razão de ser de, diferentemente, não se ter dirigido à viatura em que se encontravam, já que se preparavam para irem a casa dos seus avós, respondeu que assim procedeu por causa da “vergonha” (sic). Concretizou que a demora daquele na residência se prolongou por cerca de quinze ou vinte minutos, e, instada sobre a sua permanência no exterior, ao invés de ir ao seu encontro, retorquiu que logo o contactou por telemóvel, tendo ficado à sua espera dentro da viatura. Explicou a testemunha K… que não seguiram directamente de Arouca para a casa dos seus avós, já que o arguido se encontrava com a sua roupa de trabalho, adiantando trabalhar o mesmo nas obras ou nas estradas e mostrar-se a mesma suja, pretendendo mudar-se, sendo que, instada sobre a circunstância de constar dos autos a sua profissão como serralheiro mecânico, redarguiu desconhecer o que na realidade fazia, tendo julgado estar relaciona do com obras por causa da roupa que envergava; instada sobre semelhante roupa, referiu calças de ganga e uma camisola lisa. Garantiu que o arguido C… se sentiu envergonhado com a descrita abordagem por parte da assistente B…, reconhecendo embora que pessoa alguma se encontrava na rua, apenas a própria e a sua prima, a testemunha J…, tendo presenciado o ocorrido, pelo que essa vergonha se reportava apenas a ambas. Considerou que o arguido C… permaneceu na residência por período de tempo reduzido, de aproximadamente cinco ou dez minutos.

Ora, cotejado o teor destes depoimentos com o demais manancial probatório reunido nos autos, desde logo somos a questionarmo-nos sobre a razão de ser de, por ocasião do seu interrogatório, não ter o arguido C… aludido a esta versão da facticidade, sobretudo porquanto dispunha de duas testemunhas que, tendo presenciado o acontecido, a poderiam corroborar e, deste modo, ilibá-lo quanto aos assacados ilícitos, ao que acresce, ainda, não ter o mesmo, então, discorrido sobre quaisquer comportamentos perpetrados pela assistente B… ofensivos dos seus direitos e passíveis de tutela penal, sendo certo que uma das expressões apontadas por essas duas testemunhas se aproxima em grande medida de uma das expressões constantes das acusações deduzidas, circunstância que, não se nos afigurando de todo em todo impossível, se nos prefigura, porém, como curiosa. Concomitantemente, não obedece, em nosso ver, às regras da experiência e da normalidade, que o arguido se tenha refugiado em casa, quando tinha familiares na sua viatura, que por si aguardavam para irem almoçar, e que o tenha feito por vergonha, perspectivando nós como destituída de plausibilidade a asserção perfilhada pela testemunha K… no sentido de ninguém ter assistido à desavença, ocorrida, afinal, na via pública e à hora do almoço, assim como se nos apresenta como contrário a semelhantes regras, que essas familiares, tendo assistindo a uma tal reacção do arguido C…, após ter trocado palavras com a assistente B…, se quedassem na viatura, não intervindo, sequer indo ao encontro daquele para se certificarem do seu estado.
Cremos, pois, e na esteira dos considerandos vindos de tecer, que a prova produzida em sede de instrução em medida alguma enfraqueceu ou contradisse a existente nos autos, e que esteve na origem da dedução das acusações pública e particular. Sucede, porém, que também esta, na nossa opinião e salvo melhor entendimento, não reúne indícios suficientes da comissão dos ilícitos, neste conspecto, e por brevidade de exposição, se permitindo este Tribunal para a análise supra efectuada. Na verdade, temos para nós que os dois depoimentos que alicerçam a tese da assistente B… denotam fragilidades sérias, que acima notámos, mormente no que tange ao despoletar dos eventos e aos factos subsequentes à sua troca de argumentos com o arguido C…, no que concerne a este último segmento, ademais, contrariando a versão trazida a Juízo pela assistente, esta tendo exposto que caiu inanimada na sequência directa da conduta praticada pelo arguido. Igualmente na prova pericial e documental se detectam, na nossa perspectiva, falhas significativas. Não se questionando, obviamente, que, aquando da sua submissão a exame no Gabinete Médico Legal, a assistente B… apresentasse as lesões que lhe foram constatadas, dúvidas se levantam, porém, quanto aos concretos contornos do seu atendimento hospital posterior mente ao evento, da informação fornecida àquele Gabinete constando apenas agitação, e, sobretudo, da sua ida ao Centro de Saúde de Vale de Cambra, do atestado de saúde junto aos autos se depreendendo algum acossamento por parte do respectivo médico subscritor, que temos por compreensível, ante a constatação da prestação, por parte daquela, de informações inverídicas, nomeadamente quanto ao uso de colar cervical. Restando, desta forma, as versões sustentadas pela assistente B… e pelo arguido, esta última tida em conta na parte em que o mesmo nega a prática das condutas que lhe são imputadas, outra solução não se nos apresenta como justa, que não a sua não pronúncia, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, entendendo este Tribunal pela inexistência da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada (...) em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
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3. Decisão
Nos termos do disposto no art. 308.° do Código de Processo Penal, decido:
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a) Não pronunciar o arguido C… pela imputada prática, em sede de acusação pública, da autoria material e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.°, n.° 1, e de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153.°, n.° 1, ambos do Código Penal;

b) Não pronunciar o arguido C… pela imputada prática, em sede de acusação particular, da autoria material de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.°, n.° 1, ambos do Código Penal;

c) Condenar em custas a assistente B…, cuja taxa de justiça se fixa em 2 (duas) UC, nos termos conjugados dos arts. 515.°, n.° 1, al. a) e 5 1 8.° do Código de Processo Penal e 8.° do Regulamento das Custas Processuais;

d) Determinar, em consequência, o arquivamento dos autos.
Cessa de imediato o TIR — art. 214.°, al. b) do Código de Processo Penal. Demais DN »[4].
Inconformado com o decidido, a ASSISTENTE tempestivamente interpôs RECURSO conforme Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 190-203 rematada com 25 CONCLUSÕES delimitadoras [5] de objecto do Recurso e poderes de cognição deste TRP, as quais seguidamente se transcrevem ipsis verbis:

1. A Meritíssima Juiz “a Quo” decidiu pela não pronúncia do arguido, C…, pela prática de 1 crime de Ofensa á Integridade Física Simples, p. e .p. pelo art° 143 n° 1, 1 crime de ameaça p.p. pelo art° 153 n° 1 e um crime de injúria p. e p. pelo art° 181 n° 1 todos do C.P., determinando assim o arquivamento dos autos.

2. Ora a recorrente inconformada com tal decisão decidiu interpor o presente recurso, apresentando para o efeito as razões que se passam a expor e que no seu modesto entendimento levam a que o arguido seja pronunciado pelos crimes supra referenciados, contrariamente ao Doutamente decidido pela Meritíssima Juiz “a Quo”.

3. Bem andou a Digna Magistrada do M.P. ao ter em conta a queixa apresentada pela ora recorrente, os depoimentos das testemunhas por si apresentadas (D… e E…), o relatório de exame Médico-Legal para avaliação do dano corporal e as informações clínicas de fls. 79 a 81 e 83, ao deduzir acusação contra o arguido pelos referidos crimes e notificar a ora recorrente para deduzir acusação particular pelo crime de injúria porque no seu entender foram recolhidos indícios suficientes da prática de tal crime.

4. A ora recorrente dentro do prazo legal, aderiu á Douta acusação pública, peticionando pedido de indemnização civil e ainda deduziu acusação particular e pedido civil quanto ao crime de natureza particular, tendo a Digna Magistrada do M.P. acompanhado tal acusação particular.

5. Inconformado com tais despachos, veio o arguido requerer a abertura da Instrução, em 15 de Fevereiro de 2013, por entender que os crimes que lhe são imputados não se encontram suficientemente indiciados nos autos de inquérito, atacando os depoimentos das testemunhas apresentadas pela ora recorrente, vindo a apresentar mais tarde, em 01 de Maio de 2013 prova testemunhal, justificando o facto de mais tarde a apresentar em virtude de ter dificuldades em obter o nome e residência das mesmas no prazo concedido.

6. Note-se que as testemunhas apresentadas pelo arguido são irmã e prima do mesmo!

7. Quando o arguido foi interrogado como tal negou a prática de tais actos, não apresentando testemunhas que confirmassem a sua versão, o que nos leva a questionar sobre a razão de ser de por ocasião do interrogatório não ter o arguido aludido á versão dos factos apresentada pelas suas testemunhas, limitando-se só e apenas a negar os factos, não se referindo a quaisquer comportamentos praticados pela ora recorrente que ofendessem os seus direitos, contrariamente ao que fizeram as testemunhas.

8. No modesto entender da ora recorrente os depoimentos de tais testemunhas não devem ser tomados em consideração porque depuseram de modo “mecânico”, evidenciando artificialidade na descrição do sucedido, sendo por isso, desmerecedores de credibilidade, colocando-se em causa a presença das mesmas no referido local.

9. Afirmaram que se encontravam no interior do veiculo do arguido que se encontrava aparcado em frente ao estabelecimento “H…”, tendo o arguido ir trocar de roupa ao seu apartamento que se situava ao lado de tal estabelecimento e tomar café ao re ferido estabelecimento, e que ao sair do mesmo (estabelecimento), a ora recorrente saiu atrás de si e o chamou de “Filho da puta, banana” e “para ter cuidado que o seu namorado passaria com o carro por cima dele”, e “que não tinha vergonha de andar com uma mulher grávida”, tendo o arguido se refugiado no seu apartamento e as suas testemunhas (irmã e prima), mantiveram-se dentro da referida viatura até que ele descesse.

10. Ora á luz das regras da experiência e do normal acontecer não é concebível nem asseitável que as coisas se passassem assim, ainda mais tratando-se de um familiar que no entender das testemunhas (J… e K…) estava a ser alvo de sérias imputações por parte da recorrente.

11. Também não é aceitável, pondo-se em causa os depoimentos das mesmas quando as mesmas declararam que mais ninguém assistiu á desavença. Isto é um absurdo uma vez que estamos a falar de um estabelecimento comercial (padaria e café), localizado no centro de Vale de Cambra, perto de uma estrada bastante movimentada, que serve comidas rápidas e onde várias pessoas se deslocam para almoçar, e note-se que os factos aconteceram á hora de almoço.

12. O mais curioso é o facto de as testemunhas saberem de tudo o que se tinha passado naquele dia e local, declarando que o arguido tinha como profissão trabalhar nas obras ou em estradas e quando instadas sobre o facto de constar nos autos como sendo serralheiro mecânico, redarguirem desconhecer o que na realidade fazia.

13. No que concerne á ora recorrente, a mesma apresentou queixa-crime, descrevendo os factos e comportamentos contra si praticados nesse dia pelo arguido e que foram os mesmos confirmados pelas testemunhas por si apresentadas (D… e E…), a fls. 28 e 30 dos autos.

14. Tal como se pode comprovar através do relatório Médico-legal a ora recorrente com o inadmissível comportamento do arguido sofreu dores no ombro esquerdo e cervicalgia e uma equimose ténue de coloração acastanhada localizada na região zigomática esquerda com 1,5 cm de diâmetro que lhe determinaram um período de um dia para a cura, sem afectação do trabalho geral e sem consequências permanentes, para além das ameaças e injurias de que também foi vítima por parte do mesmo.

15. Assim, tendo em conta tais provas apresentadas pela ora recorrente e o relatório Médico-Legal, deve o arguido ser pronunciado pela prática de tais crimes, por existirem indícios suficientes da verificação do crime e de quem foi o seu agente que permitem a submissão do arguido a julgamento.
16. Estabelece assim o art° 283 n° 1 que “É deduzida acusação quando durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, caso contrário é arquivado” como prevê o art° 277 n° 2 C.P.P.

17. Estas duas normas remetem como critério para dedução de acusação ou de despacho de arquivamento para o conceito de indícios suficientes, cujo significado é esclarecido pelo art° 283 do C.P.P., prevendo que” consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada por força deles, em julgamento uma pena ou medida de segurança.”

18. Pelo facto de se levantar dúvidas sobre o alcance deste conceito, temos três posições diferentes que assentam em diferentes graus entre a possibilidade e certeza.

19. A primeira posição defende que existe indícios suficientes quando existe uma simples possibilidade ainda que mínima de condenação daquele agente, posteriormente em sede de julgamento.

20. A segunda posição recorre ao conceito matemático de probabilidade associado a um juízo de prognose: os indícios são suficientes quando deles resulte uma maior probabilidade de condenação do arguido após audiência de discussão e julgamento do que a sua absolvição.

21. A terceira posição exige, para a suficiência de indícios a existência de uma possibilidade particularmente forte de uma futura condenação. Isto é, dos elementos probatórios recolhidos em sede de inquérito tem de resultar a convicção de que foi cometido um crime, que o arguido foi o seu agente e que por ele será condenado em julgamento.

22. Comparando estas três posições, de facto, ao texto da lei parece adequar-se melhor a segunda posição.

23. Esta deve, no nosso entender ser a posição perfilhada, aquela que melhor se adequa com o texto legal.

24. Assim, por todo o exposto, somos a concluir que o arguido deve ser pronunciado pela prática de tais crimes, por existirem indícios suficientes da verificação do crime, de quem foi o seu agente, permitindo assim a submissão do arguido a julgamento.

25. Violou assim a Meritíssima Juiz “a Quo” as disposições dos art°s 286 n° 1, 287 n° 1 b), 283 n° 1 e 2 e 308 n° 1 todos do C.P.P.

Termos em que, | pelas razões supra expostas, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Decisão Instrutória de não pronúncia do arguido pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de Ofensa á Integridade Física Simples p. e p. pelo art° 143 n° 1, um crime de ameaça p. e p. pelo art° 153 n° 1 e como autor material de um crime de injúria p.e p. pelo art° 181 n° 1, todos do C.P., pronunciando-se o arguido por tais crimes, a fim de o mesmo ser submetido a julgamento, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!» [conforme scanerização pelo Relator].
ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito de volutivo para este TRP ex vi arts 399, 401-1-b, 406-1, 407-2-a, 408 a contrario sensu e 427 por Despacho a fls 204 notificado aos Sujeitos Processuais, o MP e o Il Mandatário do ARGUIDO nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP,

O ARGUIDO respondeu a fls. 207-211 concluindo que:

1. A douta decisão encontra-se devidamente fundamentada e não merece qualquer censura, em virtude dos ilícitos imputados ao arguido não se encontrarem suficientemente indiciados e em sede de instrução a prova produzida abalou os pressupostos em que tinha assentada a acusação contra o arguido.

2. A assistente na sua motivação de recurso não apresenta fundamentos que ponham em causa a justeza da douta decisão instrutória, designadamente, a existência de erro na apreciação dos elementos de prova.

3. Em face de duas versões contraditórias, o tribunal aderiu à versão do arguido e da prova testemunhal que a suportou em sede de instrução. O princípio da livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade. Só através do princípio da oralidade e da mediação se permite avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelas testemunhas.

4. A discricionariedade do julgador tem como limites as regras da experiência e a lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Ora, da análise da motivação de recurso, não resulta que estes limites tenham sido ultrapassados Por outro lado a decisão instrutória encontra-se devidamente fundamentada, através de uma argumentação plausível, segundo as regras da experiência, sendo inatacável, pois foi proferida em obediência à lei que impõe que o juiz julgue de acordo com a sua livre convicção.

5. Os juízos dados como assentes na douta decisão instrutória afiguram-se legítimos em face do conteúdo da livre apreciação da prova. A versão dos factos dada como provada é plausível e não contraria as leis da lógica, aceitando o depoimento das testemunhas do arguido como credíveis. Tanto mais que a versão dos factos da ofendida mostravam-se titubeantes e incoerentes, subscrevendo uma discrição dos factos que não mereceu a adesão intelectual e a convicção do julgador. Modificar este juízo, seria anular a convicção do tribunal recorrido e substituir a coerência neles encontrada, com base em aspectos de pormenor elencados na motivação de recurso e secundários à descoberta da verdade material dos factos. O recurso não constitui um novo julgamento da matéria de facto e não existem vícios na apreciação da prova na douta decisão instrutória da primeira instância

6. Até ao encerramento da audiência não foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que dependem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 308°, n° 3 do CPP)

7. Para os indícios serem suficientes deve existir uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma, em sede de julgamento, de uma pena ou de uma medida de segurança. Em face dos indícios existentes nos autos a probabilidade de o arguido após a realização do julgamento seria muito baixa, mesmo nula. Dos indícios resultou que o arguido não praticou os factos ilícitos de que estava acusado, mas mesmo em caso de dúvida, o arguido seria absolvido em face do princípio in dúbio pro reo.

8. Em face do supra exposto o recurso apresentado pela assistente deve ser julgado improcedente por falta de fundamento e mantida a decisão recorrida» [6]:

O MINISTÉRIO PÚBLICO da Acusação e do Debate Instrutório respondeu a fls. 207-211 concluindo que:

1. Na presente situação foram recolhidos e apreciados os seguintes elementos de prova:
- as declarações da assistente (fls. 27 remetendo para os factos descritos na queixa apresentada e constante de fls. 2 a 3);
- o depoimento de E… (fls. 28);
- o depoimento de D… (fls. 30);
- as declarações do arguido C… (fls. 32) que negou a prática dos factos que lhe são imputados;
- os relatórios periciais para avaliação do dano corporal de fls. 12 a 14 e de fls. 62 a 64.
- o depoimento de I…, que não presenciou os factos;
- J…, inquirida em sede de instrução;
- K…, também inquirida nesta fase.

2. Quanto às testemunhas inquiridas em sede de instrução entendemos, no que a J… e K… diz respeito, uma vez que a testemunha I… não tem conhecimento directo dos factos, que, efectivamente, como consta das alegações de recurso e na decisão instrutória, trata-se de depoimentos cuja veracidade nos merece reserva, atendendo à parcialidade que demonstraram, negando qualquer intervenção ou acto por parte do arguido e apresentado um discurso não conforme às regras da experiência comum, designadamente quanto à sua presença naquele local, dentro de um veículo à porta de casa do arguido, bem como quanto ao facto de, apesar do sucedido, terem continuado a aguardar no interior do automóvel sem se dirigirem ao arguido, designadamente após aquela ocorrência.

3. Todavia, entendemos que estes elementos, associados à demais prova recolhida nos autos, a fragiliza. Na verdade, apesar de ter sido deduzida acusação, tal despacho assentou em prova indiciária que, se reconhece, apesar de permitir a sua afirmação, se revela frágil em si mesma atendendo às incoerências que nela já existiam, tendo-se optado, numa perspectiva teórica em termos de indiciação, por um grau de exigência talvez inferior ao efectuado em sede de instrução, como infra melhor se dirá.

4. Assim, da análise dos elementos acima indicados verifica-se que as declarações da assistente não são inteiramente conformes com os depoimentos das testemunhas E… e D…, não só porque estes embora tenham ouvido o arguido dizer “tu e a tua amiga tem que se ir lavar”, não o ouviram dirigir a ameaça que, de acordo com as declarações da assistente, se seguiu e que, encontrando-se presentes já nesse momento, se tivesse sido proferida, teriam de ouvir.

5. Ademais, quanto à agressão, disseram estas testemunhas que o arguido dirigiu-se para o interior do edifício onde reside e que foi a queixosa que seguiu no seu encalço, tentando impedi-lo de fechar a porta e, após, o arguido desferiu um soco no ombro da denunciante afastando-a da porta.

6. Tal soco ainda que interpretado como coincidente com a conduta que a queixosa refere como “empurrar”, de acordo com as testemunhas, não foi prévio ao fechar da porta, mas posterior.

7. Além disso, refere a queixosa que o que lhe terá causado lesões terá sido, além do empurrão, o embate da porta na face esquerda, embate este que as testemunhas E… e D… não mencionam, antes referindo que o arguido empurrou a queixosa para a afastar da porta, mas não que lhe tivesse batido com esta.

8. Acresce que, embora a queixosa refira que a porta bateu na sua face fazendo com que caísse e perdesse os sentidos, de acordo com estas testemunhas, o embater da porta não foi causa da queda dado que, após o arguido a empurrar, subiu as escadas, ci queixosa iniciou uma chamada e apenas após alguns minutos caiu no chão.

9. Tal facto, refira-se, não é conforme às declarações da assistente levantando ainda a possibilidade de a lesão que apresentava ter resultado, não de acção do arguido, mas em virtude desta queda posterior quando aquele já ali não se encontrava, tanto que, de acordo com as testemunhas E… e D…, caiu batendo com a cabeça no chão.

10. Na verdade, de acordo com a versão apresentada pela assistente sempre se suscitaria dúvida sobre o motivo pelo qual se encontrava na trajectória da porta dado que não refere que o arguido a tenha agarrado até àquela porta não se compreendo porque, após ter sido injuriada e ameaçada como referiu, tenha seguido atrás dele até à porta de entrada da sua residência e com intenção de ali entrar ou de a transpor, pois só se estivesse ligeiramente após a moldura da porta esta lhe bateria na face, posição que apenas a assistente poderia ter por conduta própria e não por ter sido forçada pelo arguido que, de acordo com as suas declarações, a empurrou e não puxou.

11. O artigo 308.°, n.° 1 do Código de Processo Penal estabelece que se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ferem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; no caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

12. Sobre o conceito de indícios suficientes é possível formular várias posições: uma primeira que assenta na simples possibilidade de condenação do agente e uma última que exige a existência de uma possibilidade particularmente forte de uma futura condenação.

13. É nesta última posição que se ancorou o Tribunal na decisão sob recurso, ao contrário da posição intermédia adoptada pelo Ministério Público aquando da dedução de acusação, perspectiva que, encontrando-nos perante um juízo indiciário e atendendo ao princípio da presunção da inocência do qual decorre, em termos probatórios, o princípio in dubio pro reo, no qual o Tribunal igualmente se apoia, perante as fragilidades de prova assinala das e negando o arguido a prática dos factos que lhe são imputados, nos parece legítima, pelo que, assim se considerando, o Tribunal, perante a prova recolhida, colocando-se na posição em que se encontraria na fase subsequente, concluiria, como concluiu, que tais elementos geram a dúvida sobre a sua prática pelo arguido, dúvida que, de acordo com o princípio in dubio pro reo, determinaria, em sede de julgamento, a sua absolvição e que, em instrução, determinou a não pronúncia.

14. Em face do exposto, entendemos que o Tribunal recorrido apreciou correctamente a prova, os factos e o direito aplicável, pelo que deve ser negado provimento ao recurso Interposto pelo recorrente, mantendo-se a decisão recorrida …»[7].

Em Vista ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu a fls 233-234 o PARECER «… que o recurso deve ser julgado procedente» por considerar que:

“4. Como se alcança da leitura do despacho de não pronúncia, o sentido da decisão, ficou a dever-se ao facto da Sr.a Juiz de Instrução Criminal, ter entendido que face á prova carreada para os autos, na fase do inquérito e da instrução, não lhe era possível formar uma convicção indiciária, suficientemente forte quanto aos factos objecto da instrução, por se ter deparado, perante as divergências e incongruências dos depoimentos, com uma situação de dúvida fundada, pelo que se impunha a aplicar o in dubio pro reo.

5. Vistos os autos, mormente a prova indiciária recolhida, nestes, maxime as perícias médico-legais para avaliação do dano corporal e entendendo-se que a existência de certas discrepâncias dos depoimentos, são muitas vezes, explicáveis por uma diferente apreensão da realidade pelas testemunhas, sem que isso implique, necessariamente, a perda da sua credibilidade, afigura-se-nos que, tal como se entendeu aquando da dedução da acusação pública e particular, existem indícios suficientes da prática dos imputados crimes pelo recorrido.

De notar, que o nuclear conceito de indícios suficientes, se encontra plasmado no n ° 2 do art. 283° do CPP, requerendo-se para a existência dos mesmos, tão só que, «sempre deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».

Ainda que, certa doutrina e jurisprudência, façam uma leitura mais exigente do que se deve entender por indiciação suficiente, parece-nos que o inciso legal que vimos supra de aludir, tem que ser tido em conta, como o parâmetro que o legislador quis adoptar[8].

NOTIFICADOS os demais Sujeitos Processuais para, querendo, responderem em 10 dias seguidos ut art 417-2 do CPP, apenas o ARGUIDO respondeu rematando «… que não existem fundamentos para a precedência do recurso, devendo o douto despacho recorrido ser confirmado» por considerar que:

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu o parecer de que o recurso deve ser considerado procedente, contrariando a resposta da Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal da 1ª Instância que se havia pronunciado no sentido da improcedência do recurso e colocou também em crise a douta decisão instrutória proferida.

O Arguido entende que o parecer no sentido da procedência do recurso carece de fundamento, pois no Tribunal de 1ª Instância da análise feita dos elementos de prova concluiu-se não existirem indícios suficientes para em sede de julgamento o Arguido vir a ser condenado pelos crimes de que estava acusado.

Por indícios suficientes deve entender-se os elementos que relacionados e conjugados persuadem a culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, indicações suficientes e bastantes para convencer o tribunal de que há crime e de que alguém é o responsável. Estes elementos devem ser logicamente relacionados e conjugados e levarem a concluir pela existência de culpabilidade; indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito e na instrução que livremente analisados e apreciados criam a convicção que mantendo-se em julgamento terão sérias probabilidades de conduzir à condenação do Arguido pelos crimes que lhe são imputados.

4. A suficiência dos indícios está contida na mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos provatórios e de convicção constante do inquérito e da instrução que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento. Na fase de instrução quando esses indícios não existirem o tribunal deve proferir o despacho de não pronúncia.

5. O juízo sobre a suficiência dos indícios deve ser feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas. Este processo comporta necessariamente uma margem de discricionariedade que cabe ao julgador, não sendo sindicável em sede de recurso.

Pelo que, em face dos elementos de prova existentes nos autos, existia uma dúvida processual razoável sobre a suficiência dos indícios para a condenação do Arguido.

6. A Meritíssima Juiz de Instrução Criminal entendeu que a prova carreada para os autos em sede de instrução e inquérito não lhe permitia formar uma convicção indiciária suficientemente forte que pudessem levar à condenação do Arguido.

No recurso apresentado pela Assistente, não foram apresentados argumentos que colo cassem em crise o douto despacho de não pronúncia» [conforme scanerização pelo Relator].

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.
APRECIAÇÃO:

Apesar do CPP de 01.01.1988 ter sofrido no ínterim 20 alterações tendo a última sido efectuada pela Lei 20/2013 de 21/2, certo é que o art 283-2 quanto a «Acusação pelo Ministério Público» continua a estatuir apenas que «Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplica da, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» aplicável a «Despacho de pronúncia ou de não pronúncia» ex vi art 308-2-I do CPP.

Porém, a citada concretização legal de «indícios suficientes» para pronunciar tal como para acusar redunda numa cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados que tem reclamação atenção da Doutrina e preocupação da Jurisprudência porque a dedução de uma Acusação ou Pronúncia infundada probatoriamente redunda em absolvição de um Arguido submetido a final sem propriedade a Julgamento sujeito a escrutínio público pela prática de um crime que não demonstrou e pelo qual até pode ter estado preso preventivamente durante meses até tal Decisão Final.

Donde a persistência dos esforços doutrinal e jurisprudencial de compreensão da citada cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados, que o Recorrente condensou nos termos seguintes para lograr a revogação da não Pronúncia:

«- Apesar desta noção legal levantam-se dúvidas sobre o alcance deste conceito, de tal forma que podemos distinguir três posições distintas, que assentam em diferentes graus entre a possibilidade e a certeza.

- Uma primeira posição defende que existem indícios suficientes quando existe uma simples possibilidade, ainda que mínima, de condenação daquele agente, posteriormente em sede de julgamento.

- Para estes autores, basta que a submissão do arguido a julgamento não constitua” um acto manifestamente inútil e clamorosamente injusto”, mas tão só uma mera possibilidade, ainda que reduzida de condenação.

- A segunda posição recorre ao conceito matemático de probabilidade associado a um juízo de prognose: os indícios são suficientes quando deles resulte uma maior probabilidade de condenação do arguido após audiência de discussão e julgamento do que a sua absolvição (opinião defendida entre outros por Germano Marques da Silva e Figueiredo Dias).

- É possível afirmar ao abrigo desta corrente que o juízo indiciário a formular no final do inquérito será menos exigente que o formulado na decisão final tomada após o julgamento.

- A terceira posição exige, para a suficiência de indícios, a existência de uma possibilidade particularmente forte de uma futura condenação. Isto é, dos elementos probatórios recolhidos em sede de inquérito tem de resultar a convicção de que foi cometido um crime, que o arguido foi o seu agente e que por ele será condenado em julgamento.

- Comparando estas três posições com a letra da lei, parece-nos que a primeira solução não se adequa ao texto legal.

- Na verdade, possibilidade razoável será mais do que uma possibilidade mínima, exige uma possibilidade mínima agravada com um grau de verosimilhança qualificável não de possível mas de verificável.

- De facto, ao texto da lei parece adequar-se melhor a segunda posição: a posição razoável sugere uma ponderação entre as perspectivas de condenação e absolvição futuras, mostrando-se apenas razoável quando a balança pender para a condenação.

- Esta deve também, no nosso entender, ser a posição perfilhada, aquela que melhor se compadece com o texto legal, fundamento e limite de qualquer interpretação» [9].

Hodiernamente não se subscreve tal perspectiva perfunctória e redutora da com preensão da citada cláusula geral e abstracta com conceitos indeterminados, há que buscá-la na consideração doutras cláusulas gerais e abstractas com conceitos indeterminados quanto a «indícios» que por demais pululam no CPP para definir os níveis de convicção da decisão judiciária de acusar / pronunciar / condenar verbi gratie:

«4. A CRP e a lei distinguem vários graus de convicção no processo penal:
a. Prova além da presunção da inocência (artigo 32.°, n.º 2, da CRP tal como o artigo 6.°, § 2.°, da CEDH)
b. Indícios fortes (artigo 27.°, n.° 3, al.ª b), da CRP, artigos 200.°, n.° 1, 201.°, n.° 1, e 202.°, n.° 1, al.ª a), do CPP)
c. Sinais claros (artigo 256.°, n.°s 2 e 3, do CPP)
d. Indícios fundados (artigo 174.°, n.° 5, al.ª a), do CPP)
e. Indícios suficientes (artigos 277.°, n.° 2, 283.°, n.° 1, 285, n.° 2, 298.°, 302, n.° 4, 308.°, n.° 1, 391.°-A, n.° 1, do CPP)
f. Prova bastante (artigo 277.°, n.° 1, do CPP)
g. Indícios (artigos 171.°, n.° 1, 174.°, n.ºs 1 e 2, 246, n.° 5, al.ª a), do CPP)
h. Imputação (artigos 1.º, al.ª f, 197.°, n.° 1, 198.°, n.° 1, e 199.°, n.° 1, do CPP)
i. Suposição (artigo 210.° do CPP)
j. Fundado receio (artigos 142.°, n.° 1, 227.°, n.° 1, 228.°, n.° 2, 257.°, n.° 2, al.ª b), do CPP), fundado motivo para recear (artigo 272.°, n.º 3 alª b), do CPP)
k. Suspeitas fundadas (artigos 58.°, n.° 1, a), 250.°, 272.°, n.° 1, do CPP)
l. Suspeito (artigo 27.°, n.° 1, al.ª g), da CRP, e artigo 1.º, al.ª e), do CPP)

5. A multiplicidade de expressões não corresponde a igual número de graus de convicção relevantes no processo penal. Efectivamente, distinguem-se quatro níveis de convicção no direito Português:

a. Indícios para além da presunção da inocência, correspondente ao crivo do direito internacional criminal de guilt beyond reasonable doubt
b. Indícios fortes ou sinais “claros”, correspondente ao crivo da clear evidence ou dringende Tatverdacht
c. Indícios suficientes ou prova bastante, correspondente ao crivo da reasonable suspicion ou probable cause ou hinreichende Tatverdacht
d. Indícios, indícios fundados, suspeitas, suspeitas fundadas, fundado receio, imputação do crime, correspondente ao crivo da bona fide suspicion ou Anfangsvefrdacht

7. Indícios para além da presunção de inocência são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação da sentença, um facto se verifica.

8. “Indícios fortes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória. A diferença entre um e outro reside apenas na variação da base dos elementos conhecidos no momento da decisão interlocutória e no momento da sentença. Por esta razão, o legislador só consagra o crivo dos indícios fortes para a aplicação das medi das cautelares mais graves, que implicam uma limitação de tal maneira intensa da liberdade que constituem, no plano fáctico, uma antecipação dos efeitos negativos da condenação pelos factos (artigo 193.°, n.° 1)

10. “Indícios suficientes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção sobre a maior probabilidade de verificação de um facto do que a sua não verificação. Indícios suficientes dos factos da acusação são as “razões” que sustentam e revelam que é mais provável que os ditos factos se tenham verificado do que não se tenham verificado (assim também, FIGUEIREDO DIAS, 1974: 133, GERMANO MARQUES DA SILVA, 1990: 348, e 2000 b: 179, e, na jurisprudência, o caso paradigmático do acórdão do TRC, de 9.3.2005, in CJ, XXX, 2, 36, mas diferentemente NORONHA E SILVEIRA, 2004: 171, ADÉRITO TEIXEIRA, 2004: 160, e FERNANDA PALMA, 2005: 122, que se referem a uma probabilidade “forte”, “alta” ou “particularmente qualificada”).

12. “Indício”, “suspeita”, “receio” são “razões” que sustentam e revelam uma convicção sobre a probabilidade, mesmo mínima, de verificação de um facto. Esta “razão” liga a circunstância indiciadora e o facto a provar e é constituída por uma inferência lógica baseada numa máxima de experiência ou numa lei científica (PAOLO TONINI, 2007: 176)» [10].

Assim se apreende, por compreensão e não por impressão, um critério operativo de Acusação ou Pronúncia que se funda no juízo positivo de verificação de

I - Indícios suficientes…os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado.

II - A suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).

III - O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.

IV - Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação” [11].

Ora o Recurso da Assistente não merece provimento porquanto:

Quando prestou declarações em 17.8.2012 a fls. 27 e VS a Guarda da GNR de VCB, B… declarou «confirmar na íntegra os factos descritos no presente auto» de Denúncia de 24.7.2012 origem deste processo, quais sejam, que entre as 12:00 e as 12:30 de 23.7.2012 tinham ocorrido apenas e unicamente os seguintes factos:

«… a vitima encontrava-se no interior da padaria H…, sito em … — …— Vale de Cambra, quando alertada por uma amiga de que um indivíduo que estava a sair daquele local, era o mesmo que dias anteriores havia questionado a mesma se conhecia a vitima. A vitima que não conhecia o sujeito, saiu da padaria e dirigiu-se ao mesmo que estava a entrar no prédio vizinho da referida padaria, questionando o mesmo o porquê de andar a fazer perguntas ao seu respeito, ao que o mesmo respondeu que conhecia o ex-marido da vitima e a sua primeira mulher, dessa forma a vitima disse-lhe que se conhecesse deveria ter feito as perguntas directamente não por terceiros, ao que ele respondeu: Eu fui falar com a porca da tua amiga e tu também és uma porca, dali a vitima informou o mesmo que se continua-se a agir daquela forma (agressiva e ameaçadora) que chama ria as autoridades, de imediato o suspeito ao mesmo tempo que entrava no prédio disse à vítima: Tem mas é cuidado que eu passo-te com o carro por cima e tem cuidado com o teu filho”, empurrando a vitima no peito de forma a desequilibrá-la. Depois dessas palavras e reação a vitima apoiou-se na porta de entrada do prédio e nessa altura o suspeito fez força na porta empurrando a mesma contra a vitima, indo-lhe bater na face esquerda, a vitima ficou caída no chão perdendo os sentidos segundos a seguir» [12];

Porém, tal versão da Denunciante B… não se mostra confirmada pela Testemunha que ela arrolou na Denúncia, E…, que depôs na manhã de 21.8.2012 a fls 28-29 a Guarda da GNR de VLC, uma versão diferente dos factos que terão ocorrido no início da tarde de 23.7.2012, sem ter rela tado a prática pelo Arguido de factos como os denunciados que possam ser tidos co mo constitutivos de acção dolosa de ofensa a bom nome e consideração, de ofensa à liberdade de determinação pessoal e de ofensa à integridade física simples como querido por B…, visto que tal Testemunha depôs que:

«No dia da ocorrência, minutos depois das 12H00, quando se encontrava no interior da H…, na companhia da sua irmã (empregada de mesa naquela padaria), da denunciante e da testemunha, apercebeu-se que a sua irmã tocou na denunciante ao mes mo tempo que proferiu a expressão “ELE ESTÁ ALI ATRÁS”. Instantes depois, quando o rapaz a que se referiam (denunciado) se levantou e saiu porta fora, a denunciante correu saindo porta fora atrás do mesmo, com o intuito de o questionar sobre uma suposta troca de mensagens que dias antes tinha ocorrido.
Algum tempo depois, a ora testemunha apercebeu-se que no exterior do estabelecimento comercial “H…” tanto a denunciante como o denunciado usavam um tom de voz elevado. Temendo que fosse cometido qualquer ato reprovável, as testemunhas deslocaram-se ao exterior de forma a dissuadir e evitar esse cometimento por parte de qualquer um dos intervenientes.
Chegada a ora hora testemunha junto destes, ouviu o denunciado a proferir a expressão “TU E A TUA AMIGA TEM QUE SE IR LAVAR”. Dito isto o denunciado abrir a porta e entrou dentro do edifício onde reside, no entanto por sua vez a denunciante impediu que este fechasse a porta, fazendo força contrária à que o denunciado estava a exercer.
Por esse facto, o denunciado desferiu um soco no ombro da denunciante afastando-a assim da porta.
Ato contínuo a denunciado retirou-se do local subindo o edifício para o andar onde reside.
A denunciante por sua vez, pegou no telemóvel e iniciou uma chamada telefónica para o seu ex-marido para que este a viesse buscar, quando a meio dessa conversa a mesma caiu desamparada, batendo com a cabeça no chão do passeio e consequentemente perdido os sentidos. Perante este acontecimento, a testemunha D…., efetuou uma chama da telefónica para os Bombeiros voluntários de Vale de Cambra, solicitando a presença destes naquele local. Cerca de 10 (dez) minutos depois, a denunciante recuperou os sentidos, já os Bombeiros se encontravam no local a prestar assistência.
Refere a ora testemunha terem passados cerca da 2/3 minutos de intervalo desde o desferimento do soco até à queda da denunciante no chão.
Disse a testemunha não ter presenciado qualquer outro facto relevante para o presente processo» [13];
Mas a perplexidade adensa-se porque a versão da Denunciante B… também não se mostra confirmada pela outra Testemunha que ela arrolou na Denúncia, D…, que depôs na tarde de 21.8.2012 a fls 30-31 a Guarda da GNR de VLC, uma versão similar à da Testemunha E… mas com mais pormenores, por isso diferente da versão da Denunciante, dos factos que terão ocorrido no início da tarde de 23.7.2012, assim sem ter relatado a prática pelo Arguido de factos como os denunciados que possam ser tidos como constitutivos de acção dolosa de ofensa a bom nome e consideração, de ofensa à liberdade de determinação pessoal e de ofensa à integridade física simples como querido por B…, visto que tal Testemunha depôs que:

«No dia da ocorrência, minutos depois das 12H00, quando se encontrava no interior da H…, na companhia da denunciante, da testemunha E… e da empregada de mesa (irmã da testemunha E…), e se apercebeu da presença do denunciado no interior do estabelecimento, que por diversas vezes passou junto da mesa onde estes se encontravam, ao mesmo tempo que olhava fixamente para a denunciante.
Ato continuo a empregada de balcão, fazendo sinal á denunciante proferiu a expressão “OLHA FOI AQUELE QUE ANDOU A FAZER PERGUNTAS SOBRE TI”.
Dito isto a denunciante levantou-se e dirigindo-se ao denunciando que naquele instante abandonava o estabelecimento, questionou o mesmo relativamente ao facto de este “supostamente” ter andado a tirar informações a seu respeito. Encontravam-se estes no exterior do estabelecimento a falar em tom de voz elevado, onde foi audível por parte da ora testemunha parte deste diálogo, onde por diversas vezes de forma repetida a denunciante questionou o denunciado relativamente ao facto de este andar a tirar informações relativamente à sua pessoa.
Temendo que fosse cometido qualquer ato reprovável, as testemunhas deslocaram-se ao exterior de forma a dissuadir e evitar esse cometimento por parte de qualquer um dos intervenientes.
Chegada a ora hora testemunha junto destes, ouviu o denunciado a proferir a expressão NÃO ME CHATEIES, JÁ ME ESTOU A ENERVAR; NÃO TENHO QUE TE DAR SATISFAÇÕES; TU E A TUA AMIGA VÃO-SE LAVAR, PORCAS”. Dito isto o denunciado abriu a porta e entrou dentro do edifício onde reside, no entanto por sua vez a denunciante impediu que este fechasse a porta, fazendo força contrária à que o denunciado estava a exercer.
Por esse facto, sem qualquer outra razão aparente o denunciado desferiu um soco/ empurrão com a palma da mão no ombro da denunciante afastando-a assim da porta.
Ato contínuo a denunciante deu novamente um passo para a frente na direção da mesma porta de entrada, tendo o denunciado batido a porta com bastante intensidade, que chegou a atingir a cabeça da denunciante.
Por sua vez o denunciado retirou-se do local subindo o edifício para o andar onde reside.
A denunciante por sua vez, pegou no telemóvel e iniciou uma chamada telefónica para o seu ex-marido para que este a viesse buscar, quando a meio dessa conversa a mesma caiu desamparada, batendo com a cabeça no chão do passeio e consequentemente perdido os sentidos. Perante este acontecimento, a ora testemunha, efetuou uma chamada telefónica para os Bombeiros voluntários de Vale de Cambra, solicitando a presença destes naquele local. Cerca de 10 (dez) minutos depois, a denunciante recuperou os sentidos, já os Bombeiros se encontravam no local a prestar assistência.
Refere a ora testemunha terem passados cerca da 2/3 minutos de intervalo desde o desferimento do soco/batimento com a porta e a queda da denunciante no chão.
Disse a ora testemunha não ter presenciado qualquer outro facto relevante para o presente processo» [14];

Ademais a perplexidade se consolida quanto aos factos que historicamente terão ocorrido no início da tarde de 23.7.2012 porque o Arguido, quando prestou declarações na manhã de 08.9.2012 a Guarda da GNR de VLC, uma vez ciente do teor da Denúncia de B…, não se quedou por uma negação genérica e abstracta da prática dos factos denunciados, antes relatou sua versão dos factos que terão ocorrido no início daquela tarde, sem se detectar estultícia na narração feita, qual seja:

«Declara serem falsos os factos contra si mencionados no presente auto.
Declara que os factos passaram-se da seguinte forma:
Disse ter conhecido a denunciante através da internet, mais precisamente através do site FACEBOOK, aquando de um pedido de amizade que lhe foi feito por parte da mesma.
A dada altura, encontrava-se no site indicado, quando admiravelmente recebeu um “Olá”, através do chat desse mesmo site.
Nessa data trocaram algumas mensagens em que o seu teor foi uma simples troca de informações pessoais, incluindo a troca de informações respeitantes à morada de residência e número de telemóvel.
Pelo facto de o ora denunciado ter visto a denunciante na companhia de uma conhecida sua, de nome L…, casualmente quando se deslocou à H…, e teve oportunidade de falar com a L…, perguntou-lhe se ela conhecia a denunciante B…. Após a L… ter respondido afirmativamente e ter dado indicações mais promenirizadas relativa mente à denunciante, o denunciado por sua vez, não voltou a comunicar com a denunciante, nem a mostrar qualquer outro interesse em a conhecer melhor, por saber que se tratava de uma pessoa conflituosa, em que o ex-marido da mesma era seu conhecido e também por essas razões não queria ter problemas.
No dia indicado no auto, quando se encontrava no local indicado (interior da H…), ouviu a denunciante proferir a expressão “CÁ ESTÁ QUEM FALA PELA INTERNET E NÃO FALA PESSOALMENTE!”, no entanto, sabendo que tal expressão lhe era dirigida, não deu relevância a esse facto.
Momentos depois, quando o ora denunciado saía porta fora, a denunciante correu na sua direcção, abordando-o e com um tom de voz arrogante questionou-o relativamente ao facto de este ter andado a perguntar informações a seu respeito a outras pessoas (suposta mente referindo-se à L…)
O ora denunciado respondeu que tinha perguntado à L… informações a seu respeito, mas que não via qualquer mal nas perguntas por si feitas, por apenas lhe ter perguntado se a conhecia.
Dito isto a denunciante continuou de forma repetida a fazer a mesma pergunta, ate a entrada do prédio onde o denunciado residia. Este por sua vez abriu a porta de entrada, entrou e sem fechar a porta, por a porta ser de fecho automático (mola), subiu em direcção ao seu apartamento, sem ter tido conhecimento de qualquer outro factos.
O denunciado disse que em momento algum injuriou, ameaçou, agrediu, ou sequer empurrou a denunciante.
[…] Declara ainda que, sendo caso disso, não se opõe a uma eventual desistência de queixa» [15].

Assim, a versão de B…, além de esbarrar na versão do Arguido que não se quedou por uma negação genérica e abstracta dos factos denunciados, não logrou confirmação, pontualmente até foi infirmada, pelo depoimento das 2 Testemunhas que arrolara na Denúncia, pelo que a versão de B… não se pode ter por auto e hetero consistente como logo decorre de uma leitura com atenção aos pormenores atinentes à dinâmica dos factos que sucessivamente terão ocorrido no início da tarde de 23/7, divergindo os relatos relativamente sobreponíveis de E… e D… versus o denunciado por B… que decorridos 24 dias nada adiantou factualmente ao relato paupérrimo da Denúncia que permitisse tornar crível a prática das acções denunciadas.

Apesar do Relatório Final de 15.01.2013 do Exame de Clínica Médico-Legal em 25 JUL e 11 OUT e 18 DEZ 2012 ter concluído que «A data da cura das lesões é fixável em 24-07-2012 - As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação - Tais lesões terão determinado 1 dias para a cura sem afetação da capacidade geral - Do evento não resultaram quaisquer consequências permanentes», tais lesões são apenas a queixa subjectiva «fenómenos dolorosos: no ombro esquerdo e cervicalgia» nas I e II consultas médico-legais e apenas «equimose ténue de coloração acastanhada, localizada na região zigomática esquerda com 1,5 cm de maior diâmetro» no exame objectivo na I consulta médico legal que apenas sob o ponto de vista médico-legal foram conexionadas com a «história do evento» prolatada pela Examinada: no Serviço de Urgência do Hospital de OAZ onde entrou pelas 14:54 ainda de 23 JUL, «vítima de agressão da qual resultou traumatismo do ombro esquerdo ... sem sinais de lateralização motora, nem rigidez da nuca, escoriação, equimose ou hematoma»; dois dias depois, no gabinete médico-legal de SMF, «agressão com empurrão seguido de queda e ameaça de morte que terá sido infligida por desconheci do … traumatismo do membro superior esquerdo»; ora tal singela menção a um empurrão seguido de uma queda, salvo o devido respeito, nem «bate certo» com a singela narração da actuação assacada ao Arguido pela Assistente na Denúncia versus o relato quase sobreponível das duas Testemunhas que B… arrolou.

Assim a judiciosa análise isenta do MP respondente no corpo da Resposta:

«… apesar de ter sido deduzida acusação, tal despacho assentou em prova indiciária que, se reconhece, apesar de permitir a sua afirmação, se revela frágil em si mesma atendendo às incoerências que nela já existiam, tendo-se optado, numa perspectiva teórica em termos de indiciação, por um grau de exigência talvez inferior ao efectuado em sede de instrução, como infra melhor se dirá.
Assim, da análise dos elementos acima indicados verifica-se que a assistente afirma na queixa apresentada - quanto à conduta praticada pelo arguido - que este lhe disse “fui falar com a porca da tua amiga e tu também és uma porca” e, entrando no prédio onde reside, dizendo-lhe ainda “tem mas é cuidado que eu passo-te com o carro por cima e tem cuidado com o teu filho”. Depois, empurrou-a de modo a desequilibrá-la, tendo a queixosa se apoiado na porta de entrada do prédio e o arguido fez força na porta empurrando-a contra si e fazendo com que lhe batesse na face esquerda, fazendo com que caísse e perdesse os sentidos a seguir.

Ora, as declarações da assistente não são inteiramente conformes com os depoimentos das testemunhas E… e D…, não só porque estes embora tenham ouvido o arguido dizer “tu e a tua amiga tem que se ir lavar”, não o ouviram dirigir a ameaça que, de acordo com as declarações da assistente, se seguiu e que, encontrando-se presentes já nesse momento, se tivesse sido proferida, teriam de ouvir.

Ademais, quanto à agressão, refere a assistente que o arguido empurrou-a de modo a desequilibrá-la, a queixosa apoiou-se na porta de entrada do prédio e o arguido fez força na porta empurrando-a contra si e fazendo com que lhe batesse na face esquerda. Caiu e perdeu os sentidos.

Todavia, não foi isso que as testemunhas E… e D… disseram: referiram que o arguido dirigiu-se para o interior do edifício onde reside e que foi a queixosa que seguiu no seu encalço, tentando impedi-lo de fechar a porta e, após, o arguido desferiu um soco no ombro da denunciante afastando-a da porta.

Tal soco ainda que interpretado como coincidente com a conduta que a queixosa refere como “empurrar”, de acordo com as testemunhas, não foi prévio ao fechar da porta, mas posterior.
Além disso, refere a queixosa que o que lhe terá causado lesões terá sido, além do empurrão, o embate da porta na face esquerda, embate este que as testemunhas E… e D… não mencionam, antes referindo que o arguido empurrou a queixosa para a afastar da porta, mas não que lhe tivesse batido com esta.

Acresce que, embora a queixosa refira que a porta bateu na sua face fazendo com que caísse e perdesse os sentidos, de acordo com estas testemunhas, o embater da porta não foi causa da queda dado que, após o arguido a empurrar, subiu as escadas, a queixosa iniciou uma chamada e apenas após alguns minutos caiu no chão.

Tal facto, refira-se, não é conforme às declarações da assistente levantando ainda a possibilidade de a lesão que apresentava ter resultado, não de acção do arguido, mas em virtude desta queda posterior quando aquele já ali não se encontrava, tanto que, de acordo com as testemunhas E… e D…, caiu batendo com a cabeça no chão.

Na verdade, de acordo com a versão apresentada pela assistente sempre se suscitaria dúvida sobre o motivo pelo qual se encontrava na trajectória da porta dado que não refere que o arguido a tenha agarrado até àquela porta não se compreendo porque, após ter sido injuriada e ameaçada como referiu, tenha seguido atrás dele até à porta de entrada da sua residência e com intenção de ali entrar ou de a transpor, pois só se estivesse ligeiramente após a moldura da porta esta lhe bateria na face, posição que apenas a assistente poderia ter por conduta própria e não por ter sido forçada pelo arguido que, de acordo com as suas declarações, a empurrou e não puxou» [16].

Adversamente ao pedido recursório de Pronúncia do Arguido mais se lembra que a consistência de uma imputação de factos objectivos e congruentes factos subjectivos a um agente perpassa pela narração com todo o detalhe que for possível dos factos que historicamente terão sucessivamente ocorrido, por duas ordens de razões: de Direito Constitucional, o imperativo «todas as garantias de defesa» do art 32-1 da CRP epigrafado «Garantias de processo criminal» preclude a imputação de factos genéricos e imprecisos e incertos por deles jamais Arguido algum se poder defender; de Direito Penal, o crime doloso de injúria delimita-se face a grosseria de expressão que sendo eticamente censurável, não é criminalmente punível pelo facto do objecto do Direito ser mais restrito que o da Ética; as estruturações narrativas de ofensa à integridade física são diversas consoante a ofensa seja dolosa ou negligente; e o crime doloso de ameaça consubstancia-se na expressão ao destinatário de que será vítima de um mal futuro dependente da vontade do agente constituindo perigo de lesão da tranquilidade interior e da liberdade de decisão da vítima por tal crime doloso não abranger avisos nem advertências nem actuações aptas ao afastamento doutrem.

Assim, para não pronúncia do Arguido a Mma Juiz a quo oportunamente invocou na Decisão Instrutória a final o princípio in dúbio pro reo, porquanto:

Tal princípio «decorre do princípio da culpa e, em última instância, do princípio do Esta do de Direito (artigo 2.° da CRP). Ele complementa o princípio da presunção da inocência, mas não se confunde com este. Numa das suas vertentes, o princípio da presunção da inocência rege o processo de formação da convicção, estabelecendo regras para a valoração da prova. Ao invés, o princípio do in dubio pro reo dispõe que, finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. Isto é, o princípio do in dubio pro reo só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado da valoração da prova não é conclusivo. O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos (CLAUS ROXIN; 1998: 75 e 106, e ULRICH EISENBERG, 1999: 97)» [17];

Assim, «A presunção de inocência … uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade (veja-se, entre outros, neste sentido, o Ac. n.° 172/92). Se a final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória (D. 48, 19,5: Satius enim esse impu nitum relinquifacinus nocentis quam innocentem damnare) [18];

Idem um Despacho de Não pronúncia porque a presunção de inocência «… não tem reflexos apenas num ou noutro instituto processual, mas há-de projectar-se no processo penal em geral, na organização e funcionamento dos tribunais, no direito penitenciário e até porventura no direito penal. O Tribunal Constitucional reconhece ao princípio este âmbito genérico. Como manifestações deste entendimento podemos referir a inadmissibilidade da exclusão do “princípio in dúbio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia”, porque assim “se reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido”. (Ac. n.º 439/02)» [19].

Ora tal princípio tem aplicação in casu por resultar da compreensão supra efectuada dos meios de prova pessoal e suportados documentalmente um irresolúvel resultado persistentemente inconclusivo quanto aos factos que historicamente terão ocorrido no início da tarde de 23.7.2012 entre a Assistente e o Arguido com versões, por um lado, diferentes quanto a devir de acontecimentos, por outro, opostas quanto aos factos jurígenas de alegadas responsabilidades criminal / penal e civil, sem que aquele devir atinente a factos acessórios permita credibilizar a versão da Assistente da ocorrência dos factos essenciais, por isso precludindo-se opção (que tem de ser fundada conforme hodiernas doutrina e jurisprudência citadas) pela versão da Assis tente da prática pelo Arguido de factos constitutivos dos crimes dolosos de injúria simples, adiante, ameaça pelo menos simples, afinal, ofensa à integridade física simples, por oposição ao sentido da versão do Arguido de mera troca de palavras sem ter alcançado o patamar do desforço verbal nem do desforço físico, tanto assim que o MP respondente (que subscrevera a Acusação e beneficiara de imediação e oralidade da inquirição presencial das Testemunhas efectuada antes do Debate Instrutório) propugnou a manutenção da Decisão Instrutória de não pronúncia como cumpre.

DECISÃO:

1. Nega-se provimento ao Recurso da Assistente B….

2. Decaída in totum condenam-a em 4 UC de taxa de justiça ex vi art 513-1 do CP.

3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

4. Transitado, remeta-se ao 1JZVLC para execução do decidido.

Porto, 12 de Fevereiro de 2014
Castela Rio
Lígia Figueiredo
____________
[1] Conforme scanerização pelo Relator.
[2] Conforme scanerização pelo Relator.
[3] Conforme scanerização pelo Relator.
[4] Conforme scanerização pelo Relator.
[5] Conforme consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores (vg STJ 28.4.1999, CJS 2/99 pág 196) e Doutrina processual penal (vg GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347).
[6] Conforme scanerização pelo Relator.
[7] Conforme scanerização pelo Relator.
[8] Conforme scanerização pelo Relator.
[9] Conforme scanerização pelo Relator.
[10] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pgs 330-331 [negritos do Relator].
[11] Expressivas formulações do ARC de 10.9.2008 de ALBERTO MIRA no processo 195/07.2GBCNT. C1 in www.dgsi.pt/jtrc, Acórdão que relevou JORGE NORONHA E SILVEIRA, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Funda mentais, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág 171.
[12] Conforme scanerização pelo Relator.
[13] Conforme scanerização pelo Relator.
[14] Conforme scanerização pelo Relator.
[15] Conforme scanerização pelo Relator.
[16] Conforme scanerização pelo Relator.
[17] PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição, Maio de 2008, pgs 51-52.
[18] GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, Anotação XII ao art 32 da CRP in JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Wolters Kluwer & Coimbra Editora, Maio de 2010, pgs 724-725.
[19] GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, Anotação XI ao art 32 da CRP in obra citada, pgs 723-724.