Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3207/17.8T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIAGEM DE LAZER
Nº do Documento: RP201903263207/17.8T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º881, FLS.62-70)
Área Temática: .
Sumário: I - No incidente de incumprimento do acordo regulador do exercício das responsabilidades parentais, apenas assume relevância um comportamento culposo, grave e censurável.
II - Na apreciação da conduta do progenitor, a quem é imputado o alegado incumprimento, o tribunal deve sempre nortear-se pelo superior interesse da criança.
III - A viagem de lazer que o progenitor não guardião proporcionou ao seu filho (informando previamente a mãe), para além de ter permitido um melhoramento do relacionamento entre ambos, em ambiente descontraído, contribuiu para o bem estar psicológico da criança, ou seja, para o seu desenvolvimento harmonioso.
IV - O cumprimento incompleto do dever de informação sobre a viagem de lazer, em circunstâncias em que a mãe podia ter obtido, querendo, informação sobre o local onde o pai pretendia ficar instalado com a criança, não consubstancia um incumprimento grave, culposo e censurável, atendendo aos interesses em presença nomeadamente o desenvolvimento harmonioso do menor, decorrente do salutar convívio da criança com o pai.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3207/17.8T8VNG-A.P1
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Relatora : Anabela Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B…, mãe do menor C… instaurou a presente providência tutelar cível por incumprimento das responsabilidades parentais, ao abrigo do disposto no artigo 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), contra o pai do menor, D….
Alegou, para esse efeito, que, apesar do estabelecido na cláusula 1.4. do acordo de regulação de responsabilidades parentais, nos termos da qual os progenitores ficam obrigadores a comunicar a intenção de viajar com o filho para o estrangeiro, não foi informada da viagem que o Requerido fez com o filho no dia 3/9/2017 para Sevilha, Espanha; soube posteriormente desse facto.
Na conferência, a que alude o artigo 41º, nº 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), a Requerente declarou, em síntese, que:
- Antes da deslocação do Requerido progenitor para Sevilha, em conversa telefónica entre a Requerente e o requerido, começada por iniciativa do filho menor de ambos, a Requerente veio a saber que o Requerido tencionava viajar para Espanha, designadamente para Sevilha.
- A Requerente relatou que não foi informada pelo Requerido do plano de viagem, designadamente das datas de ida e de regresso, nem concretamente do local das estadias na referida cidade de Sevilha.
Pelo mandatário do Requerido, foi dito que dois ou três dias antes do período de férias que se iniciou a 29/30 de Agosto, telefonicamente disse aos eu filho que o ia levar à Isla Mágica, em Sevilha e informou a mãe desse projecto, referindo ainda que se alojaria em casa de amigos comuns que ambos conheciam e visitavam- de seu nome E…, residentes em “…”, a sul de Sevilha-recebendo da mãe do menor a resposta que não autorizava por causa do grande risco da possibilidade de atentados.
A Requerente esclareceu que considera não ter sido cumprido o dever de informação pelos seguintes motivos:
Apesar do Requerido ter dito que pretendia levar a criança à Isla Mágica, em Sevilha, não disse que ia ficar hospedado com os referidos amigos comuns, tendo sido a própria Requerente que deduziu esse facto. Para além disso, deslocaram-se para outros locais que a Requerente desconhece e não foi informada (…)
Por não terem chegado a acordo na conferência, as partes foram remetidas para mediação, nos termos do art.º 38.º, aplicável ex vi art. 41.º, n.º 7 do RGPTC.
Foi realizada audição técnica especializada, sem sucesso.
Na continuação da conferência, os progenitores mantiveram a sua anterior posição.
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Foi proferida decisão que julgou improcedente a presente providência tutelar cível de incumprimento das responsabilidades parentais.
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Inconformada com a decisão, a Requerente interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
1 - Em acordo sobre as responsabilidades parentais foi regulado o regime de visitas e convívio com o menor, mas não foi prevenida a questão da autorização na deslocação do menor ao estrangeiro com algum dos progenitores;
2 - Apenas ficou estabelecida a necessidade de informar dessa intenção, não tendo sido consequentes ao ponto de regular a forma dessa autorização subsequente à informação da vontade de viajar com o menor para o estrangeiro;
3 - Em 03 de Setembro de 2017 o progenitor viajou com o menor para Sevilha, Espanha sem autorização da progenitora;
4 - A Requerente intentou o procedimento ao abrigo do artigo 41º do RGPTC como incidente de incumprimento de responsabilidades parentais;
5 - Foi realizada a conferência a que alude o artigo 41º, nº 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e nessa conferência os progenitores não chegaram a acordo sobre a questão posta nos autos, dando versões e interpretações distintas.
6 - Foi realizada audição técnica especializada na qual não foi obtido consenso.
7 - Após, teve lugar a continuação da conferência na qual se manteve a falta de acordo entre os progenitores.
8 - Foi a Requerente surpreendida pela notificação da sentença da qual se recorre, decisão que se estribou nas normas dos incidentes do CPC quando existe norma expressa na lei especial que é o RGPTC, artigo 41º, nº 7 a estipular um regime de apresentação das provas específico.
9 - A requerente não foi notificada para proferir Alegações e aduzir prova sobre a matéria dos autos.
10 - Tal constitui uma violação frontal da lei especial, RGPTC, artigos 41º, 38º, e 39º, que regula de forma específica o procedimento em causa, não se aplicando o regime regra dos incidentes processuais do CPC quanto à apresentação da prova por existir um regime específico na lei.
11 - Ora, ao não permitir que a Requerente do procedimento proferisse Alegações e aduzisse prova como determina a lei especial, ocorre um vício insanável e determinante da nulidade da sentença por omissão do direito da Requerente aduzir alegações e provas, violando de forma frontal a norma do artigo 41º, nº7 e 38º e ss todos do RGPTC.
12 - Em consequência, ao estribar-se a sentença no que diz ter sido uma falta de cumprimento pela Requerente do ónus da prova por não ter indicado a prova no seu requerimento inicial, tendo por base as regras dos incidentes do Código de Processo Civil conjugado com o artigo 342º, nº 1 do Código Civil, faz-se, s.d.r., uma errada aplicação do direito em violação frontal das regras do procedimento específico supra referido.
13 - Por outro lado, viola o principio hoje estrutural e comum a todo o ordenamento processual da ordem jurídica portuguesa, ínsito no artigo 3º do CPC, logo a decisão constitui o que se denomina “decisão surpresa”, proibida pelo nosso ordenamento processual, pelo que viola tal princípio de forma frontal, sendo assim nula e como tal se arguí;
14 - A lei não obsta que possa um único incumprimento revelar por si só uma gravidade que tem que ser sancionada como tal, pois, não é necessária uma reiteração para espelhar um incumprimento grave.
15 - Foi estabelecido no acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença, que no que concerne às decisões de particular importância na vida do menor terão que ser exercidas conjuntamente por ambos os progenitores;
16 - Neste contexto, a deslocação do menor ao estrangeiro, levada a cabo pelo progenitor a quem não está confiada a guarda sem o consentimento do outro progenitor, é “questão de particular importância”, a ser decidida por ambos os titulares das responsabilidades parentais;
17 - Não obtido o consentimento da requerente o progenitor deveria ter solicitado ao tribunal a tomada de uma decisão que permitisse a ida do menor a Sevilha, Espanha;
18 - O requerido não tinha legitimidade para decidir unilateralmente pela deslocação do menor ao estrangeiro.
19 - Ao fazê-lo violou o direito da requerente ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, procedimento que por si só é grave e merecedor de sanção.
20 - Pelo que a decisão proferida pelo tribunal “a quo” viola a lei nos termos supra referidos, é ofensiva do disposto nos artigos 38º, 39º e 41º do RGPTC e artigos 1906º e 1907º do C. Civil e deve como tal ser declarada nula ordenando-se que os autos sejam reatados na fase processual em que se encontravam, notificando-se as partes, e mormente a Requerente, para Alegações e prova, prosseguindo os autos depois para julgamento.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a sentença proferida, ordenando-se que os autos sejam reatados na fase processual em que se encontravam, notificando-se as partes, e mormente a Requerente, para Alegações e prova.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
- A recorrente, não concorda com a decisão que julgou improcedente o incumprimento por si suscitado, da cláusula 1.4 do acordo de regulação das responsabilidades parentais do seu filho menor, de acordo com o qual “O pai e a mãe comprometem-se a informar o outro progenitor sempre que queiram viajar para o estrangeiro, para onde pretendem deslocar-se e onde ficarão.”
- Inicialmente, no requerimento inicial alegando que não lhe foi comunicada previamente a deslocação do seu filho com o Requerido no dia 3/9/2017 para Sevilha, em Espanha, vindo-se a apurar, posteriormente, em sede de conferência e Audição Técnica Especializada, que tal comunicação foi feita, só o não tendo sido com a objectividade pretendida, pois não a informou que iam ficar hospedados em casa de amigos comuns e que o Requerido e o seu filho se deslocariam para outros locais que a Requerente desconhecia.
- Pretende assim a recorrente no seu requerimento inicial seja verificado tal incumprimento, requerendo, apenas, que os progenitores sejam convocados para uma conferência de pais, nada requerendo quanto a uma eventual condenação ou indemnização nos termos do disposto no artº 41º nº 1 ou mesmo uma alteração da cláusula 1.4 a vigorar para o futuro, para evitar episódios semelhantes.
- Convocados para a conferência de pais, na falta de acordo, as partes foram remetidos os autos para audição técnica especializada, onde mantiveram as mesmas posições, conforme resulta do relatório de fls. 75 e ss.
- Reiniciada a conferência de pais, mantendo as mesmas posições, não foram notificadas para os termos do disposto no nº 4 do artigo 39º do RGPTC.
- Neste contexto processual, nada mais se tendo requerido, o Mmo Juiz, considerando os elementos já recolhidos, em sede da conferência realizada, antes e após da Audição Técnica Especializada, proferiu e bem, diga-se, a decisão recorrida de improcedência 11 de 13 do pedido, considerando não verificado o alegado incumprimento susceptível de configurar o incumprimento previsto no artº 41º do RGPTC.
- Porém, a recorrente pretendia que os autos prosseguissem, nos termos previstos nos artºs 38º, 39º e 41º do RGPTC e artigos 1906º e 1907º do C. Civil, agora com o entendimento que a decisão de viajar com o filho para Espanha, é uma questão de particular importância para a vida do menor e, por isso, teria que ser decidida conjuntamente por ambos os pais, o que não foi o caso.
-O exercício conjunto das responsabilidades parentais está limitado por lei às “questões de particular importância para a vida do filho” – n.º 1 do artº 1906º do C. Civil. A intenção do legislador foi atribuir-lhe um âmbito restrito, de modo a não potenciar a conflituosidade entre os progenitores e a consequente paralisação da vida da criança no que toca à tomada de decisões, limitando-o apenas a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos as crianças.
- Neste contexto, a saída de menor em férias para o estrangeiro só deve considerar-se como “questão de particular importância”, se estiver em causa a saída para países que possam pôr em causa a saúde ou a segurança da criança.
- No caso sub judice, em que esta em causa a saída do filho, acompanhada do progenitor, durante o período de férias, para Sevilha, deve entender-se estar perante um acto da vida corrente da criança, devendo aquele progenitor, ora recorrido, poder decidir, nos termos do nº 3 do artº 1906º do Cód. Civil, sem necessidade de autorização da recorrida mãe.
- Todo o contexto descrito é sintomático de que a decisão recorrida não padece de qualquer vício ou irregularidade.
- A preterição da dita fase processual só seria geradora de nulidade processual se tivesse influencia relevante para o processo nos termos do artigo 195º, nº 1 do NCPC.
- Nesse sentido, perante o quadro descrito, de forma alguma se justificaria o prosseguimento dos autos, tendo sido salvaguardado o exercício do contraditório nos termos razoáveis impostos pelo legislador.
- Face ao exposto, afigura-se-nos que toda a tramitação adoptada pelo Tribunal recorrido, bem como a douta sentença proferida, são juridicamente válidas, devendo assim ser mantida.
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II - Delimitação do Objecto do Recurso
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber, essencialmente, se as partes foram surpreendidas por uma decisão, por não ter sido observado o contraditório, e se o Requerido não cumpriu o dever de informar a Requerente sobre a viagem que fez com o menor, filho de ambos, ao estrangeiro.
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III - FUNDAMENTAÇÃO, para além dos actos processuais acima descritos:
- Na cláusula 1.4 do acordo de regulação das responsabilidades parentais ficou estabelecido que “O pai e a mãe comprometem-se a informar o outro progenitor sempre que queiram viajar para o estrangeiro, para onde pretendem deslocar-se e onde ficarão.”
- Antes da deslocação do Requerido com o menor, filho de ambos, em 03/09/2017, para a Isla Mágica, em Sevilha, Espanha, em conversa telefónica estabelecida entre a Requerente e o Requerido, aquela tomou conhecimento que o Requerido tencionava viajar para Espanha, Sevilha, com o menor- (reconhecido pela Requerente).
- A Requerente deduziu que ficassem hospedados em casa de amigos comuns- (reconhecido pela Requerente).
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IV - DIREITO
A Requerente deduziu o presente incidente de incumprimento do acordo regulador do exercício das responsabilidades parentais, alegando que o Requerido não efectuou qualquer comunicação prévia sobre a viagem que fez com o menor para o estrangeiro, desrespeitando a cláusula 1.4 constante desse acordo.
Nessa cláusula ficou estabelecido entre os progenitores o dever de informar o outro sempre que quiserem viajar para o estrangeiro, indicando para onde pretendem deslocar-se e onde ficarão.
Por conseguinte, a questão de mérito suscitada no processo consiste em saber se o Requerido não cumpriu a cláusula do acordo das responsabilidades parentais relativa ao dever a que se encontrava adstrito de informar a Requerente sobre a deslocação temporária ao estrangeiro, com o filho de ambos.
Ao contrário da versão que consta do requerimento inicial, a Requerente confessou, na conferência, que o Requerido lhe comunicou previamente a intenção de viajar com o filho para Sevilha, tendo deduzido que ficariam hospedados em casa de amigos comuns.
Portanto, na nossa perspectiva, não se verificou qualquer incumprimento, grave e culposo, do dever de informação por parte do Requerido.
Por outro lado, as declarações da Requerente, na conferência, de que não foi informada pelo Requerido sobre o plano de viagem, designadamente das datas de ida e de regresso, nem concretamente do local das estadias na referida cidade de Sevilha, no confronto com as declarações do Requerido em sentido contrário, nesse mesmo acto judicial, não se mostram consentâneas com as regras da lógica e da experiência de vida.
Na verdade, tendo a Requerente tomado previamente conhecimento, através de conversa telefónica com o Requerido, da sua intenção em proporcionar ao filho uma visita à Isla Mágica, em Sevilha, era normal que lhe perguntasse as datas de ida e de regresso e os locais onde pretendia ficar hospedado com o menor.
Aliás, segundo as suas palavras, deduziu que ficassem hospedados em casa de amigos comuns.
Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, acompanhamos os esclarecimentos prestados na decisão sobre a necessidade de se verificar um incumprimento culposo, censurável e grave.
Ora, de forma alguma podemos concluir que a eventual falta de informação sobre as datas de ida e de regresso e dos locais onde pretendia ficar instalado com o menor, sendo indubitável que a Requerente teve oportunidade de questionar o Requerido sobre esse assunto, não consubstancia qualquer incumprimento culposo e grave do dever de informação a que se encontrava vinculado.
Acresce que nunca se pode esquecer, quando está em causa uma decisão relativa a uma criança, o superior interesse da mesma, como impõem várias normas da nossa ordem jurídica, das quais se destaca o artigo 1906.º, n.º 7 do C. Civil (e art. 40.º, n.º 1 do RGPTC).
Segundo o mencionado preceito legal “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles.”
O interesse superior do menor emerge ainda do importante dever que incumbe aos pais de promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (cfr. art. 1885.º, n.º 1 do CC).
A viagem de lazer que o Requerido proporcionou ao seu filho (tendo a Requerente sido previamente informada) para além de ter permitido um convívio diário entre ambos, em ambiente descontraído, o que é sempre de louvar atendendo à situação de separação dos progenitores, contribuiu para o bem estar psicológico do menor, ou seja, para o seu desenvolvimento harmonioso.
Nesta conformidade, podemos concluir que o cumprimento incompleto do dever de informação sobre a viagem de lazer, em circunstâncias em que a mãe podia ter obtido, querendo, informação sobre o local onde o pai pretendia ficar instalado com a criança, não consubstancia um incumprimento grave, culposo e censurável, atendendo aos interesses em presença nomeadamente o desenvolvimento harmonioso do menor, decorrente do salutar relacionamento diário da criança com o pai.
Relativamente à questão de saber se era necessária autorização da Requerente para o Requerido poder viajar com o menor por alegadamente se tratar de uma decisão de particular importância na vida do menor, ou seja, se consubstancia uma questão de natureza grave e rara, importa notar que a mesma não constituiu fundamento do incidente de incumprimento.
Aliás, a Requerente, no artigo 3.º, referiu expressamente que essa questão não foi prevenida ou acautelada no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, apesar de ter sido aflorada na respectiva conferência de pais.
Acrescentou que foi vivamente discutida nessa diligência e não obteve concordância da requerida, apenas ficou estabelecida a necessidade de informar dessa intenção (cfr. arts. 4.º e 5.º).
Ora, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas na instância recorrida”[1], sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Não tendo sido discutida a referida questão no processo, por não ter sido invocada como fundamento do incidente no requerimento inicial, não é admissível o seu conhecimento por parte do tribunal ad quem, por se tratar de uma nova problemática.
A Recorrente defende ainda que foi surpreendida por uma decisão-surpresa, expressamente proibida pelo artigo 3.º do C.P.Civil, e por esse motivo, deve ser anulada.
Segundo o artigo 3.º, n.º 3 do C.P.Civil, o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. (itálico nosso)
Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2], é expressamente proibida, desde a revisão do CPC de 1961, a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
E acrescentam que antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso).
A questão sobre a informação prévia de viajar com o menor para o estrangeiro, dever que a Recorrente alegou ter sido violado pelo Requerido, foi amplamente discutida pelos progenitores neste processo nomeadamente na conferência na qual tiveram oportunidade de se pronunciarem e ainda durante a intervenção técnica especializada.
Sobre a falta de cumprimento do artigo 39.º, n.º 4 do RGPTC, não constitui caso de anulação da decisão porquanto, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, a lei não o declara nem teve influência no exame ou decisão da causa.
Efectivamente, não teve qualquer influência na decisão atendendo a que estamos perante uma simples questão, resolvida pela própria Requerente, na conferência, ao reconhecer o facto de que foi previamente informada pelo Requerido sobre a viagem de lazer que este pretendia proporcionar ao filho à Isla Mágica, em Sevilha.
Por todas as razões aduzidas, o recurso não merece provimento.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a decisão.
Custas pela Apelante.
Notifique.
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Porto, 26 de Março de 2019
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] Geraldes, Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 25.
[2] V. Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 3.ª edição, pág. 9, nota 8.