Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1617/20.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO FLEXÍVEL
RESPONSABILIDADES DA VIDA FAMILIAR
RECUSA PELO EMPREGADOR
FORMALIDADES
INTERVENÇÃO DO CITE
Nº do Documento: RP202107141617/20.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Não se discutindo que a A. observou o disposto no art. 57º nº 1, do Código do Trabalho, dentro dos limites por ela indicados, de modo a possibilitar a conciliação da vida profissional com as responsabilidades da sua vida familiar, cabia ao réu a determinação do concreto horário de trabalho a cumprir em cada momento, nos termos do art. 212º, nº1 do mesmo diploma legal.
II – Mesmo que o R./empregador, entendesse que a pretensão da A./trabalhadora era de recusar por não se compaginar a horário flexível, deveria o mesmo comunicar, por escrito, àquela a sua intenção e está, também, obrigado a submeter o processo à apreciação da CITE.
III – Não cumprindo estas formalidades, no prazo estipulado no nº 8 do art. 57º, considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos.
IV – Resulta claramente daquele art. 57º, designadamente dos seus nºs 3, 5 e 8, é que ocorrendo, seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder o trabalho em regime de horário de trabalho flexível, a lei impõe a intervenção do CITE, para efeitos de emissão do respectivo parecer.
V – Nos termos do nº 7, daquele artigo, o empregador, em caso de parecer desfavorável do CITE tem a possibilidade legal de intentar acção judicial com vista ao reconhecimento dos motivos justificativos para a recusa.
VI - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto, objecto da impugnação, não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, sob pena de se proceder à prática de um acto inútil, proibido por lei, art. 130º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1617/20.2T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 2
Recorrente: Centro Hospitalar …, EPE
Recorrida: B…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., B…, com o NIF ………, residente na Rua …, nº …, 1º andar-casa ., …. - … Vila Nova de Gaia, intentou acção declarativa com processo comum contra a Ré, Centro Hospitalar …, EPE, com o NIPC ……… e com sede no …, ….-…, com os fundamentos que constam da petição, terminando que deve a acção ser julgada procedente por provada e consequentemente o Réu ser condenado a:
1- Reconhecer que a Autora reúne os requisitos legais para ter o direito a um horário de trabalho flexível em virtude das suas responsabilidades familiares, e por isso a exercer as suas funções entre as 08H00 e as 18H00 nos dias úteis, e com excepção de sábados, domingos e feriados.
2 - Elaborar o horário de trabalho mensal para a Autora de forma a cumprir o estabelecido em 1º, não havendo motivo justificativo para tal recusa.
3 - Pagar a sanção pecuniária compulsória de 50,00 € diário por cada dia de incumprimento a partir do trânsito em julgado da sentença.
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Realizada a audiência de partes, nos termos documentados na acta, datada de 25.05.2020, frustrou-se a conciliação daquelas, tendo a ré sido notificada para contestar, o que fez por impugnação, apenas, em parte, aceitando o alegado pela Autora, defende que deverá concluir-se pela inexistência da violação do direito invocado pela mesma.
Conclui que deverá a acção ser julgada improcedente por não provada e ser absolvida dos pedidos formulados contra si.
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A autora não apresentou resposta.
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Foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o valor da acção em € 7.500,00, identificado o objecto do litígio e considerados assentes os factos 1º a 4º, 8º e 9º da p.i., considerando a simplicidade da matéria, não se fixaram temas de prova.
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Os autos seguiram para julgamento e realizada a audiência, nos termos documentados na acta datada de 14.01.2021, conclusos os autos para o efeito, foi proferida sentença que, terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e consequentemente condeno a R, Centro Hospitalar …, EPE a:
1- Reconhecer que a Autora tem direito a um horário de trabalho flexível e assim, a exercer as suas funções entre as 08H00 e as 18H00 nos dias uteis, e com excepção de sábados, domingos e feriados.
2 - Elaborar o horário de trabalho mensal para a Autora de forma a cumprir o Horário de trabalho mencionado em 1.
3 - Ao pagamento, ao A. e ao Estado em partes iguais, da quantia diária de € 50,00 a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de incumprimento do horário de trabalho acima fixado, a partir do trânsito em julgado da decisão.
Custas pela Ré.».
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Inconformado com a sentença o R., nos termos das alegações juntas, interpôs recurso, finalizando com as seguintes CONCLUSÕES:
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A A. respondeu, nos termos das contra-alegações juntas, que terminou “Em conclusão:
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O recurso foi devidamente admitido, com efeito devolutivo e ordenada a sua subida a esta Relação, nos próprios autos.
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O Ex.mº Sr.º Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, no sentido de o recurso não obter provimento, no essencial, por considerar que a sentença recorrida deverá ser confirmada atento o rigor dos fundamentos que nela foram consignados.
Notificadas, nenhuma das partes respondeu a este parecer.
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Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber se o Tribunal “a quo” errou:
- na decisão da matéria de facto, ao não considerar os “factos essenciais” que, o recorrente considera devem ser aditados à matéria de facto provada e ao dar como provados os factos 5, 6 e 7;
- na decisão de direito, devendo a acção ser julgada improcedente, como defende o recorrente.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
- A 1ª instância considerou que, discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
“1. Factos provados:
1 – A Autora e o Réu celebraram em 09 de Agosto de 2007, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo qual a Autora passou a exercer sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu as funções correspondentes à categoria profissional de enfermeiro, e com inicio em 09 de Agosto de 2007 − Matéria de facto alegada no art. 1.º da petição inicial.
2 – Contrato de trabalho este que se manteve até ao presente em vigor e onde exerce as suas funções no serviço de TCE do Réu. − Matéria de facto alegada no art. 2.º da petição inicial.
3 – Em 14.02.2019 nasceu o filho da Autora C…, cujo progenitor é D…. − Matéria de facto alegada no art. 3.º da petição inicial, assente por provado por documento, certidão de nascimento de fls. 11.
4 – Quer o menor, quer o progenitor D…, vivem em conjunto com a Aurora, constituindo um só agregado familiar, vivendo em comunhão de mesa e habitação. − Matéria de facto alegada no art. 4.º da petição inicial.
5 –O pai do menor tem um contrato de trabalho a tempo total, sem horário flexível e com isenção de horário, e atentas as suas funções é constantemente forçado e aleatoriamente a trabalhar após as 18h00 e aos fins de semana em qualquer ponto do país− Matéria de facto alegada nos art. 5 da petição inicial.
6 – Por tal facto é a Autora que tem de prestar e assegurar toda a assistência diária ao menor C…, dada a impossibilidade do pai, e não ter outro meios e pessoas que o façam. − Matéria de facto alegada no art. 6.º da petição inicial.
7 – Tendo de sujeitar-se ao horário do infantário que o menor frequenta e das deslocações casa/trabalho/infantário e vice-versa − Matéria de facto alegada no art.º 8.º da petição inicial.
8 – Após o período de licença parental, a Autora, em 18.11.2019, apresentou junto do Presidente do Conselho de Administração do Réu, o requerimento junto aos autos a fls. 14, requerendo lhe seja concedida a flexibilidade do seu horário de trabalho por forma a exercer assuas funções em dias entre as 8 e as 18horas (isto é excepto sábados, domingos e feriados), nos demais termos dele constantes, e cujo teor se dá aqui por reproduzido - Matéria de facto alegada no art.º 9.º da petição inicial.
9 - Face ao requerimento mencionado em 8 formulado pela A, em 22.11.2019 a S.G.R.H. Horários informa que: “Nos termos do art. 56º do Código de Trabalho em anexo, o trabalhador com responsabilidades familiares, pode pedir o regime de horário flexível. A requerente reúne os requisitos para lhe poder ser atribuído o solicitado e instruiu o pedido com a documentação prevista no art. 57º para o efeito”, conforme consta no documento junto aos autos a fls. 5. Matéria de facto alegada no art.º 10.º da petição inicial.
10 - Seguidamente, o requerimento mencionado em 8, é remetido à Sra Enfermeira Chefe da Unidade TCE, para os devidos efeitos, e esta em 27.11.2019 informa que: “O horário a conceder pelo serviço será preferencialmente manhãs e tardes tendo que perfazer as horas obrigatórias”; Sendo de seguida o requerimento remetido ao Departamento de Neurociências, e este Departamento em 28.11.2019, dá a seguinte informação sobre o requerido pela A “Informa-se que o horário solicitado é incompatível com os turnos existentes nos Serviços de Internamento do CH …. Nada a opor ao acordado, efectuando turnos diurnos de manhã e/ou tarde em dias uteis, completando o n.º de horas de trabalho contratualizado. Acrescento que a mobilidade interna é uma realidade que terá de se equacionar a curto prazo”. conforme consta no documento junto aos autos a fls. 5. Matéria de facto alegada nos art.º 11.º e 12.º da petição inicial.
11 - Em 12.12.2019 o enfermeiro Director informa o Conselho de Administração que Deve ser autorizado este horário flexível conforme o acordado entre o serviço e a requerente, sendo que em 12.12.2019, o Conselho de Administração da CH …, apreciando o requerimento da A, “Autoriza conforme proposto” - Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 13º da petição inicial.
12 - A A tomou conhecimento de todas as informações e pareceres constantes de 9 a 11 supra. - Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 14º da petição inicial.
13 - Em Dezembro de 2019, foi comunicada à A pela Ré, o seu horário de trabalho para o mês de Janeiro de 2020, fixando-se no mesmo, o turno da manhã, (8.00-14h.30m), e ainda quatro turnos da tarde (14h - 20h.30m), todos em dias da semana. - Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 16º da petição inicial.
14 - A Autora reagiu e manifestou a sua oposição, ao horário fixado para o mês de Janeiro, e referido em 13, por correio electrónico em 26.12.2019, junto da Sra Enfermeira Chefe e de que deu conhecimento à Sra Enfermeira Supervisora, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido. Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 17º da petição inicial.
15 - A Ré não alterou esse horário atribuído à A. - Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 18º da petição inicial.
16 - No mês de Janeiro de 2020, foi comunicada à A pela Ré, o seu horário de trabalho para o mês de Fevereiro de 2020, fixando-se no mesmo, o turno da manhã, (8.00-14h.30m), e ainda quatro turnos da tarde (14h - 20h.30m), todos em dias da semana. – nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 16, e cujo teor se dá aqui por reproduzido. Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 19º da petição inicial.
17 - A Autora reagiu e manifestou a sua oposição, ao horário fixado para o mês de Fevereiro de 2020, e referido em 16 por correio electrónico em 28.1.2020, junto do Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar … nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 17, cujo teor se dá aqui por reproduzido. Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 20º da petição inicial.
18 – A A. está integrada no serviço de Traumatologia. Matéria provada alegada no art.º 10.º da contestação.
19 - O Serviço de traumatologia é, neste momento composto por 18 enfermeiros que se obrigam a assegurar a prestação contínua, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365/366 dias por ano. Matéria provada alegada no art.º 11.º da contestação.
20 - Por questões de funcionamento e cumprimento destes horários, é o serviço de enfermagem prestado por turnos, desdobrados nos seguintes horários:
a) Turno da manhã das 08h00’ às 14h30’;
b) Turno da tarde das 14h00’ às 20h30’;
c) Turno da noite das 20h00’ às 08h30’ Matéria provada alegada no art.º 12.º da contestação.
21- A diferença de 30 minutos entre o início de um turno e o fim do anterior, tem por função a passagem dos dossiers aos colegas que vão iniciar o turno, pois é neste momento que o enfermeiro, que termina o turno, entrega todas as informações sobre o número de pacientes que se encontram no serviço, estado de saúde, evolução, medicação, entre outros, por forma a assegurar a continuidade dos tratamentos e medicação ministrada e necessária a cada um dos doentes que se encontram no serviço. Matéria provada alegada nos art.º 13.º e 14.º da contestação.
22 - Ainda para assegurar o bom funcionamento do serviço, o turno da manhã é composto por 3 enfermeiros uma enfermeira chefe e uma enfermeira especialista, o da tarde por 3 enfermeiros e o da noite por dois, de segunda a sexta-feira. Matéria provada alegada no art.º 15.º da contestação.
23 - Esta diferença, prende-se apenas com as necessidades normais dos serviços, já que, nos turnos da manhã e da tarde, além da monitorização individualizada de cada um dos doentes, são por norma realizados os exames médicos, o que obriga à afectação de enfermeiros ao acompanhamento dos doentes às respectivas salas (de colheitas, RX, TAC...). Matéria provada alegada no art.º 16.º e 17.º da contestação.
24 - Sendo o turno da noite um turno marcado essencialmente pela motorização de doentes que, em situação normal, estarão a dormir e não necessitam de cuidados específicos ou medicação, sem prejuízo de haver situações em que, mesmo durante a noite, a vigilância dos doentes obriga à sua deslocação para a realização de exames. Matéria provada alegada no art.º 18.º e 19.º da contestação).
25- Dos enfermeiros afectos ao serviço de traumatologia, com restrições de horário, 2 têm estatuto de trabalhador estudante, 1 é equiparado a bolseiro e 1 estava (no período em causa) de licença de maternidade e já requereu, além do horário para amamentar, a flexibilidade de horários (Matéria provada alegada no art.º 23.º da contestação).
26 - Naquele serviço de traumatologia, a existência de 3 enfermeiras que só pretendem fazer o turno da manhã, obriga a que os demais colegas sejam sobrecarregados com os turnos da noite e o trabalho ao fim-de-semana. Matéria provada alegada no art.º 33.º da contestação.
2. Factos não provados
Não se provaram os seguintes factos com relevância para o objecto do litigio:
a) Que a A, para completar as 35 horas semanais obrigatórias, anuiu em fazer excepcionalmente por mês, duas tardes. Matéria alegada no art.º 14.º da petição inicial”.
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B) O Direito
Alega o recorrente que, atento o supra exposto, não se pode conformar, de forma alguma, com a sentença proferida pelo Tribunal recorrido, devendo ser proferido acórdão que julgue a acção improcedente por não provada.
Insurge-se, desde logo, contra a decisão de facto, considerando incorrectamente julgados os factos por si alegados nos artigos 20º, 21º, 22º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 44º, 48º, 49º, 57º, 58, 60, 61º, 62º e 63º da contestação, pugnando que devem ser considerados provados e aditados à factualidade assente e pretende que se tenham como não provados os factos constantes nos pontos 5, 6 e 7 dos factos dados como provados na sentença.
Que seja dessa forma, discorda a recorrida e o Ex.mo Procurador, no parecer proferido.
E, sempre com o devido respeito, cremos com razão.
Explicando.
Para o efeito e atento o alegado pela recorrida, com o qual diga-se, desde já, concordamos, de que, “a presente acção restringe-se a uma questão de direito e face aos factos alegados e provados documentalmente poderia e deveria, ter sido decidida no despacho saneador” e, também, alega que “o Réu depois de reconhecer que a autora tinha direito, autorizado e concedido o horário flexível entre as 08H00 e as 18H00, não o recusando, como resulta dos factos provados nos pontos 8, 9, 10 e 11 da douta sentença, veio na prática a estabelecer outros horários,...”, ...”, o que o Réu pretende considerar como provado, ou já se encontra provado ou é irrelevante e não passam de considerações e não são factos”, invertemos a ordem das questões a apreciar e analisemos, previamente, à questão de saber se deve ser alterada a matéria de facto, nos termos pretendidos pelo recorrente, se o Tribunal “a quo” errou na aplicação do direito e, por isso, deve a acção ser julgada improcedente.
Comecemos, então, por analisar o que nela se consignou transcrevendo, em síntese, o seguinte:
«A A. intentou a presente acção para obter decisão judicial que reconheça que a Autora reúne os requisitos legais para ter o direito a um horário de trabalho flexível em virtude das suas responsabilidades familiares, e por isso a exercer as suas funções entre as 08H00 e as 18H00 nos dias uteis, e com excepção de sábados, domingos e feriados, e consequentemente seja o Réu condenado a elaborar o horário de trabalho mensal para a Autora de forma a respeitar tal horário, para prestar apoio e assistência ao seu filho menor de 12 anos, ao abrigo do disposto no art. 56.º do Cód. do Trabalho.
A matéria referente à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar encontra assento constitucional no art. 59.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
(...).
Nos termos do art. 35.º do Código do Trabalho (Protecção na parentalidade), a protecção na parentalidade concretiza-se através da atribuição dos direitos indicados nas diversas alíneas do seu n.º 1, entre os quais figuram os seguintes regimes especiais de organização do tempo de trabalho com fundamento nas necessidades de assistência à família, entre as quais:
− Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares (al. p) do n.º 1 do citado art. 35.º do Código do Trabalho).
O regime de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares no art. 56.º do Cód. do Trabalho, sendo no art. 57.º do mesmo diploma estabelecidos os procedimentos a observar para a obtenção da autorização, por parte do empregador (que é quem tem o poder de fixar o tempo e modo de prestação do trabalho, como corolário ou uma das manifestações do seu poder de direcção, em conformidade com o disposto nos artigos 97.º e 212.º do Código do Trabalho) para que a prestação do trabalho ocorra no regime pretendido.
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No caso em análise, provou-se que, após o período de licença parental, a Autora, em 18.11.2019, apresentou junto do Presidente do Conselho de Administração do Réu, o requerimento junto aos autos a fls. 14, requerendo lhe seja concedida a flexibilidade do seu horário de trabalho por forma a exercer as suas funções em dias entre as 8 e as 18horas (isto é excepto sábados, domingos e feriados), nos demais termos dele constantes, e cujo teor se dá aqui por reproduzido - Matéria de facto alegada no art.º 9.º da petição inicial. Face ao requerimento mencionado em 22.11.2019 a S.G.R.H. Horários informa que: “Nos termos do art. 56º do Código de Trabalho em anexo, o trabalhador com responsabilidades familiares, pode pedir o regime de horário flexível. A requerente reúne os requisitos para lhe poder ser atribuído o solicitado e instruiu o pedido com a documentação prevista no art. 57º para o efeito”, conforme consta no documento junto aos autos a fls. 5. Matéria de facto alegada no art.º 10.º da petição inicial.
Seguidamente, o requerimento da A é remetido à Sra Enfermeira Chefe da Unidade TCE, para os devidos efeitos, e esta em 27.11.2019 informa que: “O horário a conceder pelo serviço será preferencialmente manhãs e tardes tendo que perfazer as horas obrigatórias”; Sendo de seguida o requerimento foi remetido ao Departamento de Neurociências, e este Departamento em 28.11.2019, dá a seguinte informação sobre o requerido pela A “Informa-se que o horário solicitado é incompatível com os turnos existentes nos Serviços de Internamento do CH …. Nada a opor ao acordado, efectuando turnos diurnos de manhã e/ou tarde em dias uteis, completando o n.º de horas de trabalho contratualizado. Acrescento que a mobilidade interna é uma realidade que terá de se equacionar a curto prazo”. conforme consta no documento junto aos autos a fls. 5. Matéria de facto alegada nos art.º 11.º e 12.º da petição inicial.
Em 12.12.2019 o enfermeiro Director informa o Conselho de Administração que Deve ser autorizado este horário flexível conforme o acordado entre o serviço e a requerente, sendo que em 12.12.2019, o Conselho de Administração da CH …, apreciando o requerimento da A, “Autoriza conforme proposto” - Matéria de facto provada, no que tange ao alegado no art.º 13º da petição inicial.
A A tomou conhecimento de todas as informações e pareceres constantes de 9 a 11 supra.
(...).
O requerimento da A foi no sentido de lhe ser concedida a flexibilidade do horário de trabalho, e assim foi entendido pela R.
Sucede que, sob a epígrafe «Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível», dispõe por seu turno o artigo 57º do Código do Trabalho:
1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste:
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3 - No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9 - Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.
10 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2, 3, 5 ou 7.(negrito nosso).
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Ora, face à factualidade dada como provada, resulta inequivocamente que a A, em requerimento próprio, e juntando os elementos necessários para o efeito, requereu junto do R, a flexibilidade do seu horário de trabalho, ao abrigo do disposto no art.º 56.º do CT.
E a Ré recebeu tal requerimento e entendeu-o como tal.
Pretende a Ré recusar a prestação de trabalho nos termos solicitados, invocando, para tanto, as condições peculiares do seu funcionamento, a inexistência, no serviço onde está integrada a Ré de turnos que acabem às 18h, defendendo assim, que o facto de ter deferido o pedido formulado pela A, não a impede de temporária ou definitivamente, derrogar esse regime que deferiu, nem tão pouco ficar impedido de escalar a A para um horário diferente do por si proposto.
Mas não é assim, face ao que dispõe o art.º 57.º do CT.
Com efeito, se assim a Ré o entendia, teria necessariamente de lançar mão do regime previsto no supra transcrito artigo 57.º e não o fez.
Assim, e face ao que dispõe o art.º 57.º n.º 8 do CT, o comportamento assumido pela Ré subsequentemente ao pedido formulado pela A, nomeadamente a falta de comunicação, no prazo, de lhe indeferir o pedido tal como este foi formulado, ou de o remeter para a entidade competente a fim de ser emitido parecer, implica a aceitação do pedido do trabalhador, pelo empregador nos seus precisos termos.
Nestes termos, e com estes fundamentos, procede o pedido formulado pela A no sentido de reconhecer que a Autora reúne os requisitos legais para ter o direito a um horário de trabalho flexível em virtude das suas responsabilidades familiares, e por isso a
exercer as suas funções entre as 08H00 e as 18H00 nos dias uteis, e com excepção de sábados, domingos e feriados, pelo que, deverá a R laborar o horário de trabalho mensal para a Autora de forma a cumprir tais limites de horário.
(...).».
Que dizer?
Ora, começando precisamente, pelo que é o objecto da presente acção e o pedido formulado pela A., desde logo e em primeiro lugar é que, não temos dúvidas, o recorrente não tem razão.
Assim, como podemos de imediato dizer que subscrevemos, na íntegra, a decisão recorrida, cuja fundamentação perfilhamos e que atenta a factualidade que considerou, nomeadamente, (factos provados 8 e ss., que o R. não impugnou) e o disposto, em particular, no nº 8, do art. 57º, do CT (diploma a que pertencerão, os demais artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem), concordamos não poderia ser diversa, tendo feito a subsunção jurídica correcta dos factos apurados e como diz a recorrida, poderia ter sido proferida em sede de saneador, já que não se discutiam os factos em que assentou. Sendo inteiramente verdade que, o alegado pelo R., nomeadamente, no art. 54 da sua contestação, “invocando, para tanto, as condições peculiares do seu funcionamento, a inexistência, no serviço onde está integrada a Ré de turnos que acabem às 18h, defendendo assim, que o facto de ter deferido o pedido formulado pela A, não a impede de temporária ou definitivamente, derrogar esse regime que deferiu, nem tão pouco ficar impedido de escalar a A. para um horário diferente do por si proposto”, não é o meio próprio e adequado para recusar a prestação de trabalho, nos termos que lhe foram solicitados pela A., nem tem a virtualidade de impedir a procedência do pedido formulado, pela mesma, nesta acção que, sem dúvida, só podemos concluir foi aceite pelo R., uma vez que, perante o que lhe foi requerido pela A., nos termos do art. 56º, não procedeu, como lhe era exigível, nos termos do art. 57º, ou seja, cumprindo o formalismo neste indicado, o que como bem o considerou a Mª Juíza “a quo”, o consideramos nós, estava obrigado a seguir em face do pedido que lhe foi formulado pela autora.
E ao contrário, a A. fez prova de ter cumprido o formalismo necessário a que fosse deferido o seu pedido de direito à atribuição de horário flexível.
Mas, no caso, como bem diz a recorrida, é evidente que o R. não respeitou o prescrito na Lei, em concreto, o art. 57º, pois se pretendia não conceder o horário flexível teria de agir de acordo com os procedimentos ali expressos e não o fez, preferindo optar por uma narrativa que não tem relevância no caso concreto, por não poder invocar os pareceres da CITE pela simples razão que não suscitou a sua intervenção, nos termos daquele dispositivo, como bem se refere na sentença recorrida.
Como bem o demonstram as citações constantes daquela, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que tendo a A. requerido a flexibilidade de horário, deveria o R., por escrito e no prazo legal previsto naquele art. 57º, manifestar a sua intenção, e estava obrigado a comunicar à CITE, pelo que não o fazendo, concedeu tal horário, e não pode, agora, na presente acção, sanar o incumprimento do ali prescrito, nomeadamente, através da alegação que considera conter “factos essenciais”.
Senão, vejamos.
O legislador concretizou, no art. 56º, os princípios constitucionais da protecção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, nas acepções constantes, respectivamente, dos arts, 59º, nº1, al. b), 67º, nº1 e 68º, nº4 da CRP, ao estabelecer que, “O trabalhador com filho menor de 12 anos, ou independentemente de idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.”.
Nas palavras de (Maria do Rosário Palma Ramalho in “O tempo de Trabalho e conciliação entre a vida profissional e a vida familiar- Algumas Notas”, artigo constante da obra “Tempo de trabalho e tempos de não trabalho”, Estudos APODIT 4, pág. 101), lê-se: “a importância geral do tema da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar não precisa de ser enfatizada, uma vez que é um tema que se coloca a todos nós ao longo da vida, pela necessidade de articularmos a nossa vida profissional com as nossas responsabilidades como pais, como filhos ou simplesmente como cuidadores”.
Concretizando-se o exercício daquele direito e correspondente obrigação no que respeita à flexibilidade do horário, através do procedimento que aparece regulamentado no art. 57º, e depende do reconhecimento pelo empregador que, sem dúvida, como do mesmo decorre (nº 2), apenas, “pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável”, atentas as razões que lhe estão na base, que se prendem com o reconhecimento do direito à conciliação da actividade profissional com a vida familiar, de igual modo plasmadas nos art.s 127º, nº3 e 212º, nº2, al. b).
A este propósito escreveu (Liberal Fernandes in “O trabalho e o tempo: comentário ao Código do Trabalho”, pág. 37, acessível em www.cije.up.pt/download-file/2099), que: “Por razões diretamente relacionadas com a tutela da parentalidade, confere-se ao trabalhador o direito a trabalhar em regime de horário variável.
Esta faculdade não põe em causa o disposto no art. 212º, n.º 1, não conferindo àquele qualquer prerrogativa quanto à escolha de um horário em concreto, sem prejuízo de poder manifestar a sua preferência — o que, eventualmente, facilitará ao empregador a fixação do horário e permitir a conciliação dos interesses de ambas as partes, além de que poderá revelar-se um elemento útil para o parecer da CITE. No entanto, aquele direito não deixa de limitar os poderes do empregador em matéria de fixação do horário de trabalho: não só porque está vinculado a elaborar esse tipo de horário, como ainda o deve fazer dentro dos limites legais (n.ºs 3 e 4 do art. 56º).”.

Como estipula o nº 1, daquele art. 57º, ao trabalhador compete, pretendendo exercer tal direito, observar o ali referido, solicitando-o por escrito ao empregador, com a antecedência mínima de 30 dias e com os seguintes elementos:
“a) indicação do prazo previsto dentro do limite aplicável;
b) declaração da qual conste:
i) que o menor vive com ele e em comunhão de mesa e habitação;
(...)”.
O que, no caso, a Autora cumpriu, veja-se doc. junto a fls. 14, dos autos, do onde consta que é mãe de um filho menor de 12 anos de idade, (nasceu em 14.02.2019), que vive com ela e o outro progenitor, no mesmo agregado, tendo este um contrato de trabalho a tempo total, sem horário flexível e com isenção de horário, sendo forçado a trabalhar após as 18 horas e ao fim-de-semana, necessitando por si de prestar assistência ao menor e indica as horas de início e termo do período normal de trabalho diário (entre as 8h e as 18h (excluindo sábados, domingos e feriados).
O nº 2, do referido art. 56º, define que entende-se por horário flexível, aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se referem os nºs 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Verifica-se, assim, que a A. no requerimento que dirigiu à Ré cumpriu aquilo que a lei exige e que são apenas os elementos a que alude o nº 1 do art. 57º, ou seja, a indicação do prazo previsto (no caso, pelo menos, até aos 12 anos de idade do filho menor) e a declaração na qual consta que vive em comunhão de mesa e habitação com o seu filho e indicou ao Réu as horas de início e termo para a prestação do período normal de trabalho que pretende.
Sendo deste modo e, dentro dos limites indicados, procurando possibilitar a conciliação da vida profissional com as responsabilidades da vida familiar da Autora, que tem a seu cargo um filho menor, que afinal constitui afinal “a ratio” do horário flexível, cabia ao Réu, nos termos do art. 212º, nº1, a determinação do concreto horário de trabalho, a cumprir em cada momento.
Como se pode ler no, (Acórdão desta Relação do Porto de 02-03-2017, Proc. nº 2608/16.3T8MTS.P1, relatado pela Desembargadora Paula Leal de Carvalho in www.dgsi.pt), após referir que: “Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art. 56º, nº 2 do C.T., aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se refere o nº 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo”, continua referindo que, dentro dos limites pretendidos pela autora, “a organização dos horários, nomeadamente a definição dos intervalos de descanso e dos períodos de presença obrigatória, não deixariam, pois, de pertencer” à ré, “mantendo esta a capacidade de “gerir” o horário” da autora, “de acordo com as concretas necessidades da loja, concentrando os períodos de presença obrigatória nos períodos de maior atividade e de maior necessidade de presença de trabalhadores.”.
Ou seja, a organização dos horários, nomeadamente a definição dos intervalos de descanso e dos períodos de presença obrigatória, dentro dos limites pretendidos pela Autora, não deixariam de pertencer ao Réu. Mas, este não o fez, dentro daqueles limites, como se provou aconteceu (vejam-se factos provados 13 e 16).
Sendo certo que, não o podia fazer nos termos em que o fez.
Pois, ainda que o Réu entendesse que a pretensão da Autora não cabia na organização de um horário flexível, nos termos estipulados no art. 56º e que, por conseguinte, era de recusar a pretensão desta com esse fundamento, ainda assim estava obrigado a cumprir o formalismo indicado no art. 57º.
E a factualidade provada, não demonstra que o tenha cumprido.
O Réu, partir da recepção do pedido, dispunha de 20 dias para comunicar à trabalhadora a sua decisão e, no caso de pretender recusar o pedido, indicar o fundamento da intenção de recusa, nos termos dos nºs 3 e 4 daquela norma.
Sendo o que resulta, sem dúvida, daquele art. 57º, nomeadamente dos seus nºs 3, 4, 5 e 8, al.s a) e b), é que, ocorrendo, seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder o horário flexível ao trabalhador, a lei impõe que o faça, fundamentadamente, por escrito, no aludido prazo.
Mais, impõe-se-lhe que, nos 5 dias subsequentes ao prazo de que dispõe o trabalhador para se pronunciar sobre a intenção de recusa do empregador, envie o processo ao CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego) para efeitos de emissão do respectivo parecer.
Ou seja, ainda que o empregador recuse, com base no fundamento de que o horário solicitado pelo trabalhador não pode ser considerado um horário flexível, ainda assim está obrigado a submeter o processo à apreciação do CITE.
Já que, é a esta entidade que compete, nos termos do art. 3º do DL nº 76/2012, de 26.3: “(...)
c)- Emitir parecer prévio no caso de intenção de recusa, pela entidade empregadora, de autorização para trabalho a tempo parcial ou com flexibilidade de horário a trabalhadores com filhos menores de 12 anos (...).”
Aquela é a entidade, a quem compete a apreciação dos pressupostos de aplicação do direito ao trabalho com horário flexível, nos termos definidos por lei.
Tendo a empregadora sempre, no caso de parecer desfavorável do CITE, a possibilidade legal de intentar acção judicial, como prescreve o nº 7, do art. 57º, com vista a reconhecer a existência de motivos justificativos para a recusa.
Porque, como dispõe aquele, “o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo”.
E prescreve o nº8 do mesmo art. 57º, que, “Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a)- se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
(...)
c)- se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no nº5.”.
Concretizando, no caso, verifica-se que após a formulação do pedido da Autora, que ocorreu em 18.11.2019, não só não lhe foi efectuada nenhuma comunicação de intenção de recusa, já que desse modo não pode considerar-se a comunicação de horário diverso do pretendido (cfr. factos 8, 13 e 16), como se verifica, também, que o Réu não remeteu ao CITE o respectivo processo para emissão de parecer.
Ora, sendo deste modo, de acordo com o nº8 daquele art. 57, deverá considerar-se que o empregador aceitou o pedido da trabalhadora nos precisos termos em que foi formulado e, consequentemente, é manifesto que não merece censura a decisão recorrida quando assim decidiu e condenou o R., nos termos que supra se deixaram transcritos, nem violou a mesma quaisquer dispositivos nem, em concreto, os referidos pelo recorrente.
Razão suficiente para que se julgue improcedente o recurso e suficiente, também, para que se considere desnecessário tecer outras considerações e se mostre prejudicada, atento o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC, a apreciação da questão colocada pelo recorrente, quanto à decisão de facto.
Pois, face à factualidade que se mostra provada e que o recorrente não impugnou, como supra dissemos, a decisão recorrida não poderia ser outra e a impugnação deduzida pelo recorrente, ao contrário do que a mesma alega, não respeita a factos essenciais para a decisão a proferir na presente acção.
Sempre com o devido respeito, eventualmente, seria essencial se alegada, naquela acção a que alude o nº7, do art. 57º, mas não esta.
Assim, previamente, à apreciação da questão da impugnação da decisão da matéria de facto, uma outra se coloca. Saber se será aquela matéria (impugnada) juridicamente relevante, qualquer que seja a decisão que sobre a mesma venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar?
E, a resposta, como nos parece evidente e já deixámos antever, só pode ser negativa, face aos fundamentos da acção, o pedido formulado pela autora e o decidido em 1ª instância.
Da leitura dos factos impugnados, dados como provados e que o recorrente considera deviam ser dados como não provados e os que considera deviam ser aditados àqueles, face ao que se considerou na sentença recorrida que, como já dissemos, subscrevemos, para se decidir pela procedência da acção, não é possível concluir qual a relevância daquela factualidade ou importância dos mesmos para a decisão da causa, ao contrário do que refere o recorrente.
Em suma, face a tudo o que já se deixou exposto não se vê, em termos de subsunção jurídica, qual a relevância dos factos ali referidos.
Pois, mesmo a darem-se como não provados, como defende o apelante, os factos cuja resposta impugna e provados os factos que alegou e pugna deviam ser dados como provados, será que o pedido formulado pela autora improcederia?
É evidente que a resposta só pode ser não.
Aqueles reportam-se a factualidade que não tem a virtualidade de infirmar o desfecho da acção, nos termos que o recorrente pretende.
Como dissemos, os factos com vista a reconhecer a existência de motivo justificativo para a recusa do pedido da, aqui, A., seriam essenciais, mas, apenas, naquela acção a que alude o nº 7 do art. 57º que, não se verifica o R. tenha instaurado.
Assim sendo e além das considerações que antecedem, sendo sabido que, à reapreciação da matéria de facto impugnada só há que proceder, caso estejam em causa factos essenciais a fundamentarem solução jurídica do caso, pois, não sendo desse modo, deve ser indeferida a reapreciação, parece-nos ser essa a situação no caso.
Conforme, neste sentido, veja-se o (Acórdão desta Relação de 19.5.2014 in www.dgsi.pt), onde se decidiu, “atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão”.
Do teor daqueles factos e pontos objecto de impugnação, é claro que os mesmos não contêm matéria susceptível de fundamentar a solução jurídica do caso, nem a pretensão do recorrente, que soçobrou nos termos da decisão recorrida, sendo totalmente inócuos.
Pelo que, surge-nos evidente a inutilidade da pretendida reapreciação da matéria de facto e, como resulta do disposto no art. 130º, a lei proíbe a prática de actos inúteis.
Entendemos, assim, que não há que proceder à reapreciação daquela matéria de facto impugnada, neste sentido, veja-se ainda, o douto (Ac. da RC de 6.3.2012, no mesmo sítio da internet), onde se decidiu, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”.
Atento o exposto, indefere-se a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, mantendo-se nos seus precisos termos a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal “a quo”.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente.
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Porto, 14 de Julho de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão