Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
315/16.6GALSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RECURSO DE REPARAÇÃO ARBITRADA
CONFISSÃO
ARGUIDO
Nº do Documento: RP20180321315/16.6GALSD.P1
Data do Acordão: 03/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 753, FLS.50-66)
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo fixada uma indemnização a vítima de violência doméstica, nos termos do disposto nos artigos 21º da Lei n.º 112/2009, de 16/9 e 82º-A, do Código de Processo Penal e sendo a mesma fixada em valor superior a metade da alçada do tribunal da primeira instância, a mesma é recorrível por parte do condenado.
II - Uma confissão de arguido em julgamento – enquanto ato público de admissão de culpa -, apenas poderá ser valorado como fator atenuante da pena, de média eficácia, caso a mesma tenha subjacente um genuíno arrependimento e admissão de culpa, de modo a ser valorada à luz da previsão legal corporizada no artigo 71º, 2, corpo e alíneas e) e f), do Código Penal.

(Sumário elaborado pelo relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 315/16.6GALSD.P1
Data do acórdão: 21 de Março de 2018
Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Criminal de Lousada
Sumário:
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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;
I – RELATÓRIO
1. Em 15 de Novembro de 2017 foi proferida nos presentes autos a sentença condenatória que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal decide:
- declarar a excepção de caso julgado/caso decidido, por violação do princípio ne bis in idem, e, consequentemente, determinar o arquivamento dos presentes autos quanto a factos imputados ao arguido B… por referência a data anterior a até 28.02.2012.
- condenar o arguido B… pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal na pena de 3 (três) anos de prisão.
- condenar o arguido B… na pena acessória de proibição de contactos, pelo período de 4 (quatro) anos, aí se incluindo o afastamento da residência e local de trabalho da ofendida, pena acessória essa que será fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, por tal se nos afigurar ser imprescindível à protecção da ofendida, fiscalização essa que deverá ocorrer sempre que o arguido seja colocado em liberdade, dispensando-se o consentimento do arguido nos termos previstos no art. 36º n.º 7 da Lei n.º 112/2009, de 16/09.
- condenar o arguido B… na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, a ministrar pela DGRSP.
- nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16-09 e 82.º-A, do Código de Processo Penal, fixar em €5.000,00 (cinco mil euros) a indemnização a pagar pelo arguido B… à ofendida C….
Mais se condena o arguido nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 U.C´s, e nos encargos a que a sua actividade houver dado lugar [cfr. artigos 513.º, 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, 8º n.º 5 e 16º do R.C.P.]."

2. Inconformado com a pena aplicada e a indemnização fixada, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões da motivação de recurso:
"(…)
O objeto do presente recurso define-se unicamente pelo reexame da matéria de Direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual, como se disse, condenou o arguido, na pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva e no pagamento da quantia de €5.000,00 a título de indemnização.
O Tribunal a quo condenou o arguido numa pena de prisão efetiva, sem ter sido relevado a possibilidade de um juízo de prognose favorável no momento da determinação da pena;
Tendo em conta os factos dados como provados na douta sentença, onde se releva os factos que dizem respeito à personalidade do arguido, bem como o facto do arguido ter confessado os factos pelos quais vinha acusado, o facto do arguido estar inserido social e familiarmente, o facto do arguido mostrar-se séria e humildemente arrependido pelos factos cometidos, o facto do arguido mostrar consciência da gravidade da situação, o facto do arguido não ter contacto pessoal com a ofendida há mais de um ano, deveriam, salvo melhor opinião, todas estas circunstâncias ser valoradas, de forma positiva, no momento da determinação da pena concretamente aplicável ao arguido.
O que não sucedeu.
A estes factos, deve ainda acrescentar-se e, em consequência disso, fazer-se uma conexão com o facto da existência de “instabilidade psicológica e psíquica” que afetou o arguido a partir de final de 2012, a agressividade motivada pelo abuso de bebidas alcoólicas bem como a personalidade do arguido.
ISTO POSTO, VEJA-SE ainda: O facto do arguido se sentir revoltado por ter sido traído e mostrar, em sede de audiência de julgamento essa revolta, não permite, apenas por si mesma, considerar que o arguido não está arrependido, e que é ele quem assume o papel de vítima.
Tomando por base as declarações prestadas pelo arguido resulta que o mesmo se sente arrependido não só pela tentativa de suicídio, bem como do comportamento que teve perante a assistente, o apelante referiu e relatou o episódio constante na acusação, confirmando-o, e mostrou o seu arrependimento e a consciência da gravidade da situação.
Portanto, o facto de se sentir revoltado pela traição, e a instabilidade emocional demonstrada em sede de audiência de julgamento, não justifica a interpretação de que a personalidade do recorrente, atualmente, está desconforme a ordem jurídica.
Na verdade, o comportamento que vem manifestado bem poderá, por si e nas circunstâncias em que ocorreu, ser considerado, apenas uma manifestação de delinquência alcoólica, de caráter transitório, como episódio próprio do período de instabilidade psíquica e psicológica em que se encontrava, por ter sido abandonado pela sua ex-companheira.
O Recorrente tem um suporte familiar absolutamente exemplar.
Aliás, da matéria de facto provada, onde contém elementos relativos à personalidade do recorrente, ressalta a ideia de que, atualmente o arguido, aqui recorrente, tinha fixado e constituído agregado familiar com a sua mãe e o seu irmão, pessoas que lhe têm dado um suporte familiar fundamental para a sua estabilidade pessoal, e, portanto, atualmente estava a refazer a sua vida tendo uma atitude digna de viver em sociedade, sem práticas criminais.
Do ponto de vista social, o recorrente é visto pela comunidade como uma pessoa pacífica, respeitadora e humilde, encontrando-se plenamente inserido no meio onde vive, correto e com boa cidadania.
Ora, estamos perante uma pessoa plenamente inserida do ponto de vista familiar e social.
Também, o recorrente, mostrou em sede de audiência de julgamento que, depois dos acontecimentos relatados na acusação, e depois do seu internamento de 90 dias no Centro Hospitalar D…, fez uma retrospetiva do seu passado, tendo concluído que o único futuro possível e que se impõe, de forma endógena e exógena, é de uma conduta conforme o direito, dedicando-se exclusivamente ao seu filho, sua família, mãe e irmãos, e ao trabalho, mostrando-se portanto, seria e humildemente arrependido.
Com efeito, antes do arguido ser detido sabemos que todas estas circunstâncias de agressividade e revolta já estavam mais estáveis e tinham alterado favoravelmente, dado o apoio constante da sua família;
Não mais tendo contacto pessoal com a ofendida, que se estendia já, por um período superior a 12 meses.
No presente, para além do apoio da sua família tem o apoio dos seus amigos, que o visitam com regularidade e demonstram motivação para o apoiar em meio livre, designadamente a mãe e o irmão com quem residia.
Ou seja, este episódio ocorrido na vida do recorrente não pode ser imediatamente compreendido como uma manifestação irreparável de personalidade arredada dos valores sociais reveladores de anomia perante o direito, mas, ao contrário, bem pode revelar-se como um dos desvios muito próprios da referida situação de dependência de álcool que fenomenologicamente o acompanhava.
Na verdade, o comportamento colaborante, pacífico e humilde do recorrente, bem como a confissão e arrependimento demonstrados em sede de audiência de julgamento revelam uma faceta da personalidade que, conjugada com a sua plena inserção social e familiar, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante uma atenuação, que deve ser apreciada no momento da determinação e escolha da pena concretamente aplicável ao recorrente.
Ante o exposto, entendemos que a pena aplicada ao arguido e, de que agora se recorre, é demasiado severa e desproporcional, relativamente à postura e personalidade do arguido.
Analisando o artigo 71.º do Código Penal este estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
A lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.
Valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos, a personalidade do arguido projetada nos factos e perspetivada por eles, que demonstra que os ilícitos resultam apenas de uma manifestação de dependência alcoólica e perturbação mental e não de tendência criminosa, as exigências de prevenção geral sentidas a nível do crime de violência doméstica, as exigências de prevenção especial de forma a dissuadir a reincidência, os efeitos previsíveis da pena a aplicar, no comportamento futuro do arguido, e, sem prejuízo do limite da culpa que é intensa;
Tendo em conta que a pena aplicável ao recorrente pela prática do crime de violência doméstica é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos, - o arguido foi condenado em 3 anos de prisão, sem que lhe tenha sido relevado circunstâncias que devem ser valorados no momento da determinação da pena e que supra se reclamou e discriminou.
Considerando que o arguido, atualmente revela capacidade crítica e propósito de emenda, pois que mostra consciência de ter chegado ao que chegou devido ao consumo de álcool, depressões e tentativas de suicídio; A família e os amigos têm procurado apoiá-lo e estão dispostos a continuar a fazê-lo, proporcionando-lhe habitação e trabalho quando regressar à liberdade.
Com efeito, optar pela pena de prisão efetiva, corresponde, não só, a uma violação dos princípios da culpa, da proporcionalidade, da proibição do excesso e da preferência pelas reações criminais não detentivas, como teria um efeito nefasto na vida do arguido, QUE, COMO VIMOS, reúne todas as condições para recomeçar a sua vida de modo socialmente responsável, contando para isso com o apoio da família, com quem desde a sua reclusão se reaproximou, e o suporte do seu filho menor.
Entendemos que o caso do Recorrente terá que passar pelo crivo dos princípios supra referidos, pois só assim será o mesmo condenado numa pena justa, que tenha em consideração as circunstâncias concretas do caso.
Ante o exposto, face à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, porque possível um juízo de prognose favorável, entendemos ser justa a aplicação ao Recorrente a pena de 2 anos de prisão, a merecer suspensão da execução da pena, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP, uma vez que, as necessidades de prevenção, quer especial, quer geral, ficarão satisfeitas, desde que subordinada a regime de prova a elaborar pela DGRS, nos termos do art. 51.º, n.ºs 1 e 4 do CP, do qual deverá constar a frequência de cursos e programas de prevenção de violência doméstica de molde a permitir que o arguido interiorize a gravidade da sua conduta e restabeleça um relacionamento de normalidade com a assistente, mãe do seu filho, de molde a permitir o restabelecimento das relações familiares.
Por outro lado, e no que tange à condenação do arguido no pagamento de €5.000, 00 à assistente, a título de indemnização pelos danos sofridos, este valor vê-se desproporcional e exagerado uma vez confrontado com os factos dados como provados e as condições atuais económico-financeiras do recorrente.
Assim sendo, a sentença recorrida violou as disposições legais suprarreferidas, nomeadamente o artigo 71.º do Código Penal.
3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público apresentou resposta na qual concluiu o seguinte:
O recorrente B… foi condenado por sentença proferida em 15/11/2017, pela prática de um crime de violência doméstica, prev. e pun. pelo art. 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal, para além do mais, na pena de três anos de prisão efectiva.
Assim e tendo em consideração a matéria de facto dada como provada na douta sentença, a pena de três anos de prisão imposta ao recorrente B…, revela-se justa, equilibrada, adequada e proporcional às prementes exigências prevenção geral e especial.
A gravidade do crime praticado pelo recorrente, a escalada de violência desencadeada pelo mesmo e espelhada nos factos dados como provados, praticados após 28/02/2012, aliada ao facto de o mesmo continuar a ameaçar a ofendida, através de mensagens, pois desconhece em concreto onde esta reside, apesar da pendência e na pendência deste processo, colocando-a em constante medo e inquietação, vivendo a mesma longe desta localidade e com receio, pavor e pânico e a convicção de que o mesmo “vai andar atrás dela até ao fim”, pois não aceita a separação do casal, para além dos argumentos invocados pela Mm.ª Juiz na douta sentença, não permitem sustentar um juízo de prognose sério de que o recorrente não voltará a delinquir.
O recorrente em sede julgamento não demonstrou qualquer arrependimento da sua bárbara conduta, nem capacidade de auto-controle, nem de se descentrar, tendo como bem salienta a Mm.ª Juiz, culpando a ofendida pelas suas condutas e assumido o papel de vítima, não permitem a suspensão da execução da pena concreta, sob pena de se transformar esta “medida de substituição da pena numa medida de clemência”.
A douta decisão recorrida fez uma correcta aplicação dos normativos legais, não enferma de qualquer vício e não violou pois qualquer disposição constitucional ou legal.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta decisão recorrida (…)."

5. Também a assistente apresentou resposta à motivação de recurso, secundando a resposta do Ministério Público acrescentando, quanto à matéria referente ao montante da indemnização, entre o mais, que tal segmento da decisão não admite recurso, uma vez que o valor da indemnização é inferior à alçada do tribunal recorrido.
1. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, no qual enfatizou, formalmente, o seguinte:
"(…) Nas conclusões que retira da sua motivação - que delimitam o objecto do recurso - o arguido, para além de questionar o montante da indemnização fixada à ofendida/assistente, insurge-se contra a medida concreta da pena de 3 [três] anos de prisão que lhe foi aplicada, que considera excessiva, entendendo que a mesma deve fixar-se nos 2 [dois] anos de prisão e ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada a regime de prova [conclusões A a EE];
Sem razão, contudo, como bem demonstra o Ministério Público da 1ª instância na sua bem elaborada e proficiente resposta á motivação de recurso e que, aqui, sufragamos integralmente;
Assim, convocando os termos daquela resposta, apenas se aditará, muito brevemente, as seguintes notas:
Em primeiro lugar que, não tendo o arguido/recorrente impugnado a decisão de facto, seja de modo mais alargado, invocando erro de julgamento, seja, no âmbito mais restrito dos vícios da decisão, nem se vendo que a decisão recorrida padeça de qualquer dos vícios elencados no n° 2 do art° 410° do CPP, que cumpra a este Tribunal conhecer oficiosamente, nos termos do AFJ n° 7/95, de 19.10., a matéria de facto deve ter-se, assim, por definitivamente assente.
E que, por sua vez, mantendo-se inalterada a decisão de facto e a sua subsunção jurídico criminal, a medida concreta da pena - 3 [três] anos de prisão - aplicada ao arguido se mostra justa, proporcional e adequada, uma vez que, respeitando os critérios estabelecidos para a determinação da pena [art°s 71" e 74a], a mesma dá integral satisfação às exigências da punição - a protecção de bens jurídicos [particularmente sensíveis na área de punição destes crimes de violência doméstica, que atentam gravemente contra a saúde, na sua dimensão quer física, quer psíquica e mental, particularmente porque exercidas em meio inter-familíar e sobre pessoas mais vulneráveis] e a integração da agente na sociedade [atenta a personalidade revelada pelo arguido que, reiteradamente, durante mais de cinco anos, movido por manifestações doentias de ciúmes, agravadas por episódios de alcoolismo, no interior da residência do casal, insultou e agrediu a sua companheira, sujeitando-a a actos sexuais sob a ameaça de uma faca, ou amarrando-a na cama, com arames (cfr. pontos 3, 4, 5,6, 13 a 16 ...), desse modo atentando contra bens jurídicos essenciais da ofendida], sendo que a pena não ultrapassa a medida da culpa do agente [art° 40°, n°s 1 e 2 do Código Penal];
A que acresce que o arguido, que não aceita o fim da relação que manteve com a ofendida, mesmo depois da separação de ambos e ainda durante a pendência do processo, continuou e continua - como se refere na sentença recorrida - "(...) a incomodar a ofendida, mandando-lhe mensagens ameaçadoras, impedindo-a de prosseguir a sua vida, mantendo-a num constante estado de medo e inquietação " [fls 373, último §];
Razão por que, no caso concreto dos autos, não nos parece, igualmente, que se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da execução da sanção seja adequada e suficiente para garantir as finalidades da punição, seja de prevenção geral pela alarmante frequência com que são praticados estes crimes e que demandam uma enérgica necessidade de reafirmação da norma jurídica violada - bem como de prevenção especial (de dissuasão e integração), atenta a descrita personalidade revelada pelo arguido;
Termos em que, acompanhando a posição do Ministério Público na 1" instância, entendemos, do mesmo modo, que o recurso não merece provimento."

2. Não houve resposta ao parecer.

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Questão prévia:
A assistente defendeu na sua resposta à motivação de recurso que o recurso será inadmissível quanto à pretensão recursória formulada que visa a redução da indemnização fixada, uma vez que o valor desta não ultrapassa o valor da alçada do tribunal recorrido.
Cumpre apreciar.
O recorrente foi condenado a pagar à assistente (que não formalmente demandante) o montante de €5.000,- (cinco mil euros).
Tal condenação não resultou de um pedido de indemnização civil de demandante, mas da fixação oficiosa de indemnização a vítima de violência doméstica, nos termos da Lei n.º 112/2009, de 16/9 (que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas destes crimes) que estatuiu no seu artigo 21º o direito da vítima à indemnização:
"1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser."

Por seu turno, o artigo 82º-A do Código de Processo Penal (que regula a reparação da vítima em casos especiais) estatui o seguinte:
"1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham."
Nos termos de tal regime especial, o arguido foi condenado no pagamento de uma indemnização, à assistente, no montante de cinco mil euros.
Inconformado com o montante da indemnização fixada na sentença, o arguido formulou uma pretensão recursória no sentido de ser diminuída tal indemnização – embora não tenha concretizado o montante que considerasse adequado -.
De jure
Nos termos do disposto no número 2 do artigo 400º do Código de Processo Penal, “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Daqui resulta que a admissibilidade do recurso – na parte da decisão respeitante ao pedido de indemnização civil - está dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito:
a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; e
b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.
No caso dos autos, como não existiu enxerto cível, o tribunal a quo não se encontrava limitado pelo valor do pedido e, por conseguinte, poderia ter fixado uma indemnização superior ao valor da sua alçada. Por isso, entende-se à luz da "ratio legis" do disposto artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal, que o "valor do pedido" é superior à alçada do tribunal recorrido.
A alçada dos tribunais de primeira instância é de €5.000,00 (art. 44º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto).
É manifesto que a decisão impugnada é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal da primeira instância (€2.500,--),uma vez que ascendeu a €5.000,-- (cinco mil euros).
Nestes termos, é admissível o recurso da parte da sentença que respeita à indemnização civil, à luz do disposto no artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso – que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
Erros em matéria de direito:
a) A pena de prisão aplicada ao arguido é excessiva, por não terem sido consideradas todas as atenuantes, em violação do disposto no artigo 71º do Código Penal, devendo ser concretamente fixada a pena de dois anos de prisão;
b) A pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova (artigos 50º, 1 e 51º, ambos do Código Penal), tendo em conta a personalidade do arguido, as condições da sua vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime, por ser possível um juízo de prognose favorável.
c) A indemnização fixada é excessiva, tendo em conta as condições económico-financeiras do demandado.
Para decidir tais questões controvertidas, importará, primeiramente, concretizar os factos jurídico-processuais relevantes – os factos provados e os segmentos relevantes da fundamentação jurídica da sentença recorrida –.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A - Os factos processuais relevantes:
Fundamentação da decisão recorrida:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados:
(…)
1. O arguido viveu com C…, como se de marido e mulher se tratassem, desde o ano de 2000 e até 16.05.2016, tendo fixado em várias localidades de Penafiel e Lousada, estando, desde 2011, a residir habitação sita na Av.ª … nº .., …, em …, Lousada.
2. De tal relação nasceu um filho, E…, nascido a 06.03.2010, que com aqueles viveu em tal residência.
3. Desde 28.02.2012, pelo menos, até ao dia 16.05.2016, o arguido, movido por ciúmes, no interior da residência do casal, pelo menos uma vez por mês, iniciava discussões e, durante as mesmas, apelidava C… de: “és uma vaca, uma puta, cabra”, mais lhe dizendo que tinha amantes e que lhe punha os cornos.
4. Quando o arguido se encontrava embriagado e C… criticava tal comportamento, o arguido respondia-lhe, apelidando-a de “és uma vaca, uma puta, cabra”.
5. O referido em 3. e 4. ocorriam no interior da residência do casal e na presença do filho menor do casal, a partir do nascimento deste.
6. Em tais discussões, o arguido, por vezes, chegava mesmo a desferir-lhe estalos e pontapés no corpo de C…, provocando-lhe dor.
7. Em data não concretamente apurada mas que se situa nos anos de 2013/2014, o arguido obrigou C… a fazer-lhe sexo oral, para tal empunhando e ameaçando-a com uma faca.
8. No decorrer do ano de 2016, C… comunicou ao arguido que seria melhor separarem-se, o que, aliado ao facto de C… ter iniciado uma amizade, via “facebook”, com um outro homem, provocou ciúmes no arguido.
9. Fazendo com que este continuasse a apelidar C…, de “és uma vaca, uma puta, cabra”, mais lhe dizendo que tinha amantes, que lhe punha os cornos e para não conversar mais com esse homem no “facebook”.
10. Quando esta se negou a fazê-lo, o arguido disse-lhe que iria publicar as conversas e as fotografias íntimas que C… tinha enviado a esse outro homem, às quais o arguido tinha tido acesso.
11. No dia 16 de Maio de 2016, cerca das 13h30m, na casa do casal, sita na Av.ª …, nº .., …, em …, Lousada, o arguido, depois de ter convidado C… para tomar um café, o que esta negou, perguntou-lhe se tinha outra pessoa, ao que C…, a fim de evitar outra discussão, não respondeu, dirigindo-se para a cozinha, tendo sido seguida pelo arguido que repetidamente lhe perguntava se tinha outra pessoa.
12. C… dirigiu-se à sala a fim de pegar na sua carteira e as chaves e, assim, sair de casa.
13. Quando, ao sair da sala, o arguido barrou-lhe a passagem e, acto continuo, colocou em C… um pano molhado com álcool dentro da boca, ao mesmo tempo que lhe tapava o nariz com a outra mão, o que durou alguns minutos, durante os quais C… se tentou libertar, sem sucesso.
14. De seguida, o arguido agarrou C… e levou-a para o quarto, colocou-a em cima da cama e amarrou-lhe as mãos e as pernas na cama, com arames.
15. Mais retirou a roupa da ofendida da cinta para baixo, deixando-a desnuda, tendo-se colocado em cima dela, com a intenção de com ela manter relações sexuais, tendo, contudo, o arguido desistido de tal desígnio.
16. Com C… amarrada à cama, o arguido continuou a implorar-lhe que não continuasse a ter conversas com o outro individuo, e que se não o fizesse se mataria mesma à sua frente e se deitava ao pé dela, morrendo juntos.
17. Após, o arguido dirigiu-se à cozinha, regressando com um prato contendo no seu interior um líquido, com o qual se molhava, dizendo que era ácido e, ainda, “vês como isto queima, daqui a pouco vou beber um copo à tua frente”.
18. O que fez de seguida, após o que se dirigiu para a casa de banho, vomitando.
19. Momento em que C… se conseguiu soltar, vestiu-se e saindo de casa pegou no telemóvel e pediu socorro através do nº de telefone 112, esperando no exterior pela chegada do socorro.
20. Mercê de tais agressões, C…, sofreu, para além de dor:
- Na face: lesão eritematosa linear, na face interna do lábio inferior, na linha média, com cerca de 10mm de comprimento, junto ao rebordo livre interno;
- No tórax: duas escoriações lineares na face posterior do torax, a nível escapular, em cada uma das escápulas;
- No membro superior esquerdo: equimose na face interna do terço médio do braço, com 1 cm de diâmetro;
lesões, essas, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, 07 dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral de 07 dias e sem afectação da capacidade de trabalho profissional;
21. Face à ingestão de tal líquido, o arguido foi assim internado no Hospital D…, de onde enviou mensagens a C….
22. Assim, o arguido no dia 23.05.2016, pelas 10h56m enviou a seguinte mensagem de texto para C…, do telemóvel por si usado nº ………, “N kiseste k ficássemos a bem pois não.prepara te para o K vira.eu vou preso mas não vou sozinho.never.o menino e k vai sofrer msis mas so vou algum tempo mas há kem ira passar misi k eu a ver sol aos quadrados”
23. E no dia 05.06.2016, pelas 13h23m enviou a seguinte mensagem de texto para C…, do telemóvel por si usado nº ………, “Sei ke se sair daki posso ir preso pelo k fiz mas sigo em frente e n vou sozinho pk te amo e kwro salvar te dele k te ta a enganar”.
24. No quarto do arguido, no dia 01.07.2016 e no dia 04.08.2016, encontravam-se vários manuscritos com “rezas” com o objectivo de reconquistar a pessoa amada, bem como cinco velas de cera e três frascos, contendo mel e especiarias.
25. C… temeu pela sua vida, tendo receio que o arguido atentasse contra a sua integridade física e mesmo contra a sua vida.
26. O arguido vem provocando medo e receio em C…, tendo actuado sempre com a intenção de alcançar esse resultado.
27. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas, por lei penal.
28. Quis ainda, o arguido, com a sua conduta reiterada, diminuir C… na sua dignidade, infligindo-lhe sofrimento físico e psíquico, incluindo agressões físicas, verbais e ameaças, bem como ofensas sexuais, pese embora não ignorasse que devia à visada, enquanto sua unida de facto e mãe do seu filho, especial respeito e consideração.
29. Dirigiu as expressões referidas a C… com foros de seriedade, bem sabendo que as mesmas eram idóneas a provocar-lhe um sentimento de receio e de inquietação, o que se veio a verificar, e que eram objectivamente ofensivas da sua honra e consideração.
30. Após a separação, depois de Agosto de 2016, o arguido continua a mandar mensagens a C…, a ameaçá-la que iria publicar as fotos íntimas dela, que vai morar para perto dela e que pode ir para a prisão mas não vai sozinho.
31. O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 11.03.2013, pela prática, em 23.09.2010, de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
32. Nos autos de inquérito n.º 1177/11.5GALSD, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Lousada, em que era imputada a prática pelo arguido B… de um crime de violência doméstica em relação a C…, por despacho de 28.02.2012, foi determinada a suspensão provisória do processo pelo prazo de um ano – cfr. fls. 118 a 143.
Por despacho de 29.01.2014, foi determinado o arquivamento desses autos nos termos previstos no art. 282º do CPP.
33. B… iniciou a relação com C… aos 24 anos, relação que consolidou em união de facto e da qual nasceu o descendente, actualmente com sete anos.
A relação terminou em maio de 2017, na sequência de uma nova tentativa de suicídio cometida pelo mesmo.
B… foi acompanhado pela DGRSP de Outubro de 2012 a Janeiro de 2014 no âmbito da suspensão provisória do processo.
B… foi encaminhado para consulta de psiquiatria no D… e realização de tratamento para o consumo imoderado de álcool. Não obstante, durante a suspensão do processo continuaram a ocorrer conflitos e o arguido terá mantido o consumo de álcool em moldes nocivos e perturbadores da dinâmica familiar e do seu bem-estar pessoal.
Após alta hospitalar e ainda em recuperação, B… foi acolhido pela sua mãe, passando desde então a constituir agregado com esta e com um dos seus irmãos, pessoas que lhe têm prestado um suporte familiar fundamental para a sua estabilidade pessoal.
Residem os três na Rua …, nº …., em … – Penafiel, numa casa por cujo arrendamento pagam 175.00€ mensais, dotada de adequadas condições de habitabilidade e fazem uma gestão partilhada das despesas.
O arguido após a recuperação, em agosto de 2016, começou a trabalhar na empresa denominada “F…” como calceteiro, actividade profissional que tem mantido com regularidade, tanto em Portugal como em França, país onde a empresa também tem trabalhos em curso. Quando trabalha em Portugal aufere o salário mínimo nacional e quando o faz em França aufere 1400.00€ mensais. Encontra-se numa etapa de vida em que está a tentar saldar algumas dívidas contraídas no passado, nomeadamente, o pagamento das rendas em divida relativas a casa morada de família, entregue ao senhorio após o termo da relação. O arguido refere ter assumido a comparticipação das despesas do descendente com um quantitativo mensal de 250.00€ ao longo do último ano e a comparticipação das despesas do actual agregado no valor mensal de 150.00€.
Não obstante o acompanhamento em curso por especialidade de psiquiatria no D…, mantém consumo de álcool e instabilidade pessoal, assumindo dificuldade em aceitar a ruptura da relação com C… e as contrariedades decorrentes do afastamento do descendente.
Denota algumas dificuldades em reconhecer vítimas e danos no presente processo uma vez que, embora admita conflitualidade, efectua uma atribuição externa da responsabilidade pelos factos que lhe são imputados e assume papel de vítima.
Reconhece a necessidade de se desligar afectivamente de C… e de reorganizar a sua vida em termos afectivos, embora apresente dificuldades a este nível, parecendo continuar a idealizar uma reconciliação.
O seu quotidiano está centrado no exercício profissional e na manutenção da relação com o descendente, não tendo ainda conseguido encontrar formas de ocupação dos tempos de lazer que contribuam para o descentrar da relação com C…, não obstante o esforço feito nesse sentido pelo agregado de origem em que se integra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Enquadramento jurídico-penal
(…)
Partindo destas considerações e subsumindo-nos ao caso subjudice, resulta, sem margem para dúvidas, da factualidade provada o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal.
(…)
3.2. Da Escolha e da Medida Concreta da Pena
Apurada a responsabilidade criminal do arguido, cumpre, em primeiro lugar, determinar a pena abstractamente aplicável.
O crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, é punível com pena de prisão de dois a cinco anos.
O sistema punitivo português tem, como primeiro objectivo, um efeito pedagógico e ressocializador, sendo a pena detentiva ou privativa da liberdade encarada como a ultima ratio.
Neste sentido dispõe o artigo 70.º do Código Penal que determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
As finalidades da punição prendem-se, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 40º do Código Penal, com a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Assim, sempre que seja possível, deve-se optar por uma pena não privativa da liberdade. É essa pena que deve ser aplicada sempre que seja suficiente para proteger os bens jurídicos e possibilite a reintegração do arguido na sociedade.
Neste sentido, e segundo Figueiredo Dias, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa (…) e a sua efectiva aplicação” (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas, Editorial Notícias, pág. 331).
A par das exigências de prevenção geral, importa considerar as exigências de prevenção especial “seja na sua função positiva de socialização, seja, em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança” (Figueiredo Dias, ob cit, pg. 108).
O crime de violência doméstica apenas prevê a aplicação de pena de prisão.
Caberá, agora, determinar a medida concreta da pena, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial.
A culpa funcionará sempre como limite máximo absolutamente inultrapassável (de acordo com o n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal), enquanto que o limite mínimo deverá ser encontrado tendo em conta aquela pena que responda à necessidade de tutela dos bens jurídicos e à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada ou reafirmação contra-fáctica da norma.
No que toca a esta operação, ensina Figueiredo Dias que “há uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; medida pois que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. Mas, abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.”
Assim, “dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos – podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena”.
Os factores que permitirão ao julgador decidir, face às considerações acima expostas, qual a medida da pena adequada a aplicar no caso concreto ao arguido constam do artigo 71º do Código Penal.
Deve, assim, atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
No que concerne à censura ético-jurídica, teremos que valorar contra o arguido a intensidade do dolo – dolo directo.
O modo de execução do crime reveste ilicitude muito elevada, considerando as concretas condutas perpetradas pelo arguido, mormente os episódios relatados em 7. e 11. a 20. dos factos provados.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas, considerando a necessidade de punir este género de comportamentos (violência doméstica), que são cada vez mais frequentes na nossa sociedade e dos quais advém, por vezes, consequências catastróficas.
No que concerne às necessidades de prevenção especial, importa considerar que o arguido já foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e, bem assim, já beneficiou de uma suspensão provisória do processo pela prática de um crime de violência doméstica contra a aqui ofendida C….
Das declarações prestadas pelo arguido não resulta que o mesmo está verdadeiramente arrependido do que fez.
Aliás, o que o mesmo disse é que estava arrependido do que fez a ele próprio, ao ter ingerido ácido.
O arguido continua a culpar a ofendida (e o relacionamento online que a mesma encetou com outro homem) pelas suas condutas, assumindo o papel de vítima.
Diga-se que, aquando dos graves factos vertidos em 7., a ofendida não mantinha qualquer relacionamento com outro homem e isso não impediu o arguido de agir da forma aí descrita.
Por outro lado, esse relacionamento não justifica, nem diminui a ilicitude do comportamento bárbaro que o arguido teve para com a ofendida no dia 16 de Maio de 2016.
Mesmo depois da separação, o arguido continua a incomodar a ofendida, mandando-lhe mensagens ameaçadoras, impedindo-a de prosseguir a sua vida, mantendo-a num constante estado de medo e inquietação.
O arguido não aceita o fim da relação que manteve com a ofendida, apresentando sentimentos ambíguos em relação à mesma (tão depressa diz que ainda a ama como depois já diz que não a quer e que quer ficar com a guarda do filho porque ela é má Mãe).
Ponderadas todas as circunstâncias referidas supra, julgamos adequado fixar a pena a aplicar ao arguido pelo crime de violência doméstica em 3 (três) anos de prisão.
Por tudo o que acabamos de referir, entendemos que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão não são suficientes para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
De facto, ponderando-se a gravidade dos factos dados como provados, o facto do arguido persistir na sua conduta persecutória em relação à ofendida mesmo na pendência dos presentes autos e a incapacidade demonstrada pelo arguido em aceitar a ruptura da relação com C… e de a reconhecer como vítima, optando antes por se vitimizar e atribuir a outrem a responsabilidade pelos seus actos, impõe-se o cumprimento efectivo da pena supra referida, o que se decide.
(…)
IV – Do direito da vítima a uma indemnização.
Estabelece o artigo 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16-09 (regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica) que:
“1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. (…)”
Preceitua o artigo 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal que: “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.
Ao determinar, no artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, a aplicação deste regime em qualquer caso, apenas se ressalvando a hipótese de oposição expressa por parte da vítima, o legislador afastou o pressuposto previsto na parte final do n.º 1 do artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal [particulares exigências de protecção], quando esteja em causa uma vítima de violência doméstica.
A ofendida não deduziu pedido de indemnização civil e não se opôs à aplicação do regime jurídico enunciado.
Importa, pois, fixar a quantia indemnizatória que lhe é devida.
Dispõe o artigo 483º do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Os pressupostos para a obrigação de indemnizar assentam assim, por força do normativo citado, na existência de um facto voluntário do agente, na ilicitude desse facto, na verificação de um nexo de imputação do facto ao agente, que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano e, finalmente, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido.
Distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuária.
Os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Os danos não patrimoniais são prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
Relativamente aos danos não patrimoniais, estabelece o art. 496.º do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Na fixação da indemnização, diz o mesmo preceito – n.º3 – que se devem ter em conta as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as demais circunstâncias do caso que o justifiquem e, ainda, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Como refere Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. 1, pg. 499 “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).”
Considerando a factualidade supra dada como provada, demonstrado que ficaram todos os pressupostos da responsabilidade civil do arguido, ponderando o seu grau de culpabilidade e os danos morais sofridos pela ofendida, julga-se adequado arbitrar, a este título, a quantia de €5.000 (cinco mil euros).
(…)"
B – Apreciando:
1ª questão
O recorrente invoca na sua motivação de recurso um alegado erro em matéria de direito, que terá resultado numa alegada excessividade da pena de prisão aplicada, por não terem sido consideradas todas as atenuantes, em violação do disposto no artigo 71º do Código Penal, devendo a pena concreta ser fixada em dois anos de prisão.
Identifica, como atenuantes desatendidas pelo tribunal a quo "os factos que dizem respeito à personalidade do arguido, (…) do arguido ter confessado os factos pelos quais vinha acusado, (…) do arguido estar inserido social e familiarmente, (…) do arguido mostrar-se séria e humildemente arrependido pelos factos cometidos, (…) do arguido mostrar consciência da gravidade da situação, (…) do arguido não ter contacto pessoal com a ofendida há mais de um ano".
Finalmente, reitera que "o comportamento colaborante, pacífico e humilde do recorrente, bem como a confissão e arrependimento demonstrados em sede de audiência de julgamento revelam uma faceta da personalidade que, conjugada com a sua plena inserção social e familiar, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante uma atenuação (…)".
O Ministério Público pugnou pela confirmação da decisão, por entender que a pena se revela justa, equilibrada, adequada e proporcional às prementes exigências prevenção geral e especial – posição com a qual a assistente também concordou -.
Apreciando.
De jure
O crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão de dois a cinco anos.
A lei penal geral define que “A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” - art. 71º, 1, do Código Penal -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Numa formulação particularmente feliz, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, relatado pelo Juiz-Conselheiro Santos Cabral, no processo nº 137/07.5GDPTM, refere que "são fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)".
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe considerar que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo ser respeitadas as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
No caso concreto em apreço, tal como em qualquer outra decisão penal, apenas os factos provados podem influir na determinação da pena – e não quaisquer outras circunstâncias alegadas que não tenham esse suporte, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, que invocou algumas circunstâncias não emergentes da sentença -:
- Contrariamente ao alegado pelo recorrente, não resultou provado que o arguido se encontre arrependido pela prática do crime de violência doméstica que cometeu, tendo por vítima a sua companheira, simultaneamente mãe do seu filho.
Antes pelo contrário: resultou provado que "o arguido denota algumas dificuldades em reconhecer vítimas e danos no presente processo uma vez que, embora admita conflitualidade, efetua uma atribuição externa da responsabilidade pelos factos que lhe são imputados e assume papel de vítima".
Por conseguinte, em vez de existir uma circunstância que poderia operar como fator atenuante da pena (tese do recorrente), provou-se um facto que integra uma circunstância agravante da pena (artigo 71º, 2, corpo e alínea f), do Código Penal) dotado de média/elevada eficácia agravante (conforme fundamentado pelo tribunal a quo).
- A confissão do arguido, também alegada pelo recorrente como fator de atenuação da pena, embora não tenha integrado um facto provado, encontra alguma expressão na fundamentação da convicção do tribunal, que identifica uma confissão meramente parcial dos factos integrantes da acusação. Importa, assim, definir o seu impacto na determinação da pena.
Uma confissão de arguido em julgamento – enquanto ato público de admissão de culpa -, apenas poderá ser valorado como fator atenuante da pena, de média eficácia, caso a mesma tenha subjacente um genuíno arrependimento e admissão de culpa, na medida em que é valorada, nesses termos, à luz da previsão legal corporizada no artigo 71º, 2, corpo e alíneas e) e f), do Código Penal[3].
A título de exemplo, veja-se que mesmo uma confissão integral e sem reservas – que não aconteceu no julgamento em apreço – não poderá ser valorada como fator atenuante da pena, se o arguido se limita a revelar e descrever a sua prática criminosa, por exemplo, com triunfalismo, evidenciando profundo desprezo pela vítima – o que também não aconteceu nos autos -.
No caso em apreço, segundo a fundamentação da decisão da matéria de facto, a confissão limitou-se ao seguinte:
a) admitiu o provado em 1. a 6., negando apenas ter desferido pontapés na ofendida;
b) afirmou não se recordar da situação vertida em 7., mas admitiu ser possível que a mesma tenha ocorrido;
c) confirmou o vertido em 8. a 10.;
d) confirmou, quase na íntegra, o que se deu como provado em 11. a 19., dizendo não se recordar de ter amarrado a ofendida à cama, de lhe ter tirado a roupa e de se ter molhado com ácido; e
e) admitiu ser dele o n.º de telemóvel referido em 22. e ter enviado as mensagens transcritas na factualidade provada e serem dele os manuscritos juntos aos autos.
Porém, de acordo com o provado e apesar da elevada gravidade (v.g. grau de ilicitude e de culpa) dos factos em causa, o arguido não se vê como agressor, mas vítima, estando convencido de que não teve culpa nos factos (facto provado 33, penúltimo parágrafo). Não se verificou no caso em apreço, em momento algum, um genuíno arrependimento pelo crime cometido.
Os traços de personalidade e de caráter do arguido, evidenciados na sua própria avaliação do sucedido ao longo dos anos, impedem que a confissão parcial dos factos e a sua atual integração familiar e social possam ser considerados fatores de atenuação da pena dotados, sequer, de média eficácia, uma vez que o arguido sempre beneficiou destas condições favoráveis que não o impediram de cometer o crime grave que constitui o objeto deste processo.
As preocupações concretas de prevenção especial do crime não resultam da falta de integração social e familiar do arguido, mas do seu caráter e da sua personalidade, bem caracterizadas nas suas condutas e na sua própria avaliação da sua prática criminosa.
As exigências de prevenção especial - que moldam as penas nos termos do disposto no artigo 71º, nº 1, in fine, do Código Penal – impedem uma maior atenuação da pena.
Por conseguinte, a confissão parcial dos factos e a sua integração familiar e social apenas integram um fator de atenuação da pena dotado de reduzida importância.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o comportamento do arguido continuou e continua a gerar preocupação, sendo censurável (facto provado 30. acima descrito) e suscitando receio de futuros comportamentos ilícitos (factos provados sob o ponto 33.).
Nestes termos – e tendo em consideração a elevada intensidade dolosa evidenciada na prática do crime, o elevadíssimo grau de ilicitude manifestado na conduta do arguido (que violou bens jurídicos valiosos da vítima), a reiteração das práticas criminosas ao longo de um elevado hiato temporal e, mesmo, o antecedente criminal provado, que, no seu conjunto, assumem eficácia agravante da pena dotado de elevada eficácia, mostra-se manifestamente infundada a pretensão recursória do arguido em ver a pena reduzida para o seu mínimo legal. Tal solução está reservada para os casos onde só militem atenuantes da pena, dotadas de elevada eficácia – o que não é, manifestamente, o caso dos autos -.
Na verdade, ponderando os fatores acima descritos, considerar-se-ia ajustada uma pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão - a qual seria mais adequada a satisfazer as exigências de prevenção especial e geral, correspondendo, igualmente, ao grau médio/elevado de culpa do arguido e ao grau muito elevado de ilicitude dos factos -.
No entanto, não sendo legalmente admissível a "reformatio in pejus" (artigo 409º, nº 1, do Código de Processo Penal), este Tribunal confirma a pena aplicada (três anos de prisão).

2ª questão
O recorrente ainda pretende que seja suspensa execução da pena de prisão, mediante sujeição a regime de prova (artigos 50º, 1 e 51º, ambos do Código Penal), tendo em conta a personalidade do arguido, as condições da sua vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime, por ser possível um juízo de prognose favorável.
O Ministério Púbico, secundado pela assistente, defende a efetividade da pena de prisão aplicada, baseando-se no argumento principal plasmado na fundamentação jurídica da sentença recorrida: o recorrente em sede julgamento não demonstrou qualquer arrependimento da sua bárbara conduta, nem capacidade de auto-controle, nem de se descentrar, culpando a ofendida pelas suas condutas e assumindo o papel de vítima.
Apreciando.
De jure
O artigo 50º nº 1 do Código Penal estatui que o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Esta norma fixa um pressuposto formal - o de que a pena seja de prisão em medida não superior a cinco anos – e um pressuposto material - o de que «o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...).»
Enquanto não oferece qualquer dúvida de que se verifica no caso concreto o pressuposto formal – sendo a pena concreta aplicada três anos de prisão, logo inferior a cinco anos de prisão -, resta aferir se o pressuposto material se encontra, ou não, preenchido no caso em apreço.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
Como salientado por Figueiredo Dias "A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo."
Constitui um elemento decisivo aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”
No plano da evolução histórica da nossa lei criminal, já antes da revisão do Código Penal concretizada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, a suspensão da execução da prisão não seria decretada caso se opusessem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, afastando quaisquer considerações relativa à culpa “mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
A atual redação da norma refere a realização das finalidades da punição de forma adequada e suficiente.
Houve um aperfeiçoamento de ordem legal de forma mais abrangente na dimensão da finalidade das penas, com repercussão nas penas concretas.
A socialização entronca num critério de exigências de prevenção especial.
É essa prevenção especial que perante um prognóstico favorável nos termos do artigo 50º nº 1 do Código Penal, determina a socialização em liberdade do condenado, por ser adequada e suficiente às finalidades da punição.
Em concreto:
A questão jurídica concreta é de uma manifesta simplicidade.
A simplicidade resulta da personalidade evidenciada pelo arguido, que insistiu em reiterar práticas criminosas – aquelas que integraram a prática do crime de violência doméstica em causa -, não reconhecendo a gravidade da sua conduta e as consequências forçosamente nefastas para a vítima do crime, mantendo ainda hoje interesse de natureza passional pela vítima e considerando ser esta a culpada pelo sucedido, ou seja, pela conduta do arguido.
Em complemento, interessa recordar ter resultado provado, além do exposto, que embora o seu quotidiano esteja centrado no exercício profissional e na manutenção da relação com o descendente, o arguido ainda não conseguiu encontrar formas de ocupação dos tempos de lazer que contribuam para o descentrar da relação com C… (a vítima do crime), não obstante o esforço feito nesse sentido pelo agregado de origem em que se integra.
Além disso tem um antecedente criminal por crime contra a integridade física.
Perante esse quadro, a argumentação do recorrente não tem fundamento na factualidade provada, uma vez que, contrariamente ao alegado, a realidade provada evidencia que a personalidade do arguido, as condições da sua vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime inviabilizam um juízo de prognose favorável, fazendo-se sentir elevadíssimas preocupações de prevenção especial.
Assim sendo, confirma-se a efetividade da pena de prisão aplicada, improcedendo a segunda pretensão recursória do arguido.

3ª questão
Finalmente, o recorrente pretende a alteração do montante da indemnização civil que foi fixada na sentença recorrida.
Para tanto, toda a motivação do recurso respeitante a esta matéria se limita ao seguinte: "Tendo em conta os factos dados como provados, tendo em conta o estado atual económico-financeiro do arguido, conclui-se que é manifestamente exagerado e desproporcionado o valor de indemnização ao qual o recorrente foi condenado, pelo Tribunal a quo. Pelo que, quanto a esta decisão, deve a mesma ser revogado e o valor indemnizatório ser alterado por um que se ajuste e que seja equitativo ao caso dos presentes autos.".
Apreciando.
O recurso do arguido, nesta parte, versa matéria de direito.
Por conseguinte, a motivação de recurso respeitante a esta questão deve respeitar o estatuído no artigo 412º, nº 2, als. a), b) e c), do Código de Processo Penal, que estabelece que as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e;
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
Nada disso foi cumprido pelo recorrente.
Tal omissão não permitiu uma situação de convite ao aperfeiçoamento da motivação do recurso, mediante a inclusão dos requisitos em falta, pois o mesmo não seria legalmente possível, na medida em que o corpo da motivação de recurso também não contém tais elementos em falta e, assim, a apresentação de uma nova motivação contendo as referências em falta violaria, sempre, o disposto no artigo 417º, nº 4, do Código de Processo Penal.
Lida a totalidade da motivação do recurso, constata-se que o recorrente não esclarece, minimamente, a base legal da sua pretensão – não identificando, sequer, qualquer preceito legal que suporte a sua pretensão –, não identifica a interpretação jurídica do tribunal recorrido que impugna, nem concretiza o montante da indemnização que considera equitativo, ou seja, qual a decisão que pretende seja tomada, em substituição da sentença impugnada.
Não compete ao tribunal de segunda instância, oficiosamente, encontrar fundamento jurídico para uma pretensão recursória que, além do mais, não chegou a ser efetivamente concretizada (v.g. qual o montante de indemnização que o recorrente pretende seja fixado, em substituição do valor decidido).
Por conseguinte, não contendo a motivação de recurso os elementos mínimos que permitam compreender e decidir o recurso no segmento respeitante à questão da indemnização civil, o mesmo é manifestamente improcedente nesta parte.
Das custas
Sendo o recurso julgado não provido, o arguido deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, de acordo com o grau de complexidade média do recurso, em 4,5 UC (quatro unidades de conta e meia).
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam por unanimidade os juízes ora subscritores, do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso do arguido B….
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 4,5 UC (quatro unidades de conta e meia).

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 21 de Março de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] "2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
(…)
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este (…);
(…)