Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0731266
Nº Convencional: JTRP00040184
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRESTAÇÕES ABRANGIDAS
Nº do Documento: RP200703080731266
Data do Acordão: 03/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 710 - FLS. 80.
Área Temática: .
Sumário: I- As prestações de alimentos a efectuar, nos termos previstos na Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e no DL nº 164/99, de 13 de Maio, pelo FGADM (Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores), são devidas desde a data da propositura do respectivo pedido contra o Estado, considerando a analogia ou identidade de razão com a situação prevista no art. 2006º do CC.
II- O art. 4º, nº 5 do DL nº 164/99, de 13 de Maio, apenas fixa a data do início do pagamento das prestações, revestindo um carácter essencialmente burocrático e não balizando o momento em que, sob o ponto de vista substancial, nasce a obrigação do Fundo.
III- A correspondente obrigação a cargo do Fundo constitui uma prestação actual, independente ou autónoma da anteriormente fixada, consistindo esta apenas num dos elementos a ponderar na fixação daquela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo
Decisão recorrida – Proc. Nº …../04.o tbc-b
Tribunal Judicial de Tabuaço
de 17 de Outubro de 2006
- Condena o Estado a pagar o montante da prestação de alimentos substitutiva onde inclui as prestações já vencidas e não pagas.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


INSTITUTO de GESTÃO FINANCEIRA da SEGURANÇA SOCIAL, I.P., pessoa colectiva pública nº 500 715 505, com sede na Av.ª Manuel da Maia, nº 58, 3º, Lisboa, interpôs o presente recurso de agravo da decisão supra referida, que fixou em 125 € o montante da prestação alimentar substitutiva e condenou o Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menor, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a pagar o referido montante mensal onde devem ser abrangidas as prestações já vencidas desde Junho de 2004 e não pagas pelo progenitor (judicialmente obrigado a prestar alimentos), na parte em que declarou abrangidas as prestações já vencidas desde Junho de 2004 e não pagas pelo progenitor, decisão proferida no incidente de incumprimento, processado nos termos do disposto no artº 181º da OTM, nos autos de regulação de poder paternal, nº ……/04.2TMMTS, do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, instaurados por B………………, casada, residente na Rua ……………, nº …., Leça do Balio, contra C………………, residente na Rua …………., nº …., Matosinhos, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1º A douta sentença recorrida interpretou e aplicou de forma errónea, ao caso sub judice, o artº 1º da Lei 75/98 de 19/11 e o artº 4º nºs 4 e 5 do Dec-Lei no 164/99 de 13 de Maio;
2º Com efeito, o entendimento do douto Tribunal a quo, de que no montante a suportar pelo FGADM devem ser abrangidas as prestações já vencidas desde Novembro de 2004 e não pagas pelo progenitor (judicialmente obrigado a prestar alimentos) não tem, salvo o devido respeito, suporte legal;
3º 0 Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações;
4º No nº 5 do artº 4 do citado diploma, é explicitamente estipulado que "o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, nada sendo dito quanto às prestações em divida pelo obrigado a prestar alimentos;
5º Existe uma delimitação temporal expressa que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado;
6º Não foi intenção do legislador dos supramencionados diplomais legais, impor ao Estado, o pagamento do débito acumulado pelo obrigado a prestar alimentos;
7º Constituiu, pelo contrário, preocupação, dominante, nomeadamente do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de diploma, evitar o agravamento excessivo da despesa pública e um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa;
8º Tendo presente o preceituado no artº 9 do Código Civil, ressalta ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado, apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo Tribunal dentro de determinados parâmetros – artº 3º nº3 e artº º4º nº 1 do Dec-Lei 164/99 de 13/5 e artº 2º da Lei 75/98 de 19/11;
9º A prestação que recai sobre o Estado é, pois, uma prestação autónoma, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos do devedor, mas, antes, proporcionar aos menores a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, que pode ser diversa da que determinou a primitiva prestação;
10º 0 FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação "a forfait" de um montante por regra equivalente - ou menor ao que fora judicialmente fixado.
11º Só ao devedor originário é possível exigir o pagamento das prestações já fixadas, como decorre do disposto no artº 2006 do CC, constatação que é reforçada pelo disposto no artº 7 do Dec-Lei 164/99 ao estabelecer que a obrigação principal se mantém, mesmo que reembolso haja a favor do Fundo.
12º Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal; a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a protecção do menor, proporcionando-lhe as necessárias condições de subsistência;
13º Enquanto o artº 2006 do Código Civil está intimamente ligado ao vínculo familiar – artº 2009º do CC e daí que quando a acção é proposta, já os alimentos seriam devidos, por um princípio de Direito Natural, o Dec-lei 164/99 "cria" uma obrigação nova, imposta a uma entidade que antes da sentença, não tinha qualquer obrigação de os presta.
14º Muito bem decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - agravo nº 1386/01 de 2606-01- no sentido de o Estado não responder pelo débito acumulado do obrigado a alimentos, tratando-se de prestações de diversa natureza. No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos citados no ponto 32 das presentes alegações.
15 Não colhe o argumento de que o menor não pode ficar à mercê das contingências do processo e seu arrastamento pelos Tribunais, porquanto, como é do conhecimento geral, no entretanto, e enquanto o processo se encontra pendente do Tribunal, a verdade é que alguém tem de alimentar o menor, sob pena de este não sobreviver.
16 0 pagamento das prestações relativas ao período anterior não visaria propriamente satisfazer as necessidades presentes de alimentos a menor, constituindo, antes, um crédito de quem, na ausência do requerido, custeou unilateralmente (ao longo do anos) a satisfação dessas necessidades.
17 0 Estado substituiu-se ao devedor, não para pagar as prestações em dívida por este, mas para assegurar os alimentos de que o menor necessita.
18º Dai a necessidade de produção de prova sobre os elementos constantes da lei nº 75/98 de 19 de Novembro e do Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio, que o Tribunal deve considerar na fixação da prestação a efectuar pelo estado, prestação essa que não é necessariamente equivalente à que estava em dívida pelo progenitor.
19 0 legislador não teve em vista uma situação que a médio prazo se tomasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura socio-económica já então perfeitamente delineada;
20 Há ainda que salientar que as atribuições de cariz social do Estado não se esgotam no FGADM, o qual constitui uma ínfima parte das mesmas, sendo certo que a todas o Estado tem de dar satisfação.
21 Os diplomas em apreço apenas se aplicam para o futuro, não tendo eficácia retroactiva – artº 12º do Código Civil;
22 Não pode proceder-se à aplicação analógica do regime do artº 2006, dada a diversa natureza das prestações alimentares.
23º 0 FGADM somente deverá ser responsabilizado pelo pagamento das prestações fixadas e devidas a partir da prolação da sentença judicial, e não pelo pagamento do débito acumulado do obrigado a alimentos, a partir da data da proposição da acção.
24º 0 que se entende facilmente se atentarmos na finalidade da criação do regime instituído pelos supra citados diplomas legais, que é o de assegurar (garantir) os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.

Requereu a revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por outra decisão, na qual o FGADM do IGFSS seja obrigado a efectuar o pagamento das prestações apenas a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.

À decisão a proferir interessam os seguintes factos:
I- Por decisão datada de 26.07.2004, foi decidido o exercício do poder paternal relativo ao menor D………………, tendo o requerido E……………… sido condenado a pagar ao menor, a título de prestação de alimentos, a quantia de 100,00€ mensais até ao dia 10 de cada mês, a entregar à progenitora por qualquer meio idóneo de pagamento (conforme fls. 12 dos autos principais).
2- Da referida prestação de alimentos o requerido só pagou 290, 00 €, não mais tendo contribuído a título de alimentos ao menor.
3- A Mãe do menor aufere mensalmente 388€ e 35€ a título de abono.
4 - A Mãe do menor paga a título de despesas 192€, melhor discriminadas a fls. 74 dos autos (cfr. relatório da Segurança Social junto aos autos a fls. 71 a 75)
5- Faz parte do agregado familiar do menor, para além da Mãe dois irmãos com 12 e 9 anos. (cfr. relatório da Segurança Social junto aos autos a fls. 71 e seguintes)
6 - 0 Pai do menor, E………….., está actualmente recluso tendo sido condenado por sentença proferida a 2/03/2005 e transitada em julgado em 13.02.2006, a 2 anos de prisão.
7- Em 12 de Maio de 2006 o Magistrado do Ministério Público instaurou incidente de incumprimento da prestação de alimentos contra E……………..
8- Em 18 de Julho de 2006 foi proferida decisão que julgou verificado o não pagamento da prestação de alimentos.
9- Em 24 de Julho de 2006 foi pedida a elaboração de relatório social com vista à fixação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de alimentos devidos a menos, que foi junto em13 de Setembro de 2006.
10- Em 17 de Outubro de 2006 foi proferida a sentença recorrida que, ao abrigo do disposto no artigo 1º, 2º, e 3º da Lei 75/98, de 19 de Novembro e 2º e 3º da Lei 164/99, de 13 de Maio:
a) Fixou em € 100 euros o montante da prestação alimentar substitutiva;
b) Condenou o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos a Menor, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a pagar o referido montante mensal;
c) Considerou abrangidas no montante a suportar pelo FG as prestações já vencidas desde Novembro de 2004 e não pagas ao progenitor -judicialmente obrigado a prestar alimentos - .
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Em discussão nestes autos mostra-se apenas a questão de saber se a decisão recorrida poderia, como fez, determinar que no montante a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menor devem ser abrangidas as prestações já vencidas desde Novembro de 2004 e não pagas pelo progenitor judicialmente obrigado a prestar alimentos.
A situação jurídica tem enquadramento na L. 75/98, de 19 de Novembro e no DL 164/99, de 13 de Maio. Estes diplomas, surgidos tardiamente num estado de direito vinculado pela Convenção Sobre os Direitos da Criança adoptada pela ONU em 1989 e destinatário das Recomendações do Conselho da Europa de 1982 e 1989 relativas à obrigação do Estado de garantir o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, dá execução ao princípio genérico contido nos artigos 63º nº 3 e 69º nº 2 da Constituição da República Portuguesa onde é cometida ao Estado a protecção dos cidadãos no que toca à falta ou diminuição dos meios de subsistência assegurando, nomeadamente, especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

O DL 164/99 de 13 de Maio, veio no artigo 3º nº 1 alínea a), a acrescentar um outro pressuposto da intervenção estadual "não beneficiar (o menor) de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional". Exige-se ainda para que o Fundo intervenha, a falta de pagamento voluntário e que tenham resultado infrutíferos os esforços envidados para obter o pagamento, no âmbito de um processo de incumprimento a que alude o artigo 189º da Organização Tutelar de Menores.
Consagrando a Constituição da República Portuguesa um conjunto de Direitos e Deveres económicos sociais e culturais, estrutura um conjunto de princípios ordenadores destinados à efectiva protecção desses, e, no que toca a alimentos, nomeadamente devidos a menores estabelece no artigo 63º nº 2 e 69º nº 2 do uma obrigação do Estado em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência.
A primeira expressão legislativa dessa opção, consta hoje da Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta.
O artigo 1º da referida lei enuncia a função primária do Fundo - de suprir as necessidades do menor quando não for possível obter alimentos da pessoa judicialmente obrigada a tal pelas formas a que alude o artigo 189º do DL 314/78 de 27 de Outubro e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, ficando subrogado o Fundo em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
Nenhum dos referidos diplomas refere expressamente desde quando são devidas as prestações a satisfazer pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menor.
Conforme consta do acórdão nº 6008/06, proferido no dia 14 de Dezembro de 2006, desta secção, de que foi relator o Juiz Desembargador Saleiro de Abreu, a questão foi objecto de discussão conjunta desta secção, tendo sido firmada a posição que passa a enunciar-se e à qual aderimos inteiramente.
“(…) Entendeu-se, porém, agora, nesta Secção, após análise conjunta da questão, dever assumir-se uma posição consensual e uniforme, esta no sentido de que as prestações de alimentos são devidas desde a data da propositura do respectivo pedido contra o Estado (embora o respectivo pagamento só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão que fixe a prestação mensal). Discorda-se, assim, do recorrente (e da corrente jurisprudencial em que se apoia) no ponto em que defende que existe uma delimitação temporal expressa art. 4º, nº 5 do DL nº 164/99, de 13 de Maio - que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado.
Com efeito, a circunstância de aquele normativo estatuir que "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal" não permite extrair um argumento decisivo a favor da exclusão das prestações alimentares anteriores.
Aquele preceito não se reporta ao âmbito temporal das prestações; apenas regula o início do pagamento das prestações judicialmente fixadas. Não diz que as prestações somente são devidas pelo Fundo a partir de determinado momento; apenas prescreve que o pagamento se inicia no mês seguinte à notificação de decisão. Tal normativo não "baliza o momento em que nasce a obrigação do Fundo, sob o ponto de vista substancial, antes se reportando ao momento em que o CRSS está obrigado a cumprir a decisão do tribunal" (vd. Acs. da RP, de 30.5.2005 e de 21.9.2004, www.dgsi.Pt-, proc. 0552613 e 0453441).
Tal norma apenas fixa, portanto, a data do início do pagamento das prestações. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma norma de carácter essencialmente burocrático, dirigida aos serviços da segurança social, e que tem a ver com o processamento do pagamento das prestações.
Afigura-se-nos, porém, que também a posição assumida pela primeira instância (no seguimento, de resto, da última corrente jurisprudencial supra citada) não será aquela que estará em consonância com a letra e o espírito dos diplomas legais que versam sobre a matéria - D1_. Nº 164/99 e Lei nº 75/98. Nos termos do art. 1ºdesta Lei, "quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189" do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.
Por sua vez, o art. 2º da mesma Lei prescreve que "as prestações atribuídas nos termos do presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC (n1 1); e que, "para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor" (nº 2).
Aquela prestação social não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor, antes propiciar uma prestação a forfait de um montante por regra equivalente, mas que pode ser menor, ao que fora fixado judicialmente (Remédios Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, p. 221). Reveste, como escreve o mesmo Autor (P. 222), natureza subsidiária, "visto que é seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no art. 189º da OTM"
Trata-se de uma prestação actual, independente ou autónoma da anteriormente fixada, em que esta constitui apenas um dos elementos a ponderar na fixação daquela.
Saliente-se que, conforme dispõe o art. 2º, nº 2 citado, o tribunal deve atender, na fixação do montante (que não poderá exceder 4 UC por cada devedor), à capacidade económica do agregado familiar da pessoa a cuja guarda se encontre, ao montante da prestação de alimentos anteriormente fixada pelo tribunal e às necessidades específicas do menor.
Pretendeu-se, através dos aludidos diplomas legais, instituir uma garantia de alimentos ao menor, deles carecido por incumprimento do progenitor a eles obrigado. Essa garantia traduz-se na fixação de uma prestação em função das condições actuais do menor e dois do seu agregado familiar, que pode ser diferente da anteriormente fixada (Ac. da RP, de 4.7.2002, www.dgsi.pt, proc. 0230657).
Face ao que vem de se expor, afigura-se-nos que nas prestações a satisfazer pelo Fundo de Garantia não se incluem as prestações vencidas, mas não satisfeitas, anteriormente à formulação do pedido contra o Estado.
Entendemos, porém, que a obrigação de prestação de alimentos que recai sobre o Fundo de Garantia deve abranger os alimentos que se vencerem desde a data em que, nos autos de incumprimento, for apresentado o requerimento a pedir que o tribunal fixe o montante a prestar pelo Estado, através do Fundo (art. 3º nº 1 da Lei nº 75/98).
Sendo a lei omissa sobre o momento a partir do qual as prestações alimentares são devidas, não encontramos razões para que, por analogia ou identidade de razão, não se deva adoptar o consignado no art. 2006º do CC: "os alimentos são devidos desde a propositura da acção (...) ".
Estando o menor carenciado de alimentos, carência que existirá no momento em que o pedido contra o Estado é formulado, justifica-se plenamente que a obrigação de pagamento se reporte àquele momento.
Sem embargo de, em casos justificados e urgentes, poder ser proferida decisão provisória sobre o montante a prestar pelo Estado (art. 3º, nº 3 da citada Lei), não se afigura curial ou justo que se, por qualquer motivo, tal decisão não for requerida ou proferida, mas, a final (o que, como é sabido, pode ocorrer muito tempo depois, pelas mais diversas vicissitudes processuais), se vier a concluir pela procedência do requerimento inicial e, consequentemente, a fixar uma prestação a cargo do Fundo, o menor não receba os alimentos vencidos desde a altura em que foi desencadeado o mecanismo de substituição do devedor previsto naquele diploma.
A preocupação do legislador é a de conceder às crianças carecidas de alimentos o acesso a condições de subsistência mínimas.
Justifica-se, por isso, que a obrigação de satisfação dessas necessidades se reporte ao momento em que é desencadeado o pedido para aquele efeito.
Como se escreveu, no Ac. da RE, de 30.3.06, www.dgsi.pt, proc. 147/062, "recusar-se ao menor o pagamento de dívidas alimentares vencidas, pelo menos desde o pedido de apoio, seria recusar-lhes um direito social derivado, com matriz constitucional relacionado com direitos fundamentais".
Pelo exposto, e revendo-se anterior posição, concluímos que as prestações a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos são devidas desde a data de apresentação do respectivo pedido contra o Estado.

Nos presentes autos não se encontra verdadeiramente um requerimento com apresentação do respectivo pedido contra o Estado, sendo certo que esse requerimento, ou pelos menos o seu pressuposto é patente nos autos a partir da solicitação de relatório social formulada pelo Magistrado do Ministério Público em 24 de Julho de 2006. Assim, será esta a data a ter em consideração na condenação a pagar alimentos a cargo do agravante.

Decisão:
Acorda-se, em vista do exposto, nesta Relação, em termos, conceder parcial provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condenou o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestações vencidas desde Novembro de 2004 e não pagas pelo progenitor do menor, ficando aquele (Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores), porém, obrigado a pagar a prestação mensal que lhe foi fixada desde 24 de Julho de 2006.

Sem custas.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 8 de Março de 2007
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Manuel Lopes Madeira Pinto