Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8982/16.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NOÇÃO
DESCARATERIZAÇÃO
VIOLAÇÃO PELO TRABALHADOR DAS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA IMPOSTAS PELO EMPREGADOR
Nº do Documento: RP201901078982/16.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO(SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º287, FLS.157-172)
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui acidente de trabalho o que ocorre no local e tempo de trabalho, assentando a responsabilidade do empregador na teoria do risco de autoridade.
II - Para que, nos termos do artº 14º, nº 1, al. a), da LAT/2009, o acidente de trabalho seja descaracterizado é necessária a verificação dos seguintes requisitos: (a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; (b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; (c) que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; (d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, nexo de causalidade esse que não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao acidente.
III - Tendo embora o sinistrado, desobedecendo a ordem do empregador de não subir a um telhado, a ele subiu e do qual veio a cair (daí resultando a sua morte), tal acidente não se encontra, nos termos da citada alínea, descaracterizado se, em síntese, não resulta da factualidade provada: quais as concretas características do telhado e a adoção, ou não, no mesmo de medidas de protecção colectiva que dispensassem (ou não) a utilização de arnês de segurança; que o sinistrado conhecesse quer as concretas características do telhado de onde resultasse o conhecimento da perigosidade de a ele aceder, quer a inexistência, no mesmo, das referidas medidas de protecção colectiva por forma a poder concluir-se que, ao subir à cobertura, violou norma de segurança que lhe impusesse a utilização de arnês de segurança; que a empregadora lhe tivesse transmitido as razões da proibição de subir ao telhado, já que, só com tal informação, teria o sinistrado a consciência da concreta perigosidade da violação da proibição; a dinâmica do acidente por forma a se poder dizer que o acidente ocorreu em consequência da violação voluntária e consciente por parte do sinistrado da ordem dada pela empregadora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 8982/16.4T8VNG.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1100)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B… e C…, na qualidade de pais do sinistrado F… intentaram a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra as Rés D…, Lda, e Companhia de Seguros E…, pedindo a condenação daquelas a pagar aos AA: a) a quantia de €155.242,74 a título de pensão vitalícia; b) a quantia de €85912,75 a título de capital de remição; c) a quantia de €50.000 a título de danos não patrimoniais; d) a quantia de €70.000,00 a título de dano morte/direito à vida do seu filho F…; e) a quantia de €15.000.00 a título de dano sofrido pelo sinistrado entre o acidente e a morte.
Para tanto, alegam, em síntese, que o sinistrado foi vítima de uma queda quando se encontrava a executar o seu trabalho ao serviço da sua entidade patronal, que lhe determinou a morte. Invocam ainda para responsabilizar a 1ª Ré, a falta de condições de segurança no trabalho por não implementação das medidas adequadas a trabalhos com riscos especiais, em concreto, trabalhos nas coberturas e a falta de equipamento de protecção individual e colectiva necessários à sua protecção contra o risco de queda em altura bem como a falta de identificação prévia pela entidade patronal dos perigos e avaliação dos riscos para a obra em apreço.

As RR contestaram, alegando em síntese:
- A Ré seguradora que o acidente em causa deve ser descaracterizado por culpa do sinistrado que desobedeceu às ordens da sua empregadora. Invoca ainda a duplicação dos pedidos formulados em a) e b) e erro no respectivo cálculo e a irresponsabilidade, nos termos da lei, pelo pagamento de qualquer indemnização por danos morais.
- A Ré empregadora, invocando a ilegitimidade dos AA, imputando a culpa do acidente ao sinistrado, mais dizendo não existir qualquer factualidade alegada que permita estabelecer o nexo causal entre a prestação de trabalho, a impetrada omissão de condições de segurança no trabalho, a queda do sinistrado e o resultado verificado, pugnando pela falta de responsabilidade da contestante, o que determina a improcedência dos danos não patrimoniais reclamados.

Os AA. responderam às contestações, pugnando pela improcedência das excepções da ilegitimidade invocada.

Foi proferido despacho saneador, tendo os AA sido considerados partes legítimas e a Ré seguradora ilegítima para ser demandada pelos pedidos formulados em c), d) e e); foram seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória da causa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, e respondida a base instrutória, que não foi objeto de reclamação, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, decidiu no seguintes termos:
“A) absolve-se a Ré Sociedade D…, Lda dos pedidos contra si formulados.
B) condena-se a Ré E… Companhia de Seguros, S.A., a pagar:
I. à Autora B…:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, devida desde 28.10.2016, no montante de €1312,65, acrescidos de juros de mora desde essa data até integral pagamento.
II. ao Autor C…:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, devida desde 28.10.2016, no montante de €1.312,65, acrescidos de juros de mora desde essa data até integral pagamento.
No mais, vai a Ré seguradora absolvida do que vinha peticionado pelos Autores.
Custas da acção pela R seguradora.”

Inconformada, veio a Ré Seguradora recorrer,
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Por despacho de 10.10.2018, foi à acção fixado o valor de €38.927,95 e admitido o recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual se pronunciaram ambas as RR, dele discordando.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC.
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II. Fundamentação de facto
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

“1. Os Autores, B… e C… são os pais do sinistrado, F…, falecido no dia 27/10/2016, na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia e última residência habitual na Rua …, n.º .., …, …. - …, …, Vila Nova de Gaia [alínea A) da base instrutória].
2. F… faleceu no estado de solteiro [alínea B) da base instrutória].
3. À data do acidente, F… auferia mensalmente a quantia de €530,00 x14 meses + €5,50 x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação), num valor global anual de €8.751,00 anual [alínea C) da base instrutória].
4. No dia 27/10/2016, pelas 13:44 horas, ocorreu um acidente num edifício industrial sito na Rua …, n.º …, Zona Industrial …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, que consistiu na queda do sinistrado F…, filho dos aqui Autores [alínea D) da base instrutória].
5. Dessa queda resultaram para o sinistrado lesões na cabeça, tórax, abdómen, membros superiores e inferiores, melhor descritas no relatório de autópsia constante de fls. 78 a 84 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido, as quais foram a causa direta e necessária da sua morte que ocorreu no local [alínea E) da base instrutória].
6. Quando ocorreu o acidente, o sinistrado trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da primeira Ré, D…, Lda., como servente de construção civil, na obra adjudicada por G…, sita na morada supra indicada [alínea F) da base instrutória].
7. A primeira Ré transferiu para a segunda Ré a responsabilidade por danos emergentes de acidente de trabalho mediante a apólice nº ……….., conforme teor de fls. 8 e 9 que se dá por integralmente reproduzido [alínea G) da base instrutória].
8. Os Autores, à data do acidente, recebiam como único rendimento, o Rendimento Social de Inserção, no valor mensal de €198,53 (cento e noventa e oito euros e cinquenta e três cêntimos) [alínea H) da base instrutória].
9. O sinistrado nasceu no dia 02 de agosto de 1993 [alínea I) da base instrutória].
10. O referido acidente ocorreu quando decorriam trabalhos de construção de uma cobertura ventilada a cargo da primeira Ré (artigo 1º da base instrutória)
11. Esses trabalhos consistiam na aplicação de calha metálica em toda a cobertura existente sobre o armazém, colocação e fixação de placas de chapa ondulada (artigo 2º da base instrutória)
12. Para acederem à cobertura do edifício, os trabalhadores subiam através de um andaime montado em obra para o efeito (artigo 3º da base instrutória)
13. No dia do acidente, encontravam-se em obra os trabalhadores H…, serralheiro civil de 1.ª, I…, servente e o sinistrado F…, também ele servente (artigo 4º da base instrutória)
14. Naquele dia, no período da manhã, o sinistrado esteve a realizar trabalhos ao nível do solo que consistiam em amarrar as chapas e ajudar a içá-las para o telhado (artigo 5º da base instrutória)
15. No dia do acidente, a entidade patronal não entregou ao sinistrado o arnês necessário à protecção de riscos de queda em altura (artigo 7º da base instrutória)
16. No dia do sinistro, antes de iniciarem os trabalhos, o encarregado da obra, J…, transmitiu ao sinistrado que a sua tarefa era engatar chapas que se encontravam depositadas no solo, para serem guindadas para a cobertura pelos seus colegas (artigo 13º da base instrutória)
17. E que, para esse efeito, devia permanecer sempre no solo (artigo 16º da base instrutória)
18. Estando proibido de subir à cobertura do edifício e ao andaime existente no local, que permitia o acesso à referida cobertura (artigo 17º da base instrutória)
19. Durante a manhã, os trabalhos decorreram, tendo o sinistrado cumprido as instruções que lhe foram transmitidas pela empregadora (artigo 18º da base instrutória)
20. Depois da pausa para almoço, por volta das 13.30h, o encarregado de obra voltou a comparecer junto do sinistrado, tendo repetido as instruções que lhe havia transmitido antes de iniciarem os trabalhos (artigo 19º da base instrutória)
21. Ou seja, que o sinistrado devia trabalhar ao nível do solo, estando proibido de subir ao andaime ou à cobertura do edifício (artigo 20º da base instrutória)
22. O sinistrado compreendeu as referidas instruções, e aceitou-as (artigo 21º da base instrutória)
23. E os trabalhos reiniciaram-se na presença do encarregado da obra (artigo 22º da base instrutória)
24. Sucede que, a dada altura, o encarregado da obra teve necessidade de se afastar, momentaneamente, do local onde se encontrava o sinistrado (artigo 23º da base instrutória)
25. E, por circunstâncias e motivos não apurados, o sinistrado subiu à cobertura do edifício (artigo 24º da base instrutória)
26. Tendo caído, de seguida, de uma altura de cinco metros, através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado (artigo 25º da base instrutória)
27. O sinistrado tinha frequentado formação sobre risco de quedas em altura, conhecendo as normas de segurança a observar nos trabalhos em altura, nomeadamente, que não podia subir à cobertura sem fazer uso de qualquer equipamento de protecção (artigo 26º da base instrutória)
28. O sinistrado vivia conjuntamente com os seus pais (artigo 10º da base instrutória)
29. Gostava imenso de conviver no dia a dia com os colegas de trabalho e amigos, sendo muito considerado, querido e estimado, tanto no ambiente de trabalho, como no meio em que vivia (artigo 11º da base instrutória)
30. Com a sua morte, sofreram os Autores um rude golpe e um grande desgosto por se verem privados do mesmo (artigo 12º da base instrutória)
31. A Autora B… nasceu a 16.12.1966”.
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B. No nºs 26 dos factos provados refere-se que: “26. Tendo caído, de seguida, de uma altura de cinco metros, através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado (artigo 25º da base instrutória)”. [sublinhado nosso]
A decisão da matéria de facto provada deverá assentar, perante a prova que seja produzida e/ou ilações a retirar de facto conhecido (presunção judicial), num juízo de probabilidade tal que, com a necessária segurança, leve a concluir no sentido de que o facto deve ser dado como provado, não cabendo no âmbito da decisão da matéria de facto provada juízos de mera probabilidade. Ou o juiz considera o facto como provado, e deve dá-lo como provado, isto é como verificado; ou considera que o facto não se prova e/ou que dele não foi feita prova suficiente, pelo que o deverá dar como não provado.
Ora, o segmento que deixámos sublinhado (“através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado”) tem, ou pelo menos é a isso que conduz o tempo verbal utilizado, por pressuposto, não o juízo de certeza que se impõe em sede de matéria de facto provada, mas sim um juízo de probabilidade (ainda que, aparentemente, forte). Ou seja, ou a Mmª juíza entendia que tal facto ficou provado e, então, deveria tê-lo dado como provado, dizendo apenas “através de uma placa de fibrocimento que se quebrou”; ou entendia que não foi feita prova do mesmo e, então, dava-o, nessa parte como não provado. O que não pode é formular resposta que esteja no “limbo” entre o provado e não provado, resposta essa que, assim e quanto a esse segmento - “através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado” - se elimina.
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III. Fundamentação do Direito
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
- Da inexistência de acidente de trabalho;
- Da descaracterização do acidente como acidente de trabalho com fundamento no art. 14º, nº 1, al. a), da LAT/2009[1].
2. Da inexistência de acidente de trabalho
Na sentença recorrida, a este propósito, referiu-se o seguinte:
“Face à definição prevista no artigo 8º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro (legislação em vigor à data da ocorrência dos factos) não nos parece haver dúvidas em qualificar o acidente sofrido pelo Autor, em 27.10.2016, como de trabalho, na medida em que o sinistro ocorreu no local (considerando a natureza da actividade prestada pela entidade patronal do sinistrado, enquadra-se aqui a execução dos serviços fora da sede da empresa, mas numa obra que lhe foi adjudicada) e tempo de trabalho em conformidade com as definições indicadas nas al. a) e b) do nº 2 daquele normativo e com um trabalhador subordinado de outrem, tendo originado lesões que lhe determinaram a morte, face à factualidade provada sob os pontos 4 e 5.”
Do assim decidido discorda a Recorrente alegando que: as funções do sinistrado teriam apenas de ser exercidas no solo, tendo ele recebido instruções expressas, e repetidas, para não subir ao telhado do edifício. Tendo o acidente ocorrido no telhado, para onde o sinistrado se deslocou, não resulta demonstrado o nexo causal entre o acidente ocorrido e a função que o sinistrado exercia e, por conseguinte, o mesmo não configura um verdadeiro acidente de trabalho; face à matéria de facto dada como provada, deverá entender-se que o acidente em discussão nos presentes autos não configura um acidente de trabalho, tal como tipificado na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

2.1. Ao caso, atenta a data dos factos, é aplicável a LAT/2009, que entrou em vigor aos 01.01.2010.
Dispõe o art. 8º da citada lei, sob a epígrafe “Conceito” que:
1- É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Para efeitos do presente capítulo, entende -se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir -se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relaciinados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
No art. 9º procede-se à extensão de situações suscetíveis de se considerarem como acidente de trabalho.
O conceito de acidente de trabalho não sofreu alteração face ao que constava da legislação pretérita (Lei 100/97, de 13.09).
Para que o acidente seja caracterizado como de trabalho tem sido considerado como necessário que: (a) ocorra um acidente; (b) que tal se verifique no local e tempo de trabalho ou em algumas das demais circunstâncias referidas no art. 9º (c) que o acidente determine, direta ou indiretamente, uma lesão corporal, perturbação funcional ou doença ou a morte; (d) que das lesões provocadas pelo acidente resulte a perda ou diminuição da capacidade de ganho.
Como é hoje adquirido, o conceito de acidente de trabalho e a responsabilidade objetiva do empregador assenta na teoria do risco de autoridade (que, porque a antecessora corrente assente na teoria do risco profissional - esta exigindo uma relação de causa e efeito entre o acidente e o trabalho - não dava cobertura a acidentes dignos de proteção, a veio substituir).
A teoria do risco de autoridade, assentando na responsabilidade do empregador decorrente da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensa o referido nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, bastando-se com alguma relação entre o trabalho e o acidente.
Assim é que, no âmbito da proteção infortunística, não estão, apenas, incluídos os acidentes diretamente ocasionados por facto próprio, inerente ou típico do exercício das tarefas que se enquadram nas funções que constituem a atividade do trabalhador ou a este cometidas expressamente pelo empregador, sendo que, a assim se não entender, tal representaria um regresso às ultrapassadas conceções assentes na referida teoria do risco profissional.
A conexão ou causalidade entre o trabalho e o acidente decorre ou está insitamente contida na circunstância de o acidente ter ocorrido no local e no tempo de trabalho, não sendo ao sinistrado necessário demonstrar, relativamente a acidente ocorrido em tais circunstâncias, que o mesmo decorreu por virtude do concreto trabalho.
Isto mesmo decorre do Acórdão do STJ de 16.09.2015, Processo 112/09.5TBVP.L2.S1, in www.dgsi.pt, aresto esse que, embora tirado no âmbito da Lei 100/97, mantém actualidade e ao qual pertencem os seguintes excertos que, pelo seu interesse, passamos a transcrever [omitimos as notas de rodapé]:
“(…)
Independentemente das querelas doutrinárias atinentes à sua exata delimitação, pode afirmar-se, grosso modo, que o acidente de trabalho consiste sempre num evento danoso que, entre outras características, apresenta determinada conexão com a prestação do trabalho.
(…)
16. Sabido que é a assunção de determinada esfera de riscos que leva à “edificação” de uma esfera de responsabilidade, de imediato se suscita o tema – de “cunho imputacional” – da exclusão do domínio da responsabilidade civil daqueles danos que não apresentem com o risco suficiente “pertinência” ou “conexão funcional”[19], como, no limite, acontece com os casos de força maior [cfr. art. 7.º, n.º 1, d), da Lei 100/97].
Nesta perspetiva, como resulta da definição legal de acidente de trabalho, a sua verificação demanda a presença de um elemento espacial (em regra, o local de trabalho) e de um elemento temporal (que em regra se reconduz ao tempo de trabalho) que expressem uma adequada conexão com a prestação laboral, nexo que se “preenche sempre que o trabalhador se encontre naquele local, naquele momento e naquelas circunstâncias em virtude do seu trabalho”[20].
Vale por dizer que o conceito de acidente de trabalho supõe uma “relação de natureza etiológica” entre a prestação de trabalho e o acidente, isto é, que “a causa do dano esteja incluída dentro de uma certa zona de riscos” de alguma forma ligados à prestação de trabalho.[21]
Ou, noutra formulação, embora com análogo sentido, que o trabalho tem de estar implicado no acidente (“nexo de implicação”), o que pode resultar “em termos formais dos critérios consagrados na lei ou, em casos mais complexos, de uma conexão material com as funções da pessoa”.[22]
Todavia, tendo em conta a conexão com o local e tempo de trabalho já ínsita no conceito legal de acidente de trabalho (e sendo ainda certo que nos encontramos no âmbito da responsabilidade objetiva, domínio que se vem afirmando “como resposta jurídica ao aumento do risco da vida e à premência de se garantir os direitos dos lesados”[23], no qual se evidencia a tendência para a “deslocação do dano para entidades coletivas”[24] e para a socialização dos riscos, em especial dos associados à prestação laboral, a par de uma simplificação das exigências atinentes à causalidade[25]), não é de exigir ao trabalhador a prova de um nexo causal (propriamente dito) entre o trabalho e o evento lesivo, como decidiu o Ac. de 17.12.2009 desta Secção Social[26], do qual se destaca o seguinte passo:
«“[C]ompreende-se que assim seja, uma vez que a teoria subjacente ao nosso ordenamento jurídico infortunístico-laboral há muito deixou de ser a chamada teoria do risco profissional que, como diz Carlos Alegre (in Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., p. 12 e 13), assentava num risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente-trabalho, tendo sido substituída, a partir da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, pela denominada teoria do risco económico ou risco da autoridade cuja ideia mestra, no dizer do citado autor, “é a de que não se trata já de um risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente-trabalho, mas sim de um risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes”.
Como diz aquele autor (ob. cit., páginas 41-42), discutiu-se muito, quer na doutrina (-), quer na jurisprudência, a necessidade da causa da lesão ser ou não um risco inerente ao trabalho, ou seja, a necessidade da existência de um nexo de causalidade entre o trabalho e o evento lesivo, mas a desnecessidade desse nexo entre o evento lesivo e o trabalho em execução é uma decorrência natural da teoria do risco económico ou risco da autoridade, pelo que o acidente ocorrido no tempo e local do trabalho é considerado como de trabalho, “seja qual for a causa, a menos que se demonstre (e esse ónus pertence à entidade responsável) que, no momento da ocorrência do acidente, a vítima se encontrava subtraída à autoridade patronal”.»
Quanto à doutrina, perfilham a tese da desnecessidade de um nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho, nomeadamente, Luís Menezes Leitão[27] e Mafalda Miranda Barbosa[28], pugnando Pedro Romano Martinez[29] pela inversa.[30]
Também a doutrina e jurisprudência espanholas vêm entendendo que existirá um acidente de trabalho quando de alguma forma exista uma conexão entre o dano e a execução do trabalho, mormente quando aquele ocorra no lugar e tempo do trabalho, relação que deverá considerar-se verificada sempre que não se provem factos “de tal relevo que seja claramente evidente” que a mesma não existe.[31]”.

2.2. No caso, o acidente ocorreu no local e no tempo de trabalho, na execução de obra levada a cabo pela Ré e estando, por isso, o A. sujeito ao risco de autoridade da entidade empregadora. Mostra-se, pois, irrelevante, para efeito da existência de acidente de trabalho, que, no âmbito das tarefas do A., este, por ordem daquela, não devesse ter subido ao telhado, sendo que, subjacente ao conceito de acidente de trabalho e à responsabilidade pela reparação, está o risco de autoridade da entidade patronal por ter o trabalhador ao seu serviço, no seu local e tempo de trabalho, por esta correndo o risco da ocorrência do acidente. Aliás, e diga-se também, que no art. 9º, nº 1, al. b), da LAT/2009 cabe no conceito de acidente de trabalho a execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador.

Deste modo e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
3. Da descaracterização do acidente de trabalho
Na sentença recorrida considerou-se não ter ocorrido violação de normas de segurança por parte da Ré empregadora, segmento esse que, não tendo sido impugnado em sede de recurso, transitou em julgado.
Mais se entendeu não ser de descaracterizar, nos termos do artº 14º, nº 1, al. a), da LAT/2009, o acidente como acidente de trabalho, nela se referindo o seguinte:
“Também a Ré seguradora invoca a descaracterização do sinistro por violação das regras de segurança estabelecidas pelo empregador, por parte do sinistrado, de modo a afastar a sua responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização decorrente do acidente que vitimou o sinistrado, alegando que ao arrepio das instruções que havia recebido da empregadora, aquele subiu à cobertura do edifício, tendo caído, de seguida de uma altura de cinco metros, através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado e que foi causa da sua morte.
Não obstante ter ficado provado que o sinistrado tinha ordens expressas da entidade patronal para trabalhar ao nível do solo e que se encontrava proibido de aceder ao telhado e que, contra estas indicações, terá subido à cobertura tendo sofrido uma queda em altura que lhe provocou a morte, entendemos não haver lugar à descaracterização do acidente.
O disposto no artigo 14º, nº 1, al. a) da Lei 98/2009, de 04.09 exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstos na lei;
b) O seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador;
c) Uma atuação voluntária do sinistrado, embora não intencional, por ação ou omissão, e sem causa justificativa;
d) Que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta.
Partindo do pressuposto que o sinistrado ao subir ao telhado sem o equipamento de segurança colocado e desrespeitando uma ordem expressa da sua entidade patronal poderá configurar uma violação das regras de segurança estabelecidas pelo empregador já que se o mesmo as tivesse respeitado não teria tido o acidente, impõe-se indagar se, por um lado, existe adequação causal (o acidente tem que resultar, numa relação causa –efeito, de ato ou omissão do sinistrado que configure afronta das condições de segurança existentes); por outro lado, há que indagar se o desrespeito das ditas condições de segurança assenta numa qualquer razão ou motivo que, no contexto, o possa justificar - nesse sentido AC. STJ de 19.11.2014, proferido no processo n.º 177/10.7TTBJA.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt
Ficou ainda provado que o sinistrado tinha frequentado formação sobre risco de quedas em altura, conhecendo as normas de segurança a observar nos trabalhos em altura, nomeadamente, que não podia subir à cobertura sem fazer uso de qualquer equipamento de protecção.
Contudo, no que respeita à conduta omissiva do sinistrado, nomeadamente se foi determinada sem existir qualquer causa, razão ou motivo que, no contexto, a pudesse justificar, nada se provou. Na verdade, da factualidade provada resulta que, por circunstâncias e motivos não apurados, o sinistrado subiu à cobertura do edifício, tendo caído, de seguida, de uma altura de cinco metros, através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado.
Ora, perante a factualidade provada, desconhece-se por completo quais as razões ou motivos que levaram o sinistrado a subir ao telhado e qual o intuito da sua subida e o motivo que o levou a não colocar um equipamento de protecção individual, nomeadamente, o arnês de segurança, antes de o fazer.
Inexiste, assim, qualquer facto provado, direta ou indiretamente, relacionado com a natureza desse comportamento, pelo que nada se provou sobre a existência, ou não, de causa justificativa para o comportamento omissivo do sinistrado.
Poder-se-ia convocar várias hipóteses para o efeito, para além da vontade de querer desobedecer, para a verificação desse comportamento, nomeadamente, por cansaço, por urgência na reparação da cobertura do edifício, por pressão na realização de todo o trabalho que lhe estava distribuído, por necessidade de transmitir alguma informação aos seus colegas que se encontravam em cima da cobertura, por desatenção ou por esquecimento, etc.
Porém, a prova da inexistência de qualquer causa justificativa, competia às Rés Empregadora e Seguradora, era seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, por serem factos impeditivos do direito do trabalhador, no caso concreto, dos dois beneficiários, à reparação pelo acidente de trabalho (nesse sentido Acordão do STJ de 21.03.2013, disponível in www.dgsi.pt)
Não o tendo feito, mantém-se a obrigação de reparar os danos emergentes do acidente e da morte do sinistrado de acordo com o estipulado pela Lei 98/2009, de 04.09.”
Ou seja, e em síntese: o fundamento da descaracterização do acidente de trabalho que foi apreciado e decidido pelo tribunal a quo, aliás em consonância com o que havia sido alegado pela Ré Seguradora na contestação, foi o disposto no art. 14º, nº 1, al. a), e não o previsto na al. b) do mesmo; na sentença recorrida considerou-se que não foi feita prova da existência, ou não, de motivo justificativo para a violação imputada ao sinistrado e que, para a pretendida descaracterização, competia à Recorrente, atento o art. 342º, nº 2, do Cód. Civil, o ónus da prova da inexistência de motivo justificativo do comportamento do sinistrado.
Do assim decidido discorda a Recorrente pelas razões mencionadas nas conclusões do recurso, acima transcritas.

3.1. Sob a epígrafe “Descaracterização do acidente”, dispõe o art. 14º da Lei 98/2009, de 04.09 que:
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
2 - Para efeitos do disposto no alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar do incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Tal preceito corresponde, sem alterações significativas, ao que dispunha o seu antecessor: arts. 7º da Lei 100/97, de 13.09 e 8º do DL 143/99, de 30.04, mantendo-se atual a doutrina e jurisprudência firmadas no âmbito destes diplomas.
Para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado art. 14, nº 1, al. a), 2ª parte, descaracterizado é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
(a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei;
(b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima;
(c) que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa;
(d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, nexo de causalidade esse que não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao acidente - - cfr. Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 07S1700, sendo ainda de salientar que, como decorre de tal aresto, para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho se deverá atender ao nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente na sua formulação positiva [o facto só deve considerar-se causa adequada do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável, dele], entendimento que mantém actualidade, se sufraga e a que pertence o seguinte excerto que passamos a transcrever:
“Quando existe este nexo e que nexo?
As diferentes teorias sobre a causalidade pretendem responder a esta questão: que relação deve existir entre o dano e o facto “para que este possa, sob a óptica especial do Direito, ser tratado como causa daquele”?
Como é sabido, no processo causal conducente a qualquer dano concorrem em regra muitas circunstâncias. Nem todas, porém, integram o conceito de causa do dano. Podemos distinguir, antes de mais, entre aquelas sem cujo concurso o dano não teria ocorrido (cada uma dessas causas será uma verdadeira condição s. q. n. do dano) e aquelas cuja falta não teria obstado à verificação do evento lesivo, se bem que, na situação concreta, também tenham concorrido para ele. Do ponto de vista jurídico, há ainda que eleger de, entre as várias condições do dano, “as que legitimam a imposição, ao respectivo autor, da obrigação de indemnização”. Esta perspectiva conduz-nos à teoria da causalidade adequada, segundo a qual “para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.); é necessário ainda que, em abstracto, ou em geral, o facto seja causa adequada do dano”.
Resta saber qual o critério que se deve usar para saber quando é que a condição é causa adequada do dano.
Segundo alguns, “será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação” (corresponde à formulação positiva da causalidade adequada; neste sentido, Galvão Telles).
Para outros, que advogam uma formulação mais ampla, o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercedem no caso concreto” (corresponde à formulação negativa devida a Enneccerus-Lehmann).
Com esta formulação mais ampla tem-se, sobretudo, em vista garantir a indemnização ao lesado.
Interpretando o artº 563º do CC (onde se preceitua que: a «obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»), A. Varela, depois de afirmar não haver elementos seguros, nem na letra, nem no espírito da disposição, que indique uma opção firme por parte da lei relativamente a uma das duas formulações (positiva e negativa) da causalidade adequada, acaba por concluir que a “doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito (contratual ou extracontratual), é a formulação negativa…”.
Noutras situações, designadamente, nos casos em que a obrigação de reparar assenta sobre um facto lícito do agente, a orientação mais defensável já será a que defende que um facto só deve considerar-se causa (adequada) do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável dele.
Há, ainda, que ter presente que “a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano”. (Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed, pg 881 a 900).
Para Pessoa Jorge (Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, pg 392), “a orientação hoje dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto adequada a produzi-lo, traduzindo-se essa adequação “em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente X se dá provavelmente o consequente Y, haverá relação causal entre eles” 3. Como já referimos, a questão colocada consiste em saber se o acidente (de trabalho) deve ser descaracterizado com fundamento no disposto na 2ª parte da alínea a) do artº 7º da LAT.
Também já ficou dito que a descaracterização do acidente, no caso da 2ª parte da alínea a) do nº 1 do citado preceito, exige a verificação cumulativa de vários requisitos, um deles, o nexo de causalidade entre a violação ali prevista (violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal) e o acidente.
A Exmª Magistrada do MºPº sustenta que, no caso dos autos, falta este requisito e que, por isso, o acidente, tal como decidiu o tribunal recorrido (embora com outro fundamento: existência de causa justificativa para a actuação do autor), não pode ser descaracterizado.
Vamos começar por aqui: verificar se existe ou não um nexo de causalidade (adequada) entre o comportamento da vítima e o acidente (de que resultaram as suas lesões e incapacidade).
Frisa-se, antes de mais, que estamos perante um facto do próprio lesado e não de terceiro (lesante) e que no nosso sistema jurídico nada obsta a que, de acordo com as circunstâncias do facto concreto, se opte pela formulação positiva ou negativa da causalidade (adequada).
Ora, se, como vimos, o fim visado pela formulação negativa é garantir a indemnização ao lesado, então na situação presente – em que se procura saber se o acidente deve ser descaracterizado com a consequente perda do direito à indemnização por parte do lesado/trabalhador - nada obsta, antes tudo aconselha, a que se recorra à formulação positiva (da causalidade) para se aferir se a conduta deste (trabalhador/lesado) foi causal do acidente de trabalho que o vitimou.
É este o nosso entendimento.
(…)”
E, como é jurisprudência uniforme, compete ao responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho o ónus de alegação e prova da factualidade determinante da descaracterização do acidente de trabalho.

3.2. Revertendo ao caso em apreço:
Quanto ao primeiro dos mencionados requisitos – existência de normas de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei – sustenta a Recorrente que o sinistrado violou as disposições legais que invoca e, bem assim, as estabelecidas pelo empregador que o proibiu de subir ao telhado.

3.2.1. Começando pelas condições de segurança previstas na lei:
A indispensabilidade da prestação de trabalho em condições de segurança e saúde está presente em diversas disposições legais, umas de carácter mais genérico, outras de natureza mais específica, consoante a natureza do trabalho que se leve a cabo.
Assim é que, quanto às primeiras, dispõem, entre outros diplomas, a Lei 102/2009, de 10.09, que entrou em vigor aos 01.10.2009, que: o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança e saúde, que deverá assentar no princípio geral de prevenção, com a eliminação, desde logo, dos fatores de risco e de acidente, destacando-se a obrigação de proceder à identificação dos riscos previsíveis na conceção das instalações, dos locais e processos de trabalho com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos,, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a aumentar os níveis de proteção e de dar prioridade às medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (art. 15º, nºs 1 e 2, als. a), c) e h)).
Também o DL 50/2005, de 25.02[2], relativo às prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, dispõe que: o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho sejam adequados ao trabalho, bem como atender, na escolha desses equipamentos, às condições características e específicas do trabalho e riscos existentes e tomar as medidas adequadas a minimizar os riscos existentes (art. 3º).
Por sua vez, o DL 348/93, de 01.10 (sobre prescrições mínimas de segurança e saúde na utilização de equipamentos de proteção individual) determina que: se entende por equipamento de proteção individual todo o equipamento, bem como qualquer complemento ou acessório, destinado a ser utilizado pelo trabalhador para se proteger dos riscos, para a sua segurança e para a sua saúde (art. 3º, nº 1) e que os equipamentos de proteção individual devem ser utilizados quando riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de proteção coletiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho (art. 4º).
Nos termos do art. 7º desse diploma (DL 348/93), a descrição técnica do equipamento de proteção individual, bem como das atividades e sectores de atividade para os quais aquele pode ser necessário, é objeto de portaria do Ministro do Emprego e Segurança Social, regulamentação essa que veio a constar da Portaria 988/93, de 06.10 que, no seu Anexo II, sob a epígrafe Lista indicativa e não exaustiva dos equipamentos de proteção individual, prevê, relativamente aos equipamentos de proteção contra quedas: os equipamentos ditos «anti-quedas», os equipamentos com travão «absorvente de energia cinética» e os dispositivos de preensão do corpo (cintos de segurança).
Por sua vez, o Dec. 41.821, de 11.08.1958 (Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil) e a Portaria 101/96, de 03.04 (que regulamenta as Prescrições Mínimas de Segurança e de Saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis) reportam-se, especificamente, aos trabalhos de construção civil e, ocorrendo estes em telhado, relevam os arts. 44º, 45º e 46 do Dec. 41.821, de 11.08.1958 (Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil), nos termos dos quais:
Artigo 44º
No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§1º. (…)
§2º. Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
Artigo 45º
Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados, usar-se-á as precauções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis.
Artigo 46º
Não devem trabalhar sobre telhados operários que tenham revelado não possuir firmeza e equilíbrio indispensáveis para esse efeito.
E o art. 1º desse diploma dispõe ainda que é obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4 metros do solo.
Releva também o disposto no artigo 11º da Portaria 101/96, de 3 de Abril (Regras Técnicas de Segurança na Construção Civil), o qual dispõe que:
1. Sempre que haja risco de queda em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2. Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável.
Não obstante, tem a jurisprudência entendido que não é o simples facto de se trabalhar em telhado que determina, só por si ou automaticamente, a necessidade de adoção de medidas de segurança coletiva e/ou individual. Para que tal ocorra, é necessário que o trabalho decorra em telhado que, por via de alguma das circunstâncias referidas nos arts. 44º e 45º acima transcritos, determine perigo de queda em altura, a justificar a adoção de tais medidas – cfr. Acórdão RC de 16.06.2016, Proc. 306/11.3GRD.C1.
No caso, relativamente às características da cobertura do edifício onde decorria o trabalho e de onde o sinistrado veio a cair pouco ou nada consta da decisão da matéria de facto.
Com efeito dela consta apenas que: o acidente ocorreu quando decorriam trabalhos de construção de uma cobertura ventilada a cargo da primeira Ré (nº 10); esses trabalhos consistiam na aplicação de calha metálica em toda a cobertura existente sobre o armazém, colocação e fixação de placas de chapa ondulada (nº 11); para acederem à cobertura do edifício, os trabalhadores subiam através de um andaime montado em obra para o efeito (nº 12); No dia do sinistro, antes de iniciarem os trabalhos, o encarregado da obra, J…, transmitiu ao sinistrado que a sua tarefa era engatar chapas que se encontravam depositadas no solo, para serem guindadas para a cobertura pelos seus colegas (nº 16); a tarefa do sinistrado consistia em engatar chapas que se encontravam depositadas no solo, para serem guindadas para a cobertura pelos seus colegas (nº 16), para o que devia permanecer no solo (nº 17).
De tal matéria nada resulta quanto às características da cobertura, nomeadamente, como se diz na sentença, do seu estado de conservação e resistência, das estruturas de apoio e capacidade de carga a suportar e impacto da movimentação de trabalhadores. E também nada resulta no sentido da existência de medidas de protecção colectiva, por forma a poder concluir-se que o sinistrado, ao subir à cobertura, violou norma de segurança que lhe impusesse a utilização de arnês de segurança.
É certo que consta do nº 15 do elenco dos factos provados que “a entidade patronal não entregou ao sinistrado o arnês necessário à protecção de riscos de queda em altura”. Não obstante, de tal ponto decorre apenas que não lhe foi entregue arnês de segurança, assumindo o segmento “necessário à protecção de riscos de queda em altura” um carácter senão mesmo conclusivo, pelo menos genérico (não necessariamente reportado às concretas condições de execução da obra em causa). De tal ponto não decorre que o arnês fosse, no caso concreto, meio indispensável ou necessário, pela inexistência de outros (de protecção colectiva), à segurança do sinistrado, tanto mais não constando da matéria de facto, como acima referido, as características da cobertura, a sua resistência e estado de conservação e, bem assim, a inexistência de outras medidas de protecção colectiva, sendo de salientar que a matéria constante dos quesitos 8º e 9º foi dada como não provada [“8º. Esta Ré não avaliou previamente o estado de conservação e resistência da cobertura do edifício e do alpendre, das estruturas de apoio e suporte das coberturas, da capacidade de carga e impacto da movimentação dos trabalhadores? 9º. Não existiam passadiços para a distribuição do peso dos trabalhadores/materiais pelas estruturas de suporte da cobertura, munidos dos respectivos guarda corpos, para as deslocações e posteriores trabalhos sobre a mesma?”].
Ou seja, e para além do mais referido, não decorre da matéria de facto provada factualidade que permita concluir no sentido da necessidade de medidas de protecção e, bem assim, da inexistência de medidas de protecção colectiva e, por consequência, da necessidade de utilização de arnês de segurança. Diga-se também que não decorre da matéria de facto provada que os demais trabalhadores na obra usassem tais meios de protecção individual.
E, perante isso e pese embora lhe haja sido determinado que não subisse à cobertura, não se pode também concluir que o sinistrado, ao tê-lo feito, o haja feito de forma consciente da inexistência de condições de segurança, nem isso decorre do nº 27 dos factos provados [27. O sinistrado tinha frequentado formação sobre risco de quedas em altura, conhecendo as normas de segurança a observar nos trabalhos em altura, nomeadamente, que não podia subir à cobertura sem fazer uso de qualquer equipamento de protecção]. Deste ponto, apenas resulta o que dele consta, mas não já que, no contexto da concreta obra em questão, só pudesse subir à cobertura munido de arnês de segurança por inexistência de outras medidas de protecção colectiva e/ou até pelas características da cobertura assim o imporem. Não decorre da matéria de facto provada que o sinistrado soubesse ou tivesse consciência da inexistência de outras medidas de protecção colectiva (se é que não existiam, o que se desconhece), por forma a se poder concluir que, ao ter subido à cobertura sem cinto de segurança, estaria a violar a condição de segurança, imposta por lei, de utilização desse meio de proteção individual, condição essa necessária à descaracterização.
Não se pode, pois, concluir que o sinistrado haja violado normas de segurança fixadas na lei e, bem assim, que o haja feito de forma voluntária e consciente.

3.2.2. Quanto à violação de condições de segurança impostas pelo empregador:
Da matéria de facto provada decorre também que o encarregado da Ré empregadora havia proibido o sinistrado de subir à cobertura: No dia do sinistro, antes de iniciarem os trabalhos, o encarregado da obra, J…, transmitiu ao sinistrado que a sua tarefa era engatar chapas que se encontravam depositadas no solo, para serem guindadas para a cobertura pelos seus colegas (nº 16); E que, para esse efeito, devia permanecer sempre no solo (nº 17); Estando proibido de subir à cobertura do edifício e ao andaime existente no local, que permitia o acesso à referida cobertura (artigo 18º); Durante a manhã, os trabalhos decorreram, tendo o sinistrado cumprido as instruções que lhe foram transmitidas pela empregadora (nº 19); Depois da pausa para almoço, por volta das 13.30h, o encarregado de obra voltou a comparecer junto do sinistrado, tendo repetido as instruções que lhe havia transmitido antes de iniciarem os trabalhos (nº 20); Ou seja, que o sinistrado devia trabalhar ao nível do solo, estando proibido de subir ao andaime ou à cobertura do edifício (nº 21); O sinistrado compreendeu as referidas instruções, e aceitou-as (nº 22); E os trabalhos reiniciaram-se na presença do encarregado da obra (nº 23); Sucede que, a dada altura, o encarregado da obra teve necessidade de se afastar, momentaneamente, do local onde se encontrava o sinistrado (nº 24); E, por circunstâncias e motivos não apurados, o sinistrado subiu à cobertura do edifício (nº 25); Tendo caído, de seguida, de uma altura de cinco metros, através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado (nº 26).
Sendo certo que os trabalhos em altura apresentam riscos ou são propiciadores de quedas em altura, a proibição, expressamente imposta pela empregadora do sinistrado subir à cobertura poderia (eventualmente) ser tida como uma condição de segurança, pelo que a sua inobservância pelo sinistrado que, a despeito e contra tal ordem, subiu à cobertura, consubstanciaria violação de condição de segurança estabelecida pelo empregador [Diga-se que se afigura irrelevante que a Ré empregadora não haja colocado à disposição do sinistrado arnês de segurança, pois que a proibição que lhe foi determinada era suficiente para evitar o risco de queda, para além de que, perante tal ordem, transmitida aliás duas vezes, não era minimamente expectável para a empregadora que o arnês de segurança fosse necessário (necessidade que referimos como hipótese de raciocínio face ao que acima se disse quanto à inexistência de factos que permitam concluir pela indispensabilidade de tal medida)].
E é certo também que o sinistrado compreendeu e aceitou a proibição que lhe foi transmitida.
Não obstante, no caso concreto, afigura-se-nos que, para a pretendida descaracterização, não basta a prova da mencionada proibição e desobediência à mesma, pois que, para tanto, necessário seria que lhe tivessem sido transmitidas as razões de tal proibição já que, só assim, teria o sinistrado a consciência da concreta perigosidade da violação da proibição.
Podendo-se, pois, dizer que o sinistrado, voluntariamente, desobedeceu à ordem que lhe foi dada, violando a mencionada proibição, não se poderá contudo dizer, uma vez que isso não resulta da factualidade provada, que soubesse ou tivesse consciência de que essa proibição teria a ver ou teria como causa a protecção da sua segurança por: i) as concretas condições de segurança da cobertura o deverem impedir de a ela subir (designadamente sem se munir de arnês de segurança), o que não foi também alegado, assim como não foi alegado que tal lhe tivesse sido transmitido, para além de que nada se provou quanto às condições de segurança implementadas no local (sendo que a matéria dos quesitos 8º e 9º foram dados como não provados[3]); ii) e/ou que existiriam razões atinentes ao próprio sinistrado que impediriam a subida à cobertura.
Ou seja, o que consta da matéria de facto provada não nos permite concluir que o sinistrado haja violado condição de segurança imposta pela Ré empregadora e, bem assim, que o haja feito voluntariamente e com a consciência de estar a violar condição de segurança que, com essa proibição, lhe estivesse a ser imposta.
Assim também neste sentido parece apontar o Acórdão do STJ de 17.02.1999, CJ, STJ, Ano VII, T1, pág. 284, ao referir que “se ao trabalhador foram atribuídas certas tarefas e vedada a realização de outras, o acidente sofrido em execução das últimas não descaracteriza o acidente se não se provar que aquela proibição visava objectivos de segurança”.
E, como diz Mariana Gonçalves de Lemos, in Descaracterização do Acidente de Trabalho, 2011[4], “Defende AVELINO BRAGA211 que para que o empregador seja isentado de responsabilidade, “é indispensável que a proibição – quando se trate de um acto – e a ordem – se se tratar de uma omissão – sejam acompanhadas do aviso acerca do perigo inerente à infracção ou que, pelo menos, a vítima tenha dele o devido conhecimento”.

Importa, no entanto, deixar consignados três esclarecimentos: o primeiro relativamente ao alegado no art. 15º da contestação da Ré empregadora, o segundo, quanto ao alegado no art. 42º da contestação da Ré Seguradora e, o terceiro, relativamente ao segmento “através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado” que se eliminou.
Quanto ao primeiro esclarecimento:
A Ré empregadora havia alegado alegou no art. 15º da contestação que “ (…) o seu sócio-gerente (encarregado na obra em causa) havia já percepcionado ao F…, em obra anterior, pouca firmeza e pouco equilíbrio em altura, pelo que lhe passou a atribuir sempre tarefas ao nível do solo – como sucedeu na obra referida em 6º da p.i.”, matéria esta que não foi levada à base instrutória. Não obstante, a mesma afigura-se-nos irrelevante, não sendo susceptível, mesmo que provada tivesse ficado, de determinar a descaracterização do acidente.
Com efeito:
Desde logo, o facto de a empregadora “ter percepcionado” em obra anterior “pouca firmeza e equilíbrio” não significa que tivesse o sinistrado “pouca firmeza e equilíbrio”. Uma coisa é o que a empregadora “percepciona” outra é o sinistrado ter efectivamente pouca firmeza e equilíbrio.
Por outro lado, a matéria do mencionado art. 15º da contestação, face ao nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente na sua formulação positiva [o facto só deve considerar-se causa adequada do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável, dele] como entende o Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi. , Proc. 07S1700 já acima referido, só por si não constitui causa de descaracterização do acidente em apreço, uma vez que não foi alegado pelas partes que, no caso concreto, tivesse sido transmitido ao sinistrado que essa seria a razão da proibição, assim como não foi alegado que o acidente haja decorrido dessa característica do A. (pouca firmeza e equilíbrio do sinistrado em altura), sendo que, só perante essa alegação, e sua subsequente demonstração, é que se poderia concluir no sentido da descaracterização. Na verdade, e como já referido, desconhecendo-se as causas do acidente (queda) e a dinâmica do mesmo, não se poderá concluir que a causa do acidente haja sido a “pouco firmeza e equilíbrio” do sinistrado a causa do acidente. E, daí, que não se pudesse ter como verificado o nexo de causalidade entre o acidente e esse alegado facto.
Quanto ao segundo esclarecimento:
A Recorrente, no art. 42º da sua contestação, havia alegado que o sinistrado “sabia que não podia subir a cobertura sem fazer uso de qualquer equipamento de protecção, como sucedeu.”.
Tal alegação é vaga e genérica, senão mesmo conclusiva, quer porque não se concretiza o “equipamento de protecção” a que se refere, quer porque tem ou teria como pressuposto a prévia alegação e prova da factualidade de que resultasse a necessidade do sinistrado, ao subir à cobertura, fazer uso de equipamento de protecção individual, factualidade essa que a Recorrente não alegou na contestação e que, como resulta de tudo quanto já ficou dito, não decorre da restante factualidade provada. Como já dito, não se provou a inexistência de meios de protecção colectiva (os quesitos 8º e 9º foram dados como não provados), assim como não foi alegado, nem nada se provou, quanto ao conhecimento pelo sinistrado da (eventual) inexistência de tais meios de protecção coletiva e, bem assim, quanto à comunicação ao mesmo, pela empregadora, das razões que terão determinado a ordem de não subir à cobertura e/ou de só o poder fazer se estivesse munido de arnês de segurança.
Por fim, quanto ao terceiro esclarecimento:
Como se disse em sede de fundamentação de facto (ponto II. B) do presente acórdão), eliminou-se o segmento “através de uma placa de fibrocimento que terá quebrado” que constava do nº 26 dos factos provados.
Não obstante, tal é irrelevante para a sorte da acção, uma vez que, mesmo que provado tivesse ficado tal facto, ele em nada afectaria a solução a dar, sendo identicamente aplicáveis as considerações já tecidas. Como se disse, e em síntese, desconhecem-se as condições da cobertura, incluindo da referida placa de fibrocimento, e bem assim, se seria, ou não, expectável que a mesma se pudesse quebrar, se tal era, ou não, do conhecimento do sinistrado e/ou o que, aquando da ordem para não subir à cobertura, lhe terá sido transmitido quanto às razões da mesma, se existiam, ou não, medidas de protecção colectiva, assim como, desconhecendo-se a dinâmica do acidente e as causas da placa se ter quebrado, não se poderá dizer que o acidente haja ocorrido em consequência da violação voluntaria e consciente por parte do sinistrado da ordem dada pela empregadora.
Assim, e em conclusão, ainda que por fundamento diferente do invocado na sentença recorrida (cujo conhecimento fica prejudicado), não se deve ter o acidente em apreço como descaracterizado, assim improcedendo as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão
Em face do exposto acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, ainda que por diferente fundamento, a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 07.01.2019
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______________
[1] Abreviatura da Lei 98/2009, de 04.09, que aprovou o novo regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, e à qual se reportarão os preceitos que se indicarão sem outra menção de origem.
[2] Que revogou o DL 82/99, de 16.03.
[3] Relembrando, era o seguinte o teor de tais quesitos: “8º. Esta Ré não avaliou previamente o estado de conservação e resistência da cobertura do edifício e do alpendre, das estruturas de apoio e suporte das coberturas, da capacidade de carga a suportar e impacto da movimentação dos trabalhadores? 9º. Não existiam passadiços para a distribuição do peso dos trabalhadores/materiais pelas estruturas de suporte da cobertura, munidos com os respetivos guarda corpos, para as deslocações e posteriores trabalhos sobre a mesma?”
[4] In https://run.unl.pt/bitstream/10362/6903/1/Lemos_2011.PDF