Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2395/16.5T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÃO DE RISCO
DECLARAÇÕES INEXACTAS
DOLO
ÓNUS DA PROVA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP202210242395/16.5T8PRD.P1
Data do Acordão: 10/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC, respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”, pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito.
II - Resulta do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC que na sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que não julga provados.
A contrario se extraindo que da sentença e nomeadamente da decisão de facto não devem constar nem juízos conclusivos nem conceitos normativo-jurídicos.
III - A omissão de pronúncia sobre facto essencial ao objeto do processo por parte do tribunal a quo, torna a decisão de facto deficiente e impõe o seu suprimento, mesmo oficioso por parte deste tribunal, na medida em que do processo constam todos os elementos necessários à apreciação do facto em questão.
IV - Sobre os AA., enquanto segurados, recai o ónus de prova dos pressupostos factuais de que depende a verificação do sinistro.
À seguradora a prova dos factos excludentes da sua responsabilidade.
V- Ocorrerá o incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo 24º da LCS, para efeitos do artigo 25º da LCS, quando o segurado em tal declaração inicial de risco utilizar de qualquer sugestão ou artifício para induzir em erro o segurador. Sanciona-se a atuação especialmente censurável que conduz à celebração do contrato.
VI - O regime previsto no artigo 26º da LCS tem aplicação no caso da não prova do dolo, seja do tomador de seguro, seja do segurado, quando se prove a essencialidade do facto declarado inexatamente ou omitido e a exigibilidade da sua declaração exata.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 2395/16.5T8PRD.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto Este – Jz. Local Cível de Paredes
Apelantes (A/R) AA e outra e “X..., Companhia de Seguros de Vida S.A.”
Apelados (R/A)/ “X..., Companhia de Seguros de Vida S.A.” e AA e outra

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
- AA e BB instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “X..., Companhia de Seguros Vida, S.A.” peticionando pela sua procedência a condenação da R.:
“a) - A pagar aos Autores a quantia de € 1.435,35 por eles entregue ao Banco 1... S.A, a título de pagamento das prestações mensais, amortizações, juros, diversos e demais despesas relativos aos dois créditos referidos em 09. e 16. desta petição, desde o momento em que ao Autor marido foi atribuída a invalidez parcial de 0,68%, que ocorreu em 27/04/2016, até ao momento da entrada desta petição em juízo;
b) A pagar aos Autores as quantias por eles entregues ao Banco 1... S.A, referentes às prestações mensais, amortizações, juros e diversos e demais despesas relativas àqueles mútuos, a contar da data da entrada desta petição até ao momento em que seja proferida a respetiva sentença;
c) A pagar ao Banco 1... S.A o saldo/capital em dívida referente aos contratos de mútuo, juros, comissões e demais despesas que estiverem em dívida à data do trânsito em julgado da decisão final a proferir nestes autos;
d) A pagar aos Autores a quantia correspondente à diferença entre o capital seguro (€ 36.000,00) e o saldo/capital em dívida ao Banco 1... S.A à data do trânsito em julgado da decisão final a proferir nestes autos;
e) A entregar aos Autores todas as quantias entregues referentes ao pagamento do seguro de vida referido em 34. desta petição até ao momento em que seja proferida a respetiva sentença, valor este a apurar nesse momento;
f) Se assim não se entender, o que só por mera hipótese académica se admite, ser a Ré condenada a devolver aos Autores todas as quantias que por eles lhe foram entregues referentes àquele seguro de vida, a contar da data da emissão do contrato (29/01/2012) até à data do seu cancelamento (29/06/2016);
g) A pagar aos Autores juros à taxa de 4% a acrescer aos valores pedidos das alíneas a), b) e d) e e);
h) A pagar aos Autores, a título de danos não patrimoniais, quantia nunca inferior a € 2.500,00 euros para cada um dos Autores, num total de € 5.000,00;”

Para tanto e em suma alegaram:
- ter celebrado com a aqui R. um contrato de seguro do ramo vida, designado “Seguro Vida Financiamento” a produzir efeitos desde 29/01/2012 pelo prazo de 20 anos e tendo como beneficiário aceitante, em caso de sinistro, o Banco 1...;
- neste contrato os AA. figuram como pessoas seguras e o capital garantido a favor do Banco 1... é de € 36.000,00;
- nos termos contratuais, em caso de sinistro, seria pago ao beneficiário aceitante a importância em dívida à data resultante do crédito à habitação até à concorrência do capital seguro. Sendo o remanescente, a existir, pago aos beneficiários indicados na proposta, ou seja, os aqui AA.;
- aquando da celebração do contrato os AA. responderam a um questionário com plena verdade;
- em outubro de 2012 o A. começou a sentir dores no corpo e subsequentemente passou a ser seguido na consulta de medicina interna – doenças autoimunes e a partir de 21/01/2014 na consulta da dor;
- em abril de 2016 o A. foi submetido a Junta Médica de avaliação de incapacidade na DRSN que concluiu apresentar o mesmo deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente global de 68%, suscetível de variações futuras;
- consequentemente tendo a SS atribuído ao A. uma pensão com início em 17/05/2016, passando à situação de reformado por invalidez;
- verificados os requisitos para que fosse acionado o seguro – por invalidez total e permanente – foi participado à R. o sinistro.
A R. respondeu não assumir a responsabilidade para si transferida com fundamento em declarações inexatas no preenchimento da proposta.
O que os AA. não aceitam, por tal peticionando a condenação da R. nos termos acima aludidos.
Devidamente citada, a R. contestou, reiterando que a apólice foi anulada por motivos de falsas declarações prestadas pelo 1º A., quando para a aceitação do seguro pela ré é elemento essencial o preenchimento do questionário médico com verdade e exatidão.
Impugnou igualmente o grau de incapacidade de 68% que o A. marido invocou.
Termos em que concluiu pela sua absolvição do pedido.
Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador. Identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Após realização de perícias médico-legais foi agendada audiência de discussão e julgamento.
*
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi após proferida sentença, decidindo-se a final
“julgo a ação totalmente improcedente, por não provada, e absolvo a Ré X... - Companhia de seguros de Vida, S.A., dos pedidos contra si formulados pelos Autores AA e BB.”
*
Do assim decidido apelaram os AA., oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
“Com o presente Recurso, pretendem os Recorrentes, primeiramente, invocar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia com base nos seguintes argumentos;
259.
No ponto 1 dos factos dados como não provados, decidiu a MM Juiz a quo que:
“Aquando da celebração deste contrato de Seguro de Vida Financiamento, os Autores preencheram um questionário no qual responderam, com plena verdade, às questões colocadas (Doc. 11, pág. 2, 3, 5, 6 e 7)”;
260.
Todavia, a Recorrida apenas afirma, no ponto 9 da sua contestação, que o Recorrente marido não respondeu com verdade quanto ao conteúdo da página 3 do documento 11 junto com a P.I., não se pronunciando quanto ao conteúdo das páginas 2, 5, 6 e 7;
261.
E não foi feita prova em juízo de que o Recorrente marido tenha faltado à verdade relativamente ao constante nestas páginas;
262.
Nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 574.º do C.P.C., uma vez não impugnados, devem considerar-se admitidos por acordo os factos constantes nas referidas páginas 2, 3, 5, 6 e 7 do documento 11 junto com a P.I.;
263.
Considerando a MM Juiz a quo não provado determinada matéria que foi admitida por acordo, matéria não controvertida, salvo melhor opinião e com o devido respeito, a douta sentença de que se recorre é nula por excesso de pronúncia, nulidade esta que, desde já aqui se invoca nos termos do previsto, nomeadamente, na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, e no n.º 2 do artigo 608.º ambos do C.P.C.
264.
Se assim não se entender, o que só por mera hipótese académica se admite, pretendem os Recorrentes impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, ao abrigo do disposto nos artigos 639.º e 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil;
RELATIVAMENTE À MATÉRIA DE FACTO
265.
No ponto 1 dos factos considerados não provados, entendeu o Tribunal a quo que:
“Aquando da celebração deste contrato de Seguro de Vida Financiamento, os Autores preencheram um questionário no qual responderam, com plena verdade, às questões colocadas (Doc. 11, páginas 2, 3, 5, 6 e 7)”;
266.
Com base no depoimento prestado pelo Recorrente marido no
- dia 06/09/2021, gravação com início às 15h10m,
- entre 01m56s a 02m23s,
267.
Com base no depoimento prestado pela testemunha CC na gravação
- dia 09/07/2021, com início às 10h29m20s,
- entre 04m41s e 07m02s
268.
Com base no confronto das assinaturas apostas na proposta de seguro de vida com a caligrafia constante na mesma,
269.
O ponto 1 dos factos dados como não provados deve ser alterado, passando a ser considerado provado que:
Aquando da celebração deste contrato de Seguro de Vida Financiamento, os Autores responderam, com plena verdade, a todas as questões que lhes foram colocadas;
270.
Se assim não se entender, o que só por mera hipótese se admite, deve ser considerado provado, porque não impugnado, que os Recorrentes responderam com plena verdade às questões colocadas nas páginas 2, 5, 6 e 7 do documento 11 junto com a P.I.;
271.
No ponto 73 dos factos dados como provados na douta Contestação, entendeu a MM Juiz a quo dar como provado que
“… o Autor marido, no questionário de que juntou cópia (pág. 3 do documento 11), declarou que não padecia de qualquer doença, declaração que foi essencial para a aceitação do seguro por parte da Ré”;
272.
Com base no depoimento prestado pelo Recorrente marido no dia 06/09/2021, gravação com início às 15h10m este ponto deve ser considerado não provado porquanto ao Recorrente marido nenhuma questão lhe foi colocada acerca do seu estado de saúde; 273.
Assim, entendem os Recorrentes que deve ser considerado não provado que “… o Autor marido, no questionário de que juntou cópia (pág. 3 do documento 11), declarou que não padecia de qualquer doença, declaração que foi essencial para a aceitação do seguro por parte da Ré”;
274.
No ponto 2 dos factos dados como não provados, entendeu o Tribunal a quo dar como não provado que o Recorrente marido tenha começado a sentir dores no corpo por volta do mês de outubro de 2012 (negrito nosso);
275.
E dá como provado no ponto 44 dos factos dados como provados que, por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido sentiu dores no corpo, o que motivou a que deslocasse, naquele mesmo mês, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel (doc. 14 junto com a PI)(fls 129);
276.
Se é de admitir que o Recorrente marido já sentisse dores antes de 2012, também se diga que sempre associou essas dores ao esforço que fazia decorrente da sua atividade profissional, conforme se retira do relatório médico datado de 23/02/2016, documento 14 junto com a P.I., fls 129, (“O doente associava as queixas ao esforço executado na atividade física que desenvolvia na fábrica de moagem. Referia levantar 140 sacos de 50 kg de farinha / dia”);
277.
Assim, na opinião dos Recorrentes, o ponto 2 dos factos considerados não provados carece de ser alterado e completado, passando a constar nos factos provados que:
Por volta do mês de outubro de 2012 o Autor marido começou a sentir dores no corpo que motivou a que se deslocasse, naquele mesmo mês, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel, dores estas que vêm a determinar, em outubro de 2014, o diagnóstico da fibromialgia;
278.
No ponto 75 dos factos considerados provados na douta Contestação, entendeu a MM Juiz a quo dar como provado que:
“Nos relatórios médicos que foram enviados à Ré, faz-se referência a processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, mas também com patologia degenerativa da coluna lombar que, apesar de intervencionado não resolveu o seu problema de dor cronica sendo encaminhado para a consulta de Dor Cronica.”
279.
Com o devido respeito, a MM Juiz a quo afirma neste ponto 75 que foram enviados relatórios médicos à Ré, onde se faz referência a processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, mas não identifica quais os relatórios a que se refere nos quais é feita referência à fibromialgia, quais as suas datas e em que momento os mesmos lhe foram enviados;
280.
Pois, na verdade, fibromialgia só foi diagnosticada ao Recorrente marido em outubro de 2014, como se convenientemente se justificará nas alegações referentes ao ponto 3 dos factos considerados não provados;
281.
Assim, o ponto 75 dos factos considerados provados na douta Contestação, deve ser considerado não provado, passando a considerar-se não provado que:
Nos relatórios médicos que foram enviados à Ré, faz-se referência a processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, mas também com patologia degenerativa da coluna lombar que, apesar de intervencionado não resolveu o seu problema de dor cronica, sendo encaminhado para a consulta de Dor Cronica.
282.
No ponto 77 dos factos dados como provados, deu como provado o Tribunal a quo que:
“No relatório elaborado pela Dra. DD (documento 4 junto com a p.i.), datado de 23/02/2016, refere-se que o Autor começou avaliação na especialidade de Medicina Interna (doenças autoimunes) desde outubro de 2012 … com vários anos de evolução”;
283.
Apesar do referido relatório datado de 23/02/2016 referir “vários anos de evolução”, não determina o início da avaliação na especialidade de Medicina Interna, que poderá ter ocorrido em outubro de 2012, data em que o Recorrente marido sentiu dores no corpo, o que motivou a que tivesse que se deslocar, conforme se referiu, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel (doc. 14 junto com a PI) (Ponto 44 dos factos dados como provados);
284.
Para além de que sempre as associou ao excesso de trabalho, conforme consta do relatório médico, documento 14 junto com a PI, folhas 129 (“Homem, 44 anos, funcionário numa moagem de farinhas desde há mais de 20 anos, é seguido na Consulta de Medicina Interna – Doenças Autoimunes deste outubro de 2012” (doc. 14 junto com a PI - fls 129);
285.
O Recorrente marido apenas é seguido na Consulta da Dor do Centro Hospitalar ... desde 21/01/2014, conforme se retira da análise do documento 15 junto com a PI: (“Identificação: AA, 44 anos, residente em ..., Paredes, Declaro, para os devidos efeitos, a informação clínica acerca do doente acima citado:
O doente é seguido na Consulta da Dor do Centro Hospitalar ... desde 21/01/2014, tendo sido admitido no contexto multifocal com múltiplas disfunções músculo-esqueléticas”
286.
Ainda segundo o exarado pelos senhores médicos peritos no Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, efetuado em 12/08/2017, página 2, folhas 398 (“No ano de 2014, iniciou um quadro de dor generalizada, tendo recorrido ao seu médico assistente, Dr. EE do Centro de Saúde de Sobreira, Paredes…”)
287.
E no mesmo relatório, página 4, folhas 399: (“Relatório Médico da Consulta de Dor Crónica CH..., datado de 14.04.2016:
O doente é seguido na consulta da Dor desde 21.01.2014, tendo sido admitido no contexto multifocal com múltiplas disfunções músculo-esqueléticas”);
288.
Deve concluir-se que as dores e o cansaço sentidos pelo Recorrente marido antes de 2012 são motivadas pelo elevado esforço a que o mesmo se submetia no exercício da sua atividade profissional;
289.
Deste modo, a parte final deste ponto 77 dos factos dados como provados (“desde outubro de 2012 … com vários anos de evolução”) não deverá ter o alcance que o Tribunal a quo lhe pretendeu atribuir, pelo que deve ser dali retirado, por não conter os elementos que o julgador pretende alcançar,
290.
Ou, em alternativa, ser completado do seguinte modo:
“77-No relatório elaborado pela Dra. DD (documento 4 junto com a p.i.), datado de 23/02/2016, refere-se que o Autor começou avaliação na especialidade de Medicina Interna (doenças autoimunes) desde Outubro de 2012 …com vários anos de evolução, não se conseguindo determinar a partir de que momento se iniciou esta avaliação, nem se podendo associar esta avaliação à fibromialgia, doença esta que vem a ser determinante para a atribuição, ao Autor marido, da incapacidade de 20% (vinte por cento)”;
291.
No ponto 3 dos factos dados como não provados, o Tribunal a quo deu como não provado que:
“Em fevereiro de 2016, do estudo efetuado naquela unidade hospitalar, e após exclusão de outras doenças sistêmicas do foro autoimune, os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia”;
292.
Exarou ainda a MM Juiz a quo, na página 27 da douta sentença de que se recorre, que:
“… é de todo irrealista que a 29/01/2012 o Autor marido estivesse perfeitamente de saúde e em maio de 2012 já se falasse e fibromialgia”;
293.
Relativamente a esta última transcrição, os Recorrentes não conseguem descortinar em que relatório médico é feita referência à fibromialgia no ano de 2012;
294.
E no já referido relatório médico junto com a PI como documento 14, folhas 129, datado de 23/02/2016, a Dr.ª DD exarou que “Do estudo efetuado e após exclusão de outras doenças sistêmicas / do foro autoimune, conclui-se tratar-se de uma fibromialgia, tendo sido referenciado à CE de Psiquiatria e da Dor”;
295.
O facto é que a fibromialgia apenas é diagnosticada no Recorrente marido em outubro de 2014, conforme se retira dos seguintes relatórios médicos:
- Folhas 398 (página 2, linhas 16 e 17, do Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, - Avaliação do Estado de Saúde – Avaliação, efetuado em 12/08/2017):
“Começou a ser observado nessa consulta em ambulatório, sendo que em outubro de 2014, foi efetuado um diagnóstico em fibromialgia”;
- Folhas 414 (página 2, ponto 8, do Relatório de Perícia Médico-Legal – Psiquiatria – Informação, onde se lê
“8. No ano de 2014 foi-lhe diagnosticada fibromialgia”;
296.
Mas se por mera hipótese se considere que tais documentos não são bastantes para comprovar que a fibromialgia apenas é diagnosticada ao Recorrente marido em Outubro de 2012, sempre se dirá que a mesma é diagnosticada em momento posterior à data da celebração do contrato de seguro de vida, conforme se retira da gravação que teve lugar no dia 06/09/2021, gravação com início às 15h10m, 09m00s a 09m15s, onde a MM Juiz a quo afirma: “O senhor tem razão quando diz, por exemplo, que a fibromialgia só lhe foi diagnosticada depois…, em 2012 mas após a celebração deste contrato. Até aí estamos todos de acordo, está a perceber?”
297.
Assim, entendem os Recorrentes que o ponto 3 dos factos dados como não provados deve ser alterado para factos provados, considerando-se provado que:
Em outubro de 2014, do estudo efetuado naquela unidade hospitalar, e após exclusão de outras doenças sistémicas do foro autoimune, os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia;
298.
No ponto 4 dos factos dados como não provados, entendeu o Tribunal a quo não dar como provado:
“Que tenha sido por mero lapso que no relatório médico junto pelos Autores para instruir o respetivo processo, redigido pelo Sr. Dr. FF, venha referido que o Autor marido é acompanhado em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004”;
299.
No ponto 5 dos factos dados como não provados, entendeu a MM Juiz a quo dar como não provado que:
“Aquele relatório médico contém incorreções ao referir que o Autor marido “é acompanhado em consulta de psiquiatria desde 13/12/2004, por sofrer de Síndrome Depressivo prolongado relacional com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de Fibromialgia…”;
300.
No ponto 6 dos factos dados como não provados, entendeu a MM Juiz a quo dar como não provado que
“Na verdade, o que o Sr. Dr. FF queria afirmar, como o vem a fazer no relatório que redige a substituir este, é que o Autor marido “frequentou consulta de Psiquiatria no ano de 2004, devido a problemas ansioso-depressivos reativos a stress profissional tendo recuperado e obtido alta da consulta”;
301.
No ponto 7 dos factos dados como não provados, entendeu a MM Juiz a quo dar como não provado que:
“Só em janeiro de 2016 retomou consulta de psiquiatria, mas agora “relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteo – articulares em contexto de fibromialgia” acabando por ser reformado por invalidez (Doc. 23)”;.
302.
No ponto 8 dos factos dados como não provados, entendeu a MM Juiz a quo dar como não provado que
“Só volvidos doze anos da primeira situação, por indicação da médica de família, e após esta lhe ter diagnosticado fibromialgia, é que o Autor marido voltou a apresentar sintomatologia depressiva (Doc. 14)”.
303.
No ponto 9 dos factos dados como não provados, entendeu a MM Juiz a quo dar como não provado que:
“Se esteve o Autor marido tantos anos sem necessidade de suporte psiquiátrico, era sinal que estava bem.”
304.
No ponto 10 dos factos dados como não provados, entendeu a MM Juiz a quo dar como não provado que:
“Estava completamente curado”;
305.
No ponto 12 dos factos dados como não provados considerou a MM Juiz a quo que:
“No preenchimento do questionário apresentado pela Ré quando celebrou o contrato de seguro, não fez referência ao problema que tinha tido em 2004, pois estava completa e perfeitamente curado”;
306.
No ponto 15 dos factos dados como não provados considerou a MM Juiz a quo que:
“O Autor recuperou e obteve alta, sem que dali tivessem resultado quaisquer sequelas”;
307.
No ponto 19 dos factos dados como não provados, concluiu a MM Juiz a quo dar como não provado que:
“Pelo facto de ter verificado melhorias na área da Psiquiatria, o Autor marido não sentiu necessidade de ser acompanhado nesta especialidade”;
308.
E o ponto 76 dos factos considerados provados na douta Contestação, foi dado como provado que:
“No relatório de Psiquiatria datado de 07/07/2016 e assinado pelo Dr. FF- Assistente Graduado de Psiquiatria, documento 22 junto com a P.I., é declarado que o Autor é seguido em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004 por sofrer de depressão (síndrome depressivo prolongado) relacionada com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de Fibromialgia que o incapacitam para o exercício profissional, pelo que deve ser encaminhado para invalidez”;
309.
Da análise do relatório médico datado de 16/08/2016, documento 23 junto com a P.I., fls 141
310.
Da análise do depoimento prestado por este médico psiquiatra em sede de audiência no dia 09/07/2021, com início às 10h03m nos seguintes momentos:
- 02m22s a 03m17s
- 00m32s a 00m55s
- 02m23s a 03m18s
Dia 09/07/2021, com início às 10h27m
15m06s a 16m31s
16m31s a 17m00s
18m36s a 19m18s
23m08s a 23m20s
23m20s a 23m36s
311.
Da análise do depoimento prestado pela testemunha GG, filha dos Recorrentes no dia 09/09/2021, gravação com início às 11h05m, de 05m42s a 06m11s a 12m35s a 12m39s
312.
Da informação prestada pelo Centro Hospitalar ... aos senhores médicos peritos relativamente à perícia médica realizada ao Recorrente marido em 12/08/2017, página 2 do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, na sétima linha a contar do fundo da página, a folhas 398: - (ponto 58. dos factos dados como provados)
313.
Da análise, ainda no mesmo documento, na página 5, folhas 399 verso,
314.
Da análise da página 2, ponto 7 do Relatório da Perícia Médico-Legal efetuada ao Recorrente marido em 12/06/2016, folhas 414,
315.
Da análise da página 2 do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, efetuada ao Recorrente marido em 11/01/2019, folhas 441,
316.
Da análise da página 5 do mesmo relatório, folhas 442 verso,
317.
E pelo facto de a MM Juiz a quo não ter fundamentado porque adotou posição diversa à prova obtida em sede de julgamento e diversa à prova constante nos referidos relatórios médicos,
318.
E ainda com base no ponto 58. dos factos dados como provados, 319.
Entendem os Recorrentes que os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 15 e 19 dos Factos Não Provados devem ser alterados para os Factos Provados, passando a constar nos factos provados os seguintes textos:
Ponto 4:
Foi por mero lapso que no relatório médico junto pelos Autores como documento n.º 22 para instruir o respetivo processo, redigido pelo Sr. Dr. FF que vem referido que o Autor marido é acompanhado em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004;
320.
Ponto 5:
Aquele relatório médico (documento n.º 22) contém incorreções ao referir que o Autor marido “é acompanhado em consulta de psiquiatria desde 13/12/2004, por sofrer de Síndrome Depressivo prolongado relacionável com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia;
321.
Ponto 6:
Na verdade, o que o Sr. Dr. FF queria afirmar, como o vem a fazer no relatório que redige a substituir este, é que o Autor marido “frequentou consulta de Psiquiatria no ano de 2004, devido a problemas ansioso-depressivos reativos a stress profissional tendo recuperado e obtido alta da consulta”
322.
Ponto 7:
E só em janeiro de 2016 retomou a consulta de psiquiatria, mas agora “relacionável com sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia”;
323.
Ponto 8:
Só volvidos oito anos da primeira situação, por indicação da médica de família, e após esta lhe ter diagnosticado fibromialgia, é que o Autor marido voltou a apresentar sintomatologia depressiva
324.
Ponto 9:
Se esteve o Autor marido tantos anos sem necessidade de suporte psiquiátrico, era sinal que estava bem;
325.
Ponto 10:
O Autor estava completamente curado;
326.
Ponto 12
No preenchimento do questionário apresentado pela Ré quando celebrou o contrato de seguro, não fez referência ao problema que tinha tido em 2004, pois estava completa e perfeitamente curado;
327.
Ponto 15
O Autor recuperou e obteve alta, sem que dali tivessem resultado quaisquer sequelas;
328.
Ponto 19
Pelo facto de ter verificado melhorias na área da Psiquiatria, o Autor marido não sentiu necessidade de ser acompanhado nesta especialidade;
329.
E o ponto 76 dos factos considerados provados na douta Contestação deve ser considerado não provado;
330.
Ou, em alternativa, deve este ponto 76 ser alterado para o seguinte texto:
No relatório de Psiquiatria assinado pelo Dr. FF - Assistente Graduado de Psiquiatria, datado de datado de 16/08/2016, documento 23 junto com a P.I., fls 141, que retifica o documento 22 junto com a P.I., fls 137, é declarado que AA, nascido a .../.../1971, processo clínico n.º … frequentou a consulta de Psiquiatria no ano de 2004, devido a problemas ansioso-depressivos reativos a stress profissional, tendo recuperado e obtido alta da consulta. Entretanto em janeiro de 2016 retomou a consulta a pedido do seu médico de família, por se encontrar novamente com Síndrome depressivo relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia, acabando por ser reformado por invalidez;
331.
No ponto 78 dos factos dados como provados, a MM Juiz a quo deu como provado que:
“No Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (documento 21 junto com a p.i.), a patologia contemplada é a Psiquiatria e a Dor Crónica.”
332.
Com base na consulta da Tabela Nacional de Incapacidades, as patologias contempladas são as Neurologia e Neurocirurgia, nas vertentes das Nevralgias e radiculalgias, e não a Dor Crónica, pelo que o ponto 78. dos factos dados como provados deve ser alterado, passando nele a constar:
No Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (documento 21 junto com a p.i.), as patologias contempladas são a Psiquiatria e as Neurologia e Neurocirurgia, nas vertentes das Nevralgias e radiculalgias;
333.
Considerou o Tribunal a quo no ponto 79 dos factos dados como provados que:
O Autor recorria a assistência médica no seu tratamento já, pelo menos, desde 2004”;
334.
Pelas provas atrás indicadas, o Recorrente marido iniciou tratamento do foro psiquiátrico em dezembro de 2004, tendo recuperado e obtido alta da consulta em dezembro de 2008, só retomando a consulta de psiquiatria em 2016, a pedido do seu médico de família;
335.
Assim e com o devido respeito, pelos argumentos atrás expostos, deve este ponto 79 dos factos dados como provados ser considerado não provado ou, em alternativa, deve ser completado do seguinte modo:
O Autor recorria a assistência médica no seu tratamento já, pelo menos, desde 2004, tendo obtido alta da consulta em dezembro de 2008, só retomando a consulta de Psiquiatria no ano de 2016, por indicação do seu médico de família;
336.
No ponto 18 dos factos dados como não provados, a MM Juiz deu como não provado o seguinte:
“Sendo que tal (a recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados) tem sido motivo de agravamento da situação clínica do Autor”;
337.
Pelo facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que
“67 - A recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados causou e tem causado aos Autores uma enorme tristeza, nervosismo e ansiedade.
68 - Este casal, outrora alegre, bem-humorado, participativo e dinâmico, sente-se hoje triste, afastado do seu tradicional meio relacional, sem vontade de viver e revoltado com a situação em que se encontra.
69-Está preocupado com a incerteza do seu futuro e da sua filha ainda a seu cargo.
70-Preocupa o casal a circunstância, já agravada pela crise em que vive, de desconhecer o seu futuro, de desconhecer se vai ou não ter possibilidades de continuar a pagar as prestações daqueles créditos e o respetivo seguro de vida a eles relativo, pelo facto de, com apenas € 733,26 euros mensais, ter que suportar todas as despesas daquele agregado familiar.”;
338.
E com base no depoimento prestado pelo médico Psiquiatra Dr. FF, que acompanha o Recorrente marido, no depoimento prestado no dia 09/07/2021, depoimento iniciado às 10h03m
03m51s a 04m09s
04m09s a 04m42s
339.
E corroborada também pelo depoimento prestado pela filha dos Recorrentes, GG, pelo depoimento prestado no dia 09/09/2021, gravação com início às 11h05m
01m43s a 01m52s
01m52s a 01m58s
340.
Resulta uma contradição com o ponto 18 dos factos dados como não provados, motivo pelo qual entendem os Recorrentes que este ponto deve ser considerado provado, passando a constar nos factos provados que:
A recusa por parte da Ré em pagar os valores peticionados tem sido motivo de agravamento da situação clínica do Autor;
DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
341.
De tudo o exposto relativamente à doença do foro psiquiátrico no Recorrente marido, o decidido nos referidos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 15 e 19 dos Factos Não Provados e o decidido no ponto 76 dos factos dados como provados entram em contradição com
- O ponto 58 dos factos dados como provados (“A médica de família, num contexto de fibromialgia, em 2016, enviou o Autor para a consulta de psiquiatria”,
- Os relatórios médicos juntos aos autos,
- Com a prova feita em juízo, nomeadamente pela filha dos Recorrentes e pelo o Dr. FF, médico psiquiatra;
342.
Deste modo, requer-se ao Tribunal de Recurso que, nos termos do previsto, nomeadamente, no n.º 1 do artigo 662.º do C.P.C., altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, dado que o facto 58 tido como assente, a prova produzida e os documentos juntos aos autos impõem decisão diversa;
343.
Ou, se assim não se entender, anule a decisão proferida, nos termos do previsto, nomeadamente, na alínea c) do n.º 2 do referido atrigo 662.º do C.P.C., porquanto a mesma reputa-se deficiente e contraditória a decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto, porque a douta sentença de que se recorre não considerou o documento 23 junto com a P.I., fls 141,
- Não considerou o depoimento prestado pelo Dr. FF, médico psiquiatra que acompanha o Recorrente marido,
- Não considerou a informação prestada pelo Centro Hospitalar ... aos senhores médicos peritos relativamente à perícia médica realizada ao Recorrente marido em 12/08/2017, página 2 do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, na sétima linha a contar do fundo da página, a folhas 398 (“Em janeiro de 2016 foi encaminhado para consulta de Psiquiatria”; (ponto 58. dos factos dados como provados),
- Não considerou no mesmo documento, na página 5, folhas 399 verso,
- Não considerou na página 2, ponto 7 do Relatório da Perícia Médico-Legal efetuada ao Recorrente marido em 12/06/2016, folhas 414,
- Não considerou na página 2 do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, efetuada ao Recorrente marido em 11/01/2019, folhas 441:
- Não considerou na página 5 do mesmo relatório, folhas 442 verso,
- Nem fundamentou porque motivo desconsiderou todos estes relatórios médicos e o depoimento prestado pelo referido clínico, autor do documento 22 e 23 juntos com a P.I., fls 137 e 141, respetivamente,
344.
Se assim não se entender, o que só por mera hipótese se admite, pretendem os Recorrentes, nos termos do previsto, nomeadamente, na alínea d) do referido n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., que o Tribunal da Relação determine que o Tribunal a quo fundamente a decisão de considerar não provados os factos constantes nos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 15 e 19 dos factos não provados e considerar provado o ponto 76 dos factos provados, porquanto todos os relatórios médicos referidos supra e toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento impunham uma decisão diversa;
RELATIVAMENTE À MATÉRIA DE DIREITO
345.
No ponto 72 dos factos dados como provados, relativamente à Contestação, decidiu o Tribunal a quo que:
“A apólice com a inclusão dos 2 AA. foi anulada com efeitos desde o seu início em 29/01/2012 por motivo de falsas declarações prestadas pelo 1.º A. quando do preenchimento do questionário médico em que assenta a aceitação do seguro pela Ré”;
346. Salvo melhor opinião, para que a Recorrida pudesse anular a apólice de seguro teria que fazer prova do dolo por parte Recorrente marido aquando da celebração do contrato de seguro de vida, teria que fazer prova de que este lhe omitiu, voluntariamente, por ser dele conhecida, a informação sobre aquelas duas patologias o que não logrou fazê-lo;
347.
Em consequência, não tendo havido má-fé ou dolo por parte dos Recorrentes, seja porque o Recorrente marido, no momento da celebração do seguro, não estava a ser acompanhado na área da psiquiatria e a fibromialgia ainda não lhe tinha sido diagnosticada, nunca a Recorrida poderia classificar a sua conduta como dolosa e, consequentemente, anular o seguro, e não pagar o peticionado;
348.
Assim, entendem os Recorrentes que o ponto 72 dos factos considerados provados deverá passar para os factos não provados, passando ali a constar que:
A apólice com a inclusão dos 2 AA. foi anulada com efeitos desde o seu início em 29/01/2012 por motivo de falsas declarações prestadas pelo 1.º A. quando do preenchimento do questionário médico em que assenta a aceitação do seguro pela Ré.
Termos em que, acolhendo-se as conclusões precedentes, e proferindo-se Acórdão que revogue ou altere a sentença recorrida nos segmentos que absolve o Recorrida do pedido, condenando-a pelas razões aqui expostas, conforme pedido na Petição Inicial,
SE FARÁ JUSTIÇA”
Apresentou a R. “X...” contra-alegações ao recurso dos AA., em suma tendo pugnado pela sua improcedência face ao bem decidido pelo tribunal a quo na parte objeto de recurso pela A..
*
Apresentou a R. X... recurso subordinado nos termos do artigo 633º do CPC, oferecendo alegações e a final tendo formulado as seguintes
Conclusões:
“1ª - Na Contestação a R., para além da exceção da invalidade do contrato de seguro, impugnou a factualidade alegada pelos AA., designadamente, o alegado grau de incapacidade de 68% (art. 2º da Contestação).
2ª - Foram na Audiência Prévia admitidos os meios de prova, designadamente, a realização de Perícia Médico-Legal ao A. requerida pela R., sendo uma das questões a aferia o grau de incapacidade do A. segundo a TNI.
3ª - Foi realizada a referida perícia (relatórios de fls. 397 a 402 verso, 413 a 416 e 441 a 447), bem como uma segunda perícia (relatórios de fls. 536 a 538).
4ª - Na primeira perícia, foi atribuída ao A. uma incapacidade de 61,60%, sendo arbitrados os coeficientes de 0,20 + 0,20 no Cap . III. 7, 0,20 (coluna lombar, lombociatalgia e fibromialgia) e 0,40 no Cap. X grau IV (de acordo com a Perícia de Psiquiatria).
5ª - Na segunda perícia, a incapacidade relativa a Psiquiatria foi corrigida para 0,23 no Cap. X, 1, grau III, o que configura uma incapacidade geral de 49,28%.
6ª - Conforme consta das condições contratuais e o A. admitiu na Petição Inicial (art. 42º), entende-se por:
Invalidez Total e Permanente – a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada, e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional mínima de 66%.
Incapacidade Funcional – o estado físico ou mental, consequente de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente garantia que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma diminuição, com caráter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida.
7ª – O Tribunal “a quo” respondeu aos Temas de Prova i) e j),
8ª - Mas não fez constar do elenco dos factos provados qual a efetiva incapacidade de que padece o A., determinada pelas duas perícias médico-legais realizadas no âmbito dos presentes autos.
9ª - Assim sendo, deverá ser aditado ao elenco dos factos provados um facto provado com o número 81, com a seguinte redação:
“A incapacidade que afeta o A. foi fixada pelo INML em 61,60% na primeira perícia e de 49,28% na segunda perícia”.
10ª - Isto porque o grau de incapacidade que afeta o A. era matéria de facto controvertida (Tema de Prova i)) e não foi objeto de qualquer consideração na fundamentação de facto, verificando-se uma omissão do Tribunal “a quo” na resposta à matéria de facto (arts. 608º e 615º do CPC).
11ª - Constando dos autos todos os elementos probatórios pertinentes, deverá o Tribunal da Relação aditar esta factualidade ao elenco dos factos provados (art. 662º, nº 2 al. c) do CPC).
12ª - A incapacidade permanente de que o A. se encontra afetado não atinge o valor contratualmente fixado para a concretização do risco coberto.
13ª - O A. não logrou demonstrar o facto constitutivo do seu direito, ou seja, o facto contratualmente previsto como gerador da obrigação de pagamento, ou seja, uma invalidez total e permanente de pelo menos 66%.
14ª - Embora o A. padeça de uma incapacidade, a mesma não preenche os requisitos necessários para ser reconhecida como uma invalidez total e permanente por doença, segundo as condições da apólice que é causa de pedir nos presentes autos.
15ª - A condição clínica do A. foi avaliada por uma Junta Médica que lhe atribuiu, de acordo com o TNI, a incapacidade permanente global de 68%, de forma definitiva.
16ª - De acordo com os exames periciais efetuado pelo INML, o A. é portador de um valor de incapacidade de 49,28% (ou 61,60%) de acordo com TNI.
17ª - Fazendo uma interpretação correta dos relatórios juntos aos autos, conclui-se que não estão reunidos os requisitos para que possa ser acionada a cobertura complementar de invalidez total e permanente.
18ª - Efetivamente, a invalidez reconhecida ao A. é inferior a 66% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
19ª - São requisitos da definição de invalidez total e permanente: ficar definitivamente incapaz de exercer uma atividade remunerada e a desvalorização ser superior a 66%.
20ª - Como se afigura evidente, a perícia médico-legal tem que ter maior relevância probatória do que o Atestado Médico Incapacidade Multiuso.
21ª - Nos termos do art. 388º do Código Civil (CC), a prova pericial tem como finalidade a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
22ª - A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal, conforme o art. 389º CC.
23ª - Note-se que, o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso depende dos demais meios probatórios para se aferir a conformidade e relevância das suas conclusões face a uma concreta incapacidade, para fins estritamente definidos, que é exigência para a cobertura do contrato de seguro em causa.
24ª - A avaliação da Junta Médica, nos termos do artigo 1º do DL n.º 202/96, de 23 de outubro, alterado e republicado pelo DL n.º 291/2009, de 12 de outubro, visa a determinação das incapacidades das pessoas “(…) para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, em ordem a facilitar a sua plena participação na comunidade.”
25ª - Salientamos então a limitação da avaliação feita pela competente Junta Médica no caso concreto.
26ª - Assim, nenhum elemento probatório trazido para os autos foi suficiente para colocar em questão as conclusões do relatório pericial.
27ª - Veja-se que, o julgador somente se deve afastar do parecer dos peritos com base em razões de desconfiança quanto à sua pessoa ou conteúdo da perícia ou com base em meios de prova alternativos e com idêntica relevância probatória.
28ª - Conclui-se que o referido Atestado Multiuso, como meio de prova, não consegue abalar a perícia médico-legal, destinada à avaliação do dano corporal em termos civis, e cujo objeto se orientou pela factualidade concreta que estava em causa nestes autos.
29ª - E ainda, que o A. tem uma condição clínica limitada, no entanto, do ponto de vista médico-legal, não se infere uma invalidez total e permanente nos termos contratuais.
30ª - O Atestado Médico de Incapacidade Multiuso avalia a capacidade o utente para efeitos de aplicação de apoios sociais a quem esteja em condições de beneficiar dos mesmos, não traduzindo qualquer avaliação do dano corporal em termos civis, nem a capacidade laboral.
31ª - Em caso de procedência do recurso interposto p elos AA., deverá ser apreciado e julgado procedente o presente recurso subordinado, aditando-se à matéria de facto provada: 81 - “A incapacidade que afeta o A. foi fixada pelo INML em 61,60% na primeira perícia e de 49,28% na segunda perícia”, e considerando-se que não se encontram reunidos os requisitos da cobertura de invalidez total e permanente contratada, designadamente, quanto ao grau mínimo de incapacidade de 60%.
32ª – A Sentença recorrida viola o disposto no contrato de seguro, no art. 342º do CCivil e o art 608º do CPC.
Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, revogando-se nesta parte a douta a Sentença recorrida e julgando-se a ação totalmente improcedente se fará inteira JUSTIÇA!”
Não se mostram apresentadas contra-alegações.
***
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
***
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:

Recurso dos AA.:
i- nulidade da sentença por excesso de pronúncia:
em causa a resposta dada ao facto não provado 1 [vide conclusões numeradas de 259 a 264];
ii- erro na decisão de facto (vide conclusões numeradas de 265 e segs.). Em causa os pontos 1 dos factos não provados; 73 dos factos provados; o ponto 2 dos factos não provados; o ponto 75 dos factos provados; o ponto 77 dos factos provados; o ponto 3 dos factos não provados; os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 15 e 19 dos factos não provados e 76 dos factos provados; o ponto 78 dos factos provados; o ponto 79 dos factos provados; o ponto 18 dos factos não provados e o ponto 72 dos factos provados.
iii- erro na aplicação do direito.

Recurso subordinado da R. X... (para o caso da procedência do recurso principal):
i) erro/omissão da decisão de facto.
Em causa a omissão da efetiva incapacidade de que o A. ficou afetado. O que constituía tema de prova e o tribunal omitiu no elencar dos factos provados.
Pugnando a recorrente pela adição aos factos provados do seguinte ponto factual, com nº 81:
81- A incapacidade que afeta o A. foi fixada pelo INML em 61,60% na primeira perícia e de 49,28% na segunda perícia” – vide conclusão 9ª.
ii) erro na aplicação do direito.
***
III- Fundamentação.
O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
“Discutida a causa e produzida a prova, o Tribunal dá como provados apenas os seguintes factos (com exclusão da matéria conclusiva e/ou de direito e da matéria de mera impugnação):
Da Petição Inicial.
1-Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrada em 03 de Julho de 1996, na Rua ..., no Porto, na agência do extinto Banco 2..., S.A., perante o Ajudante Principal do Primeiro Cartório Notarial do Porto, à época a cargo do Notário Lic. HH, escritura essa exarada de folhas 87 a 90 do livro para escrituras diversas número ..., os Autores declararam comprar, pelo preço de € 42.397,82 (quarenta e dois mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), à época pelo valor oito milhões e quinhentos mil escudos, um prédio urbano composto de casa para habitação, de rés-do-chão com a área coberta de cinquenta e dois metros quadrados e quintal com sessenta metros quadrados, sito no lugar da ..., freguesia ..., concelho de Paredes, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º ... da referida freguesia ... (Doc. 01).
2-Como forma de se financiarem para a compra deste prédio, naquele mesmo ato, os Autores contraíram um empréstimo junto do referido e extinto Banco 2..., S.A., no valor de € 42.397,82 (quarenta e dois mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos) (Doc. 01).
3-Ficou exarado naquela escritura que aquele crédito foi concedido pelo prazo de 30 (trinta) anos, na modalidade de prestações mensais constantes com bonificação decrescente (Doc. 01).
4-E que o empréstimo seria reembolsado em trezentas e sessenta prestações mensais e sucessivas, a primeira com vencimento um mês após aquela data e as restantes em igual dia dos meses seguintes (Doc. 01).
5-Aquele imóvel destinou-se à habitação própria e permanente dos Autores (Doc. 01).
6-Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos daquela escritura e daquele contrato de mútuo, juros e demais despesas inerentes, os Autores constituíram hipoteca a favor daquele banco sobre o imóvel atrás identificado (Doc. 01, ponto 5 e Cláusula Décima Quinta do “Documento Complementar Elaborado nos Termos do Número Dois do Artigo Sessenta e Quatro do Código do Notariado”, documento este apenso àquela escritura).
7-E nos termos do exarado na Cláusula Vigésima Quinta do atrás referido documento complementar, os Autores foram “obrigados a efetuar Seguro de Vida, o qual deverá cobrir Morte, Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença e Invalidez Total de Permanente por Acidente, sendo o beneficiário o “Banco 2...”, na qualidade de credor hipotecário privilegiado, pelo valor mínimo do montante do empréstimo …..” (Documento complementar do doc. 01).
8-Volvidos alguns anos, confrontados com melhores propostas de crédito, os Autores resolveram transferir aquele crédito que detinham no Banco 2..., S.A., para o Banco 3..., S.A., NIF ..., com sede na Rua ..., em Lisboa.
9-Assim, no dia 17 de Novembro de 1999, no Porto e no Banco 3..., S.A., no Centro Comercial ..., na Praça ..., ..., perante II, Ajudante do Sétimo Cartório Notarial daquela cidade, a cargo da Notária JJ, os Autores celebraram uma escritura de “TRANSFERÊNCIA DE MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA”, através da qual transferiram o crédito contraído junto do banco Banco 2... referido no ponto 1. deste articulado para o Banco 3..., S.A., (Doc. 02).
10-O montante do crédito concedido foi de € 41.270,88 (quarenta e um mil, duzentos e setenta euros e oitenta e oito euros), à data 8.274.069$00 (Doc. 02).
11-Este valor foi entregue ao referido Banco 2... ficando liquidado o crédito ali contraído, passando os Autores, a partir dali, a serem devedores ao Banco 3..., S.A..
12-Também aqui os Autores deram de hipoteca, como garantia do bom e integral pagamento deste crédito, assim como dos respetivos juros, despesas judiciais e extrajudiciais, o imóvel melhor identificado no ponto 01. (Doc. 02).
13-Esta hipoteca ficou registada na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a A.P. n.º 24, de 19/04/2000 (Doc.03 frente e verso).
14-Ficou acordado entre as partes, na Cláusula Quarta da Secção I, nas Condições Particulares do “Documento Complementar Elaborado nos Termos do Número Dois do Artigo Sessenta e Quatro do Notariado”, e que faz parte integrante da escritura referida no ponto 09., que o empréstimo é concedido pelo prazo de vinte e seis anos e oito meses, a contar da data daquela escritura, e será amortizado em 320 (trezentas e vinte) prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes com vencimento em igual dia dos meses seguintes (Doc. 02).
15-Na Cláusula Oitava da Secção II, nas Condições Gerais do referido documento complementar, os Autores foram obrigados a contratar um Seguro de Vida ficando a constar como credor hipotecário o Banco 3..., S.A. (Doc. 02).
16-Naquele mesmo dia, hora e local, os Autores celebraram um outro contrato de crédito, denominado “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, através do qual o referido Banco 3..., S.A., lhes concedeu outro crédito, este para efeitos de obras de conservação, no valor de € 12.220,55 (doze mil, duzentos e vinte euros e cinquenta e cinco cêntimos), na época 2.450.000$00, (Doc. 04).
17-Esta quantia foi colocada, em várias tranches, ao dispor dos Autores numa conta por eles titulada no então Banco 4....
18-Entregue a última tranche, ficou acordado que o empréstimo seria amortizado em prestações mensais de capital e juros, com vencimento um mês após a utilização total do empréstimo.
19-Também aqui, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, respetivos juros e despesas judiciais e extra judiciais, foi constituída uma hipoteca a favor do banco mutuante sobre o imóvel referido em 01, hipoteca devidamente registada a favor do Banco 3..., S.A. na Conservatória do Registo Predial de Paredes pela Ap. ... (Doc. 03 e 04).
20-Nos termos da Cláusula Quarta da Secção I das Condições Particulares constantes no documento complementar anexo a esta escritura de mútuo com hipoteca, empréstimo foi concedido pelo prazo de 26 (vinte e seis) anos a contar daquele dia 17/11/1999 (Doc. 04).
21-E ficou também exarado na Cláusula Oitava da Secção II das Condições Gerais daquele apenso que os Autores se obrigariam à celebração de um Seguro de Vida, ficando a constar o Banco 3..., S.A. como credor hipotecário (Doc. 04).
22-O Banco 3..., S.A., vem mais tarde a fundir-se no Banco 1..., atualmente Banco 1..., NIPC ..., com sede na rua ..., na cidade do Porto, passando este, a partir dali, a deter todos os direitos e assegurar o cumprimento de todos os deveres daquele.
23-Em cumprimento com aquela obrigação assumida, onde foi imposto aos Autores a celebração de seguro de vida tendo como beneficiários os bancos mutuantes, em 15/12/1996, celebraram um contrato de seguro anual com a companhia de seguros Y..., no ramo Vida Revalorizável, com o número de apólice ... (Doc. 05 e 06).
24-Onde figura como pessoa segura o Autor marido (Doc. 05).
25-Esta apólice vigorou até 15/12/1999 (Doc. 06).
26-Em 04 de março de 1996, o agente de seguros, Sr. KK, colega de trabalho e amigo do Autor marido, envia uma proposta de seguro à seguradora Mundial Confiança, tendo como beneficiário o agora Banco 5..., (anterior Banco 2..., S.A.) para início de outro contrato de seguro de Vida Individual / Vida Mais Vida (Doc. 07).
27-Essa proposta é aceite, e a companhia de seguros Y... enviou um fax ao Banco 5..., - banco que adquiriu o Banco 2..., S.A., - na qualidade de “Beneficiário Aceitante”, para obter o respetivo consentimento na alteração da apólice (Doc. 07).
28-A nova apólice de seguro do ramo “Vida Mais Vida”, na companhia de seguros Y..., tem agora o número 1 527 054, e o seu início em 04/04/1996 e mantém como pessoa segura o Autor marido (Doc. 06 e 08).
29-Este seguro de vida vigorou até 17/11/1999 (Doc. 06).
30-Em data que não pode precisar, mas sempre por volta de novembro de 1999, o Autor marido celebra novo contrato de seguro de Vida com a mesma companhia de seguros Y..., S.A., ao qual foi atribuída a apólice n.º ... (Doc. 06).
31-Este seguro de vida vigorou até 17/11/2006, porque foi substituída, nessa data, pela adesão 55 da apólice de grupo ... (Doc. 06, 09 e 10).
32-Por sua vez, esta apólice de seguro de vida ... vigora até 01/07/2015, altura em que é encerrada por falta de pagamento, pois os Autores, nesta altura e já desde 29/01/2012 tinham o seguro de vida a cobrir os mesmos créditos numa nova companhia de seguros.
33-Em 09/01/2012, os Autores foram interpelados, na residência onde vivem, pelo agente de seguros CC, com sede na Rua ..., ... – ..., Paredes, tendo este proposto a transferência do seguro de vida associado ao empréstimo da companhia de seguros Y... para a então W..., Companhia de Seguros de Vida, S.A..
34-Como não viram qualquer inconveniente naquela transferência, em 29/01/2012 os Autores celebraram com a W... - Companhia de seguros de Vida, S.A., um contrato de seguro de vida, com a designação SEGURO VIDA FINANCIAMENTO, a produzir efeitos a partir daquela data, pelo prazo de 20 anos, e tendo como beneficiário, em caso de sinistro, o Banco 1... (Doc. 11).
35-A este contrato de Seguro de Vida foi atribuído o número de Apólice ..., no Ramo Vida Financiamento – 2 Pessoas Seguras (Doc. 11).
36-Neste novo contrato de seguro de vida, diferentemente dos contratos de seguro de vida anteriormente referidos, já figuram como pessoas seguras ambos os Autores (Doc. 11, pág. 01).
37-O Capital garantido por este Seguro de Vida a favor daquela instituição de crédito é de € 36.000,00 (Doc. 11, pág. 02 e doc. 12 pág. 02).
38-Valor este que assegura, no caso de morte ou invalidez total e permanente de algum dos segurados, o pagamento àquela instituição de crédito das quantias concedidas por aqueles dois contratos de mútulo e referidos 09. e 16.
39-Em caso de sinistro, conforme refere o ponto 2 das “Garantias” da proposta de seguro assinada pelos Autores, “Ao Beneficiário Aceitante será liquidada a importância em dívida existente à data resultante do crédito à habitação, até à concorrência do capital seguro. O remanescente, se o houver, ou a totalidade do capital seguro, se tal dívida não existir, será pago aos Beneficiários indicados na proposta.” (Doc. 11, pág. 02).
40-Nas Condições Particulares da referida apólice - documento n.º 12, página 2 consta o seguinte:
- “Complementar(es):
AA …….XII – Invalidez Total e Permanente
BB …CI – Invalidez Total Permanente e Definitiva
41-E na Ata Adicional também junta a esta apólice, junto como documento n.º 12, página 8, emitida por aquela companhia de seguros, consta o seguinte:
Pessoa(s) Seguras(s):
AA
XII – Invalidez Total Permanente
BB
CI – Invalidez Total Permanente e Definitiva
Pela presente Ata declaramos que:
Em caso da primeira MORTE que ocorrer entre as Pessoas Seguras ou em caso de INVALIDEZ de uma das Pessoas Seguras, nas condições das garantias subscritas e aceites, durante a vigência do contrato:
. O BANCO 1... S.A. está interessado neste seguro na qualidade de Beneficiário Aceitante irrevogável;
. O benefício deste seguro, a favor do BANCO 1... S.A., até à quantia de € 36.000,00, não poderá ser
alterado sem o consentimento deste;
…/…
. Em caso de MORTE ou INVALIDEZ nas condições das
garantias subscritas e aceites será liquidada ao Beneficiário Aceitante a importância em dívida existente nessa data, até à concorrência do Capital Seguro, referido no Segundo Ponto, à data da ocorrência. O remanescente, se o houver, ou a totalidade daquele capital, se tal dívida não existir, será pago aos Beneficiários indicados na Apólice e, na falta daqueles, aos herdeiros da Pessoa Segura em partes iguais (Doc. 12, pág. 8).
42-Pode ler-se ainda nas cláusulas relativas ao campo XII, referido no ponto anterior, no capítulo da “GARANTIA COMPLEMENTAR – INVALIDEZ TOTAL PERMANENTE”, que é o capítulo que tem aplicabilidade à cobertura atribuída ao Segurado Autor AA;
Artigo 1.º
Entende-se por:
Invalidez Total e Permanente – a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada, e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional mínima de 66%.
Incapacidade Funcional – o estado físico ou mental, consequente de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente garantia que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma diminuição, com caráter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida
(Doc. 12, pág. 4).
43-Em abril de 2016, a companhia de seguros W... é adquirida pela internacional X... - Companhia de Seguros, S.A., passando, transferindo-se a carteira de clientes para esta, assim como a assunção de todos os direitos e obrigações decorrentes de contratos celebrados por aquela (Doc.13).
44-Por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido sentiu dores no corpo, o que motivou a que se deslocasse, naquele mesmo mês, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel (Doc. 14).
45-Passou, a partir daí, a ser seguido na Consulta de Medicina Interna – Doenças Autoimunes (Doc. 14).
46-Os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia.
47-Tendo sido referenciado à Consulta Externa de Psiquiatria e de Dor.
48-A partir de 21/01/2014, o Autor marido começa a ser seguido na “Consulta de Dor do Centro Hospitalar ... (Doc. 15).
49-Em 02/05/2016, o médico que acompanha o Autor, Dr. FF, emite uma declaração, para efeitos de “Junta Médica”, onde declara que o seu paciente padece de “Síndrome Depressivo Grave”, bem como Fibromialgia (Doc. 16).
50-O Autor foi submetido a Junta Médica de avaliação de incapacidade na Delegação Regional de Saúde ... no dia 27 de abril de 2016, que concluiu que o Autor apresenta deficiências de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, que lhe conferem uma incapacidade permanente global de 68% (sessenta e oito por cento) suscetível de variações futuras. As lesões são de caracter definitivo (Doc. 17).
51-As patologias que originaram a atribuição da incapacidade de 0,680 foram as seguintes:
- Capítulo III - Neurologia e Neurocirurgia
- Número 7: Nevralgias e radiculalgias - Persistentes e segundo a localização e a importância funcional: …. 0,2 de coeficiente num máximo de 0,2;
- Capítulo X - Psiquiatria
- Número IV: Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de atividade diária: ….0,6 de coeficiente num máximo de 0,6 (Doc. 17).
52-Decorrente desta situação de incapacidade de 0,68%, os Serviços da Segurança Social passaram a atribuir ao Autor reforma por invalidez relativa, sendo-lhe atribuída uma pensão, com início em 17/05/2016, no valor de € 733,26 (Doc. 18).
53-Para que fosse acionado o seguro de vida celebrado com a companhia de W... - Companhia de seguros de Vida, S.A., atual X..., Companhia de Seguros de vida, S.A., nomeadamente a Invalidez Total e Permanente aferida nos termos do capítulo XII, artigo 1.º da Garantia Complementar da apólice n.º ..., (Doc. 12, pág. 02 e 04), os Autores deslocaram-se ao escritório do agente de seguros, Sr. CC que, de imediato, efetuou junto da Ré, no dia 27/04/2016, a respetiva participação do sinistro (Doc. 19).
54-A este processo de sinistro foi atribuído o número ... (Doc. 20).
55-Mediante aquela participação, a Ré vem declarar que não assume a responsabilidade para si transferida por aquela apólice naquele sinistro, fundamentando aquela recusa no seguinte:
“Tendo o contrato de seguro em assunto o seu efeito a partir de 29 de janeiro de 2012 e sido verificado que a declaração de estado de saúde anexa à proposta de seguro indicava uma situação de bom estado de saúde, é entendimento do nosso gabinete médico, após análise da documentação clínica enviada por V. Exa., haver comprovadamente razões para concluir que existiram omissões ou declarações inexatas no preenchimento da proposta, quanto às circunstâncias que V. Exa. conhecia e razoavelmente devia ter por significativas quanto ao Seu estado de saúde, para apreciação do risco por este Segurador.” (Doc. 21).
56-Quando lhes foi solicitado pela Ré que juntassem relatórios médicos do Autor marido para instruir o respetivo processo, os Autores juntaram um relatório médico redigido pelo Sr., Dr. FF, médico que acompanha o Autor marido, no qual, vem referido que o Autor marido é acompanhado em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004, (Doc. 22).
57-A doença do foro psiquiátrico que foi determinante para a situação de reforma por invalidez “é relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia …” (Doc. 23).
58-A médica de família, num contexto de fibromialgia, em 2016, enviou o Autor para a consulta de psiquiatria (Doc. 14).
59-Após vários contactos telefónicos, a Ré sempre se recusou a assumir as obrigações decorrentes daquele contrato de seguro.
60-A Ré anulou o seguro de vida em questão desde o seu início (Doc. 21 e 24).
61-Procedendo à emissão de uma nova apólice, com início a 29/01/2012, à qual foi atribuído o número ..., em nome apenas da Autora BB (Doc. 21 e 24).
62-Os Autores têm e sempre tiveram em dia os pagamentos, quer das prestações dos dois créditos referidos em 9. e 16., quer as prestações do seguro de vida.
63-O capital seguro é de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros) (Doc. 11, página 2, doc. 12, pág. 2).
64-Relativamente ao crédito de mútuo com hipoteca e fiança melhor referido em 09. e 10., em 27/04/2016, data da atribuição da incapacidade ao Autor, o montante em dívida ao Banco 1... era de € 20.917,53 (vinte mil, novecentos e dezassete euros e cinquenta e três cêntimos) (Doc. 25).
65-Relativamente ao crédito de mútuo com hipoteca e fiança melhor referido em 16., em 27/04/2016, data da atribuição da incapacidade ao Autor, o montante em dívida ao Banco 1... era de € 5.974,61 (cinco mil, novecentos e setenta e quatro euros e sessenta e um cêntimo) (Doc. 25).
66-Desde 27/04/2016 até 30/09/2016, os Autores pagaram ao Banco 1... S.A, seis prestações mensais referentes àqueles créditos, respetivas amortizações, juros e demais despesas a eles relativas:
- Mês de Abril: € 55,83 + € 184,13 (Doc. 26)
- Mês de Maio: € 55,83 + € 184,13 (Doc. 27)
- Mês de Junho: € 55,58 + € 183,20 (Doc. 28)
- Mês de Julho: € 55,58 + € 183,20 (Doc. 29)
- Mês de Agosto: € 55,67 + € 183,53 (Doc. 30)
- Mês de Setembro: € 55,55 + € 183,12 (Doc. 31)
na quantia global de € 1.435,35 (mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).
67-A recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados causou e tem causado aos Autores uma enorme tristeza, nervosismo e ansiedade.
68-Este casal, outrora alegre, bem-humorado, participativo e dinâmico, sente-se hoje triste, afastado do seu tradicional meio relacional, sem vontade de viver e revoltado com a situação em que se encontra.
69-Está preocupado com a incerteza do seu futuro e da sua filha ainda a seu cargo.
70-Preocupa o casal a circunstância, já agravada pela crise em que vive, de desconhecer o seu futuro, de desconhecer se vai ou não ter possibilidades de continuar a pagar as prestações daqueles créditos e o respetivo seguro de vida a eles relativo, pelo facto de, com apenas € 733,26 euros mensais, ter que suportar todas as despesas daquele agregado familiar.
Da Contestação.
71-O capital seguro pela apólice é de 36.000,00 €.
72-A apólice com a inclusão dos 2 AA. foi anulada com efeitos desde o seu início em 29/01/2012 por motivo de falsas declarações prestadas pelo 1º A. quando do preenchimento do questionário médico em que assenta a aceitação do seguro pela Ré.
73-No caso dos autos o A. marido, no questionário de que, juntou cópia (pág.3 do documento 11), declarou que não padecia de qualquer doença, declaração que, foi essencial para a aceitação do seguro por parte da Ré.
74-No decurso do processo aberto em consequência da reclamação apresentada pelo Autor, a Ré veio a apurar que a declaração feita pelo Autor não correspondia à verdade.
75-Nos relatórios médicos que foram enviados à Ré, faz-se referência a processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, mas também com patologia degenerativa da coluna lombar que, apesar de intervencionado não resolveu o seu problema de dor cronica sendo encaminhado para a consulta de Dor Cronica.
76-No relatório de Psiquiatria datado de 07/07/2016 e assinado pelo Dr. FF – Assistente Graduado de Psiquiatria, documento 22 junto com a p.i., é declarado que o Autor é seguido em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004 por sofrer de depressão (síndrome depressivo prolongado) relacionada com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de Fibromialgia que o incapacitam para o exercício profissional pelo que deve ser encaminhado para invalidez.
77-No relatório elaborado pela Dra. DD (documento 4 junto com a p.i.), datado de 23/02/2016, refere-se que o Autor começou avaliação na especialidade de Medicina Interna (doenças autoimunes) desde outubro de 2012 …com vários anos de evolução.
78-No Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (documento 21 junto com a p.i.), a patologia contemplada é a Psiquiatria e a Dor Crónica.
79-O Autor recorria a assistência médica no seu tratamento, já, pelo menos, desde 2004.
80-A Ré comunicou ao Autor e procedeu à anulação do contrato de seguro que até vigorava.”
***
FACTOS NÃO PROVADOS.

O tribunal a quo julgou ainda não provados os seguintes factos:
Da Petição Inicial.
1-Aquando da celebração deste contrato de Seguro de Vida Financiamento, os Autores preencheram um questionário no qual responderam, com plena verdade, às questões colocadas (Doc. 11, pág. 2, 3, 5, 6 e 7).
2-Por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido começou a sentir dores no corpo.
3- Em fevereiro de 2016, do estudo efetuado naquela unidade hospitalar, e após exclusão de outras doenças sistêmicas do foro auto - imune, os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia. 4-Que tenha sido por mero lapso que no relatório médico junto pelos Autores para instruir o respetivo processo, redigido pelo Sr. Dr. FF, venha referido que o Autor marido é acompanhado em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004.
5-Aquele relatório médico contém incorreções ao referir que o Autor marido “é acompanhado em consulta de psiquiatria desde 13/12/2004, por sofrer de Síndrome Depressivo prolongado relacional com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de Fibromialgia …”.
6-Na verdade, o que o Sr. Dr. FF queria afirmar, como o vem a fazer no relatório que redige a substituir este, é que o Autor marido “frequentou consulta de Psiquiatria no ano de 2004, devido a problemas ansioso-depressivos reativos a stress profissional tendo recuperado e obtido alta da consulta” (Doc. 23).
7-E só em janeiro de 2016 retomou consulta de psiquiatria, mas agora “relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteo – articulares em contexto de fibromialgia” acabando por ser reformado por invalidez (Doc. 23).
8-Só volvidos doze anos da primeira situação, por indicação da médica de família, e após esta lhe ter diagnosticado fibromialgia, é que o Autor marido voltou a apresentar sintomatologia depressiva (Doc. 14).
9-Se esteve o Autor marido tantos anos sem necessidade de suporte psiquiátrico, era sinal que estava bem.
10-Estava completamente curado.
11-Não se estava a submeter a qualquer tratamento, não tomava qualquer medicação, estava a exercer a sua atividade profissional com a maior normalidade, sem qualquer limitação, pelo que se encontrava, sob o ponto de vista psiquiátrico, bem, não necessitando de consulta nem terapêutica desse foro.
12-No preenchimento do questionário apresentado pela Ré quando celebrou o contrato de seguro, não fez referência ao problema que tinha tido em 2004, pois estava completa e perfeitamente curado.
13-O Autor declarou que estava “de bom estado de saúde”, pois de nada sofria.
14-De todas as questões a que responderam na página 3 do documento 11, não houve uma única que não correspondesse à verdade, todas elas foram exatas, verdadeiras e corretas (Doc. 11, pág. 03).
15-O Autor recuperou e obteve alta, sem que dali tivessem resultado quaisquer sequelas.
16-Aliás, se o Autor marido padecesse de alguma doença desde 2004, nunca alteraria em 2012, como alterou, o seguro de vida da companhia de Seguros K... para a então companhia de Seguros W..., agora X... - Companhia de seguros de Vida, S.A.;
17-Pelo contrário, manteria o seguro de vida na primeira daquelas.
18- Sendo que tal (a recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados) tem sido motivo de agravamento da situação clínica do Autor.
19-Pelo facto de ter verificado melhoras na área da Psiquiatria, o Autor marido não sentiu necessidade de ser acompanhado nesta especialidade.
Da Contestação.
Não existem factos não provados.”
*
Conhecendo.

Do recurso dos autores.
1) Invocaram os recorrentes em primeiro lugar a nulidade da sentença proferida por excesso de pronúncia – vide artigo 615º nº 1 al. d) do CPC – reportando este vício à resposta dada ao ponto 1 dos factos não provados, em desrespeito com o aceite pelas próprias partes que nunca questionaram a veracidade das declarações da autora. Nem do A. marido quanto às páginas 2, 5, 6 e 7 do documento 11 junto com a p.i. – a recorrida apenas impugnou em 9 da contestação a veracidade do constante na p. 3 do documento quanto ao recorrente marido [vide conclusão 260].
A que acresce a falta de prova quanto à julgada provada falta de verdade nas declarações do autor constantes das páginas 2, 5, 6 e 7 [vide conclusão 261].
Concluindo deverem ser considerados admitidos por acordo os factos constantes das págs. 2, 3, 5, 6 e 7 do documento 11 junto com a p.i. [vide conclusão 262].
As causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC[1], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[2], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[3].
Embora os recorrentes tenham reportado a nulidade invocada à al. d) deste nº 1 do artigo 615º do CPC, facto é que a argumentação aduzida se reconduz na sua totalidade a imputado erro de julgamento [não cumprindo nesta sede apreciar da aparente contradição entre o alegado em 260 e 262 – em causa a impugnação do teor da p. 3 do documento por parte da R.]..
Nas nulidades previstas neste artigo, não se inclui o erro de julgamento da matéria de facto, o qual deve ser reapreciado nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedente e pertinente.
Só nessa sede incumbindo ao tribunal alterar tal decisão ou mesmo anular o julgamento quando nomeadamente reputar a decisão de deficiente ou obscura.
Improcede, portanto, a arguida nulidade da sentença nos termos invocados pelos recorrentes.
*
2- Em segundo lugar, pugnaram os recorrentes pela reapreciação da decisão de facto, tendo sido alvo de impugnação os pontos da decisão de facto que acima deixámos elencados.
Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:
i- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
ii- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in ob. cit., em anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
iii- Os recursos visam o reexame das decisões proferidas em 1ª instância, motivo porque o objeto de recurso está limitado pelas questões que foram sujeitas a apreciação ao tribunal recorrido (salvo em situações limitadas e expressamente consagradas como por exemplo no caso de ocorrer alteração ou ampliação do pedido em 2ª instância (artigo 264º do CPC) ou de se impor o conhecimento oficioso de exceção ainda não decidida com trânsito em julgado [cfr. Ac. STJ, Relatora Ana Geraldes de 17/11/2016 in www.dgsi.pt/jstj].
iv- Mais e na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos igualmente de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. deste TRG de 12/07/2016, Relator Jorge Seabra e de 15/12/2016, Relatora Maria João Matos, ambos in www.dgsi.pt/jtrg].
*
***
Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões dos recorrentes autores é possível das mesmas extrair quais os pontos da decisão de facto que impugnam, o sentido decisório que a seu ver deve ser proferido sobre as questões de facto impugnadas, bem como os concretos meios probatórios em que fundam a sua impugnação.
Acresce terem identificado os trechos da gravação dos depoimentos de cada uma das testemunhas ou parte, em que e quando nestas fundaram o seu recurso.
Em suma, conclui-se pela observância dos ónus de impugnação e especificação que sobre os recorrentes AA. recaíam, pelo que cumpre proceder à reapreciação da decisão de facto no que respeita à matéria impugnada.

Consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada.
*
A reapreciação da decisão de facto impugnada tem, conforme já mencionado, como critério norteador do ponto de vista da sua utilidade e necessidade, o objeto processual delineado pelas partes e, em função do mesmo, o efeito útil que da mesma possa provir para os autos para efeitos da subsunção jurídica.
E no seu julgamento está sempre presente a aplicação das regras dos ónus da prova, porquanto e num contexto de dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolve o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º e 342º do C.C..
Prova – produção de prova – que tem por função a demonstração da realidade dos factos – artigo 341º do CC.
Como tal recaindo sobre aquele que invoca um direito a prova dos factos constitutivos do direito alegado. E sobre aquele contra quem o direito é invocado, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito [em caso de dúvida sendo os factos considerados como constitutivos do direito] – vide artigo 342º do CC.
Em conformidade com esta regra básica substantiva, repercutida também nas regras processuais, resulta do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC que na sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que não julga provados.
A contrario se extraindo que da sentença e nomeadamente da decisão de facto não devem constar nem juízos conclusivos nem conceitos normativo-jurídicos.
Sem prejuízo de quanto aos conceitos normativo-jurídicos vir a ser entendido jurisprudencialmente ser admissível incluir na factualidade provada conceitos que podem ser tidos como de direito quando simultaneamente os mesmos “forem factualizados e usualmente utilizados na linguagem comum, possuindo um sentido apreensível” [vide nesse sentido Ac. STJ de 28/05/2015, Relator Granja da Fonseca in http://www.dgsi.pt/jstj].
Fora deste circunstancialismo, devendo a decisão da matéria de facto ser expurgada de conceitos de direito, bem como de asserções de natureza conclusiva, na medida em que estas devem resultar do raciocínio lógico dedutivo baseado nos concretos pontos de facto dados como provados [cfr. Ac. STJ de 14/05/2014, Relator Melo Lima in http://www.dgsi.pt/jstj].
Num mais recente aresto do STJ de 01/10/2019, nº de processo 109/17.1T8ACB.C1.S1 in www.dgsi.pt foi de novo abordada a distinção entre questão de facto e de direito ou conclusão jurídica[4], realçando a necessidade de na análise de tais conceitos se levar em consideração o objeto do processo, porquanto nunca será de admitir no elenco dos factos provados conceitos jurídicos ainda que de uso generalizado e conhecimento comum que constituam ou integrem o próprio objeto de disputa entre as partes, ie, constituam a sua “verificação, sentido, conteúdo ou limites”.
Igualmente sendo de excluir expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de suporte factual e suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio.

Assim enquadrado o conceito de direito e de expressão ou juízo conclusivo, cumpre ainda introduzir na equação um outro conceito – o de estado subjetivo que carece de demonstração enquanto elemento constitutivo da pretensão jurídica formulada pelo requerente, mas não é suscetível de prova direta.
Em causa (entre outros contextos) intenções, representações ou emoções que viciam a vontade negocial e implicam a anulabilidade, nulidade ou arbitramento de uma indemnização quando em causa está um negócio jurídico; os estados subjetivos que podem viciar a vontade num testamento; a consciência do prejuízo e intenção de prejudicar os credores quando se deduz a impugnação pauliana[5]. Ou e no caso de contrato de seguro em vigor entre as partes, o incumprimento do dever de declarar com exatidão - por omissão ou inexatidão - todas as circunstâncias que o tomador do seguro conhece e razoavelmente deve ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, a título de dolo [ainda com o propósito de obter uma vantagem no caso do nº 3 do artigo 24º e nº 5 do artigo 25º da LCS] ou negligência (artigos 24º a 26º da LCS).
A demonstração de um estado subjetivo, salvo confissão ou existência de presunção legal, decorrerá da aplicação de regras de experiência aos factos base da presunção judicial que carecem de alegação e prova[6].

Assim enquadrados o conceito de direito e de expressão ou juízo conclusivo, por contraposição a questão de facto a qual respeita às ocorrências da vida real, só estas podendo constar da decisão de facto [dentro dos limites acima enunciados] e ainda o conceito de estado subjetivo e seu apuramento, será analisada a pretensão dos recorrentes e, no imediato, a decisão de facto alvo de censura.

Análise que levará ainda em consideração o seguinte:
- Tal qual já resulta do relatório supra, o litígio entre as partes deriva, em primeira linha, precisamente da imputada aos AA., mais precisamente ao A. marido, prestação de declarações inexatas com influência na decisão de contratar para a R. – vide 8º a 10º da contestação.
Declarações inexatas fundadas [nos termos alegados pela R.] na existência de doença prévia por parte do A. que o mesmo negou aquando do preenchimento do questionário exigido para a celebração do seguro e que não podia ignorar;
- Ao A. incumbia provar para a procedência da sua pretensão a verificação dos pressupostos factuais de que depende a verificação do evento danoso coberto pelo risco contratado através do contrato de seguro celebrado com a aqui R. – e neste conspecto alegou o A. a celebração do contrato e seu clausulado (estes não questionados), bem como o evento danoso coberto pelo risco, ou seja o seu estado de saúde que alegou conferir-lhe uma incapacidade permanente de 68% - “Síndrome depressivo Grave” e Fibromialgia” – apurado/determinado em 2016;
- À R., por sua vez incumbia-lhe alegar e fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do A. e in casu [em função das questões que foram colocadas] os factos que justificam a anulação da apólice por si comunicada ao A.;
- A prova documental oferecida aos autos pelas partes, bem como a prova produzida, quer pericial quer em sede de audiência de julgamento – testemunhal e declarações de parte, toda ela tem uma finalidade, visa um fim: a prova dos factos alegados relevantes para a apreciação da pretensão jurídica formulada e submetida a juízo;
- A reprodução do teor de documentos (ou parte dos mesmos) oferecidos aos autos será pertinente na medida em que estes, por si próprios demonstrem uma realidade factual relevante, como é o caso da celebração de um contrato e clausulado pertinente; ou demonstrem a prática de um ato com relevo para questão suscitada – assim uma comunicação enviada e seu teor, por exemplo recusando a assunção de responsabilidade com base em fundamentos que de tal comunicação constam ou ainda o teor de um documento através do qual a parte localiza temporalmente a verificação de uma realidade relevante (veja-se o teor do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso que os AA. convocam como o momento a partir do qual consideram verificada a situação incapacitante que preenche os requisitos de acionamento do seguro); ou ainda quando a própria veracidade dos documentos seja alvo do objeto do processo.
Certo é que não podem substituir a prova factual constitutiva ou impeditiva/extintiva das pretensões em análise de que os mesmos serão meros meios de prova.

Formulam-se estes considerandos para justificar e tornar compreensível a censura que se fará à decisão de facto.
Começando pela resposta a este ponto 1 dos factos não provados.

1) Ponto 1 dos factos não provados.
A primeira crítica dos recorrentes é direcionada ao ponto 1 dos factos não provados.
Pugnam os recorrentes pela sua introdução nos factos provados com a exata mesma redação:
Aquando da celebração deste contrato de Seguro de Vida Financiamento, os Autores responderam, com plena verdade, a todas as questões que lhes foram colocadas;” – vide conclusões 265 a 269.
Para a pretendida alteração tendo os recorrentes convocado os depoimentos do recorrente marido e da testemunha CC, identificando os trechos da gravação por si tidos como relevantes para o efeito.
A assim não se entender, pugnando os recorrentes que seja então considerado provado – por não impugnado
“que os Recorrentes responderam com plena verdade às questões colocadas nas páginas 2, 5, 6 e 7 do documento 11 junto com a P.I.” vide conclusão 270;
Uma primeira nota, para afastar a alegada não impugnação do constante neste ponto factual que corresponde exatamente ao alegado em 43º da p.i. e que foi diretamente impugnado em 2º da contestação da R.. Pelo que este argumento improcede.
No mais, a veracidade ou não das respostas dadas pelos AA. ou pelo A. marido ao questionário que preencheram, faz parte do próprio objeto em disputa entre as partes. Esta terá de ser aferida em função do apuramento do estado de saúde dos mesmos à data das declarações prestadas.
E a censura que sobre eventual omissão ou inexatidão possa ser feita decorrerá numa primeira linha do apuramento do conhecimento por parte do tomador de seguro das circunstâncias relevantes para a apreciação do risco pelo segurador (ou seja in casu do seu estado de saúde) e que razoavelmente devia ter por significativas (vide artigo 24º da Lei do Contrato de Seguro – LCS).
Em função das circunstâncias – ocorrências factuais - que se venham a apurar, sendo também aferível se o incumprimento por parte do declarante lhe é imputável a título de dolo ou negligência, com relevância para o que se discute, atento o previsto nos artigos 25º e 26º da LCS.
Os AA., cientes de que a R. recusara a cobertura do sinistro invocando falsas declarações prestadas pelo 1º A., logo negaram as imputações que lhe foram feitas, alegando também nesta parte factualidade pertinente.
E não obstante a prova dos factos que justificam a decisão da R. de anulação do contrato sobre esta recaísse, facto é que em respeito pelo princípio da aquisição processual, é para o efeito considerada toda a prova produzida, independentemente da parte que carreou a prova aos autos [sem prejuízo do ónus de alegação a cumprir pelo interessado].

Dito isto, os AA. alegaram (em suma) que o A. marido padece de uma incapacidade permanente global de 68%, atribuída/apurada por Junta Médica de avaliação de incapacidade em abril de 2016 – conforme atestado que juntaram.
E mais alegaram que as patologias que lhe conferem tal incapacidade resultam de síndrome depressivo grave e fibromialgia (vide 51º da p.i.).
Patologias cujo início de sintomas situaram em outubro de 2012, altura em que o A. começou a sentir dores, o que motivou a sua deslocação ao CH..., Unidade .... Onde passou a ser seguido até que em 2016 lhe foi diagnosticada a fibromialgia e foi referenciado para a psiquiatria.
A R., em contraponto, alegou que na sequência do processo aberto após participação do sinistro pelo A. veio a apurar que:
- o A. desde pelo menos 2004 já recorria a assistência médica pelas patologias que lhe foram diagnosticadas – psiquiatria e dor crónica – as quais assim eram preexistentes à declaração (vide 14º e 15º da contestação);
- não se destinando o seguro celebrado a dar cobertura a doenças preexistentes à celebração do contrato;
- patologias que descreveu em 11º da contestação como “patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, patologia degenerativa da coluna lombar que apesar de intervencionado não resolveu o seu problema de dor cronica sendo encaminhado para a consulta da dor crónica”.
E para justificar estas suas afirmações chamou à colação prova documental oferecida pelo próprio A. nomeadamente um relatório de psiquiatria junto como doc. 22 com a p.i. (12º da contestação); bem como relatório médico de medicina interna (junto sob doc. 14 com a p.i.).
Mais alegou ter sido essencial para a R. aceitar o seguro, a declaração do A. marido de que não padecia de qualquer doença constante do questionário que juntou como doc. 11 – p. 3 (vide 9º da contestação).
Concluiu, do assim alegado, ter o A. prestado declarações que não correspondiam à verdade e não poder alegar desconhecimento das patologias descritas, já que recorria a assistência médica pelo menos desde 2004.
Motivo por que comunicou ao A. a anulação do contrato nos termos do artigo 25º da LCS.

Da pré-existência da doença e queixas/sintomas nos termos alegados pela R. é que se poderá inferir/concluir se os AA. responderam com verdade a todas as questões que lhes foram colocadas e assim se ocorreu violação dos deveres de declaração a que respeita o artigo 24º da LCS e daí retirar as devidas consequências jurídicas.
Desta mesma pré-existência (ou não) e das circunstâncias (alegadas e apuradas) que rodearam a declaração do A. se poderá concluir na mesma sede pela verificação ou não de causa justificativa para a anulação contratual (artigo 25º da LCS).
Ainda, se está excluída a cobertura do risco por e de acordo com o alegado), já anteriormente à vigência do contrato de seguro padecer o A. da doença que lhe causou invalidez total permanente – garantia complementar contratada pelo seguro de vida celebrado.

Sendo esta a apreciação que o tribunal deve fazer perante a prova produzida, resulta claro que o constante do ponto 1 dos factos não provados não contém realidade factual alguma, antes constituindo uma conclusão que ao tribunal a quo cabia retirar da prova produzida para a factualidade alegada e a apurar.
Consequentemente decide-se eliminar este ponto 1) dos factos não provados da decisão de facto.
A implicar a improcedência da pretensão dos recorrentes – seja na versão inicial ou subsidiária.
O mesmo juízo de censura – que aqui formulamos oficiosamente - e precisamente pelos mesmos motivos merece o ponto 74 dos factos provados [quanto ao seu segundo segmento], bem como o ponto 14 dos factos não provados.
No ponto 74 foi julgado provado (2ª parte) que “… a R. veio a apurar que a declaração feita pelo autor não correspondia à verdade”.
E no ponto 14 dos factos não provados que “De todas as questões a que responderam na página 3 do documento 11 não houve uma única que não correspondesse à verdade, todas elas foram exatas, verdadeiras e corretas”
A realidade subjacente a tal juízo é exatamente a mesma.
Como já afirmado, as omissões, inexatidões ou falta de verdade têm de ser retiradas da realidade factual que permita verificar as mesmas.
Como tal, igualmente se determina a eliminação da decisão de facto do segundo segmento do ponto 74 dos factos provados [ou seja “a R. veio a apurar que a declaração feita pelo autor não correspondia à verdade”] e do ponto 14 dos factos não provados por se tratar de juízos conclusivos.
Passando este ponto factual (74) a ter a seguinte redação [que quanto ao demais não mereceu contestação]:
“No decurso do processo aberto em consequência da reclamação apresentada pelo autor, a R. veio a assumir perante os AA. a posição descrita em 55 dos factos provados.”
2) ponto 73 dos factos provados.
“73-No caso dos autos o A. marido, no questionário de que, juntou cópia (pág.3 do documento 11), declarou que não padecia de qualquer doença, declaração que, foi essencial para a aceitação do seguro por parte da Ré.”
Pugnam os recorrentes pela sua introdução nos factos não provados – vide conclusões 271 a 273.
Para tanto convocam apenas o depoimento do recorrente marido que identificaram nos seguintes termos – “gravação com início às 15h10m este ponto deve ser considerado não provado porquanto ao Recorrente marido nenhuma questão lhe foi colocada acerca do seu estado de saúde”;
Concluindo que deve ser considerado não provado que “… o Autor marido, no questionário de que juntou cópia (pág. 3 do documento 11), declarou que não padecia de qualquer doença, declaração que foi essencial para a aceitação do seguro por parte da Ré”;

A declaração em causa respeita ao doc. oferecido pelo AA. junto com a p.i. como doc. 11 e composto por 7 páginas, ainda que autonomizável em dois [inserto no processo físico a fls. 106 a 112].
Um primeiro, correspondente à proposta de seguro propriamente dita identificada como apólice “Vida Financiamento”, onde o A. se identifica como tomador do seguro e também como pessoa segura, juntamente com a A. mulher.
E um segundo que corresponde a um questionário médico que apenas respeita à A. mulher e apenas pela mesma se encontra assinado.
Não tendo sido junto idêntico questionário médico assinado pelo autor marido.
Não obstante esta realidade, facto é que a R. fundou a essencialidade da aceitação do seguro por referência apenas à declaração do A. marido constante do doc. 11 p. 3 (esta é efetivamente atribuível ao A. marido) que veio a verificar não corresponder à verdade (vide 9º da contestação) e da qual derivou a posterior anulação.
Como tal cumpre apreciar a pretensão das partes relacionada com a exceção invocada pela recorrida, tendo por referência apenas a declaração constante da já mencionada p. 3 do doc. 11. Nesta medida respeitando os fundamentos pela mesma alegados.
Na p. 2 do 1º documento consta assinalado, no campo das garantias “Complementares Facultativas” – “Invalidez Total Permanente e Definitiva” e “Invalidez Total Permanente” abrangendo ambos os segurados.
E na p. 3 sob o título “Declaração do Estado de Saúde” constam 7 perguntas, destas se destacando a pergunta 1 “Pensa estar presentemente em bom estado de saúde” a que ambos os segurados responderam afirmativamente; e a pergunta 2 “Sofre de alguma doença? (em caso afirmativo, especifique)”. A que ambos os AA. segurados responderam não – vide p. 108 dos autos.
Não restam dúvidas neste contexto de que a ambos os AA. foi perguntado o seu estado de saúde nos termos constantes desta p. 3 do doc. em análise e que a R. identificou em 9º da contestação. Perguntas a que os mesmos responderam.
Tendo a final de tal documento aposto a sua assinatura.
A prova documental – em causa documento pelos AA. assinados e pelos mesmos oferecida aos autos que quanto à sua veracidade nada disseram - sobrepõe-se a qualquer negação do A. prestada durante o seu depoimento (vide artigo 376º do CC), pelo que podemos concluir, independentemente do que o A. tenha afirmado no seu depoimento, que a resposta à 1ª parte deste ponto factual não merece censura – ou seja o A. marido às questões incluídas na pág. 3 do documento 11 sob o título “Declaração de Estado de Saúde” respondeu às perguntas “Pensa estar presentemente em bom estado de saúde”“sim” e à pergunta “Sofre de alguma doença ? (em caso afirmativo especifique)” – “não”.
Note-se aliás que na própria petição são os AA. quem afirma “Aquando da celebração deste contrato de seguro de Vida Financiamento os autores preencheram um questionário no qual responderam com plena verdade às questões colocadas” (artigo 43º da p.i.).
Pelo que o alegado em sede de alegações de recurso, incluindo um só agora invocado preenchimento por terceiros, para além de corresponder a uma inadmissível alegação de factos contrários ao alegado no próprio articulado inicial dos AA. e que contraria prova documental pelos próprios oferecida, corresponde também a questão nova antes não suscitada nos autos e também por esta via inadmissível.
Acresce, no que à essencialidade da declaração para a aceitação do seguro por parte da R. respeita, ter esta sido confirmada pela testemunha LL que neste ponto mereceu credibilidade, tanto mais que está conforme aos princípios que regem a celebração dos contratos de seguro.
Em suma mantém-se a redação dada a este ponto 73 dos factos provados.
3) ponto 2 dos factos não provados.
Sobre este ponto foi julgado não provado:
“Por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido começou a sentir dores no corpo”.
Os recorrentes pugnam pela sua introdução nos factos provados deste ponto factual, com a seguinte redação:
“Por volta do mês de outubro de 2012 o Autor marido começou a sentir dores no corpo que motivou a que se deslocasse, naquele mesmo mês, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel, dores estas que vêm a determinar, em outubro de 2014, o diagnóstico da fibromialgia”; – vide conclusões 274 a 277.
Para a pretendida alteração convocam os recorrentes o que ficou provado em 44 dos factos provados de forma conjugada com o teor do relatório médico de 23/02/2016 junto sob doc. 14 com a p.i., fls. 129 de onde consta: (“O doente associava as queixas ao esforço executado na atividade física que desenvolvia na fábrica de moagem. Referia levantar 140 sacos de 50 kg de farinha / dia”);
Em 44 dos factos provados foi julgado provado:
“44-Por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido sentiu dores no corpo, o que motivou a que se deslocasse, naquele mesmo mês, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel (Doc. 14).”
Em causa a data a partir da qual o A. passou a sentir dores no corpo.
Tal como os recorrentes o admitem nas suas alegações, o tribunal julgou provado que em outubro de 2012 o A. marido sentiu dores – como consta em 44 dos factos provados.
O motivo do ponto 2 dos factos não provados deriva da não demonstração de que foi só a partir de então que o A. sentiu dores.
O que os AA. até afirmam nas suas alegações admitir ser verdade, já que foram juntos aos autos relatórios médicos que a tal fazem referência.
Desta realidade deu o tribunal a quo nota, tal como consta no segmento de fundamentação que aqui se deixa reproduzido:
«O processo clínico do Autor, nomeadamente os registos clínicos das consultas juntos aos autos a fls.264 a 386, mostra, desde 06.01.2011, um quadro de problemas de dores relacionadas com o “aparelho esquelético”, nomeadamente dores nos ombros (sendo submetido a procedimentos de diagnóstico TAC - ombro, RX - coluna cervical e ecografia partes moles) em 21.02.2011- cfr. fls.379, e tendo já a 14.01.2011 - cfr. fls.381 - sido diagnosticadas – “Bursite, Tendinite, Sinovite (doença profissional, seguido na medicina do trabalho)”. Nas consultas de 21.03.2011, fala-se em síndromes da coluna sem irradiação de dor; em 28.03.2011 - em síndrome vertebral com irradiação de dores; em 27.04.2011 - em sinais/sintomas da região lombar; em 08.06.2011 faz-se menção ao início de medicina física e de reabilitação tratamentos de fisioterapia; em 23.08.2011 - em síndrome vertebral com irradiação de dores; sintomas estes que se vão arrastando no tempo como os registos de consultas o demonstram até que em 13.01.2012 surgem novos sinais/sintomas – “sinais/sintomas do pescoço + sinais/sintomas dos ombros + sinais/sintomas das mãos e dedos + sinais sintomas da região lombar”.
De notar o registo clínico da consulta de 20.02.2012 onde se exara “síndrome da coluna cervical e poliartralgias, com edemas e equimoses sem traumatismos. Aguarda consulta de medicina interna. Suspendeu fisioterapia pq não estava a melhorar”, sendo que, estas doenças do aparelho músculo-esquelético e outras veem referidas também nos posteriores registos clínicos juntos aos autos até 08.05.2017 (último registo de que temos conhecimento).
Somos, pois, confrontados com a existência de um processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, de doença profissional e de dor crónica, já no período anterior à celebração do contrato de seguro em causa nos autos”.
Ou seja, não existem dúvidas de que o A. já em data anterior a outubro de 2012 tinha queixas várias de dores.
Concretamente constando dos registos clínicos queixas de dores apresentadas pelo autor a partir de 06/01/2011, tal como refere o tribunal a quo.
Assim consta do registo clínico de consulta inserto nos autos a fls. 382 datado precisamente de 06/01/2011 [Centro de Saúde .../Extensão USF ...] “sinais/sintomas dos ombros”; “síndrome do ombro doloroso”, com prescrição medicamentosa e pedido de exames de radiologia – ecografia a partes moles. Em 14/01/2011 em novo registo clínico de consulta na mesma USF “Bursite/Tendinite/Sinovite (doença profissional, seguido na medicina de trabalho) com prescrição de “Tratamentos de fisioterapia (inicio)” – fls. 381. A que se seguem os registos da mesma USF: de 21/02/2011 mencionado pelo tribunal a quo; de 24/02/2011 (fls. 378) onde de novo é mencionada “Bursite/Tendinite/Sinovite, NE” (repetido nos registos de 26/05/2011 a fls. 372, 08/06/2011 a fls. 371); os registos de 21/03/2011, 28/03/2011, 27/04/2011 e 23/08/2011 igualmente descritos na fundamentação acima transcrita; registo de 06/09/2011 onde consta - “Bursite/Tendinite/Sinovite, NE” (início em 14/01/2011), “Síndrome da Coluna Vertebral – síndrome do pescoço” (inicio 06/09/2011), “Síndrome Vertebral com irradiação de dores – síndrome da coluna com irradiação de dor” (inicio 28/03/2011); registos de 21/10/2011, 21/11/2011, 21/12/2011 com (as mesmas) menções de “Síndrome Vertebral com irradiação de dores”; registo de 07/12/2011 com menção a “sinais/sintomas das articulações, ne”; e o também mencionado registo de 13/01/2012 [note-se que a proposta do seguro em causa tem data de preenchimento a 09/01/2012 e data efeito a 29/01/2012] onde é feita a seguinte menção:
“sintomas da região lombar – sintoma queixa da região lombar (início 27/04/2011)”, “sinais sintomas das mãos e dedos – sintoma queixa da mão dedo da mão (início 13/01/2012), “sinais sintomas do pescoço – sintoma queixa do pescoço” (início 13/01/2012) e “sinais sintomas dos ombros – sintoma queixa do ombro (início 21/02/2011)” – fls. 363 [de novo o registo dos sintomas das mãos e dedos e pescoço a 13/01/2012 (data deste registo)].
Dúvidas inexistem da correção do ponto 2 dos factos não provados no contexto assinalado.
A pretendida introdução nos factos provados de que o A. começou a sentir dores em outubro de 2012 ou por volta de outubro de 2012 (apenas nessa altura) que motivaram a deslocação ao CH... – esta deslocação provada e descrita em 44 dos fp´s - é neste contexto infundada. Já que as dores vinham a ser causa de deslocações à USF desde há já mais de um ano e por queixas de dor várias e repetidas.
Por outro lado, que foi na sequência da deslocação ao CH... e do seguimento em medicina interna que ali os médicos vieram a concluir tratar-se de fibromialgia é o que também já consta provado em 45 e 46 dos fp’s.
Assim sendo nada há alterar à resposta negativa ao ponto 2 dos factos não provados, nem existe fundamento para a nova alteração pretendida na sequência do que já consta provado em 45 e 46 dos fp’s nos termos analisados.
Termos em que se conclui manter a redação dada a este ponto 2 dos factos não provados.
4) ponto 75 dos factos provados e 3 dos factos não provados[7]
Consta provado em 75 dos factos provados:
“75-Nos relatórios médicos que foram enviados à Ré, faz-se referência a processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, mas também com patologia degenerativa da coluna lombar que, apesar de intervencionado não resolveu o seu problema de dor crónica sendo encaminhado para a consulta de Dor Cronica”.
Pugnam os recorrentes pela sua introdução nos factos não provados – vide conclusões 278 a 281.
Para a pretendida alteração tendo os recorrentes afirmado que o tribunal a quo não especifica quais os relatórios médicos a que faz referência onde é mencionada a fibromialgia, datas e momento em que foram enviados à recorrida tais relatórios. Sendo que a fibromialgia só foi diagnosticada ao autor em outubro de 2014 – como justificaram a propósito da impugnação do ponto 3 dos factos não provados.
Assim concluindo que deverá ser julgado não provado que:
“Nos relatórios médicos que foram enviados à Ré, faz-se referência a processo de patologia crónica de dores osteoarticulares, relacionados com fibromialgia, mas também com patologia degenerativa da coluna lombar que, apesar de intervencionado não resolveu o seu problema de dor crónica, sendo encaminhado para a consulta de Dor Crónica.” (ou seja, não provado o constante de 75 dos factos provados).

Consta não provado sob o ponto 3:
“3- Em fevereiro de 2016, do estudo efetuado naquela unidade hospitalar, e após exclusão de outras doenças sistêmicas do foro auto - imune, os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia”[8].
Pugnam os recorrentes pela sua introdução nos factos provados com a seguinte redação:
Em outubro de 2014, do estudo efetuado naquela unidade hospitalar, e após exclusão de outras doenças sistémicas do foro autoimune, os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia;” – vide conclusões 291 a 297.

Para a pretendida alteração tendo os recorrentes realçado que em nenhum relatório médico é feita referência à fibromialgia no ano de 2012.
Antes convocando em abono da sua tese o constante do relatório médico de 23/02/2016 junto sob doc. 14 com a p.i., fls. 129; e ainda nos seguintes relatórios:
Folhas 398 (página 2, linhas 16 e 17, do Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, - Avaliação do Estado de Saúde – Avaliação, efetuado em 12/08/2017):
“Começou a ser observado nessa consulta em ambulatório, sendo que em outubro de 2014, foi efetuado um diagnóstico em fibromialgia”;
- Folhas 414 (página 2, ponto 8, do Relatório de Perícia Médico-Legal – Psiquiatria – Informação, onde se lê
“8. No ano de 2014 foi-lhe diagnosticada fibromialgia”;
A que acresce o depoimento prestado pelo A. a 06/09/2021 – que identificou por referência ao seguinte trecho de gravação “gravação com início às 15h10m, 09m00s a 09m15s (…).” Do qual afirma resultar do seu depoimento que a fibromialgia só lhe foi diagnosticada após a celebração do contrato.
Tendo ainda convocado o depoimento da testemunha GG, sua filha [igualmente identificando os trechos da gravação que reproduziu], para referir que a menção desta a “isto começou eu era muito novinha” [que o tribunal a quo mencionou na fundamentação] tinha por referência não a fibromialgia, mas a patologia no campo da psiquiatria (vide o ponto 87 das alegações de recurso).
Analisemos então a argumentação dos recorrentes.
Começando pelos depoimentos, é correto o realce de que a menção da testemunha GG a ser muito novinha, teve por referência os problemas do foro psiquiátrico que o recorrente marido manifestou em ano que situou em 2004 e justificou com problemas de saúde do foro oncológico de ambos os avós paternos (avós da testemunha e pais do A. marido) que conduziu ao falecimento do avô e a tratamento no IPO ... que o pai acompanhou num processo desgastante, associado ainda a um subsequente falecimento de um tio paterno. Deste contexto tendo sido justificado o mencionado problema do foro psiquiátrico que, entretanto, afirmou foi superado. Antes, portanto, dos problemas que determinaram posteriormente a incapacidade do pai.
É igualmente correta a afirmação de que o A. em declarações afirmou que a fibromialgia só lhe foi diagnosticada após a celebração do contrato. É uma realidade que se reconhece, sem prejuízo de ser certo também que o A. foi admitindo no decurso da inquirição que tal diagnóstico teria ocorrido já nos finais de 2012. Tal como o problema de psiquiatria.
Não obstante, da prova documental o que resulta certo é que a data de outubro de 2012 corresponde à data em que o A. foi referenciado para a consulta de medicina interna – doenças autoimunes, tal como é referido no relatório médico junto sob doc. 14 pelo A. com a p.i e datado de 23/02/2016 e que igualmente é mencionado no relatório do INML de 16/12/2017 a fls. 397 segs. do processo físico.
Neste relatório de 23/02/2016 sendo efetivamente afirmado que o A. é seguido na consulta de medicina interna – doenças autoimunes - do CH... desde outubro de 2012, referenciado para esta consulta por queixas álgicas e espasmos frequentes, lombalgia incapacitante e poliartralgias de predomínio das grandes articulações com consequente incapacidade funcional que mantém apesar da terapêutica e perturbações de sono, com vários anos de evolução. Ainda é dito que o doente associava as queixas ao esforço executado na atividade física que desenvolvia na fábrica de moagem. Referindo levantar uma média de 140 sacos de 50 kg de farinha/dia.
O que se realça já que o A. o invoca para justificar a sua resposta afirmativa de estar bem de saúde e negativa a sofrer de qualquer doença.
No entanto e neste conspecto preciso, é de referir que a causa das queixas reportada às exigências profissionais, podem explicar a sua origem e até justificação para o próprio A., mas não eliminam as patologias de que derivam. Sendo questão diversa serem as mesmas só posteriormente valorizadas e integradas numa doença concreta – fibromialgia.
Por sua vez da informação clínica enviada do Centro de Saúde ... resulta:
- que o A. marido é seguido neste Centro pelos menos a partir do ano de 2009;
- a menção a partir de janeiro de 2011 de queixas/sintomas do A. identificados como síndrome do ombro doloroso /Bursite/Tendinite/Sinovite (doença profissional); síndrome da coluna primeiro sem irradiação de dor em 21/03/2011 e depois a 28/03/2011 com irradiação de dores. A partir de 06/01/2011 constando também menções repetidas a “CIT” – “Certificado de Incapacidade Temporária” - com uma cadência quase mensal (exceção ao mês de abril, julho e setembro de 2011), repetido depois de 21/12/21 a 20/01/12;
-queixas que se mantiveram posteriormente;
- no registo clínico de 06/02/2013 já sendo mencionado “tem fibromialgias – é seguido no Hospital ... por doença autoimune” (fls. 354 dos autos). Aparecendo de novo a referência a fibromialgia com dores osteoarticulares difusas em 07/05/2014 (fls. 326);
- retoma a consulta de psiquiatria em janeiro de 2016 a pedido do médico de família – vide informação de fls. 391 datada de 29/05/2017.
- finalmente do relatório médico da consulta de dor crónica resulta que na sequência das queixas de lombalgias, foi sujeito a intervenção em 2015 sem melhoria aparente. Tendo sido referenciado à consulta da dor desde janeiro de 2014.
Todos estes elementos clínicos foram compilados no relatório do INML de 23/02/2019 a fls. 440 e segs. dos autos.
Tendo presentes estes elementos, e no que respeita ao ponto 75 dos factos provados – proveniente do alegado em 11º da contestação – impõe-se reconhecer que efetivamente a R. não juntou, nem sequer concretizou nos autos os documentos que lhe foram enviados, nomeadamente pelo A. na sequência do pedido que a este dirigiu.
Tal pedido consta do documento 20 oferecido pelos próprios AA. com a p.i..
Documento este que evidencia ter a R. em 28/04/2016 pedido que lhe fossem enviados “relatórios médico e (…) exames que o Exmo. Sr. AA tenha realizado até à presente data e que sustentaram a atribuição da incapacidade pela Segurança Social” (fls. 135 do processo físico).
O que terá sido satisfeito em 12/05/2016 – de acordo com o mail de resposta igualmente constante do doc. 20.
Na p.i. os AA. alegaram ter enviado à R. o relatório do Dr. FF – Assistente Graduado de Psiquiatria do CH... - que constitui o doc. 22 junto com a p.i. datado de janeiro de 2016.
Relatório este no qual é declarado que o A. é acompanhado na consulta de “Psiquiatria desde 13/12/2004 por sofrer de Síndrome Depressivo prolongado relacional com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia que o incapacitam para o exercício profissional, pelo que deve ser reformado por invalidez.
(…)” (doc. 22 a fls. 137 dos autos).
Este é o único documento que efetivamente está demonstrado foi enviado à R. [aliás tal como provado em 56 dos factos provados].
E em 17/06/2016 e 29/06/2016 a R. responde ao A. (docs. 21 e 24 juntos igualmente com a p.i. pelos AA.) que existiram omissões ou declarações inexatas no preenchimento da proposta as quais eram essenciais e significativas para a apreciação e aceitação do risco, por tal considerando anulado o contrato desde o seu início.
O que resulta claro da prova documental junta é, portanto, e apenas, o teor destas comunicações das quais se infere que foram pedidos relatório e exames médicos e que após análise do que foi rececionado – deste apenas se sabendo ter sido enviado o dito doc. 22 - a R. recusa assumir o sinistro [sobre estes trâmites já constando na decisão de facto o que resulta dos factos provados 53 a 56, 60 e 72 a 74] .
Nesta estrita medida assiste razão aos recorrentes na crítica apontada à redação do ponto 75 dos factos provados – quanto ao não apuramento de todos os documentos/relatório médicos que foram enviados à R. aquando da instrução do processo de sinistro.
Sem prejuízo de se saber que pelo menos o relatório a que corresponde o doc. 22 foi enviado e que a R. respondeu subsequentemente anular o seguro por falsas declarações.
Acresce que e tendo por referência este ponto factual, do mesmo releva em especial para os autos – considerando o alegado em 11º a 15º da contestação – o apuramento do estado de saúde do A. desde data anterior à da apresentação da proposta/celebração do contrato de seguro. Sendo desse estado de saúde e consciência/conhecimento do mesmo pelo A. que será possível inferir se no declarado o A. faltou ou não à verdade.
Assim o que tem de constar da decisão de facto [provado ou não provado] e em função da prova que foi efetivamente produzida e do alegado pela R. em 11º e 15º da contestação, é se desde 2004 e assim também à data da apresentação da proposta e celebração do contrato de seguro o A. tinha já as patologias descritas pela R. em 11º (ainda que por referência a documentos que sustentariam essa realidade).
Ora o que resultou provado é o que já se mencionou e concretizou supra e que se encontra contido na alegação da R., implicando que o ponto 75 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
«75- O A. marido foi seguido no Centro de Saúde ..., pelo menos a partir do ano de 2009, tendo entre janeiro de 2011 e até janeiro de 2012 ali se deslocado todos os meses apresentando queixas/sintomas identificados como síndrome do ombro doloroso /Bursite/Tendinite/Sinovite (doença profissional); síndrome da coluna primeiro sem irradiação de dor em 21/03/2011 e depois a 28/03/2011 com irradiação de dores. Dos relatórios deste centro constando mencionado “CIT” – certificado de incapacidade temporária, sem especificação dos dias de incapacidade - com uma cadência quase mensal (exceção aos meses de abril, julho e setembro de 2011), repetido a 20/01/12.
Queixas que se mantiveram posteriormente.
Referenciado para a consulta de medicina interna – doenças autoimunes a outubro de 2012 e à consulta da dor a partir de janeiro de 2014, foi em 2015 e na sequência das queixas de lombalgias, sujeito a intervenção sem melhoria aparente.
Surgindo a primeira referência escrita a fibromialgia no registo clínico do A. de 06/02/2013 - “tem fibromialgias – é seguido no Hospital ... por doença autoimune” (fls. 354 dos autos)».
*
Por sua vez o ponto 3 dos factos não provados entendido no sentido de pela primeira vez ter sido ao A. diagnosticado a “fibromialgia” em fevereiro de 2016, não merece censura. Já que dos documentos acessíveis resulta não ter sido esse o momento temporal – para além do relatório de 06/02/2013 acima mencionado, veja-se também o relatório de 07/05/2014.
Em suma mantém-se a redação do ponto 3 dos factos não provados e altera-se a redação do ponto 75 dos factos provados, nos termos acima assinalados.

5- o ponto 77 dos factos provados.
Sob o ponto 77 dos factos provados, foi julgado provado:
“No relatório elaborado pela Dra. DD (documento 4 junto com a p.i.), datado de 23/02/2016, refere-se que o Autor começou avaliação na especialidade de Medicina Interna (doenças autoimunes) desde outubro de 2012 … com vários anos de evolução”.
Os recorrentes pretendem que do seu teor seja retirada a parte final “… com vários anos de evolução” – vide conclusão 289.
Ou em alternativa que o mesmo passe a ter a seguinte redação:
“77-No relatório elaborado pela Dra. DD (documento 4 junto com a p.i.), datado de 23/02/2016, refere-se que o Autor começou avaliação na especialidade de Medicina Interna (doenças autoimunes) desde Outubro de 2012 …com vários anos de evolução, não se conseguindo determinar a partir de que momento se iniciou esta avaliação, nem se podendo associar esta avaliação à fibromialgia, doença esta que vem a ser determinante para a atribuição, ao Autor marido, da incapacidade de 20% (vinte por cento)” – conclusão 290.
A redação dada a este ponto 77 corresponde a parte do teor de um relatório – meio de prova relevante para apurar o que a R. alegou.
E do que a R. alegou, o relevante [quanto à parte física e por referência ao alegado em 11º da contestação] já foi introduzido no ponto 75 dos factos provados, incluindo o período temporal que a prova documental evidenciou.
Sendo certo que a menção a “vários anos de evolução” é imprecisa /não concretizada nem concretizável e como tal a evolução terá de ser aferida em função dos factos que já foram introduzidos no ponto 75 dos factos provados.
O mesmo é dizer que o teor deste relatório, sem prejuízo de corresponder rigorosamente ao que no mesmo consta, não encontra justificação para ser mantido nos factos provados em função do que pelas partes foi alegado e introduzido já noutros pontos factuais.
Pelo que se decide eliminar o mesmo da decisão de facto.

6- Os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 15 e 19 dos factos não provados e 76 dos factos provados.
A matéria constante destes pontos factuais está conexionada com a segunda patologia que fundamenta a incapacidade atribuída ao autor – síndrome depressivo prolongado que de igual forma a R. alegou já se verificar desde 2004 – vide o alegado em 12º, 14º e 15º da contestação.
Pugnam os recorrentes pela introdução dos primeiros nos factos provados com a seguinte redação:
Ponto 4:
Foi por mero lapso que no relatório médico junto pelos Autores como documento n.º 22 para instruir o respetivo processo, redigido pelo Sr. Dr. FF que vem referido que o Autor marido é acompanhado em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004;
Ponto 5:
Aquele relatório médico (documento n.º 22) contém incorreções ao referir que o Autor marido “é acompanhado em consulta de psiquiatria desde 13/12/2004, por sofrer de Síndrome Depressivo prolongado relacionável com a sua sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia;
Ponto 6:
Na verdade, o que o Sr. Dr. FF queria afirmar, como o vem a fazer no relatório que redige a substituir este, é que o Autor marido “frequentou consulta de Psiquiatria no ano de 2004, devido a problemas ansioso-depressivos reativos a stress profissional tendo recuperado e obtido alta da consulta”
Ponto 7:
E só em janeiro de 2016 retomou a consulta de psiquiatria, mas agora “relacionável com sintomatologia orgânica grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia”;
Ponto 8:
Só volvidos oito anos da primeira situação, por indicação da médica de família, e após esta lhe ter diagnosticado fibromialgia, é que o Autor marido voltou a apresentar sintomatologia depressiva
Ponto 9:
Se esteve o Autor marido tantos anos sem necessidade de suporte psiquiátrico, era sinal que estava bem;
Ponto 10:
O Autor estava completamente curado;
Ponto 12
No preenchimento do questionário apresentado pela Ré quando celebrou o contrato de seguro, não fez referência ao problema que tinha tido em 2004, pois estava completa e perfeitamente curado;
Ponto 15
O Autor recuperou e obteve alta, sem que dali tivessem resultado quaisquer sequelas;
Ponto 19
Pelo facto de ter verificado melhorias na área da Psiquiatria, o Autor marido não sentiu necessidade de ser acompanhado nesta especialidade;”
E o último - ponto 76 dos factos provados, a sua introdução nos factos não provados.
Ou se assim não for considerado, alterada a sua redação para da mesma ficar a constar:
No relatório de Psiquiatria assinado pelo Dr. FF - Assistente Graduado de Psiquiatria, datado de datado de 16/08/2016, documento 23 junto com a P.I., fls 141, que retifica o documento 22 junto com a P.I., fls 137, é declarado que AA, nascido a .../.../1971, processo clínico n.º 4016364 frequentou a consulta de Psiquiatria no ano de 2004, devido a problemas ansioso-depressivos reativos a stress profissional, tendo recuperado e obtido alta da consulta. Entretanto em janeiro de 2016 retomou a consulta a pedido do seu médico de família, por se encontrar novamente com Síndrome depressivo relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia, acabando por ser reformado por invalidez” – vide conclusões 298 a 330.

Para a pretendida alteração, convocaram os recorrentes o teor do relatório médico datado de 16/08/2016, documento 23 junto com a P.I., fls 141; o depoimento do médico psiquiatra prestado em 09/07/2021 (Dr. FF); da testemunha GG, filha dos recorrentes - identificando os trechos da gravação que quanto a estes depoimentos considerou relevantes.
Ainda o teor dos seguintes documentos:
informação prestada pelo Centro Hospitalar ... aos senhores médicos peritos relativamente à perícia médica realizada ao Recorrente marido em 12/08/2017, página 2 do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, na sétima linha a contar do fundo da página, a folhas 398: - (ponto 58. dos factos dados como provados) ; Da análise, ainda no mesmo documento, na página 5, folhas 399 verso; Da análise da página 2, ponto 7 do Relatório da Perícia Médico-Legal efetuada ao Recorrente marido em 12/06/2016, folhas 414 ; Da análise da página 2 do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, efetuada ao Recorrente marido em 11/01/2019, folhas 441, Da análise da página 5 do mesmo relatório, folhas 442 verso”. Conjugado com o julgado provado e constante de 58 dos factos provados.

Com relevo para o que aqui se discute já consta provado que
“57-A doença do foro psiquiátrico que foi determinante para a situação de reforma por invalidez “é relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia …” (Doc. 23).
58-A médica de família, num contexto de fibromialgia, em 2016, enviou o Autor para a consulta de psiquiatria (Doc. 14). “
Como facto impeditivo, é relevante apurar se efetivamente a doença do foro psiquiátrico já se manifestava desde 2004.
O erro constante do relatório médico de janeiro de 2016 e as incorreções de que padeça relevam apenas enquanto análise do valor probatório deste e outros documentos.
Ouvida a testemunha FF, autor da declaração de janeiro de 2016 (doc. 22 de fls. 137), tal como da declaração de agosto de 2016 (doc. 23 de fls. 141) foi o mesmo perentório em afirmar que o A. efetivamente frequentou a sua consulta num primeiro momento entre 2004 e 2008 com queixas relacionadas com trabalho e problemas familiares. Em 2008 tendo tido alta porque está bem.
Só tendo retornado em 2016 por indicação do Hospital, depois de diagnosticada a fibromialgia.
Afirmando que se na declaração de janeiro se diz que desde 2004 frequenta a sua consulta sem a interrupção mencionada, é porque se enganou.
O assim declarado mereceu-nos toda a credibilidade. Está aliás em consonância com o que está relatado nos demais registos clínicos e relatórios juntos aos autos [veja-se o relatório médico de 23/02/2016, bem como os registos do Centro de Saúde, onde as primeiras menções a perturbações depressivas surgem em fevereiro de 2016 e se repetem a partir daí – vide fls. 277 a 273, 270, 269].
Ou seja, da prova produzida resulta provado que o A. foi acompanhado em consulta de psiquiatria, por queixas relacionadas com o trabalho e problemas familiares entre 2004 e 2008 (fundamento corroborado pelo depoimento da filha e testemunha GG), altura em que teve alta por estar bem.
Após tendo sido reencaminhado no contexto da fibromialgia em 2016 para a consulta de psiquiatria. Esta última realidade é o que já consta provado em 58 e com ele relacionado 57 dos factos provados.
No mais e de acordo com o que fora alegado pela R. relevava apenas apurar se desde 2004 o A. se tinha mantido com acompanhamento de psicologia.
O que nos termos referidos não corresponde à verdade.
Assim sendo impõe-se a conclusão de que os pontos 4 a 6 dos factos não provados são de eliminar da decisão de facto, por claramente não corresponderem a factualidade relevante para o que se discute nos autos. O mesmo ocorrendo com o ponto 76 dos factos provados que é de eliminar da decisão de facto.
A realidade nestes documentos constante e descrita releva apenas enquanto prova documental a avaliar para a factualidade que importa analisar, nos termos por nós acima já concretizados.
O ponto 9 é manifestamente matéria conclusiva, tal como o é o ponto 12 ambos dos factos não provados.
Assim sendo também a excluir da decisão de facto.
Os pontos 7 e 8 dos factos não provados correspondem em parte ao que acima já se mencionou estar provado em 57 e 58 dos fp’s a que acresce, para melhor esclarecimento o que também já se declarou julgar provado e assim será acrescentado aos factos provados.
Sendo introduzido, como ponto 56A) dos factos provados a seguinte factualidade:
56A -O A. foi acompanhado em consulta de psiquiatria, por queixas relacionadas com o trabalho e problemas familiares entre 2004 e 2008, altura em que teve alta por estar bem. Só tendo retomado a consulta de psiquiatria na sequência do mencionado em 57 e 58 dos factos provados”.
Com a consequente eliminação dos pontos 7 e 8 dos factos não provados.
Sendo que quanto aos pontos 10 e 15 dos factos não provados se desconhece, para além da alta por ter sido entendido pelo médico que para tanto estava bem [conforme o referiu em depoimento], se o A. ficou completamente curado e se ficou sem sequelas.
Motivo por que se mantém estes pontos factuais nos factos não provados.
Por sua vez o ponto 19 dos factos não provados, em função do já demais provado, nada acrescenta para o que se discute nos autos. Motivo por que vai também eliminado da decisão de facto.
Nestes termos improcede parcialmente a pretensão dos recorrentes nos termos analisados.

7- Os pontos 78 e 79 dos factos provados.
- ponto 78 dos factos provados[9]. Pugnam os recorrentes pela alteração da sua redação, por forma a da mesma constar:
No Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (documento 21 junto com a p.i.), as patologias contempladas são a Psiquiatria e as Neurologia e Neurocirurgia, nas vertentes das Nevralgias e radiculalgias” – vide conclusões 331 a e 332.
Para a pretendida alteração tendo os recorrentes convocado o que consta da TNI – “Com base na consulta da Tabela Nacional de Incapacidades, as patologias contempladas são as Neurologia e Neurocirurgia, nas vertentes das Nevralgias e radiculalgias, e não a Dor Crónica” – vide conclusão 332.
O documento em questão é o doc. 17 (fls. 132 dos autos) e não o doc. 21.
O que consta deste documento já está reproduzido no ponto 51 dos factos provados.
E com a redação pretendida.
Deste ponto 51 dos factos provados constata-se, contudo, que o coeficiente de desvalorização atribuído por cada um dos itens não se encontra igualmente descriminado, o que por uma questão de clareza e porque em causa está apenas a reprodução do teor de um documento nesta sede se supre oficiosamente.
Assim decide-se aditar ao ponto 51 dos factos provados o grau de desvalorização atribuído por cada um dos danos corporais identificados [seguida que foi a regra prevista para as lesões múltiplas da capacidade restante indicada no nº 5 d) das instruções gerais da TNI aplicável].
O ponto 51 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
«51-As patologias que originaram a atribuição da incapacidade de 0,680 foram as seguintes:
- Capítulo III - Neurologia e Neurocirurgia
- Número 7: Nevralgias e radiculalgias - Persistentes e segundo a localização e a importância funcional: …. 0,2 de coeficiente num máximo de 0,2 [da capacidade restante 1] – desvalorização 0,2;
- Capítulo X - Psiquiatria
- Número IV: Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de atividade diária: ….0,6 de coeficiente num máximo de 0,6 [da capacidade restante 0,800] – desvalorização 0,48 (Doc. 17).»

E atento o teor do ponto 51 dos factos provados com a redação que ora se introduziu, resulta que a alteração pretendida no ponto 78 dos factos provados e que era pertinente em função do teor do próprio documento, já se encontra contida na redação do ponto 51 dos factos provados.
Impondo a eliminação do ponto 78 dos factos provados por [com a correção que se impunha] constituir repetição do já constante do ponto 51 dos factos provados.
Decide-se assim e com base nestes fundamentos eliminar da decisão de facto o ponto 78 dos factos provados.
- ponto 79 dos factos provados[10].
Pugnam os recorrentes que o mesmo seja julgado não provado.
Ou em alternativa, que no mesmo passe a constar:
O Autor recorria a assistência médica no seu tratamento já, pelo menos, desde 2004, tendo obtido alta da consulta em dezembro de 2008, só retomando a consulta de Psiquiatria no ano de 2016, por indicação do seu médico de família” – vide conclusões 333 a 335.
Para a pretendida alteração tendo os recorrentes convocado as provas anteriormente por si identificadas.
Na sequência do que acima já analisámos e nomeadamente da matéria constante do ponto 56A) aditado aos factos provados e da alteração introduzida no ponto 75) dos factos provados, sendo pressuposto deste ponto factual 79 uma não interrupção na assistência médica desde 2004, impõe-se a eliminação deste ponto 79) dos factos provados, passando para os factos não provados.

7- ponto 18 dos factos não provados[11].
Pugnam os recorrentes pela sua introdução nos factos provados, com a seguinte redação:
A recusa por parte da Ré em pagar os valores peticionados tem sido motivo de agravamento da situação clínica do Autor;” – vide conclusões 336 a 340.
Para a pretendida alteração convocaram os recorrentes o depoimento do médico psiquiatra FF e de GG, filha dos recorrentes, cujos trechos de gravação tidos por relevantes identificaram, associado ao que foi julgado provado e constante dos pontos 68 a 70 dos factos provados.
Destes últimos resultando – a seu ver - uma contradição com o ponto 18 dos factos não provados, que assim pugnam seja julgado provado nos termos identificados.
A primeira observação que cumpre aqui deixar é a de que se entende não assistir razão aos recorrentes quanto a uma alegada contradição.
Uma coisa é a perturbação que a conduta da R. provocou nos AA. do ponto de vista anímico e comportamental e que está apurado em 67 a 70 dos factos provados.
Outra coisa é o agravamento da situação clínica do autor, entendida neste contexto como agravamento das suas sequelas e consequente incapacidade. Deste agravamento entendido nesta perspetiva não existe prova cabal. Não bastando para tanto a menção da filha dos AA. e mesmo do A. ao agravamento de tal estado, ou mesmo da testemunha FF não sustentado em elementos fácticos concretos.
E a ser entendido de modo diverso, então este ponto factual mais não seria do que uma repetição ou mesmo conclusão do apurado e constante dos pontos 67 a 70 dos factos provados.
Em conclusão, entende-se não assistir razão aos recorrentes.
Termos em que improcede a pretendida alteração deste ponto 18 dos factos não provados.

8- ponto 72 dos factos provados[12].
Pugnam os recorrentes pela sua introdução nos factos não provados – vide conclusões 345 a 348.
Para a pretendida alteração tendo os recorrentes alegado que a recorrida teria de ter feito prova do dolo do recorrente marido nas suas declarações; da omissão voluntária da informação sobre as duas patologias, o que não logrou fazer.
O ponto 72 declara provado apenas o fundamento da posição assumida pela R. quanto à anulação do contrato de seguro – tal como consta nos docs. 21 e 24 juntos com a p.i.
E apenas nesse sentido pode ser mantido.
Caso contrário e na sequência do que acima já assinalámos a propósito de se dar como provado que os AA. “prestaram declarações falsas” teria de ser nesta perspetiva eliminado este ponto factual.
Assim não ocorre, apenas por que se entende o âmbito deste ponto factual como a constatação do fundamento invocado pela R. para a anulação da apólice e que aos AA. foi comunicado. Sendo nessa medida correto o seu teor.
Termos em que neste âmbito e limites, se mantém a redação dada a este ponto 72 dos factos provados, indo indeferido o requerido pelos recorrentes nesta sede.
*
Assim reapreciada a decisão de facto e introduzidas as alterações que deixámos assinaladas, uma última questão se impõe oficiosamente analisar, porquanto em causa está facto essencial à apreciação da causa.
O sinistro invocado pelos AA. pressupõe que o A. tenha ficado afetado de uma invalidez total e permanente para efeitos da cobertura complementar prevista na cláusula XII do contrato [ao abrigo da qual foi formulada a pretensão dos AA.].
Nos termos desta cláusula entende-se por Invalidez Total e Permanente – a incapacidade que após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione na pessoa segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional mínima de 66%.
Incapacidade funcional que também nos termos da mesma cláusula é aferida pela diminuição com caráter permanente e definitivo da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida.
Tendo os AA. alegado que o A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 68%, cumpria ao tribunal emitir pronúncia sobre tal realidade essencial à apreciação da pretensão dos AA..
Os AA. justificaram a incapacidade assim alegada, com base no “Atestado Médico de Incapacidade Multiusos” que juntaram sob doc. 17.
A R. impugnou a incapacidade alegada pelos AA. e como tal sobre esta questão foi produzida prova, nomeadamente prova pericial.
Ora, não obstante o tribunal a quo ter ordenado a realização de perícias e exames, foi completamente omisso quanto à análise e julgamento da incapacidade de que o A. ficou a padecer.
Não se pode considerar que a reprodução do resultado do Atestado Multiuso – a que corresponde o facto provado 50 - cumpra este desiderato.
O resultado do “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” nada mais prova do que o que do mesmo se infere – a incapacidade que foi atribuída pela junta médica nos termos do anexo I da TNI para Acidentes de Trabalho e Doença Profissional.
Nos exames realizados por ordem do tribunal pelo INML foram apresentadas conclusões diversas, com base na mesma TNI.
Ao tribunal incumbia analisar e avaliar a prova produzida e justificando-o, declarar qual a incapacidade que julgava provado ter o A. ficado a padecer.
O dito atestado não é mais do que um meio de prova para os fins deste processo. Tal com o são as perícias médico-legais.
Recaindo sobre o tribunal o ónus de em função da prova produzida, incluindo pericial, declarar o que julga ou não provado.

É facto essencial à apreciação da pretensão dos AA. o apuramento da incapacidade de que o A. marido ficou a padecer.
A omissão de pronúncia sobre facto essencial ao objeto do processo por parte do tribunal a quo, torna a decisão de facto deficiente e impõe o seu suprimento, mesmo oficioso por parte deste tribunal, na medida em que do processo constam todos os elementos necessários à apreciação do facto em questão[13].
Em suma, cumpre suprir a deficiência da decisão de facto e julgar qual a incapacidade de que o A. ficou a padecer na sequência das patologias de que se viu afetado.
A apreciação oficiosa a que se irá proceder, vai ao encontro da pretensão da recorrente R. que no recurso subordinado pugnou precisamente pelo aditamento aos factos provados do seguinte ponto factual, com nº 81:
81- A incapacidade que afeta o A. foi fixada pelo INML em 61,60% na primeira perícia e de 49,28% na segunda perícia” – vide conclusão 9ª do recurso subordinado.
Tendo a recorrente R. fundamentado esta sua pretensão no resultado das duas perícias realizadas, apontando estes dois valores diferentes, nos termos que assim alegou:
“3ª - Foi realizada a referida perícia (relatórios de fls. 397 a 402 verso, 413 a 416 e 441 a 447), bem como uma segunda perícia (relatórios de fls. 536 a 538).
4ª - Na primeira perícia, foi atribuída ao A. uma incapacidade de 61,60%, sendo arbitrados os coeficientes de 0,20 + 0,20 no Cap. III. 7, 0,20 (coluna lombar, lombociatalgia e fibromialgia) e 0,40 no Cap. X grau IV (de acordo com a Perícia de Psiquiatria).
5ª - Na segunda perícia, a incapacidade relativa a Psiquiatria foi corrigida para 0,23 no Cap. X, 1, grau III, o que configura uma incapacidade geral de 49,28%.” – vide conclusões 3ª a 5ª.
Na medida em que o suprimento da omissão por nós notada e que se impõe oficiosamente nos termos já justificados, abarca a pretensão da recorrente R., considera-se na medida do que vier a ser decidido satisfeita esta pretensão.
Analisemos então os elementos probatórios que constam dos autos – nomeadamente exames periciais - e que aliás foram alvo de prolongada apreciação e discussão entre as partes, como agora se deixará evidenciado.
Os AA. alegaram padecer o A. marido de uma incapacidade permanente global de 68% (vide 52º da p.i.) atentas as lesões de caráter definitivo apuradas e que no Atestado Médico de Incapacidade Multiuso - junto para prova de tal realidade - foram enquadradas nos caps. III nº 7 e X nº 4 da TNI – Anexo I.
Tendo a R. na contestação impugnado tal incapacidade (vide artigo 2º da contestação), requereu desde logo a realização de exame pericial na pessoa do A. pelo INML com vista a apurar entre o mais qual a incapacidade de que o A. marido padece de acordo com a TNI.
O tribunal a quo em sede de audiência prévia profere despacho saneador e elenca como tema de prova a incapacidade do A. – os 68% alegados [al. i)] e determina a realização de perícia médico legal na pessoa do A..
Em 16/12/2017 é realizado um primeiro relatório pelo INML (fls. 397 e segs. dos autos) no qual após indicação do histórico do evento; descrição dos dados documentais facultados; antecedentes; queixas à data do exame apresentadas pelo A. e descrição do exame objetivo, dá-se nota da necessidade de uma perícia de psiquiatria, já solicitada.
Em 29/06/2018 é elaborado relatório de psiquiatria no qual, pela observação clínica do examinado e consulta dos elementos processuais disponibilizados pelo tribunal se conclui que o examinado padece de “Transtorno Persistente do Humor” (fls. 415).
Em 23/02/2019 é então apresentado relatório da perícia, seguindo o mesmo método descritivo do primeiro (preliminar). A final se tendo concluído por uma incapacidade permanente parcial de 61,600% de acordo com a TNI – Anexo I, mencionando que para tanto se levou em consideração o “quadro clínico do examinado, tendo em conta as patologias atrás descritas e a consulta da referida Tabela (fls. 446).
Tendo sido descriminados os seguintes valores: Cap. III 7 – desvalorização arbitrada de 0,20 por queixas de dor lombar (…); Cap. III 7 (por analogia com a fibromialgia…) – desvalorização arbitrada de 0,16; Cap. X grau IV de acordo com a perícia de psiquiatria por “transtorno persistente do Humor (…) – desvalorização arbitrada de 0,256
Notificado este relatório às partes, o A. não se conforma com a desvalorização no capítulo da psiquiatria (já que no Atestado Multiuso esta fora de 48%) e requer nova avaliação da incapacidade no campo da psiquiatria.
O tribunal ordena a realização de uma segunda perícia tendo em conta a disparidade de valores notada no capítulo da psiquiatria.
O novo relatório elaborado pelo INML de psiquiatria datado de 10/09/2020 conclui por uma desvalorização de 20% (p. 508) - Cap. X, 1- Grau III, justificando-o nos seguintes termos:
“Da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta de registos clínicos constantes das peças processuais é possível afirmar que o examinado sofre de reação depressiva prolongada em resposta à exposição prolongada a uma situação geradora de stresse que no caso em apreço, será constituída por sintomatologia dolorosa decorrente de fibromialgia.
O examinado apresenta uma reação depressiva prolongada decorrente de doença física de evolução prolongada”. (p. 508).
Notificadas as partes deste relatório pericial arguiram a nulidade do mesmo por não ter obedecido aos moldes colegiais ordenados.
Nulidade declarada pelo tribunal a quo e determinada a realização de nova perícia em moldes colegiais.
Em 01/03/2021 foi elaborado novo relatório de psiquiatria, este realizado em moldes colegiais (por 3 peritos) e que colheu a unanimidade dos mesmos quanto às suas conclusões.
Dão nota de ter sido realizada entrevista forense e exame do estado mental do examinando que descreveram neste mesmo relatório.
Expressam o entendimento de não vir fundamentada do ponto de vista psiquiátrico a atribuição de “60%[14] de incapacidade por Junta Médica de Saúde Publica, sem sequer se fazer referência ao item diagnóstico classificativo”.
Concluem que o “examinado apresenta clinicamente um quadro sintomatológico compatível com uma perturbação persistente do humor, tida para efeitos desta avaliação como reação depressiva prolongada, sem que se tenham esgotado os recursos terapêuticos à luz do conhecimento psiquiátrico atual.
Este quadro clínico tal como se apresenta atualmente, afeta de forma importante a sua autonomia pessoal, social e profissional, sendo que do ponto de vista psiquiátrico não é incapacitante para o exercício da sua atividade profissional.
É passível de ser valorizado como afetação da sua integridade psíquica, com repercussão nas atividades globais, na qual tendo em conta a experiência médico legal de casos semelhantes e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades, se pode valorizar no Capítulo X-I, Grau III (0,16-0,30) em 23%[16] (média de intervalo)”.
Notificadas as partes deste último relatório colegial nada opuseram ao mesmo.
Como se vê do enunciado acima, a questão da desvalorização da incapacidade no campo da psiquiatria motivou várias diligências perante o desacordo, em especial do A., perante uma fixação significativamente abaixo dos valores considerados no Atestado Médico de Incapacidade Multiuso.
Conforme já tivemos oportunidade de referir, este último atestado constitui apenas mais um meio de prova a ser considerado no conjunto da prova produzida.
Nos demais relatórios elaborados foi sempre justificado o porquê das conclusões a que os Srs. Peritos foram chegando, com recurso aos exames que efetuaram na pessoa do A., análise dos elementos documentais a que tiveram acesso e recurso aos próprios conhecimentos específicos e técnicos/experiência médico/legal decorrentes da sua formação e experiência profissional.
Os resultados (nestes relatórios) em termos percentuais para a desvalorização no campo da psiquiatria não oscilou muito – entre 20% e 25.6%.
E o último, elaborado de forma colegial (por 3 Srs. Peritos e por unanimidade) fixou esta mesma incapacidade em 23%. Todos eles por referência à TNI – Anexo I, Cap. X – I, grau III, ou IV no caso do relatório de 02/2019 que considerou o valor de 25,6.
Atenta a natureza eminentemente técnica do objeto da peritagem; os conhecimentos específicos dos Srs. Peritos, a unanimidade colhida neste último relatório colegial do qual resulta a harmonização entre o descrito e os fatores de desvalorização da TNI – sendo que o grau III já considera “Perturbações Funcionais importantes com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional”, entende-se ser de seguir o resultado deste último relatório pericial e assim fixar em 23% a incapacidade atribuível ao A. pelo campo da psiquiatria – capítulo X da TNI.
De notar que a testemunha FF, psiquiatra que segue o A. em consulta, embora no seu depoimento tenha defendido até uma incapacidade só neste campo de 50%, não justificou com referência a critérios da TNI o porquê destes valores. Não sendo a sua afirmação suficiente para abalar a credibilidade que os relatórios médico legais nos mereceram, em especial o último e colegial.

A este valor há que somar o valor da incapacidade anteriormente atribuído pelo capítulo III no último relatório elaborado e que de igual modo se encontra justificado em consonância com o exame realizado – 36% (vide relatório de fls. 446).
O que perfaz um total de 59% de incapacidade permanente parcial apurada.
Assim decide-se aditar à factualidade provada um novo ponto factual, com o nº 58A do seguinte teor:
58A -O A. padece de uma incapacidade permanente parcial de 59%.”
Nestes termos procede parcialmente a impugnação da decisão de facto
*
***
Atendendo às múltiplas alterações introduzidas na decisão de facto e para que fique reorganizada, deixa-se aqui elencada a factualidade provada a partir do ponto 33 dos factos provados[17] e a matéria não provada:
“FACTOS PROVADOS
(…)
33-Em 09/01/2012, os Autores foram interpelados, na residência onde vivem, pelo agente de seguros CC, com sede na Rua ..., ... – ..., Paredes, tendo este proposto a transferência do seguro de vida associado ao empréstimo da companhia de seguros Y... para a então W..., Companhia de Seguros de Vida, S.A..
34-Como não viram qualquer inconveniente naquela transferência, em 29/01/2012 os Autores celebraram com a W... - Companhia de seguros de Vida, S.A., um contrato de seguro de vida, com a designação SEGURO VIDA FINANCIAMENTO, a produzir efeitos a partir daquela data, pelo prazo de 20 anos, e tendo como beneficiário, em caso de sinistro, o Banco 1... (Doc. 11).
35-A este contrato de Seguro de Vida foi atribuído o número de Apólice ..., no Ramo Vida Financiamento – 2 Pessoas Seguras (Doc. 11).
36-Neste novo contrato de seguro de vida, diferentemente dos contratos de seguro de vida anteriormente referidos, já figuram como pessoas seguras ambos os Autores (Doc. 11, pág. 01).
37-O Capital garantido por este Seguro de Vida a favor daquela instituição de crédito é de € 36.000,00 (Doc. 11, pág. 02 e doc. 12 pág. 02).
38-Valor este que assegura, no caso de morte ou invalidez total e permanente de algum dos segurados, o pagamento àquela instituição de crédito das quantias concedidas por aqueles dois contratos de mútulo e referidos 09. e 16.
39-Em caso de sinistro, conforme refere o ponto 2 das “Garantias” da proposta de seguro assinada pelos Autores, “Ao Beneficiário Aceitante será liquidada a importância em dívida existente à data resultante do crédito à habitação, até à concorrência do capital seguro. O remanescente, se o houver, ou a totalidade do capital seguro, se tal dívida não existir, será pago aos Beneficiários indicados na proposta.” (Doc. 11, pág. 02).
40-Nas Condições Particulares da referida apólice - documento n.º 12, página 2 consta o seguinte:
- “Complementar(es):
AA …….XII – Invalidez Total e Permanente
BB …CI – Invalidez Total Permanente e Definitiva
41-E na Ata Adicional também junta a esta apólice, junto como documento n.º 12, página 8, emitida por aquela companhia de seguros, consta o seguinte:
Pessoa(s) Seguras(s):
AA
XII – Invalidez Total Permanente
BB
CI – Invalidez Total Permanente e Definitiva
Pela presente Ata declaramos que:
Em caso da primeira MORTE que ocorrer entre as Pessoas Seguras ou em caso de INVALIDEZ de uma das Pessoas Seguras, nas condições das garantias subscritas e aceites, durante a vigência do contrato:
. O BANCO 1... S.A. está interessado neste seguro na qualidade de Beneficiário Aceitante irrevogável;
. O benefício deste seguro, a favor do BANCO 1... S.A., até à quantia de € 36.000,00, não poderá ser alterado sem o consentimento deste;
…/…
. Em caso de MORTE ou INVALIDEZ nas condições das garantias subscritas e aceites será liquidada ao Beneficiário Aceitante a importância em dívida existente nessa data, até à concorrência do Capital Seguro, referido no Segundo Ponto, à data da ocorrência. O remanescente, se o houver, ou a totalidade daquele capital, se tal dívida não existir, será pago aos Beneficiários indicados na Apólice e, na falta daqueles, aos herdeiros da Pessoa Segura em partes iguais (Doc. 12, pág. 8).
42-Pode ler-se ainda nas cláusulas relativas ao campo XII, referido no ponto anterior, no capítulo da “GARANTIA COMPLEMENTAR – INVALIDEZ TOTAL PERMANENTE”, que é o capítulo que tem aplicabilidade à cobertura atribuída ao Segurado Autor AA;
Artigo 1.º
Entende-se por:
Invalidez Total e Permanente – a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada, e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional mínima de 66%.
Incapacidade Funcional – o estado físico ou mental, consequente de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente garantia que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma diminuição, com caráter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida
(Doc. 12, pág. 4).
43-Em abril de 2016, a companhia de seguros W... é adquirida pela internacional X... - Companhia de Seguros, S.A., passando, transferindo-se a carteira de clientes para esta, assim como a assunção de todos os direitos e obrigações decorrentes de contratos celebrados por aquela (Doc.13).
44-Por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido sentiu dores no corpo, o que motivou a que se deslocasse, naquele mesmo mês, ao Centro Hospitalar ... EPE, Unidade ..., em Penafiel (Doc. 14).
45-Passou, a partir daí, a ser seguido na Consulta de Medicina Interna – Doenças Autoimunes (Doc. 14).
46-Os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia.
47-Tendo sido referenciado à Consulta Externa de Psiquiatria e de Dor.
48-A partir de 21/01/2014, o Autor marido começa a ser seguido na “Consulta de Dor do Centro Hospitalar ... (Doc. 15).
49-Em 02/05/2016, o médico que acompanha o Autor, Dr. FF, emite uma declaração, para efeitos de “Junta Médica”, onde declara que o seu paciente padece de “Síndrome Depressivo Grave”, bem como Fibromialgia (Doc. 16).
50-O Autor foi submetido a Junta Médica de avaliação de incapacidade na Delegação Regional de Saúde ... no dia 27 de abril de 2016, que concluiu que o Autor apresenta deficiências de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, que lhe conferem uma incapacidade permanente global de 68% (sessenta e oito por cento) suscetível de variações futuras. As lesões são de caracter definitivo (Doc. 17).
51-(REDAÇÃO ALTERADA)
«51-As patologias que originaram a atribuição da incapacidade de 0,680 foram as seguintes:
- Capítulo III - Neurologia e Neurocirurgia
- Número 7: Nevralgias e radiculalgias - Persistentes e segundo a localização e a importância funcional: …. 0,2 de coeficiente num máximo de 0,2 [da capacidade restante 1] – desvalorização 0,2;
- Capítulo X - Psiquiatria
- Número IV: Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de atividade diária: ….0,6 de coeficiente num máximo de 0,6 [da capacidade restante 0,800] – desvalorização 0,48 (Doc. 17). »
52-Decorrente desta situação de incapacidade de 0,68%, os Serviços da Segurança Social passaram a atribuir ao Autor reforma por invalidez relativa, sendo-lhe atribuída uma pensão, com início em 17/05/2016, no valor de € 733,26 (Doc. 18).
53-Para que fosse acionado o seguro de vida celebrado com a companhia de W... - Companhia de seguros de Vida, S.A., atual X..., Companhia de Seguros de vida, S.A., nomeadamente a Invalidez Total e Permanente aferida nos termos do capítulo XII, artigo 1.º da Garantia Complementar da apólice n.º ..., (Doc. 12, pág. 02 e 04), os Autores deslocaram-se ao escritório do agente de seguros, Sr. CC que, de imediato, efetuou junto da Ré, no dia 27/04/2016, a respetiva participação do sinistro (Doc. 19).
54-A este processo de sinistro foi atribuído o número ... (Doc. 20).
55-Mediante aquela participação, a Ré vem declarar que não assume a responsabilidade para si transferida por aquela apólice naquele sinistro, fundamentando aquela recusa no seguinte:
“Tendo o contrato de seguro em assunto o seu efeito a partir de 29 de janeiro de 2012 e sido verificado que a declaração de estado de saúde anexa à proposta de seguro indicava uma situação de bom estado de saúde, é entendimento do nosso gabinete médico, após análise da documentação clínica enviada por V. Exa., haver comprovadamente razões para concluir que existiram omissões ou declarações inexatas no preenchimento da proposta, quanto às circunstâncias que V. Exa. conhecia e razoavelmente devia ter por significativas quanto ao Seu estado de saúde, para apreciação do risco por este Segurador.” (Doc. 21).
56-Quando lhes foi solicitado pela Ré que juntassem relatórios médicos do Autor marido para instruir o respetivo processo, os Autores juntaram um relatório médico redigido pelo Sr., Dr. FF, médico que acompanha o Autor marido, no qual, vem referido que o Autor marido é acompanhado em consulta de Psiquiatria desde 13/12/2004, (Doc. 22).
- 56A (ADITADO)
56A -O A. foi acompanhado em consulta de psiquiatria, por queixas relacionadas com o trabalho e problemas familiares entre 2004 e 2008, altura em que teve alta por estar bem. Só tendo retomado a consulta de psiquiatria na sequência do mencionado em 57 e 58 dos factos provados”.
57-A doença do foro psiquiátrico que foi determinante para a situação de reforma por invalidez “é relacionável com sintomatologia orgânica Grave, com dores osteoarticulares em contexto de fibromialgia …” (Doc. 23).
58-A médica de família, num contexto de fibromialgia, em 2016, enviou o Autor para a consulta de psiquiatria (Doc. 14).
58A – (ADITADO)
58A -O A. padece de uma incapacidade permanente parcial de 59%.”
59-Após vários contactos telefónicos, a Ré sempre se recusou a assumir as obrigações decorrentes daquele contrato de seguro.
60-A Ré anulou o seguro de vida em questão desde o seu início (Doc. 21 e 24).
61-Procedendo à emissão de uma nova apólice, com início a 29/01/2012, à qual foi atribuído o número ..., em nome apenas da Autora BB (Doc. 21 e 24).
62-Os Autores têm e sempre tiveram em dia os pagamentos, quer das prestações dos dois créditos referidos em 9. e 16., quer as prestações do seguro de vida.
63-O capital seguro é de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros) (Doc. 11, página 2, doc. 12, pág. 2).
64-Relativamente ao crédito de mútuo com hipoteca e fiança melhor referido em 09. e 10., em 27/04/2016, data da atribuição da incapacidade ao Autor, o montante em dívida ao Banco 1... era de € 20.917,53 (vinte mil, novecentos e dezassete euros e cinquenta e três cêntimos) (Doc. 25).
65-Relativamente ao crédito de mútuo com hipoteca e fiança melhor referido em 16., em 27/04/2016, data da atribuição da incapacidade ao Autor, o montante em dívida ao Banco 1... era de € 5.974,61 (cinco mil, novecentos e setenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) (Doc. 25).
66-Desde 27/04/2016 até 30/09/2016, os Autores pagaram ao Banco 1... S.A, seis prestações mensais referentes àqueles créditos, respetivas amortizações, juros e demais despesas a eles relativas:
- Mês de Abril: € 55,83 + € 184,13 (Doc. 26)
- Mês de Maio: € 55,83 + € 184,13 (Doc. 27)
- Mês de Junho: € 55,58 + € 183,20 (Doc. 28)
- Mês de Julho: € 55,58 + € 183,20 (Doc. 29)
- Mês de Agosto: € 55,67 + € 183,53 (Doc. 30)
- Mês de Setembro: € 55,55 + € 183,12 (Doc. 31)
na quantia global de € 1.435,35 (mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).
67-A recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados causou e tem causado aos Autores uma enorme tristeza, nervosismo e ansiedade.
68-Este casal, outrora alegre, bem-humorado, participativo e dinâmico, sente-se hoje triste, afastado do seu tradicional meio relacional, sem vontade de viver e revoltado com a situação em que se encontra.
69-Está preocupado com a incerteza do seu futuro e da sua filha ainda a seu cargo.
70-Preocupa o casal a circunstância, já agravada pela crise em que vive, de desconhecer o seu futuro, de desconhecer se vai ou não ter possibilidades de continuar a pagar as prestações daqueles créditos e o respetivo seguro de vida a eles relativo, pelo facto de, com apenas € 733,26 euros mensais, ter que suportar todas as despesas daquele agregado familiar.
Da Contestação.
71-O capital seguro pela apólice é de 36.000,00 €.
72-A apólice com a inclusão dos 2 AA. foi anulada com efeitos desde o seu início em 29/01/2012 por motivo de falsas declarações prestadas pelo 1º A. quando do preenchimento do questionário médico em que assenta a aceitação do seguro pela Ré.
73-No caso dos autos o A. marido, no questionário de que, juntou cópia (pág.3 do documento 11), declarou que não padecia de qualquer doença, declaração que, foi essencial para a aceitação do seguro por parte da Ré.
74--(ALTERADA A REDAÇÃO)
“No decurso do processo aberto em consequência da reclamação apresentada pelo autor, a R. veio a assumir perante os AA. a posição descrita em 55 dos factos provados.”
75-(ALTERADA A REDAÇÃO)
«75- O A. marido foi seguido no Centro de Saúde ..., pelo menos a partir do ano de 2009, tendo entre janeiro de 2011 e até janeiro de 2012 ali se deslocado todos os meses apresentando queixas/sintomas identificados como síndrome do ombro doloroso /Bursite/Tendinite/Sinovite (doença profissional); síndrome da coluna primeiro sem irradiação de dor em 21/03/2011 e depois a 28/03/2011 com irradiação de dores. Dos relatórios deste centro constando mencionado “CIT” – certificado de incapacidade temporária, sem especificação dos dias de incapacidade - com uma cadência quase mensal (exceção aos meses de abril, julho e setembro de 2011), repetido a 20/01/12.
Queixas que se mantiveram posteriormente.
Referenciado para a consulta de medicina interna – doenças autoimunes a outubro de 2012 e à consulta da dor a partir de janeiro de 2014, foi em 2015 e na sequência das queixas de lombalgias, sujeito a intervenção sem melhoria aparente.
Surgindo a primeira referência escrita a fibromialgia no registo clínico do A. de 06/02/2013 - “tem fibromialgias – é seguido no Hospital ... por doença autoimune” (fls. 354 dos autos)».
76-(ELIMINADO)
77-(ELIMINADO)
78-(ELIMINADO)
79- (TRANSPOSTO PARA OS FACTOS NÃO PROVADOS)
80-A Ré comunicou ao Autor e procedeu à anulação do contrato de seguro que até vigorava.
***
FACTOS NÃO PROVADOS.
Da Petição Inicial
1-(ELIMINADO)
2-Por volta do mês de outubro de 2012, o Autor marido começou a sentir dores no corpo.
3- Em fevereiro de 2016, do estudo efetuado naquela unidade hospitalar, e após exclusão de outras doenças sistêmicas do foro auto - imune, os médicos concluíram tratar-se de uma fibromialgia.
4 A 9 –(ELIMINADOS)
10-Estava completamente curado.
11-Não se estava a submeter a qualquer tratamento, não tomava qualquer medicação, estava a exercer a sua atividade profissional com a maior normalidade, sem qualquer limitação, pelo que se encontrava, sob o ponto de vista psiquiátrico, bem, não necessitando de consulta nem terapêutica desse foro.
12- (ELIMINADO)
13-O Autor declarou que estava “de bom estado de saúde”, pois de nada sofria.
14- (ELIMINADO)
15-O Autor recuperou e obteve alta, sem que dali tivessem resultado quaisquer sequelas.
16-Aliás, se o Autor marido padecesse de alguma doença desde 2004, nunca alteraria em 2012, como alterou, o seguro de vida da companhia de Seguros K... para a então companhia de Seguros W..., agora X... - Companhia de seguros de Vida, S.A.;
17-Pelo contrário, manteria o seguro de vida na primeira daquelas.
18- Sendo que tal (a recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados) tem sido motivo de agravamento da situação clínica do Autor.
19-(ELIMINADO)
Da Contestação.
“O Autor recorria a assistência médica no seu tratamento, já, pelo menos, desde 2004.”
***
*
***
3) Do erro na aplicação do direito.
Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].
A pretensão formulada pelos AA. contra a R. funda-se nas obrigações contratuais assumidas ao abrigo de um contrato de seguro que foi celebrado entre AA. e R..
Uma vez que o legislador optou por não apresentar uma definição legal de contrato de seguro, antes definindo os deveres típicos do contrato de seguro, “assumindo que os casos de qualificação duvidosa devem ser decididos pelos tribunais em vista da maior ou menor proximidade com esses deveres típicos e da adequação material das soluções legais ao tipo contratual adotado pelas partes” (vide ponto V do preâmbulo do DL 72/2008 de 16/04 que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro - RJCS), na senda do caminho já anteriormente trilhado, tem este conceito vindo a ser delineado pela doutrina.
Assim, L. P. Moitinho de Almeida, in: "O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado" 1ª edição, Lx. 1971, pág.23, portanto anteriormente ao atual regime, apresentava já como definição de contrato de seguro "(...) aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística assume um conjunto de riscos e se obriga mediante o pagamento de uma soma determinada, a no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos ou, tratando-se de evento relativo à vida humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos. (...)."
Mais recentemente, Margarida Lima Rego, já no âmbito do atual RJCS in “Contrato de Seguro e Terceiros”, ed. Coimbra Editora, 2010, a p. 66 propôs como definição “seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto”.
De qualquer destas definições, (entre outras tantas) extrai-se serem elementos essenciais do contrato de seguro:
a) o risco, ou seja, a possibilidade de um evento futuro e incerto suscetível de determinar a atribuição patrimonial do segurador;
b) os intervenientes – seguradora e tomador de seguro; e
c) a prestação do segurado (prémio ou quotização nos seguros mútuos).
O seguro é também uma forma ou meio de proteção do interesse particular e do interesse geral, sendo um negócio jurídico bilateral, consensual, oneroso, aleatório e sinalagmático.
O contrato de seguro baseia-se nas declarações constantes da respetiva proposta, no qual devem mencionar-se com inteira veracidade, todos os factos ou circunstâncias que permitam a exata apreciação do risco ou possam influir na aceitação da proposta nas condições particulares do contrato ou na justa aplicação do prémio.
Tal como decorre do disposto no artigo 1º da LCS (aprovada pelo DL 72/2008) partes (outorgantes necessários) no contrato de seguro são o segurador – ou seja aquele que assume o risco que o tomador de seguro visa proteger e o tomador do seguro, ou seja aquele que invoca um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto (próprio ou de terceiro) e que por via da celebração do contrato transfere para a seguradora (vide ainda artigo 43º da LCS).
Estando em causa um contrato de seguro do ramo vida, cobre o segurador um risco relacionado com a morte ou sobrevivência da pessoa segura (artigo 183º da LCS), a que acrescerá quando contratada, a cobertura complementar relativa a danos corporais, como a incapacidade para o trabalho e a morte por acidente ou invalidez em consequência de acidente ou doença [vide artigo 184º nº 1 al. a) da LCS].

Os recorrentes pretendem por via deste recurso ver reconhecido a verificação do sinistro que legitima o acionamento da seguradora.
Para tanto recaia sobre os AA. enquanto segurados a prova dos pressupostos factuais de que depende a verificação do sinistro, da qual derivará a obrigação da seguradora em proceder ao pagamento do capital seguro estipulado contratualmente.
Para efeitos da cobertura complementar prevista na cláusula XII do contrato [ao abrigo da qual foi formulada a pretensão dos AA.], tinham estes que demonstrar que o A. ficou afetado de uma invalidez total e permanente.
Nos termos desta cláusula contratual entende-se por Invalidez Total e Permanente, a incapacidade que após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à pessoa segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional mínima de 66%.
Incapacidade funcional que também nos termos da mesma cláusula é aferida pela diminuição com caráter permanente e definitivo da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida, como consequência “de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente garantia.
Os AA. não alegaram estar o A. afetado de incapacidade que o impeça total e definitivamente de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada.
Centraram o preenchimento dos pressupostos necessários à verificação do sinistro na alegada incapacidade permanente global de 68%.
Não lograram os AA., contudo, demonstrar que o A. marido se encontra afetado da alegada incapacidade com a desvalorização alegada, sequer com a incapacidade mínima exigida – ou seja os exigidos 66%.
Aos AA. cabia o ónus de alegar e provar a ocorrência da total e definitiva impossibilidade de o A. marido exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada. Bem como e cumulativamente fazer prova de uma incapacidade funcional mínima de 66% - artigo 342º nº 1 do CC.
Só assim cumprindo as condições contratuais previstas na cláusula XII das coberturas complementares de que depende a verificação do sinistro e a consequente obrigação da aqui R. em liquidar os valores garantidos pelo contrato de seguro.
Dos factos provados resulta ter o A. ficado afetado de uma incapacidade permanente global de 59% - vide facto provado 58A, aditado.
Sendo este grau de incapacidade inferior à incapacidade mínima exigida pela cláusula XII para verificação da contratada invalidez total e permanente, resultam não preenchidos os pressupostos de que depende a obrigação da R. em proceder ao pagamento do capital seguro.
Implicando a improcedência da pretensão dos AA. formulada nas als. a) a e), g) e h) deduzida no pressuposto da verificação do sinistro e incumprimento das obrigações contratuais da R. que assim não se verifica.
*
Deduziram os AA., a título subsidiário, o pedido de condenação da R. a devolver aos AA. todas as quantias que por eles lhe foram entregues referentes ao contrato de seguro vida, desde a data da emissão do contrato e até à data do seu cancelamento – al. f) do pedido dos AA..
Na verdade tomador do seguro e como tal responsável pelo pagamento do prémio é apenas o A. marido.
Assim só a este poderá ser reconhecido tal direito.
Em causa, as consequências que extraem os AA. da anulação do seguro que lhes foi comunicada pela R. com fundamento em falsas declarações prestadas pelo 1º autor aquando do preenchimento do “questionário médico”, mais concretamente o questionário constante da p. 3 do documento 11 em que assentou a aceitação do seguro – vide factos provados 72 e 73.
Negando fundamento para a comunicada anulação.
Na p. 3 do documento 11, o A. declarou que “não padecia de qualquer doença” o que foi essencial para a aceitação do seguro por parte da ré.
Essa declaração foi emitida em 09/01/2012.
Tal como consta no formulário a que se alude e em que as partes se focaram para justificar as negadas e imputadas falsas declarações respetivamente AA. e R., consta na pergunta 2 “Sofre de alguma doença? (em caso afirmativo especifique)”. Pergunta esta precedida de uma anterior pergunta 1 “Pensa estar presentemente em bom estado de saúde?” a que o A. respondeu na pergunta 1 com um “sim” e na pergunta 2 com um “não”.
Da factualidade acima analisada é evidente que o A. já desde 2011 vinha a apresentar queixas repetidas por dores diversas no Centro de Saúde ... onde era seguido – vide facto provado 75.
Queixas/sintomas apresentados pelo autor de forma repetida e que foram considerados graves ao ponto de justificar a emissão de certificados de incapacidade temporária durante o ano de 2011, com uma cadência quase mensal, tal como descrito em 75 dos factos provados.
Pelo que é inegável o conhecimento pelo tomador do seguro deste circunstancialismo.
É igualmente certo, importa aqui já deixar realçado, que a classificação/enquadramento das suas queixas/sintomas na doença fibromialgia e síndrome depressivo grave só o foram em data bem posterior à celebração do contrato.
Seja como for, não há como afastar o conhecimento por parte do autor de que à data de janeiro de 2012 já apresentava queixas quanto ao seu estado de saúde.
Não estando em causa uma mera ou ocasional indisposição ou passageira afetação negativa física ou mental percecionada pelo autor, mas antes um conjunto de sintomatologia persistente, significativa e evolutiva no decurso do ano de 2011.
Justificando o estado de saúde do A. a já referida emissão de certificados de incapacidade temporária durante quase um ano (o ano imediatamente anterior à subscrição da nova apólice) e pretendendo o mesmo incluir na garantia do seguro do ramo vida a garantia complementar de invalidez (no que releva) total e permanente, era razoável – mesmo sendo pessoa com poucas habilitações e literacia – que o mesmo tivesse como significativa a informação para a seguradora das queixas que apresentava e vinha reportando perante o médico no Centro de Saúde de forma repetida durante o ano de 2011, já que diretamente foi questionado sobre o seu estado de saúde e existência de alguma doença, com indicação de especificação, em caso positivo. Tanto mais que já não era a primeira vez que celebrava contratos de seguro do ramo Vida, incluindo garantias complementares de invalidez total e permanente (vide factos provados 7 a 32).
O mencionado é quanto baste para se concluir que o A. marido conhecia as circunstâncias relativas ao seu estado de saúde acima assinaladas, as quais pela persistência e gravidade era razoável ter como significativas para a apreciação do risco pela seguradora. Por tal tendo violado o seu dever de declaração inicial do risco previsto no artigo 24º nº 1 da LCS – o dever de “declarar com exatidão todas as circunstâncias” que conhecia e razoavelmente devia ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

Dito isto, desta violação não decorre, sem mais, que se possa classificar a mesma como dolosa para efeitos do artigo 25º da LCS.
Tanto na doutrina como jurisprudência tem sido defendido o enquadramento do dolo a que se reporta este artigo 25º nº 1 no dolo do artigo 253º nº 1 do CC[18].
Nos termos do artigo 253º nº 1 do CC, “entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”.
O dolo previsto neste nº 1 do artigo 253º, depende da verificação dos seguintes pressupostos[19]:
a) Que o declarante esteja em erro;
b) Que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
c) Que o declaratário ou terceiro (deceptor) haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão, embuste, etc.”.
Em causa no dolo previsto neste artigo 253º, uma modalidade do erro-vício que afeta a formação da vontade na celebração do contrato, baseado numa atuação voluntária – omissiva ou positiva, “por via da utilização de palavras ou do silêncio intencional[20]” - daquele que tem o dever de elucidar o declarante, ie, o segurador que vai analisar o risco e aceitar com base no que lhe é informado a celebração do contrato.
Ou seja, ocorrerá o incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo 24º da LCS quando o segurado em tal declaração inicial de risco utilizar de qualquer sugestão ou artifício para induzir em erro o segurador. Sanciona-se a atuação especialmente censurável que conduz à celebração do contrato.
“Não basta agora, para o funcionamento do art.º 25º, que o tomador do seguro e segurado tenham consciência e vontade de omitir ou declarar falsamente sobre circunstâncias que, razoavelmente, devem ser tidas como significativas para a apreciação do risco pela seguradora. É ainda necessário que se prove que as declarações contidas nas respostas ao questionário clínico influíram na celebração do contrato de seguro em causa.”[21]
Assim afastando a admissibilidade do chamado dolus bonus a que respeita o nº 2 deste mesmo artigo 253º, porquanto “da lei seguradora resulta expressamente um dever do tomador de seguro e do segurado de elucidação do segurador do que conheça e razoavelmente devam ter por significativo na apreciação do risco por este”
Assentes estes pressupostos, é ainda de realçar que no incumprimento doloso não é exigível o nexo de causalidade entre o facto omitido ou inexato e o sinistro ocorrido, para operância da anulabilidade prevista no artigo 25º.
Nexo de causalidade que apenas relevará para as omissões ou inexatidões negligentes, no caso do nº 4 do artigo 26º da LCS.
Tendo o regime previsto neste artigo 26º aplicação no caso da não prova do dolo, seja do tomador de seguro, seja do segurado (no caso dos seguros de grupo restritamente à respetiva cobertura, não afetando a eficácia do contrato nem a cobertura dos restantes segurados, art. 292º do CC), quando se prove a essencialidade do facto declarado inexatamente ou omitido e a exigibilidade da sua declaração exata.[22]
Tendo presentes estes pressupostos, cumpre perante a factualidade provada aferir se é imputável ao tomador de seguro as omissões e inexatidões apuradas a título de dolo.
Sendo sobre a seguradora que recai o ónus de provar o incumprimento doloso mencionado no artigo 25º da LCS.
A inexatidão e omissão resultam do que provado está nos factos provados 73 e 75. A sua relevância para a seguradora avaliar o risco e consequente erro em que foi induzida pelas respostas dadas, resulta de igual forma do que provado está em 73 dos factos provados.
A obrigação de declarar com exatidão todas as circunstâncias que razoavelmente deveria ter por relevantes resulta do artigo 24º.
E o conhecimento do circunstancialismo apurado e omitido ou declarado de forma inexata – o constante de 75 dos factos provados, por ser pessoal, é igualmente uma evidência.
Dito isto não basta para o juízo de censura que terá de recair sobre a atuação do autor este mencionado conhecimento e a razoabilidade quanto aos factos a declarar.
Será necessário destes factos inferir que, no mínimo, o tomador ao assim atuar aceitou como possível que a seguradora fosse induzida em erro como consequência do seu comportamento, aceitando tal como possível [integrando então a atuação com dolo eventual].
Não sendo o caso, somo remetidos para a sanção do artigo 26º por incumprimento do mesmo dever de declaração inicial do segurado, quando a este seja aquele imputável a título de negligência.
Aqui está em causa a omissão de um dever de cuidado e diligência “no sentido de comunicar uma informação verdadeira e completa”, omissão de cuidado que pode surgir associada a vários pressupostos do dever de declaração do risco: ao dever do segurado de pesquisar informação com vista a satisfazer cabalmente o seu dever de declaração inicial, revelando indiferença por tal dever de indagação; no processo cognitivo sobre as informações relevantes por estar desatento ou pensar que determinado facto não é relevante, apesar de razoavelmente o dever como tal; no processo de exteriorização do conhecimento porque por exemplo se engana a escrever ou responde apressadamente sem se certificar que de que responde de forma a satisfazer o que lhe é perguntado.
(…) verifica-se negligência inconsciente quando por exemplo o proponente não se recordou (ou esqueceu-se) de um facto que conhecia; ou interpretou incorretamente uma pergunta do questionário; ou não atribuiu relevância a um facto cuja importância não é manifesta. Já a negligência consciente poderá consistir, por exemplo, na situação em que o proponente, pretendendo celebrar o seguro e, tendo pressa, preenche o questionário, colocando cruzes, sem ler devidamente as questões e sem se certificar que declara a verdade, confiando, todavia, que sim” [23].
O autor vindo de citar (e na mesma obra a p. 479) realça ainda a possibilidade de existir uma terceira situação para a qual a LCS não prevê sanção, quando não se verifique a violação de “um dever de diligência ou cuidado”, caso em que não haverá “incumprimento culposo do dever de declaração do risco, sendo a conduta (…) juridicamente irrelevante.”. Falando então de um “incumprimento de boa-fé”.
Realçando nestas situações poder estar a questão resolvida já a montante, na medida em que se o declarante desconhecer uma circunstância ou razoavelmente não a tiver por significativa para a apreciação do risco, então nem sequer se verifica o requisito do dever de declaração.
Como acima já mencionámos e analisámos, recaia sobre o A. o dever de declarar, por a situação concreta impor que razoavelmente considerasse as circunstâncias apuradas como significativas para a apreciação do risco pelo segurador, as queixas e sintomas apurados em 75 dos factos apurados.
Ao assim não ter procedido, merece um juízo de censura a resposta singela que apresentou no questionário a que respondeu – primeiro afirmativamente dizendo estar de boa saúde e em segundo lugar respondendo negativamente a sofrer de alguma doença, apesar de nessa mesma pergunta se pedir que fosse especificado em caso positivo quais as doenças de que padeceria.
Não obstante, entendemos não poder ser este juízo de censura atribuído ao A. a título de dolo, ainda que eventual, pois que o circunstancialismo que rodeou o preenchimento do questionário não o permite concluir,
Releva desde logo atentar no tipo de questionário que foi presente ao A. marido, a que acresce as perguntas a que o A. respondeu e com base nas quais a R. invocou na contestação a essencialidade da resposta do A. de não padecer de qualquer doença.
Ao A. foi presente um singelo questionário que foi junto aos autos e com base no qual a R. invocou (apenas) a essencialidade da sua avaliação para o risco. Questionário onde se perguntou:
“Pensa estar presentemente em bom estado de saúde”; “Sofre de alguma doença? (em caso afirmativo especifique)”[24]
A R., ao não especificar em tal questionário as doenças, sintomas, exames ou outros atos médicos que para si fossem relevantes, o que permitiria ao A. melhor percecionar o grau de exigência e pormenor pretendido, contribuiu para o juízo errado que o A. terá feito sobre a (ir)relevância dos sintomas que vinha a desenvolver mas que ainda não estavam enquadrados na doença que posteriormente lhe viria a ser diagnosticada. Apesar de razoavelmente os dever ter como tal considerado.
O A. vinha a queixar-se de dores persistentes, tal como já mencionado antes, mas estas ainda não tinham sido enquadradas no grave quadro que posteriormente veio a ocorrer.
A conjunção das duas perguntas, sem outras que evidenciassem o nível de pormenor pretendido, afastam o especial juízo de censura que é exigido para o dolo em análise.
A sanção que a atuação do A. merece situa-se assim ao nível da omissão do dever de cuidado e diligência que sobre o mesmo impendia ao preencher tal questionário.
Omissão que e afastado o apuramento do dolo, mas sendo inegável que era razoável ter como significativas tais informações, é de enquadrar na omissão do dever de cuidado ao nível do processo cognitivo quanto à consideração dessa mesma relevância.
Acresce que o A. no momento em que celebra o contrato em análise estava na altura a coberto de um outro contrato de seguro vida, pelo que se entende legítima a argumentação que neste conspecto apresentou na p.i.: se considerasse existir fundamento para a exclusão que ora é invocada pela recorrente, teria mantido o anterior contrato em vigor. Até por que inexiste razão apurada para esta troca a não ser o facto de a tal ter sido interpelado nos termos mencionados em 33 e 34 dos factos provados e em tal troca não terem visto inconveniente os AA. (vide facto provado 34).
Esta factualidade reforça o afastamento do dolo já decidido e que se teria de extrair dos factos apurados relativos ao conhecimento dos sintomas e queixas e da razoabilidade em considerar os mesmos significativos.
Por regra, afigura-se-nos contrário às regras da experiência que alguém que tem há já muitos anos um seguro de vida em vigor com as mesmas ou similares coberturas que o novo seguro que vai celebrar, omita de forma intencional circunstâncias supervenientes que tem por significativas em relação ao anterior contrato de seguro que se mantém em vigor, correndo o risco de perante tal omissão intencional ver excluída a cobertura ao abrigo do novo contrato, mas que pelo anterior estaria salvaguardada.
O entendimento de que as circunstâncias analisadas e omitidas não eram relevantes (assim o defenderam os AA. nos artigos 72 e segs. da p.i.) corresponde, para efeitos do artigo 26º da LCS, a um erro do processo cognitivo quanto à consideração dessa mesma relevância, resultando em violação do dever de cuidado e diligência que sobre o proponente do seguro impende aquando da prestação das declarações.
Conclui-se, nos termos expostos, ter o A. ocorrido em incumprimento do seu dever de declarar com exatidão todas as circunstâncias que conhecia e razoavelmente devia ter por significativas para a apreciação do risco pela seguradora aqui recorrida, de forma negligente por violação do dever de cuidado e diligência que sobre si impendia ao prestar tais declarações, preenchendo o questionário contido na p. 3 do doc. 11 oferecido aos autos.

Em caso de incumprimento com negligência do dever de declaração a que alude o artigo 24º, regula o artigo 26º da LCS:
1 - Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º 1 do artigo 24.º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento:
a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;
b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexatamente.
2 - O contrato cessa os seus efeitos 30 dias após o envio da declaração de cessação ou 20 dias após a receção pelo tomador do seguro da proposta de alteração, caso este nada responda ou a rejeite.
3 - No caso referido no número anterior, o prémio é devolvido pro rata temporis atendendo à cobertura havida.
4 - Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente;
b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.”
Na medida em que a seguradora só detetou a omissão após a participação dos AA. do sinistro e comunicou já a cessação do contrato – sem prejuízo do acima já assinalado quanto à não verificação dos respetivos pressupostos para o acionamento do seguro - terá de ser analisada a atuação da R. seguradora e a pretensão dos AA. de devolução do prémio à luz do nº 4 da citada norma.
Estando provado que a declaração do A. marido de que não sofria de qualquer doença foi essencial para a aceitação do seguro pela R. – vide facto provado 73, é de concluir que caso tivesse sido declarado o verdadeiro estado de saúde do A. à aqui R. a mesma não teria celebrado o contrato.
Estado de saúde que está diretamente ligado aos fundamentos para a situação que os AA. convocaram para o acionamento do contrato de seguro.
O mesmo é dizer que ao caso se aplica o previsto na al. b) deste mesmo artigo.
A declaração enviada pela R. aos AA. fez cessar o contrato.
Enquadrada a cessação do mesmo na al. b) do nº 4 deste artigo 26º, tem o A. – tomador do seguro - por força da parte final desta al. b) do nº 4 do artigo 26º, tal como peticionado, direito à devolução do prémio.
Direito a devolução que igualmente teria nos termos dos nºs 1 al. b) e 3 do mesmo artigo 26º, caso se considerasse ser de aplicar este circunstancialismo, perante a não verificação de situação de risco coberto.
Não estando apurado qual o valor do prémio a que o A. – e não também a A. mulher por só ser tomador do seguro o A. marido - tem direito a ver devolvido, ou seja qual o valor que o mesmo suportou na vigência do contrato, terá de ser este valor apurado posteriormente em sede de incidente de liquidação (vide artigo 609º nº 2 do CPC).
Nesta parte e com a limitação notada, procede a pretensão dos autores.
No mais mantém-se o decidido.
Improcedente, parcialmente, o recurso dos AA. fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado da R. [ainda que o seu objeto tivesse questão que acabámos por oficiosamente apreciar].
*
***
IV. Decisão.

Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar:
a) parcialmente procedente o recurso interposto pelos AA., consequentemente decidindo condenar a R. a devolver ao A. marido o valor do prémio que este pagou à R. durante a vigência do contrato.
Valor este a apurar oportunamente em sede de incidente de liquidação.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
b) prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.
Custas dos recursos pelos recorrentes AA., sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficiam e pela R. recorrida na proporção do decaimento [que se fixa em 1/6].
Notifique.
***
Porto, 2022-10-24.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
_______________
[1] Preceitua o artigo 615º nº 1 do CPC
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
[2] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, nº de processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt
[3] Vide Ac. STJ de 30/05/2013, nº de processo 660/1999.P1.S1, in www.dgsi.pt sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) versus erro de julgamento.
[4] Neste mesmo Ac. foi citado um outro Ac. do STJ de 09/09/2014 proferido no processo nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt onde e com recurso a várias referências da doutrina, se delineou a distinção entre questão de facto e de direito com vista a clarificar o que é admissível constar da decisão de facto, nos termos que aqui em parte se deixam reproduzidos:
“Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei»[…] .
Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efetivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica[…].
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos[…].
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito[…]. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objetivos do problema colocado, por exemplo, elementos socioculturais e até jurídicos[…].
(…)
«tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória»[…].
(…)
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados[…].
Para Teixeira de Sousa, «A seleção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437) […].
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem” […].
[5] Cfr. Cláudia Trindade in “A Prova dos Estados Subjetivos no Processo Civil”, edição Almedina de 2016, p. 26/27.
[6] Cfr. Cláudia Trindade, in ob. cit. p. 385
[7] Estes dois pontos são apreciados em conjunto, já que os recorrentes remetem para as alegações referentes a este facto não provado 3 para fundamentar também o desacordo na resposta do ponto 75 em análise.
[8] Em causa o alegado pelos AA. em 47 da p.i., na sequência da alegação de que foi a partir de outubro de 2012 (por volta de) que o A. marido começou a sentir dores e foi ao CH... onde passou a ser seguido na consulta de Medicina Interna – Doenças Autoimunes [vide artigos 45º e 46º da p.i.]. Do alegado nestes artigos 45º e 46º tendo resultado as respostas constantes de 44 e 45 dos factos provados e 2 dos factos não provados.
[9] Cuja redação aqui se deixa reproduzida: “No Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (documento 21 junto com a p.i.), a patologia contemplada é a Psiquiatria e a Dor Crónica.”
[10] Cuja redação aqui se deixa reproduzida: “O Autor recorria a assistência médica no seu tratamento já, pelo menos, desde 2004”
[11] Cuja redação aqui se deixa reproduzida: Sendo que tal (a recusa por parte da Ré em pagar os valores aqui peticionados) tem sido motivo de agravamento da situação clínica do Autor”;
[12] Cuja redação aqui se deixa reproduzida: “A apólice com a inclusão dos 2 AA. foi anulada com efeitos desde o seu início em 29/01/2012 por motivo de falsas declarações prestadas pelo 1.º A. quando do preenchimento do questionário médico em que assenta a aceitação do seguro pela Ré”;
[13] Cfr. neste sentido “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, de Abrantes Geraldes, 2014 – 2ª edição em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 249/250. Aqui e citando JAR caraterizando precisamente a decisão de facto que omite pronúncia sobre facto essencial de “deficiente”.
[14] Note-se que o coeficiente de 60% foi contabilizado por referência à capacidade restante de 80%, implicando uma efetiva desvalorização de 48% (tal como consta do mencionado atestado junto sob doc. 17 a pág. 132).
[15] Sublinhado nosso.
[16] Negrito nosso.
[17] Mantendo-se os anteriores pontos inalterados.
[18] Assim neste sentido cfr. Ac. TRP de 21/11/2019, nº de processo 765/17.0T8AMT.P1; Ac. TRG de 12/11/2020, nº de processo 2359/18.4T8VRL.G1; Ac. TRG de 04/11/2021, nº de processo 4017/18.0T8GMR.G1; Ac. TRP de 15/11/2018, nº de processo 12886/16.2T8PRT.P1; Ac. TRP de 26/10/2010, nº de processo 1210/19.2T8MAI.P1, relatado pela aqui 2ª adjunta, todos in www.dgsi.pt
[19] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, vol. I – 4ª ed. Revista e Atualizada, em anotação ao artigo 253º p. 237.
[20] Cfr. Comentário ao CC – Parte Geral, UCE, ed. 2014 p. 607 em anotação a este artigo 253º.
[21] Cfr. neste sentido o já citado Ac. TRP de 21/11/2019 e doutrina no mesmo citada.
[22] Neste sentido cfr. Arnaldo C. Oliveira in LCS Anotada de Pedro Romano Martinez, em anotação ao artigo 25º; Ac. TRG de 20/04/2017, nº de processo 17/16.3T8EPS.G1 in www.dgsi.pt
[23] Cfr. Luís Poças in “O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro”, edição Almedina de 2013, p. 479.
[24] Sendo que as demais questões colocadas para o caso não têm nenhum relevo.