Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11/21.2T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL CARVALHO
Descritores: TRANSFERÊNCIA DEFINITIVA DO TRABALHADOR
ACRÉSCIMO DOS CUSTOS COM A DESLOCAÇÃO
Nº do Documento: RP2022040411/21.2T8VLG.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Quer o art. 194º, nº 4, do CT, quer a clª 53ª do AE aplicável reportam-se, em caso de transferência definitiva do trabalhador, ao acréscimo dos custos com a deslocação para o novo local de trabalho, pelo que, fazendo referência ao pagamento do acréscimo dos custos e não apenas ao pagamento dos custos de deslocação (entre a residência e o novo local de trabalho), tal pressupõe que exista um aumento da despesa por comparação à despesa que se verificava anteriormente, ou seja, pressupõe que exista um aumento/acréscimo da despesa de deslocação entre a residência do trabalhador e o anterior local de trabalho, por um lado, e a despesa de deslocação entre a residência e o novo local de trabalho, por outro.
II - Não obstante, tendo a Ré procedido à alteração das suas instalações das ... para a Maia e à consequente alteração definitiva do local de trabalho dos trabalhadores que, ali, prestavam a sua actividade, no qual estava incluído o A. e resultando dos factos provados que aquela, com excepção do A., passou a pagar aos trabalhadores transferidos, não apenas o montante do acréscimo das despesas de deslocação entre a residência dos mesmos e o novo local de trabalho, mas sim o valor total do passe correspondente ao transporte público, consubstancia violação do princípio o não pagamento, apenas ao A., do valor correspondente ao valor total do passe em transportes públicos entre a sua residência e o novo local de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 11/21.2/8VLG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1259)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C..., S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe o acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido na Maia, desde 01 de Outubro de 2010 a Janeiro de 2020, estando vencida a quantia de €8 890,54, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento da quantia em divida.
Para tanto alegou, em síntese que, por virtude da mudança do seu local de trabalho, ocorrida em 01 de Outubro de 2010, teve o acréscimo de despesas de deslocação que invoca, as quais não lhe foram pagas pela Ré e que lhe são devidas tendo em conta o art. 194º, nº 4, do CT e o AE, nas suas cláusulas 53 e ss. que “prevê as transferências sem necessidade de mudança de residência, que em tudo são iguais às deslocações excepto quanto à sua temporalidade, aplicando-se supletivamente a clª. 39, no que ao tempo a mais os trabalhadores passam a despender no trajecto para as novas instalações, neste caso concreto, Zona Industrial ....” Assim, diz, tem direito a que a R. lhe pague o acréscimo de despesas com o transportes que passou a ter com a sua transferência para o .../... na Maia, nos valores que discrimina, correspondentes aos passes sociais.
Mais alega que a Ré, em reunião que teve com os trabalhadores envolvidos na mudança de instalações das ... para a Maia e os Directores ..., na qual estava incluído o aqui A., acordou com esses mesmos trabalhadores o pagamento do acréscimo de encargos com transportes decorrentes da mudança definitiva de instalações desde a sua residência até ao novo local de trabalho e que, em manifesta diferença de tratamento e critérios para com o A., a empresa R. paga aos trabalhadores com os quais assumiu o compromisso de pagamento do acréscimo de encargos, desde a sua residência, o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado, enquanto que ao A. apenas pagava o valor de €17,45/mês (ultimamente) relativo ao passe de transporte público.
Alega ainda que é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores ... e que “às relações jurídico – laborais entre A. e R. eram reguladas pelo AE 2006 e actual AE 2010”.
Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes e notificada a Ré para o efeito, a mesma não contestou a acção, tendo sido proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Pelo exposto, decide-se:
Julgando procedente a acção, condenar a ré:
a) A pagar ao A. o acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido na Maia, desde 01 de Outubro de 2010 a Janeiro de 2020, estando vencida (à data da instauração da acção) a quantia de €8.890,54 (Oito oitocentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos);
b) A pagar ao A. os juros vencidos e vincendos sobre aquela quantia, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.
Valor da acção: € 8.890,54.
Custas pela ré.”
Inconformada, veio a Ré recorrer, arguindo no requerimento de interposição do recurso a nulidade da sentença e tendo formulado as seguintes conclusões:
…………………
…………………
…………………
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada a Sentença Recorrida e substituída por outra que julgue a total improcedência da Acção com a consequente total absolvição do pedido, (…)”
O A. não contra-alegou.
O Mmº Juiz, no despacho de admissão do recurso, pronunciou-se sobre a arguida nulidade de sentença no sentido da sua inexistência.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“ Considerando o disposto no art. 57.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, os factos articulados pelo autor têm-se por confessados.
Assim, estão provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1.
O A. foi admitido ao serviço da R. em 18.Jun.1985.
2.
Por esse contrato de trabalho, comprometeu-se o A. a prestar sob as ordens, instruções e fiscalização da R., as funções de ... – Centro de Operações ..., atualmente designado por ... – Centro de Produção e Logística ....
3.
A R. remunerava o A., ultimamente à razão de €968,27 (Novecentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos), a que acrescia o valor de €152,85 (Cento e cinquenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos) correspondente a 5 diuturnidades e ainda €13,11 (Treze euros e um cêntimos) de diuturnidade especial. (Doc. 1)
4.
O A. iniciou as suas funções de ... (...), exercendo-as nas instalações da R. sitas à Rua ... Vila Nova de Gaia.
5.
Para este local de trabalho - ... - o A. usava a sua viatura fazendo 15 Km para cada lado, com a duração de 12 minutos cada viagem.
6.
A partir de 01/10/2010, por mudança do ... – Centro de Operações ... - da Rua ... – Vila Nova de Gaia - para a Maia – Zona Industrial ... – Sector . – Av. ... Maia, foi determinado que o A. passasse a prestar aí as suas funções.
7.
Inicialmente, foi solicitado pela R. a todos os trabalhadores, A. incluído, que fossem prestar funções para o ... na Maia, entretanto designado por ... – Centro de Produção e Logística ..., que comunicassem os gastos nos transportes que passariam a ter com essa deslocação.
8.
O A. muniu-se dos elementos solicitados e fornecidos pelas empresas transportadoras, cujo serviço teria que utilizar para se dirigir de sua casa para o novo local de trabalho e consequente regresso e apresentou-os à R..
9.
Assim, e de acordo com os 3 horários que deveria praticar, o trajecto era efetuado da seguinte forma:
a) No horário das 15h00 às 23h00, tem que apanhar a camioneta da Gondomarense às 12h45m, para fazer ligação com o metro às 14H02, chegando à Maia;
De regresso tem metro na Maia às 23h09m para a Estação do ... onde apanha a camioneta da Gondomarense às 00h30m no Inverno e à 01h00 no Verão
b) No horário das 23h00 às 07h00, tem que apanhar a camioneta da Gondomarense pelas 20h05 para apanhar o metro no ... pelas 22h04, chegando à Maia.
De regresso apanha o metro para o ... às 07h18m, onde apanha a camioneta da Gondomarense às 08h45m, chegando a casa pelas 09h20m.
c) Aos Domingos, no horário das 00h00 às 08h00 tem que apanhar a camioneta da Gondomarense pelas 20h45 para o ..., onde apanha o metro para a Maia pelas 23h10m, onde chega às 23h45M.
10.
Acresce que utilizando o transporte próprio teria que fazer 50 Km por dia para a Maia, entre ida e regresso a casa, em vez dos anteriores 30 Km para as ..., cujo percurso demorava cerca de 15 minutos (casa – Maia – casa).
11.
Também para o novo percurso, e utilizando transportes públicos gastava uma média de 2 horas em cada viagem de sua casa para a Maia.
12.
Assim, com os passes necessários à sua deslocação passou o A. a despender mensalmente, na Gondomarense e no Metro do Porto, os seguintes montantes:
Operador: Transportes Gondomarense
Camioneta 9 – Trajecto entre Porto (...) e ... (...)
Valor do passe social (Ano 2010) - €54,30
Valor do passe social (Ano 2011) - €54,30
Valor do passe social (Ano 2012 - 8 meses) - €54,30
Valor do passe social Ano 2012 (3 meses) - €58,30
Valor do passe social (Ano 2014 a 2016) - €59,40
Valor do passe social (Ano 2017) - €60,30
Valor do passe social (ano 2018) - €61,50
Valor do passe social (Ano 2019 – Janeiro a Abril) - €62,50
Operador: Metro do Porto
Sentido Porto (...) – ... (...)
Valor do passe social – Ano 2010 – 4 zonas - €38,95
Valor do passe social – Ano 2011 – 4 zonas - €38,95
Valor do passe social – Ano 2012 a 2017 – 4 zonas - €47,10
Valor do passe social – Ano 2018 – 4 zonas - €47,94
Valor do passe social – Ano 2019 – 4 zonas - €48,65
Valor do passe intermunicipal – Ano 2019 – Maio a Dezembro - €40,00
Valor do passe intermunicipal – Ano 2020 – Janeiro - €40,00
13.
A R. pagava-lhe a quantia inicial de €13,70, tendo sofrido algumas actualizações, fixando-se ultimamente o valor em €17,45/mês. (Docs. 3 a 12)
14.
A R. pagou ao A. os seguintes montantes:
Ano 2010
- Outubro / Novembro / Dezembro (3 meses)
Valor pago C... - €13,70/mês x 3 meses = €41,10
Anos 2011 a 2013 (11 meses por ano x 3 anos)
Valor pago C... - €150,70 x 3 anos = €452,10
Anos 2014 a 2016 (11 meses por ano x 3 anos)
Valor pago C... - €561,00
Ano 2017
Valor pago C... - €184,80
Ano 2018
Valor pago C... - €191,95
Anos 2019 (11 meses por ano)
Valor pago C... - €69,80
15.
Apesar de, por várias vezes ter solicitado a regularização do pagamento do acréscimo de encargos com transportes que passou a ter, a R. nunca se mostrou disponível para tal.
16.
A R., em reunião que teve com os trabalhadores envolvidos na mudança de instalações das ... para a Maia e os Directores ..., na qual estava incluído o aqui A., acordou com esses mesmos trabalhadores o pagamento do acréscimo de encargos com transportes decorrentes da mudança definitiva de instalações desde a sua residência até ao novo local de trabalho,
17.
A. empresa R. paga aos trabalhadores com os quais assumiu o compromisso de pagamento do acréscimo de encargos, desde a sua residência, o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado, enquanto que ao A. apenas pagava o valor de €17,45/mês (ultimamente) relativo ao passe de transporte público.
***
III. Fundamentação

1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
- Da nulidade de sentença;
- Da impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se ao A. (não) é devido o pagamento da totalidade dos encargos com as despesas de transporte referentes à deslocação entre a sua residência e o local de trabalho para o qual foi, a título definitivo, transferido (concretamente, se não é devido o valor da totalidade do passe social por essa deslocação)

2. Da nulidade de sentença

Invoca a Ré/Recorrente a nulidade de sentença prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do CPC/2013 com fundamento na “falta de especificação dos fundamentos de facto relevantes para a decisão” e alegando, para tanto e em síntese, que: o facto nº 17 não pode ser dado como provado porque contrariado pelo documento nº 14 junto com a p.i. e porque está em contradição com o nº 16 dos mesmos.

2.1. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. b), do CPC/2013 que “1. É nula a sentença quando: (…); b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como é sabido, as nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença.
Como dizem José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, Coimbra Editora, pág.669,, os casos das alíneas b) a c) do nº 1 respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíenas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíenas d) (omissão e excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).
Uma coisa é o julgamento da matéria de facto, no qual o juiz deve decidir quais os factos que considera provados e quais o que considera não provados, e realidade distinta é a motivação desse julgamento, sendo que a eventual falta de fundamentação de algum ponto da decisão da matéria de facto que se mostre essencial não está sujeita ao regime do art. 615º, al. b), o qual se reporta à omissão do julgamento da matéria de facto e não já à sua motivação, sendo que, em relação a esta, rege o art. 662º, nº 2, al. d), do CPC.
E, por outro lado, com nulidades de sentença não se cofundem eventuais erros de julgamento, sejam eles da decisão da matéria de facto ou de direito, que se prendem com a própria decisão de mérito (seja em sede do julgamento da matéria de facto, seja do julgamento em matéria de direito).

2.2. No caso, a sentença contém os factos que foram considerados provados e, diga-se, a sua fundamentação a qual, face à falta de contestação da Ré, assenta na cominação prevista no art. 57º, nº 1, do CPT, nos termos do qual “1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devfendo considerar-se regularmentre citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.” E essa fundamentação consta da sentença, como acima se consignou, na qual se refere que “Considerando o disposto no art. 57.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, os factos articulados pelo autor têm-se por confessados”, nada mais havendo a fundamentar.
O que ocorre é que a Recorrente discorda, pelas razões que invoca, do facto que ficou consignado no nº 17, o que consubstancia discordância quanto à decisão da matéria de facto, que se prende com eventual erro de julgamento, nada tendo a ver com nulidade de sentença por falta de fundamentação, confundindo a Recorrente, manifestamente, essas duas distintas realidades. Aliás, a Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto quanto ao nº 17 dos factos dados como assentes.
Diga-se também que a sentença se encontra fundamentada do ponto de vista jurídico.
Com efeito dispõe o nº 2 do citado art. 57º, aplicável no caso de revelia, que “2. Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”.
No caso, da fundamentação jurídica da sentença consta o seguinte:
“Os factos confessados conduzem à procedência da acção pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 57.º do CPT, adere-se à fundamentação expendida pelo autor, tanto quanto à fundamentação de facto como quanto à fundamentação de direito – apenas trazendo à colação o disposto nos art.s 406.º/1 do CC, posto que se a pretensão do autor não devesse proceder, como deve, com arrimo nas normas do CT e do AE assinaladas pelo autor, sempre deveria proceder com fundamento na obrigação de cumprir o contrato porquanto, como decorre do ponto 16. da matéria de facto, a ré acordou com o autor pagar-lhe as quantias (acréscimo de encargos) cujo pagamento ora reclama -, não se afigurando necessário qualquer outro aditamento.”
Ora, face ao disposto no citado art. 57º, nº 2, a sentença está suficientemente fundamentada sendo que, no entendimento do Mmº Juiz, a fundamentação aduzida pelo A. conduz à procedência da acção, para além de que invocou ainda aquele um outro fundamento jurídico, qual seja o disposto no art. 406º, nº 1, do Cód. Civil. Se, porventura, essa fundamentação, designadamente a que é remetida para a aduzida pelo A., não for correcta e não determinar a procedência do pedido, tal consubstanciará erro de julgamento e não qualquer nulidade de sentença.
Improcede assim a invocada nulidade de sentença.

3. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Discorda a Recorrente do nº 17 dos factos provados, considerando que o mesmo não poderá ser dado como provado quer porque seria contrariado pelo documento nº 14 junto com a petição inicial, quer porque estaria em contradição com o nº 16 dos factos assentes.

3.1. Dos nºs 16 e 17 dos factos dados como assentes consta o seguinte:
“16. A R., em reunião que teve com os trabalhadores envolvidos na mudança de instalações das ... para a Maia e os Directores ..., na qual estava incluído o aqui A., acordou com esses mesmos trabalhadores o pagamento do acréscimo de encargos com transportes decorrentes da mudança definitiva de instalações desde a sua residência até ao novo local de trabalho,
17. A. empresa R. paga aos trabalhadores com os quais assumiu o compromisso de pagamento do acréscimo de encargos, desde a sua residência, o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado, enquanto que ao A. apenas pagava o valor de €17,45/mês (ultimamente) relativo ao passe de transporte público.
O nº 17 corresponde ao art. 25º da p.i., no qual se referia o seguinte: “25. em manifesta diferença de tratamento e critérios para com o A., a empresa R. paga aos trabalhadores com os quais assumiu o compromisso de pagamento do acréscimo de encargos, desde a sua residência, o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado, enquanto que ao A. apenas pagava o valor de € 17,45/mês (ultimamente) relativo ao passe de transporte público. (Doc. 14)”.
No que toca ao documento nº 14, consubstancia ele requerimento, subscrito pela Ré e por um outro trabalhador e dirigido a um outro processo judicial, efectuando transacção judicial nos termos que dele constam, a saber:
“1. A Ré aceita pagar ao A. o acréscimo de encargos com transportes, decorrente da mudança definitiva do local de trabalho do A. das ..., Vila Nova de Gaia, para a Zona Industrial ..., desde a sua residência ..., ... ..., Gondomar, até ao novo local de trabalho na Maia, desde Novembro de 2010.
2. O montante a pagar será o correspondente ao passe social em vigor, desde a sua residência em ..., ... ... até ao metro da Estação ..., Porto, que, na data da mudança de local de trabalho, era no montante de €60,70 e actualmente é de €67,85.
3. A Ré continuará a pagar o passe do metro do Porto, no montante correspondente ao percurso da Estação do ... à Estação ..., na zona Industrial, localização do novo local de trabalho do A.
(…)”.
O facto constante do nº 17 assentou na cominação prevista no art. 57º, nº 1, do CPT, ou seja, porque a Ré não contestou, deve o mesmo ser considerado confessado. Não assentou, tal facto, no mencionado documento, pelo que este é irrelevante.
Por outro lado, não se nos afigura existir contradição entre o nº 16 e o nº 17.
Do nº 16 decorre que, em reunião havida entre a Ré e os trabalhadores, nos quais estava incluindo o A, foi acordado que aquela pagaria o acréscimo de encargos com transportes decorrentes da mudança definitiva de instalações desde a sua residência até ao novo local de trabalho e, do nº 17, decorre que a Ré paga aos trabalhadores mencionados em 16, com excepção do A., o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado.
É certo que o nº 16, fazendo referência ao pagamento do acréscimo de encargos, pressupõe que exista um aumento da despesa por comparação à despesa que se verificava anteriormente, ou seja, um aumento/acréscimo da despesa de deslocação entre a residência do trabalhador e o anterior local de trabalho, por um lado, e a despesa de deslocação entre a residência e do novo local de trabalho, por outro. E do nº 17 resulta que, não obstante isso, a Ré paga aos trabalhadores, com excepção do A., o valor total do passe entre a residência e o novo local de trabalho (o que pode não corresponder, exactamente, àquela diferença).
Mas não existe contradição. O nº 16 corresponde ao que foi acordado, e, o nº 17, ao que a Ré, relativamente aos trabalhadores com quem assumiu tal obrigação, concretamente cumpriu. Têm tais pontos por objecto momentos e factos distintos: o nº 16, reporta-se ao momento prévio, relativo ao que foi acordado; o nº 17, reporta-se a momento posterior, relativamente ao que foi cumprido.
E se, porventura, o nº 17 não correspondesse ao que ocorreu então deveria a Ré ter contestado a acção por forma a impugnar tal facto.
Improcede assim e nesta parte a impugnação aduzida.

3.2. Pretende ainda a Recorrente que, a manter-se o nº 17 dos factos provados, seja aditado o seguinte segmento: “em manifesta diferença de tratamento e critérios para com o autor” dizendo que tal consta do art. 25 da p.i., que corresponde a esse nº 17, mas que neste foi expurgado por fundamento que, segundo diz, não descortina.
Relembrando, do art. 25 da p.i. consta o seguinte: “25. em manifesta diferença de tratamento e critérios para com o A., a empresa R. paga aos trabalhadores com os quais assumiu o compromisso de pagamento do acréscimo de encargos, desde a sua residência, o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado, enquanto que ao A. apenas pagava o valor de € 17,45/mês (ultimamente) relativo ao passe de transporte público.”[sublinhado nosso].
Dispõe o art. 607º, nºs 3 e 4, do CPC/2013 que “3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os facos que considera provados (…)” e “4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, (…)”.
A decisão da matéria de facto apenas deve contemplar factos, estes os acontecimentos da vida real, e não já matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor.
De acordo com o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215:
“(…)
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…)
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)
Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos.
(…).”
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág.187, refere que: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)” e, a pág. 194, que podem ser objecto de prova, tanto os factos principais, como os acessórios, os factos externos, como os internos, os factos reais, como os hipotéticos e “tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)”.
Por sua vez Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Direito Processual Civil, 1984, Coimbra Editora, pág. 391 a 393, admite como constituindo matéria de facto, susceptível de prova, tanto os acontecimentos do mundo exterior, como os do foro interno, da vida psíquica, “as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não meros factos, mas verdadeiros juízos de facto.”,
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, Almedina, diz que “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…), Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto.
(…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.
Na jurisprudência, entre muitos outros, relevantes são os Acórdãos do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), que, a propósito do art. 646º, nº 4, refere que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.
Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)».
O aresto reportava-se ao disposto no art. 646º, nº 4, do CPC/1961, norma esta não prevista no actual CPC/2013, mas cujos princípios se mantêm válidos, pois que são os factos que delimitam o direito, sendo sobre eles que este irá incidir, para além de que nos termos do art. 607º, nºs 3 e 4 deste diploma, continua o juiz, como não poderia deixar de ser, a ter que se pronunciar sobre “os factos que considera provados”, declarando “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados[sublinhados nossos].
De referir também que, nos termos do art. 352º do Cód. Civil, “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”. A confissão incide, pois, sobre factos e não sobre matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor.
Ora, no caso, o segmento do art. 25 da p.i. em que se refere “em manifesta diferença de tratamento e critérios para com o autor” tem natureza manifestamente conclusiva, pelo que, e bem, foi pelo Mmº Juiz expurgada da decisão da matéria de facto.
Assim, e também nesta parte, improcede a impugnação aduzida.

3.3. Por fim, e oficiosamente:
O A., no artigo 26º da p.i., alegou ser sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores ....
Assim, adita-se à matéria de facto provada o nº 18, com o seguinte teor:
18. O A. é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores ... .

4. Se ao A. (não) é devido o pagamento da totalidade dos encargos com as despesas de transporte referentes à deslocação entre a sua residência e o local de trabalho para o qual foi, a título definitivo, transferido (concretamente, se não é devido o valor da totalidade do passe social por essa deslocação)

Pretende o A., na acção, a condenação da Ré no pagamento do “ acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido na Maia, desde 01 de Outubro de 2010 a Janeiro de 2020, estando vencida a quantia de €8 890,54”, valor este correspondente ao valor total do passe, em transportes públicos, entre a sua residência e o local de trabalho para o qual foi, a título definitivo, transferido pela Ré [descontados os montantes que a título de acréscimo de despesas a Ré lhe pagou], pretensão que sustentou nos nºs 16 e 17 dos factos provados e no arts. 194º, nºs 4 e 6 do CT/2009, na clª 53ª do AE aplicável, conjugada com a clª 39, a este propósito reportando-se ao “tempo a mais que os trabalhadores passam a despender no trajecto para as novas instalações” e ao tempo a mais que, concretamente, passou a despender.
A sentença recorrida julgou procedente a acção, invocando a fundamentação aduzida pelo A. na p.i. e mais invocando o art. 406º do Código Civil.
Do assim decidido discorda a Recorrente alegando em síntese que: o A. tem direito ao acréscimo de encargos e não ao valor global dos encargos, como resulta do art. 194º, nº 4, do CT/2009, e da clª 53ª do AE; a sentença recorrida condenou a Ré “também por via do disposto no art. 406.º, n.º 1 do C.Civ., acabando por concluir no sentido de que a Ré estava obrigada ao pagamento do acréscimo de encargos, conforme o acordado. LII. No entanto, fá-lo em referência ao facto 16 sendo certo que não pode interpretar o que ali vem dito como um acordo com o próprio Autor, muito menos, no sentido do pagamento do valor total do passe como depois (erradamente) provado no ponto 17. Na verdade, a Ré comprometeu-se a pagar o acréscimo de encargos e é exactamente esse o acordo que cumpriu.”; o A. invoca tratamento discriminatório, mas não alega qualquer factor discriminatório, pelo que não é aplicável a regra especial do art. 25.º, n.º 3, do CT/2009, mas sim as regras gerais de repartição do ónus da prova, previstas no art. 342.º, n.º 1, do C.Civ., recaindo sobre o trabalhador o encargo de alegar e fazer prova de tal tratamento discriminatório.

4.1. Dispõe o art. 194º, referente à transferência de local de trabalho, no seu nº 4, do CT/2009 que “4. O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência, (…)”.
À relação jurídico-laboral é também aplicável o AE celebrado entre a Ré e o ... - Sindicato Nacional dos Trabalhadores ..., publicado no BTE nº 1/2010 [alterado, designadamente, nos BTE 34/2010, 15/2013 – este um novo AE- e 27/2018, com texto consolidado].
Na Clª 53ª do AE do BTE 1/2010, sob a epígrafe Despesas decorrentes de mudança definitiva de local de trabalho, consta o seguinte: “1. No caso de mudança definitiva de local de trabalho por interesse da Empresa ou por conveniência de serviço, o trabalhador terá direito a que lhe sejam custeadas as despesas decorrentes de tal mudança, nos termos previstos no número seguinte. 2 (…); 3. Não havendo lugar a mudança de domicílio e verificando -se um acréscimo de encargos com transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, a Empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes: a) Pagamento da diferença do passe de transporte colectivo; b) Pagamento ao correspondente acréscimo de despesas de transporte; c) Por acordo entre as partes e em alternativa ao previsto nas alíneas anteriores, um mês de vencimento.
Por sua vez, a clª 39ª, sob a epígrafe Direitos dos trabalhadores deslocados em serviço, dispõe que “ 1. Os trabalhadores deslocados em serviço têm direito: a) Ao transporte de ida e regresso entre o local habitual de trabalho, ou a residência, se mais perto, e o local de deslocação, ou ao pagamento da despesa respectiva; b) Ao pagamento das ajudas de custo durante a deslocação, nas condições fixadas no presente acordo. 2. Ao pagamento como trabalho normal do tempo necessário à deslocação entre a residência e o local temporário de trabalho, e vice -versa, na parte em que exceda o seu horário normal. 3. O disposto na alínea b) do n.º 1 desta cláusula aplica -se independentemente do disposto na alínea d) do n.º 2 da cláusula 53ª
Quer o art. 194º, nº 4, do CT, quer a clª 53ª do AE reportam-se, em caso de transferência definitiva do trabalhador, ao acréscimo dos custos com a deslocação para o novo local de trabalho. Ora, fazendo referência ao pagamento do acréscimo dos custos e não apenas ao pagamento dos custos de deslocação (entre a residência e o novo local de trabalho), tal pressupõe que exista um aumento da despesa por comparação à despesa que se verificava anteriormente, ou seja, pressupõe que exista um aumento/acréscimo da despesa de deslocação entre a residência do trabalhador e o anterior local de trabalho, por um lado, e a despesa de deslocação entre a residência e o novo local de trabalho, por outro.
Ora, no caso e por via do citado art. 194º, nº 4, ou clª 53 do AE, não teria o A. direito ao pagamento da totalidade dos custos de deslocação entre a sua residência e o novo local de trabalho, para o qual foi transferido a título definitivo, esgotando-se a obrigação da Ré no pagamento do acréscimo dos custos de deslocação, acréscimo esse correspondente à diferença entre o que despendia anteriormente (na deslocação da sua residência para o antigo local de trabalho) e o que passou a despender com a transferência definitiva (da sua residência para o novo local de trabalho).
Deixa-se esclarecido que, pese embora o que consta do nº 17 dos factos provados, não se nos afigura que os autos forneçam elementos suficientes de modo a que nos permita concluir que as partes hajam interpretado a referência ao pagamento do “acréscimo” de encargos como reportando-se, esse acréscimo, à totalidade dos encargos com as deslocações desde a residência até ao novo local de trabalho e não apenas à diferença entre os encargos com as deslocações da residência para o anterior local e entre a residência e o novo local. E, daí e nos termos do art. 236º, nº 1, do Cód. Civil, que interpretemos a referência ao “pagamento do acréscimo de encargos” nos termos acima referidos.

4.2. Mas a questão não se esgota no referido, tendo em conta o mais alegado na p.i. e, bem assim, o art. 406º do Cód. Civil invocado na sentença.
Invocou o A., na p.i., o acréscimo do tempo da deslocação e a conjugação das referidas disposições com a clª 39º do AE.
Mas não lhe assiste razão.
Desde logo, esta clª 39ª reporta-se aos trabalhadores deslocados em serviço e a transferências temporárias do local de trabalho, e não à transferência definitiva de tal local. Ora, a situação do A. não é a de deslocado em serviço, nem de transferência temporária. E, por outro lado, se o A. entendia que deveria ser remunerado pelo acréscimo do tempo que gasta nas deslocações para o novo local de trabalho, deveria então ter formulado o correspondente pedido, sendo que aquilo a que, porventura e como mera hipótese de raciocínio, teria direito seria à remuneração correspondente a esse acréscimo e não já a uma espécie de “compensação” integrada ou por via do pagamento da totalidade das despesas de transporte entre a sua residência e o novo local de trabalho e não apenas das despesas correspondentes ao acréscimo dos custos de transporte.
Acresce dizer que dos nºs 16 e 17 dos factos provados não decorre que, com o pagamento da totalidade do valor do passe correspondente ao transporte público utilizado, visasse a Ré “compensar” os trabalhadores pelo acréscimo do tempo gasto nas deslocações. O que decorre dos nºs 16 e 17 dos factos provados, é que a Ré acordou com os trabalhadores no pagamento do acréscimo dos encargos com transporte desde a residência até ao novo local de trabalho (nº 16), mas que, em relação aos trabalhadores com quem assumiu esse compromisso e apesar do mesmo, paga a totalidade do valor do passe correspondente ao transporte público utilizado entre a residência do trabalhador e o novo local de trabalho (nº 17) e não apenas o valor correspondente ao acréscimo dos encargos de deslocação.
Por outro lado, e tendo agora em conta o art. 406º do Código Civil invocado na sentença, não se nos afigura que o mesmo sustente a pretensão do A.
Com efeito:
Dispõe o nº 1 do citado preceito que “1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. Ou seja, pacta sunt servanda.
A sentença, ainda que o não diga expressamente, parte certamente do pressuposto de que o nº 16 dos factos provados consubstanciaria um acordo das partes no sentido do pagamento da totalidade das despesas de transporte desde a residência do A. até ao novo local de trabalho [reportando-se o nº 17 ao que a Ré pagou aos trabalhadores após o acordo a que se reporta o nº 16]. Ora, como se disse acima, o que se retira da letra do acordo a que se reporta o nº 16 é que a Ré aceitou pagar o acréscimo das despesas de deslocação e não a totalidade das mesmas, conquanto, como decorre do nº 17, o que pagou aos trabalhadores (que não o A.) tenha sido, não esse acréscimo, mas sim o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado. Não se nos afigura, pois, que, no âmbito do nº 16 dos factos provados, seja convocável o citado art. 406º.

4.3. Mas, diz ainda o A. no art. 25º da p.i., que o referido no nº 17 dos factos provados [este foi retirado desse art. 25] constitui “manifesta diferença de tratamento e critérios para com o A.”, o que nos remete para o princípio da igualdade e para a proibição de tratamento discriminatório.

4.3.1. Constituem princípios estruturantes da ordem jurídica o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, nº 1, da CRP, nos termos d qual “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, bem como o da proibição da discriminação, consagrado no art. 26º, nº 1, da mesma, nos termos do qual “1. A todos são reconhecidos os direitos (…) e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. E, como emanação do principio da igualdade, é ainda consagrado constitucionalmente, conforme art. 59, nº 1, al. a), da CRP o principio “de que para trabalho igual salário igual”.
Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, mas não impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas proibindo as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional[1]- cfr., designadamente, o Acórdão do STJ de 20.11.2013, Proc. 14/11.5TTCVL.C1.S1, in www.dgsi.pt, no qual se refere, para além do mais que:
“Da densificação daquele primeiro, importará reter ora o segmento da proibição do arbítrio - a tornar defesa quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais -, ora o segmento da proibição de discriminação, a tornar ilegítimas diferenciações de tratamento baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias.
Da proibição do arbítrio, qual princípio negativo de controlo, decorre que nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual.
De sua vez, não pode a proibição de discriminação significar uma exigência de igualdade absoluta, nem, de modo igualmente absoluto, proibir diferenciações de tratamento. Exige-se, sim, que a diferenciação seja materialmente fundada, nomeadamente sob o ponto de vista da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade. Neste conspecto, a diferenciação de tratamento sairá legitimada quando se baseie numa distinção objetiva de situações ou se revele necessária, adequada e proporcionada à satisfação do seu objetivo.
Em formulação de síntese, dir-se-á: um tratamento desigual obriga a uma justificação material da desigualdade.”.
E também o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 (CT/2009), se ocupa desta temática, encontrando-se a matéria regulada nos arts. 23º a 28º.
Importa todavia recuar à legislação pretérita.
No âmbito de vigência da LCCT, ao trabalhador competia, nos termos do art. 342º, nº 1, do Cód. Civil e porque pressuposto do direito de que se arroga titular, o ónus de alegação e prova da desigualdade de tratamento, bem como da igualdade de situações a reclamar o tratamento igual, na esteira de orientação jurisprudencial uniforme do STJ (assim é que, no que toca ao princípio de para trabalho igual salário igual, competia ao trabalhador o ónus de alegação e prova da igualdade do trabalho em natureza, quantidade e qualidade).
No âmbito de vigência do Código do Trabalho de 2003, veio então a prever-se, no art. 23º, nº 3, a “inversão” do ónus da prova, inversão essa todavia que estava associada a algum factor de discriminação, sejam os previstos no nº 1 desse preceito, no art. 22º, nº 2, nos arts. 32º, nº 1, e 35º da Lei 35/2004, ou outros equiparáveis, cabendo ao A. a alegação e prova, não apenas da diferença de tratamento, mas também a alegação e prova da existência de algum factor que possa ser considerado como factor de discriminação. E, também no âmbito do CT/2009, está a inversão do ónus da prova a que se reporta o art. 25º, nº 5, associada a algum dos factores de discriminação a que se reportam os arts. 24º, nº 1 e 25º, nº 6, ou outro equiparável, como decorre do nº 1 do art. 25º.
Ou seja, a diferenciação de tratamento, só por si, não é proibida. É proibida, sim, se houver violação injustificada ou arbitrária do principio, com consagração constitucional (arts. 13º e 59º, nº 1, al. a), da CRP), da igualdade, violação essa que pode existir sem que ocorra qualquer factor de discriminação ou quando decorra de um dos mencionados factores discriminatórios. Na primeira situação caberá ao trabalhador, nos termos do art. 342º, nº 1, do Cód. Civil, alegar e demonstrar, para além da diferença de tratamento, a igualdade da situação à qual se compara (tal como no regime anterior aos CT/2003 e CT/2009); na segunda situação, cabe-lhe alegar e demonstrar, para além do diferente tratamento, o facto que consubstancia o factor de discriminação, caso em que, então, funcionará a inversão do ónus da prova prevista no art. 25º, nº 5, do CT/2009 (assim o dispensando da prova da igualdade do trabalho), uma vez que, face a esse factor, o legislador presume que a diferenciação de tratamento dele decorre. Esse factor (aliado à diferença de tratamento) é o facto que faz funcionar a referida presunção da existência de tratamento discriminatório.
Parece-nos que essa era essa a solução que decorria quer da inserção sistemática do art. 23º, nº 3, bem como do art. 22, nº 2, do CT/2003, quer da letra dos art. 32º, nº 2, als. a) ["(...) sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal, (...)"] e b) ["(...) colocar pessoas que se insiram num dos factores característicos indicados no referido preceito legal (...)"] e nº 3 [“Constitui discriminação (…) que tenha a finalidade de prejudicar pessoas em razão de um factor referido no (…)”] da então Lei 35/04 [sublinhados nossos], bem como da interpretação conjugada dos citados preceitos e da evolução histórico-jurídica do conceito de discriminação (o qual tem sido associado à existência de algum factor discriminatório) e ao qual não se reconduz, necessariamente, o diferente tratamento remuneratório (ou outro), sendo que o CT/2009 não introduziu alteração que afaste tal entendimento, constando do art. 24º, nº 1, a indicação de determinados factores discriminatórios e referindo o art. 25º, nº 1, que “1. O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no nº 1 do artigo anterior”.
No sentido da interpretação que perfilhamos, no âmbito do CT/2003, mas que se mantém actual no âmbito do CT/2009, cfr., designadamente, o Acórdão do STJ de 22.04.09, Proc.08P3040 e, no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 01.06.2017, Proc. 816/14.0T8LSB.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.

4.3.2. No caso, e relembrando, constam dos nºs 16 e 17 dos factos provados que:
“16. A R., em reunião que teve com os trabalhadores envolvidos na mudança de instalações das ... para a Maia e os Directores ..., na qual estava incluído o aqui A., acordou com esses mesmos trabalhadores o pagamento do acréscimo de encargos com transportes decorrentes da mudança definitiva de instalações desde a sua residência até ao novo local de trabalho,
17. A. empresa R. paga aos trabalhadores com os quais assumiu o compromisso de pagamento do acréscimo de encargos, desde a sua residência, o valor total do passe correspondente ao transporte público utilizado, enquanto que ao A. apenas pagava o valor de € 17,45/mês (ultimamente) relativo ao passe de transporte público.”.
A Ré procedeu à alteração das suas instalações das ... para a Maia e à consequente alteração definitiva do local de trabalho dos trabalhadores que, ali, prestavam a sua actividade, no qual estava incluído o A., tendo, em reunião com os trabalhadores envolvidos nessa mudança, acordado no pagamento do acréscimo de encargos com os transportes decorrentes dessa mudança desde a sua residência até ao novo local.
Como acima se disse, o acréscimo de encargos pressupõe um aumento do custo de transporte por comparação ao custo da deslocação da residência para o anterior local de trabalho.
No entanto, e não obstante tal acordo, o certo é que, nos termos que decorrem do nº 17, a Ré, com excepção do A., passou a pagar aos trabalhadores referidos em 16, com quem havia assumido pagar o acréscimo do encargos, não apenas o montante desse acréscimo, mas sim o valor total do passe correspondente ao transporte público. Ou seja, fê-lo em relação a todos os trabalhadores transferidos para o novo local de trabalho, com excepção do A.
Decorre, pois, dessa factualidade que o A. foi objecto de um tratamento desigual.
É certo que o A. não invocou um factor de discriminação. Mas, tal, não exclui o direito do A. a um tratamento igual (se iguais forem as situações). O que decorre é que, por virtude da inexistência de factor discriminatório, será ao A. que incumbe a alegação e prova da igualdade de situações a reclamar a necessidade de tratamento igual.
E afigura-se-nos que o A. fez essa prova.
Os pressupostos determinantes da igualdade de situações, a reclamar a necessidade de igualdade de tratamento, consubstanciam-se na prestação da actividade, de todos os trabalhadores envolvidos, no mesmo e anterior local de trabalho e na transferência definitiva de todos esses trabalhadores para o novo e mesmo local de trabalho. E o A. fez prova disso.
Diga-se que a prestação em causa não depende de qualquer critério relacionado com o mérito do trabalho (em natureza, quantidade ou qualidade), o que aliás a Ré, que não contestou, não alegou. E como não contestou, também e consequentemente, não alegou qualquer outro facto ou critério que, apesar da verificação dos referidos pressupostos da igualdade de situações, pudesse ainda assim e eventualmente, de forma justificada e não arbitrária, fundamentar a licitude da desigualdade de tratamento.
Esclarece-se que não se nos afigura que se impusesse, no caso, a identificação ou quantificação do universo dos trabalhadores transferidos para as instalações da Maia. Com efeito, o nº 16 reporta-se aos trabalhadores envolvidos na mudança das instalações das ... para a Maia e com quem a Ré acordou o que consta desse ponto e o nº 17 reporta-se a esses mesmos trabalhadores, donde decorre que esses trabalhadores existiam, que, em relação aos mesmos, se verificou um acréscimo das despesas e, bem assim, que se verificou o relatado no nº 17, ou seja que, a ré procedeu ao pagamento não apenas do valor correspondente ao acréscimo, mas sim a totalidade do valor do passe, para além de que tudo permite à Ré saber e identificar os trabalhadores em causa.
Ora, assim sendo, o princípio da igualdade e a proibição de tratamento discriminatório, impõem que ao A. seja, pela Ré, aplicada idêntica solução à tomada relativamente aos demais trabalhadores que prestavam, anteriormente, o seu trabalho nas ... e que também foram transferidos definitivamente para a Maia, tratamento esse que se consubstancia no pagamento da totalidade do passe correspondente aos transportes públicos utilizados pelo A. da sua residência para a Maia.

4.4. Por fim, alega a Recorrente que o pedido formulado pelo A. tem por objecto o pagamento do acréscimo de encargos de despesas com transportes e não o pagamento da totalidade dos encargos.
O pedido formulado pelo A. foi o seguinte: “acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido na Maia, desde 01 de Outubro de 2010 a Janeiro de 2020, estando vencida a quantia de €8 890,54 (Oito oitocentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos)”.
É certo que o “acréscimo de encargos de despesas com os transportes”, na interpretação que fazemos, corresponderia apenas ao diferencial entre as despesas de deslocação entre a residência e o antigo local de trabalho, por um lado, e as despesas entre a residência e o novo local de trabalho, por outro, pelo que mais correcto teria sido o A. pedir e/ou a sentença ter condenado, não no pagamento do “acréscimo” das despesas, mas sim no pagamento correspondente às despesas de deslocação entre a sua residência e o novo local de trabalho, ou seja, no valor da totalidade do passe correspondente ao transporte público utilizado.
É que é isto o que, efectivamente e sem qualquer margem para dúvidas, o A. pretende, como decorre do alegado na petição inicial e do pedido de pagamento da quantia de €8.890,54, esta correspondente ao valor total do passe dos transportes públicos utilizados na deslocação da sua residência para o local de trabalho para onde foi transferido [já descontada dos montantes pagos pela Ré].
E, se assim é, como é, e porque se trata de uma mera rectificação, confirmando-se embora a sentença recorrida, entende-se ser de rectificar a parte dispositiva da sentença, afim de evitar eventual ambiguidade ou obscuridade, no sentido de deixar esclarecido que a condenação se reporta ao pagamento do valor do passe dos transportes públicos utilizados na deslocação da residência do A. para o local de trabalho para onde foi transferido a título definitivo, na Maia – Zona Industrial ... – Sector . – Av. ... Maia.
Assim sendo, improcedem as conclusões.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, embora rectificando a al. a) da sua parte dispositiva, que passa a ter a seguinte redacção:
“a) A pagar ao A. os encargos de despesas com os transportes, correspondentes ao valor total do passe dos transportes públicos utilizados desde a sua residência até o local para o qual foi transferido, sito na Zona Industrial ... – Sector X – Av. ... Maia, desde 01 de Outubro de 2010 a Janeiro de 2020, estando vencida (à data da instauração da acção) a quantia de €8.890,54 (Oito oitocentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos);”

Custas pela Recorrente.

Porto, 04.04.2022
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo de Freitas
__________________________
[1] Vd. a passagem do acórdão do TC nº 313/89 de 09.03.1989 citado na decisão recorrida (consultável em www.tribunalconstitucional.pt).