Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDA ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL PRINCÍPIO DA ADESÃO OBRIGATÓRIA AO PROCESSO PENAL INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL CÍVEL | ||
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Nº do Documento: | RP202407106071/23.4T8VNG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NULIDADE DA SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - De harmonia com o art. 615.º, n.º 1 d) do CPC, a omissão de pronúncia é sancionando com nulidade, quando a decisão não resolva todas as questões submetidas à apreciação do tribunal. II - Tendo o R. invocado a incompetência do tribunal quanto a todo o pedido formulado pelo A. e tendo o tribunal decidido que, relativamente a parte deste (€ 13.683,97), a exceção procedia, caberia à sentença – sob pena de nulidade - explicitar o motivo de direito pelo qual ao demais peticionado não se aplica o raciocínio que determinou a absolvição da instância relativamente àquele valor. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 6071/23.4T8VNG-A.P1
Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO AA deduziu pedido de indemnização cível contra BB, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados por este, sendo € 27.183,97, a título de danos patrimoniais; € 50.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais; € 100.000,00, a título de punitive damages. Os danos patrimoniais estão, assim, discriminados na pi: a) - € 10.350,00, de perdas salariais, por a A. ter estado de baixa médica, desde julho de 2019 a outubro de 2021 (factos alegados em 72.º a 74.º da pi); b) - € 2.200,00, que pediu então a terceiros para fazer face a despesas suas (arts. 76.º e 77.º da pi); c) - € 13.500,00, correspondentes ao que deixou de receber nos meses em que se encontrou desempregada (18 meses), tendo aceite acordo de cessação do contrato de trabalho[1] em virtude da atuação do R. (art. 83.º da pi); d) - o que despendeu em viagens para consultas (€ 673,92) e em medicamentos (€ 369,15) – arts. 85.º a 91.º da pi; e) - € 100.000, de danos punitivos. Invocou a prática de factos consubstanciadores de vinte e um crimes de coação sexual agravada, p.p. pelos arts. 163.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1 b) do CP, pelos quais o demandado foi já condenado em processo criminal. Em contestação, disse o R. ser incompetente o juízo cível, por ter sido violado o princípio da adesão ao processo criminal, previsto no art. 72.º do CPP, não tendo a A. indicado qualquer das situações de exceção previstas no n.º 1 daquele normativo, e sendo os crimes em causa de natureza semi-pública (art. 178.º, n.º 1 do CP).
A A. exerceu contraditório, dizendo que, à data da acusação criminal, os danos ainda não eram conhecidos em toda a sua extensão, encontrando-se a demandante a ser seguida medicamente mercê das sequelas para si decorrentes dos factos criminais. Verificar-se-ia, assim, a situação prevista no art. 72.º, n.º 1 d) do CPP. Diz, além disso, que a apresentação de queixa e posterior pedido cível em separado não se excluem mutuamente, ao contrário do que sucede com a prévia dedução de pedido cível que implica a renúncia a procedimento criminal.
Veio a ser proferido despacho saneador, datado de 21.3.2024, que julgou parcialmente procedente a exceção em causa, tendo por verificada a incompetência absoluta do tribunal cível para apreciar os pedidos de condenação do Réu no pagamento do montante de € 13.683,97 a título de danos patrimoniais, e de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais, absolvendo o Réu da instância relativamente aos mesmos, nos termos dos artigos 65.º, 96º/a), 97.º/1, 278.º/1/a), 576.º/1 e 2, 577.º/a) e 578.º, todos do Código de Processo Civil. Mais julgou improcedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal para apreciar o demais pedido pela Autora.
Desta decisão recorre o R., visando a procedência da exceção de incompetência material relativamente a todo o pedido formulado pela A. Para tanto, aduziu os fundamentos que assim concluiu: 1.ª) 0 presente recurso vem interposto do Despacho Saneador proferido pelo Mmo. Tribunal a quo no âmbito do proc. n° 6071/23.4T8VNG, que corre termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, na parte em que julga improcedente a excepção "de incompetência absoluta deste tribunal para apreciar os pedidos demais pedidos formulados pela Autora. ".
A A. apresentou contra-alegações, opondo-se à procedência do recurso, tendo tal peça processual sido considerada extemporânea e não admitida, por despacho de 20.5.2024.
Objeto do recurso: - da nulidade da sentença e da competência material do tribunal recorrido para conhecer do pedido indemnizatório fundado na prática de ilícitos criminais.
FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Compulsada a certidão junta a este processo a 7.2.2024, verificamos apurados os seguintes factos: 1 - A acusação contra o aqui R., nos autos de processo criminal, n.º 1067/19.3PIVNG, foi proferida a 31.3.2021. 2- Conforme certidão extraída daqueles autos criminais e junta ao presente apenso a 28.6.2024, a carta de notificação remetida à aqui A., ali queixosa, para que apresentasse pedido de indemnização cível, foi depositada em 06.04.2021, considerando-se a mesma notificada no 5.º dia posterior ao seu depósito, ou seja, no dia 11.04.2021, iniciando-se a contagem do prazo para formulação de pedido cível no dia 12.04.2021. 3- Em primeira instância, foi ali proferido acórdão condenatório do aqui R., a 17.11.2022, tendo vindo a ser proferido, pela Relação acórdão em recurso, a 19.4.2023, confirmando o acórdão recorrido. 4 – O aqui R. foi aí condenado, pela prática em relação a AA, em 21 (vinte e um) crimes de coação sexual agravada, previstos e punidos pelos arts. 163.º, n.º 2, e 177.º, n.º1, b), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles; - um crime de importunação sexual agravado, previsto e punido pelo art.170º nº1 e art.177.º, n.º 1, b) todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão. 5 - Em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi condenado na pena unitária de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, mediante a imposição de deveres e regras de conduta indicado.
Fundamentação de direito Está em causa a violação do disposto no art. 71.º do CPP segundo o qual, em princípio, o pedido cível fundado na prática de um crime deve ser formulado no processo criminal respetivo. Já no âmbito do Código de Processo Penal de 1929, o Assento do STJ de 28 de janeiro de 1976 (publicado no DR 1 S-A de 11.3.1976) decidiu que o vício da violação do princípio da adesão obrigatória se reconduz à incompetência material do tribunal cível. O tribunal a quo entendeu que, estando em causa ação de indemnização por danos decorrentes de crimes de natureza semi-pública, nos termos do art. 72.º, n.º 2 do CPP, a formulação de queixa, com o consequente procedimento criminal, obriga o queixoso a apresentar ali, por adesão, o respetivo pedido cível. Assim, não só a apresentação de ação cível, em separado, sem exercício de queixa, determina a renúncia do queixoso à queixa, como, em contrapartida, da conjunção daquele n.º 2 com a al. c) do n.º 1 de tal normativo resulta que, se tiver sido iniciado procedimento criminal subsequente a queixa, são válidas as regras gerais (art. 71.º do CPP) que impõem a adesão. A A. não se opõe a este entendimento, pois não recorreu da decisão em apreço. Porém, o R. entende que tal raciocínio vale para todo o pedido de indemnização e não apenas para o segmento do qual veio a ser absolvido. Ora, a A. apresentou queixa criminal e não formulou no processo criminal qualquer pedido de indemnização cível, nos termos do art. 77.º, n.º 2 do CPP. Em consequência, escreveu-se na decisão recorrida: “Assim, os factos alegados nos autos relacionados com os danos não patrimoniais, despesas suportadas com o tratamento do seu quadro depressivo e perda salarial decorrente de baixa médica, não podem ser considerados danos novos e a persistência desses mesmos danos ao longo do tempo e o seu possível agravamento não impediam a Autora de ter deduzido pedido cível no processo penal em função dos danos não patrimoniais e prejuízos patrimoniais já sofridos e dos que viesse a sofrer até ficar curada, pedindo a sua liquidação subsequente nos termos do disposto no artigo 82.º do Código de Processo Penal que prevê expressamente a liquidação em execução de sentença e, se necessário, o reenvio para os tribunais civis”. Mais adiante, explicitou de novo: “De facto, do alegado na petição inicial resulta que à data da prolação da acusação a Autora já tinha conhecimento dos danos não patrimoniais e dos patrimoniais referentes a perda de vencimento por se encontrar de baixa médica, transportes, despesas médicas e medicamentosas e, embora não estivesse apurado o valor exato nem definitivo desses danos, a mesma poderia deduzir pedido genérico nos termos do disposto no artigo 556º do Código de Processo Civil, liquidando os danos já conhecidos”. Consequentemente, a sentença absolveu o R. da instância, no tocante ao pedido de compensação por danos não patrimoniais (€ 50.000, 00), bem como o absolveu do valor de € 13.638, 97, de danos patrimoniais (da totalidade pedida a este respeito, que era de € 27.183, 97). Diz o R. não se ter a sentença pronunciado quanto ao pedido de € 100.000, 00, apresentado sob pretexto de punitive damages. Refere, por isso, o vício previsto no art. 615.º, n.º 1 d) do CPC. Este normativo refere-se à omissão de pronúncia, sancionando com nulidade a sentença que não resolva todas as questões submetidas à apreciação do tribunal. O art. 608.º, n.º 2 CPC, impõe se resolvam na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol., V, p. 143) explicitava que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos jurídicos ou soluções plausíveis de direito, pela simples razão de que o julgador não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5.º, n.º 3). Embora Anselmo de Castro (Direito Processual Civil, Vol. II, p. 142) estenda a noção de questões a todas as vias de fundamentação jurídica que as partes tenham exposto, a jurisprudência tem seguido o caminho indicado pelo primeiro jurista. Veja-se, por ex., o ac. STJ, de 3.10.2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. Quer isto dizer que, tendo o R. invocado a incompetência do tribunal quanto a todo o pedido e tendo o tribunal decidido que, relativamente a parte dele (€ 13.683, 97), a exceção procedia, caberia à sentença explicitar o motivo de direito pelo qual, no demais, não se aplica o raciocínio acima mencionado e que resulta da concatenação do disposto nos arts. 71.º e 72.º, n.º 1 c) do CPP (que estabelece como exceção ao princípio da adesão os casos de queixa ou acusação particular). Ora, o tribunal explicou quais os danos que, mercê deste raciocínio, estariam compreendidos naquela decisão de absolvição da instância e, por via, disso, excluídos do domínio de cognoscibilidade do tribunal cível, nos termos que acima transcrevemos. Acrescentou, depois, estar verificada uma outra exceção ao princípio da adesão obrigatória, a que decorre do disposto no art. 72.º, n.º 1 d) do CPP – os danos não eram conhecidos ao tempo da acusação formulada em processo criminal ou não o eram em toda a sua extensão – mas, na verdade, não explicitou se, entre estes, estavam ou não incluídos os apodados punitive damages. Sobre esta figura de danos punitivos, pode ver-se, por exemplo, o ac. do STJ, de 25.2.2014, Proc. 287/10.0TBMIR.S1. Aí se explicou: É que o tribunal recorrido considerou-se incompetente para apreciar o pedido de compensação por danos não patrimoniais (€ 50.000,00) e, bem assim, para apreciar o pedido de indemnização por danos patrimoniais, estes no valor de € 13.683,97. Afirma a sentença que estão excluídas do seu conhecimento: - as despesas suportadas com o tratamento do quadro depressivo que afetou a A.; - a perda salarial decorrente da baixa; - os transportes; - as despesas médicas e medicamentosas. Vemos que o petitório aludiu a danos patrimoniais para cuja indemnização peticionou € 27.183, 97. Ora, se não nos falham os cálculos (e é possível que falhem), nem este último valor corresponde à soma das parcelas supra elencadas de a) a e), nem aqueles € 13.683, 97, correspondem a todas as parcelas relativas aos danos materiais mencionadas nestas cinco alíneas supra descriminadas, excluindo-se daí as perdas salariais decorrentes da revogação do contrato de trabalho. Impõe-se, por isso e em rigor, que a sentença explicite quais os danos concretos e seus valores (com referência aos artigos da pi) que se acham incluídos nestes € 13.683, 97. A sentença é, assim, nula, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1 d) do CPC. Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento do demais exposto nas alegações de recurso.
Dispositivo Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente, na parte em que pedia a declaração de nulidade da sentença, declarando a mesma nula, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1 d) do CPP. Custas pelo recorrente que retirou utilidade do recurso (art. 527.º, n.º 1, parte final, do CPC). |