Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2818/21.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: EMPREITADA
DEVER DE GUARDA E CONSERVAÇÃO DA COISA
PRIVAÇÃO DA DETENÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RP202303272818/21.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA.
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Estando em causa uma empreitada de reparação de automóvel, recai sobre o empreiteiro o dever acessório de guarda e conservação da coisa, ao mesmo sendo de aplicar as regras do depósito.
II - Estando o depositário sujeito a guardar a coisa [artigo 1187º al. a) do CC], caso seja privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, devendo, no entanto, dar conhecimento imediato da privação ao depositante (vide artigo 1188º nº 1 do CC).
III - Esta exoneração de responsabilidade está dependente da prova de que a privação da detenção foi “inevitável, apesar da diligência que o depositário colocou na guarda da coisa”.
IV - Estando em causa responsabilidade contratual cuja culpa se presume (artigo 799º nº 1 do CC), não ilidida tal culpa, responde o depositário pelos danos causados ao depositante pela sua falta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 2818/21.1T8PRT.P1
3ª Secção Cível

Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local Cível do Porto

Apelante/ “A...– Unipessoal, Lda.”
Apelada/ “B... & Cª Lda.”



Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
“A...-Unipessoal, Lda.” instaurou contra “B... & Cª Lda.” a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, peticionando pela sua procedência que seja:
“1) (…) declarado o incumprimento do Contrato de Prestação de Serviços, imputável à Ré;
2) (…) a Ré condenada no pagamento de 13.348,72€ (treze mil, trezentos e quarenta e oito euros e setenta e dois cêntimos), a título da indemnização por reparação do dano causado no veículo automóvel supra identificado;
3) (…) a Ré condenada ao pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até ao integral pagamento dos valores em dívida.”
Para tanto e em suma alegou:
- Ter celebrado com a aqui R. um contrato de prestação de serviços, tendo por objeto a reparação da viatura da A. identificada em 7º da p.i.;
- Para esse efeito mais ficou acordado que a R. ficaria responsável pelo transporte da viatura desde a sede da autora à sede da R..
Transporte que esta realizou, contratando para o efeito terceira pessoa.
- No decurso do transporte, a capota do veículo desapareceu;
- Solicitado à R. que repusesse a situação, esta não o fez, motivo porque a A. não querendo mais manter o seu veículo imobilizado procedeu ao arranjo de uma nova capota a suas expensas.
- A R. não procedeu ao pagamento do valor despendido pela autora, apesar de para tanto interpelada.
Termos em que terminou peticionando a condenação da R. ao pagamento do valor por si despendido com o arranjo da nova capota, nos termos acima elencados.

Devidamente citada, contestou a R..

Impugnou parcialmente os factos alegados e no mais alegou:
- A R. foi contratada para a reparação do veículo;
- A pedido da A. contratou a terceiros o transporte do automóvel. Tendo a A. anuído à realização de tal transporte;
- O transporte da viatura foi realizado pela sociedade “C..., Lda.”, sendo que à chegada às instalações da R. a viatura já vinha sem capota;
- O extravio da capota é imputável à sociedade que efetuou o transporte. Sendo esta a responsável pelo valor peticionado;
- A R. procedeu à reparação da viatura conforme contratada para o efeito.

Requereu ainda a R. a intervenção acessória de “D..., Unipessoal, Lda.”, sociedade que identificou como a prestadora do serviço de transporte do veículo da A. e responsável pelo extravio da capota do veículo da A.. A qual deverá ser condenada no pedido.
Termos em que terminou concluindo pela sua absolvição do pedido e pela admissão da intervenção acessória da requerida.

Sobre a requerida intervenção acessória, proferiu o tribunal a quo o seguinte despacho:
“A intervenção acessória é admissível quando o réu tenha ação de regresso contra terceiro (artigo 321.º do Código de Processo Civil), pelo que o terceiro não é, em caso, algum, condenado nestes autos.
Acresce que a ré, não alegou ter direito de regresso contra a chamada.
Assim, deve a mesma esclarecer o que tiver por conveniente ou aperfeiçoar o seu requerimento (artigo 3.º do Código de Processo Civil).”
Em resposta a R., declarando aperfeiçoar o seu articulado, requer a intervenção principal provocada de “D... Unipessoal, Lda.”, mantendo para o efeito os mesmos factos alegados.
E pugnou pela intervenção da chamada como R..
*
“C..., Lda. Unipessoal, Lda.”[1] interveio nos autos como “assistente”, apresentando contestação e requerendo a intervenção acessória provocada de “E..., Companhia de Seguros, S.A.”.
Invocou a sua ilegitimidade passiva, atendendo a que transferiu a sua responsabilidade civil decorrente da circulação do seu veículo de “pronto socorro” perante terceiros para a seguradora “E...”.
Estando em causa atividade sujeita a seguro de responsabilidade civil obrigatório e tratando-se de danos resultantes de tal atividade, parte legítima é a mencionada seguradora.
Impugnou parcialmente os factos alegados, tendo ainda afirmado ter sido contactada pela aqui R. e com a mesma acordado a recolha e transporte do veiculo da A. até às instalações da R..
Tendo no decurso do transporte este ficado sem a capota, do que a assistente só se apercebeu quando terminou o transporte.
Sendo que todas as cautelas foram tomadas no carregamento da viatura para o reboque e transporte que decorreu sem sobressaltos, travagens bruscas ou velocidade excessiva.
Inexistindo fundamento imputável à assistente para que a capota do veículo se extraviasse.
Não fora a falta de aviso prévio do proprietário assim como do facto de a capota não se encontrar devidamente trancada – já que nem sequer se encontrava recolhida – e o transporte do veículo teria ocorrido sem qualquer incidente.
Termos em que concluiu requerendo que seja:
“a) julgada procedente a exceção de ilegitimidade passiva, absolvendo-se a Assistente da instância;
b) admitida a intervenção acessória da Chamada E... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.;
c) sempre e em todo o caso, julgada improcedente a presente ação e, em consequência, seja a Assistente absolvida do pedido.”
Deferida a intervenção liminar da chamada “E...” e ordenada a sua citação nos termos do artigo 319º nº 1 do CPC, apresentou esta contestação.
Alegou em suma:
i- Não estando em causa o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da circulação de veículos automóveis regulado pelo DL 291/2007 e não sendo a A. parte no contrato de seguro referente à apólice invocada pela chamada “D...”, não pode a mesma demandar a ora contestante diretamente e como tal “requer que a intervenção requerida como acessória pela Interveniente C..., Lda. UNIPESSOAL, LDA., e admitida, liminarmente, como principal, seja convolada e admitida como intervenção acessória, conforme foi requerida.”
ii- Sendo verdadeira a alegada celebração do contrato de seguro entre a ora contestante e a também interveniente “C..., Lda. Unipessoal, Lda.”, não está a contestante constituída na obrigação de indemnizar.
O contrato celebrado é um contrato de seguro do ramo transportes terrestres que não responde pelos danos reclamados. Não tendo o risco em causa sido contratado.
No mais, impugnou a contestante parcialmente o alegado, tendo concluído
“Nestes termos e nos de direito, devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas, com as legais consequências.
Caso assim se não entenda, deverá a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da Interveniente E... do pedido.”

Nos termos do artigo 597º do CPC foi proferido o seguinte despacho:
- quanto ao incidente admitido e questionado pela contestante “E...”:
“A intervenção requerida foi a intervenção admitida, nada havendo a convolar.”
- Quanto à ilegitimidade passiva invocada pela chamada “C..., Lda. Unipessoal Lda.”, foi esta julgada improcedente, já que
“A interveniente requereu a intervenção da E..., com base na Apólice n.º ...82, a qual titula um contrato de seguro do ramo transportes terrestres. Assim, uma vez que não estamos perante um seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, regulado pelo DL n.º 291/2007, não pode a interveniente invocar a sua ilegitimidade com base naquele artigo 4.º.”
Foi ainda admitida a prova oferecida e agendada audiência de discussão e julgamento.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo julgar totalmente improcedente a ação e absolver a ré do pedido.
Como questão prévia e quanto à intervenção da chamada “C..., Lda. Unipessoal, Lda.” foi proferido o seguinte despacho:
“Verifica-se, agora, que a seção por lapso, a 18-05-2021, citou a interveniente C..., Lda. Unipessoal, Ld.ª, sem que tenha sido proferido qualquer despacho a ordenar a citação.
A 20-05-2021 foi proferido o seguinte despacho: «A intervenção acessória é admissível quando o réu tenha ação de regresso contra terceiro (artigo 321.º do Código de Processo Civil), pelo que o terceiro não é, em caso, algum, condenado nestes autos. Acresce que a ré, não alegou ter direito de regresso contra a chamada. Assim, deve a mesma esclarecer o que tiver por conveniente ou aperfeiçoar o seu requerimento (artigo 3.º do Código de Processo Civil)».
A 4-06-2021 ré veio apresentar requerimento e requerer a intervenção provocada da interveniente, ao abrigo do disposto no artigo 316.º do Código de Processo Civil.
A 15-06-2021 a interveniente veio apresentar contestação.
A 5-07-2021 foi deferida a intervenção da E....
Contudo, o tribunal não se pronunciou quanto à intervenção da C..., Lda. Unipessoal, Ld.ª.
Na verdade, a requerida intervenção provocada apresentada pela ré apenas poderia ter sido deferida ao abrigo do disposto no artigo 316.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Civil. Sucede que, no caso vertente, não estamos perante tal situação. Apenas pode intervir como parte principal aquele que, em relação ao objeto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º (litisconsórcio voluntário), 33.º (litisconsórcio necessário) e 34.º (ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges) (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 607: “exige a lei que o interveniente tenha “um interesse igual” ao da parte com a qual pretende litisconsorciar-se”, dando como exemplos os casos das relações paralelas ou concorrentes (por ex. obrigações conjuntas, solidárias, e indivisíveis, o direito de compropriedade ou a uma comunhão de bens). Segundo estes autores, já estarão excluídas (da situação de litisconsórcio) as relações juridicamente dependentes ou subordinadas”). A figura do litisconsórcio refere-se à situação em que a mesma e única relação material controvertida tem uma pluralidade de partes.
Ora, atenta a relação material controvertida tal como foi definida pela autora, inexiste qualquer situação de litisconsórcio voluntário ou necessário entre a ré e aquela interveniente.
A autora alegou que a ré ficou responsável pelo transporte do veículo.
Assim, a interveniente apenas poderia ser chamada ao abrigo do disposto no artigo 321.º do Código de Processo Civil. Na sequência do referido despacho de 20-05, deveria a ré ter alegado factos que caracterizassem tal direito de regresso. Assim, nesta sequência, não sendo legalmente admissível a intervenção ao abrigo do disposto no artigo 316.º e ainda que a ré tenha alegado de modo incipiente, admito a intervenção da C..., Lda. Unipessoal, Ld.ª, ao abrigo do disposto no artigo 321.º do Código de Processo Civil.”
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Da sentença proferida apelou a A., oferecendo alegações e a final formulando as seguintes
“CONCLUSÕES
1. A Autora não se conforma com a sentença proferida nos autos supra referenciados, que absolveu a Ré do pedido que contra ela foi formulado, designadamente quanto ao pagamento do valor correspondente ao dano causado com o desaparecimento de uma capota do veículo de matrícula ..-..-MG, Porsche, ..., ..., do ano de 1990, quantia monetária despendida com a sua reparação no valor de 13.348,72euros
2. Vê-se a Autora profundamente injustiçada com tal decisão, que por via deste Recurso pretende ver posta em causa, pois crê, que não se decidiu bem, e por isso está convicta, que Vªs Exªs, reapreciando a matéria dos autos e subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
3. O Tribunal a quo tendo decidido como decidiu, não fez uma correta interpretação dos factos nem uma adequada aplicação do direito aos mesmos, pelo que a decisão em crise enferma de vício por erro de julgamento quanto à matéria de facto e por errónea interpretação e aplicação do Direito, uma vez que, ao contrário do entendimento propalado pelo Venerável Tribunal a quo, inexiste fundamento legal que justifica a improcedência da ação e, sobretudo, com o fundamento invocado pelo Julgador.
4. No pretérito dia dois de junho do ano de 2020, a Autora celebrou com a Ré um acordo, para esta proceder à reparação de uma avaria mecânica do veículo automóvel, que foi realizada pela Ré e foi liquidado pela Autora o valor de 240,82€.
5. A Ré questionou o representante da Autora para a possibilidade de transporte da viatura para as suas instalações e ficou acordado entre a Autora e a Ré que esta última ficaria encarregada de providenciar pelo transporte do veículo desde a sede da autora até à sede da ré
6. Foi a Ré que decidiu contactar o Sr. AA, representante legal da sociedade C..., Lda., Unipessoal Lda., para prestar o serviço do transporte da viatura da Autora, desde a Rua ..., Bairro ..., Porto até à sede social da Ré
7. Naquele mesmo dia a Ré, por intermédio de terceiro, transportou o veículo automóvel da Autora para as suas instalações, porém, quando o Sr. AA, representante legal da sociedade C..., Lda., Unipessoal Lda., prestou o serviço mencionado, recolheu o veículo com a capota colocada e esticada, tendo sido o veículo rebocado com a capota colocada, mas, terminou o transporte nas instalações da Garagem F... com a viatura sem a capota.
8. Mal andou o Tribunal a quo ao fixar como provados, nos termos em que exatamente os exarou, os factos constantes das alíneas P, Q, R, S, T, U e V, pois perante a prova (re)apreciada, entende a recorrente que algumas redações deverão ser alteradas, devendo alguns dos mencionados fatos ser mesmo dado como não provados.
9. Quanto à alínea P) dos factos assentes, devia apenas ter sido dado como provado que:
No dia 2 de junho de 2020, aquando da recolha, o veículo encontrava-se com a capota colocada e esticada, o que só não ficou assim fixado porque o Tribunal a quo não apreciou criticamente a prova produzida e os documentos juntos aos autos.
10. Tal matéria resultou do depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Autora a Srª Dª BB, cujo depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 21/01/2022 do minuto 56:29 ao minuto 01:11, ficou gravado no sistema h@bilus media studio, cujas transcrições que para aqui revelam foram transcritas nas alegações
11. Mas também resultou das declarações prestadas em sede de DEPOIMENTO DE PARTE pelo LEGAL REPRESENTANTE da "C..., Lda. Unipessoal, Lda.", Sr AA, ouvido na sessão de julgamento do dia 21/01/2022 do minuto 00:09:24 ao minuto 00:43:00 cujo depoimento ficou gravado no sistema h@bilus media studio, que no seu decorrer foi confrontado com os Doc. 5 / condições gerais, cujas transcrições que para aqui revelam foram transcritas nas alegações
12. Depoimentos claros, precisos, objetivos que esclareceram que quando o veículo foi levado pelo reboque tinha a capota esticada e direita, aliás fato este que nenhuma testemunha que presenciou a saída e entrada da viatura ao seu destino negou, e ficou também devidamente esclarecida pelo representante legal da Autora.
13. Até a Meritíssima Juiz, durante a audiência de discussão e julgamento, no decurso das declarações de parte do representante legal da Ré o afirmou perentoriamente, “JÁ SABEMOS QUE ELE TEM A CERTEZA QUE TINHA A CAPOTA”
14. A ALÍNEA Q) dos fatos assentes deve ser considerada como fato não assente, na medida em que a matéria dela constante não tem qualquer relevância para a decisão objeto do litígio pois tratava-se de um caro que era transportado como tantos outros carros, e não era a capota que estava avariada como muito bem explicou o representante legal da Ré
15. Portanto, não havia razão para alertar o que quer que fosse quanto a capota, para além de que o Sr. AA explicou que em todos os reboques que executa, é aliás a sua profissão, elabora um documento quanto á prestação dos serviços no seu caderno de registos, onde identifica quem solicita o serviço a matricula do veiculo a transportar a localização do mesmo e o local do seu destino, verificando os vários componentes do veiculo que os assinala e se tivesse verificado algo quanto à capota evidentemente que acrescentava nesse registo, designadamente em sede de observações, tal como o fez em relação aos riscos detetados. Ou seja, se não tivesse capota apontava, se a capota tivesse algo a assinalar também ficava descrito no tal caderno de registos, tal como se estivesse mal trancada.
16. Quanto à alínea R) deve ser alterada a sua redação: A capota do tipo do veículo transportado possui uma chave própria fornecida pela marca.
17. Acredita a recorrente que também aqui mal andou o Tribunal a quo, pois dos depoimentos que ficaram transcritos nas alegações e destacados no que a esta alínea diz respeito ficou muito bem esclarecido que afinal esta capota não era de lona, que tinha um a chave própria fornecida pela Porsche, que não é como uma chave que se usa na ignição, mas sim uma ferramenta.
18. Daí que a ser dado como provado algum fato referente às características da capota em consideração e da chave que a acompanha sempre seria apenas de dar como provado que a capota do tipo do veículo transportado possui uma chave própria fornecida pela marca.
19. Para além do representante legal da Autora, do representante legal da Ré que explicaram ao pormenor como era caracterizada a capota, também se destacou o depoimento do Sr CC, mecânico, que prestou o seu depoimento na sessão de julgamento do dia 21/01/2022 do minuto 01:12 ao minuto 01:38 que ficou gravado no sistema h@bilus media studio, conforme transcrições realizadas em sede de alegações que por economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidas
20. Quanto á alínea S devia apenas ter sido dado por assente o que se requer que “No dia da recolha, foi entregue ao rebocador Sr. AA a chave do carro.
21. Já mencionamos a este propósito os depoimentos da Sr BB que entregou a chave ao Sr. AA que assumiu que a recebeu e depois o representante legal Ré referiu e muito bem que o carro é que tinha um problema, portanto segundo as regras da logica e da experiência, apenas era necessária a chave do veículo, se o veículo tinha a capota nem era questão que se colocasse, se chave daquela tinha ou não sido entregue.
22. Transcrições a propósito desta alteração que ficaram reproduzidas em sede de alegações e que por economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidas.
23. Na ALÍNEA T) ficou assente que: Nem lhe foi comunicada que a capota se encontrava aberta ou que havia necessidade de a trancar, e, sem grandes considerandos face ao que supra já se deixou exposto quanto á alínea Q dos factos assentes, este fato pelos fundamentos que quanto àquela alínea ficaram expostos, também teria de ser dada como não provada., daí que tudo quanto se mencionou naquela alínea aqui se dá por integralmente reproduzido por economia processual, sendo tal alínea desconsiderada e dada como não provada
24. Não colhe de todo como fato assente, que a capota do veículo não se encontrava devidamente trancada e por isso, a alínea U dos factos provados deve ser dada como fato não provado.
25. O LEGAL REPRESENTANTE DA Autora DD que prestou depoimento de parte e declarações, na sessão de julgamento do dia 21/01/2022 cuja inquirição ficou gravada do minuto 00:23:00 ao minuto 00:55:0 no sistema h@bilus media studio, esclareceu que quando o veículo avariou vinha a circular nele com a capota colocada, aquilo tem peso, é uma peça que pesa cerca de 2/3kg, é como se fosse uma tampa que com o seu peso fica fixa.
26. E foi o LEGAL REPRESENTANTE DA RÉ isto é, o Sr. EE, cujo depoimento gravado do minuto 00:00:22 ao minuto 00:39:54 no sistema h@bilus media studio, prestado na sessão de julgamento do dia 21/01/2022, explicou de forma extremamente rigorosa, o que podia acontecer se a capota não estivesse trancada:
“Assumindo a possibilidade da capota não ir fechada, trancada e de ter saído em andamento poderia ter marcas? - poderia ter marcas; Tinha de deixar algum tipo de marca, e não tinha? - Não tinha marca absolutamente nenhuma; E se fosse uma travagem brusca?- mas aí cairia entre o carro e a cabine do pronto socorro dificilmente sairia dali, … ela com um jeitinho até ficava ali entre o guarda lamas … e já não conseguia sair de um lado para o outro”
27. O que realmente tem relevância para a discussão do litígio é que a capota estava colocada no veículo quando foi rebocada se não estivesse trancada, o que não resulta dos depoimentos que ficaram supra transcritos a propósito desta meteria e que aqui se dão por reproduzidos, tal não era motivo que determinasse que a mesma escorregasse caísse ou voasse, até porque tal a suceder provocava danos no veículo.
28. A alínea V) dos factos assentes, deve ser objeto de alteração de redação nos seguintes termos: Aquando da chegada do veículo às instalações da ré, o Sr. AA, reparou que a capota não se encontrava colocada na viatura, que de imediato interpelou o Eng. EE.
29. É o que resulta das diversas transcrições dos depoimentos que se foram invocando no âmbito da impugnação das demais alíneas dadas como fatos assentes para além de que o Sr. AA quando chegou às instalações da ré, tendo solicitado ao funcionário desta de nome CC, para o ajudar a retirar o veículo do reboque, quando o viu dentro do mesmo interpelou-o para saber se tinha retirado a capota, e tendo obtido a resposta negativa desde logo afirmou …. ENTÃO PERDI A CAPOTA, tendo sido o próprio a comunicar o sucedido ao representante legal da Ré que por sua vez, mais tarde o comunicou ao dono do veículo.
30. Por sua vez devem ser dados como fatos provados, os pontos 2 e 8 da matéria de facto não assente, ou seja: que Autora não querendo mais ter o seu veículo automóvel imobilizado, procedeu ao arranjo da capota, às suas expensas e que o Sr. AA de tal serviço, fez constar, em documento apropriado ao efeito, todos os elementos integrantes e amovíveis que se encontravam no veículo.
31. Efetivamente, foi alegado pela Autora, no ponto 18 do seu articulado como se transcreve:
“A Autora, não querendo mais ter o seu veículo automóvel imobilizado procedeu ao arranjo da capota, às suas expensas, conforme documento que se junta como documento nº 3”, ora por sua vez, a Ré “B... Ldª” no item 1º, 2º e 3º da sua Contestação, alegou conforme também se transcreve: “São verdadeiros os factos constantes de artigos ……. 18º …. Impugna, por não serem verdadeiros, os fatos constantes dos artigos ……… todos os demais artigos constantes da PI, são conclusivos e nesta medida não carecem de impugnação”.
32. Para além de que, ouvido em sede de declarações de parte o representante legal da Autora, explicou e afirmou com total convicção, que tratou de comprar a capota, depois do representante legal da Ré lhe dizer que o Sr AA lhe tinha referido que como o seu Seguro nada lhe dizia, que agisse como bem entendesse.
33. Quanto ao ponto 8, foi o próprio Sr AA que assumiu que o documento mencionado no qual constavam todos os elementos integrantes e amovíveis que se encontravam no veículo era de sua lavra, declarações que se mostraram credíveis, sem que aquele tivesse qualquer interesse para negar que tal documento não tinha sido por si elaborado.
34. Por último da globalidade da prova produzida, quer testemunhal, quer documental deviam ter sido dados como provados, que o veículo automóvel tinha uma avaria mecânica que o impossibilitava de circular e que o Sr AA assumiu que perdeu a capota.
35. O Tribunal a quo, no que se refere à aplicação do direito aos fatos em causa nos presentes autos, segue de perto, conforme consta da sentença em crise, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 13/05/2021, reproduzindo na íntegra, parte do conteúdo de tal Acórdão, pois basta atentar na página 12 da sentença em crise, e identificamos tal reprodução fiel, no que ao que se deixou transcrito em sede de alegações, o que melhor nos auxilia a compreender os termos em que tal sentença foi fundamentada, até porque a factualidade de um e de outra em nada se identificam.
36. Tendo presente tal acórdão, o Tribunal a quo decidiu - mal a nosso ver - que a reparação de veículos não configura um contrato de prestação de serviços de natureza mista.
37. Orientação com a qual discordamos, pois a Ré ficou obrigada a realizar uma obra, que realizou, assim como se encarregou de providenciar pelo transporte do veículo que estava impossibilitado de circular e por isso mesmo, e consequentemente também ficou obrigada a conservar o veículo até o restituir à Autora.
38. Portanto, também como naquele acórdão foi referido, mas não reproduzido! quer a reparação fosse ou não efetuada, a obrigação de restituição do veículo à Autora por parte da Ré sempre existiria, e nos exatos termos em que a Ré recolheu o veículo da Autora, quer se tenha socorrido do auxílio de terceiros (relação totalmente alheia á Autora), quer o tivesse realizado por si.
39. E se foi apalavrado entre Autora e Ré a realização de uma determinada obra no veículo automóvel, da Autora, um Porsche, ..., ..., do ano de 1990 de matrícula ..-..-MG, mediante o pagamento do preço de tais serviços, o contrato celebrado é realmente um contrato de empreitada (mas não só!) conforme a noção prevista no artigo 1207º do Código Civil, modalidade autónoma do contrato (mais abrangente de prestação de serviços 81154º e segs do Código Civil)
40. Sendo que o objeto do contrato de empreitada está longe de ser apenas abrangido pela reparação e construção de edifícios, abarcando também a construção, modificação ou reparação de bens móveis, e neste tipo de empreitada se elaborada com materiais pertencentes ao empreiteiro, é necessário (para que a propriedade se transmita para o dono da obra) a aceitação da coisa – o que sucedeu no caso dos autos que se tratou de reparar o seletor de velocidades cujos valores dos componentes aplicados foi de 52.79 euros.
41. A reparação solicitada foi realizada pela Ré e foi liquidado o valor faturado tendo a Ré questionou o representante da Autora para a possibilidade de transporte da viatura para as suas instalações e ficou acordado entre a Autora e a Ré que esta última ficaria encarregada de providenciar pelo transporte do veículo desde a sede da Autora até à sede da Ré.
42. Ora e se assim foi, ocorrem duas situações distintas: a realização da obra, e ainda a obrigação da Ré providenciar pelo transporte do veículo! E por isso temos um verdadeiro contrato misto de empreitada e de depósito e nesta perspetiva serão de observar pelo empreiteiro-depositário (a Ré) as obrigações a que se refere o artigo 1187º do Código Civil.
43. O veículo automóvel em questão, caracteriza-se por ter uma capota amovível que não estava avariada, só o veículo não circulava e por isso foi a Ré, que por intermédio de terceiro - C..., Lda., Unipessoal Lda. – decidiu o transporte do veículo automóvel da Autora, para a sua garagem, sendo a Autora completamente alheia a tal relação contratual.
44. Sucedeu, porém, que, no momento da recolha do Porsche, por parte da C..., Lda., Unipessoal Lda., e pese embora, aquando dessa recolha, o veículo se encontrar com a capota colocada e esticada, aquando da chegada do veículo às instalações da Ré, a viatura, chegou sem capota, tendo o Sr AA o transportador assumido imediatamente que tinha perdido a capota.
45. Se a Autora solicitou um serviço de reparação do seu veículo à Ré, que esta ficou de providenciar pelo transporte e após a reparação entrega-lhe o veículo sem a capota amovível, a obrigação da Ré, era entregar veículo tal como o Autor o havia deixado, lho tinha confiado e não o tendo feito, a responsabilidade de liquidar à Autora o valor respeitante á perda da capota, que corresponde á colocação de uma nova capota igual à que se perdeu, só à Ré dizia respeito.
46. Pois se foi a Ré que se socorreu de terceiros (auxiliares), neste caso, a firma “C..., Lda. Unipessoal, Ldª, para realizar a prestação – reboque - a que estava adstrita, a Ré devia ter observado as obrigações a que se refere o art.º 1187 do CC, pois a Ré é realmente a empreiteira-depositária,
47. E se o contrato a que nos reportamos é um contrato misto de empreitada e de depósito, embora com diferenças entre eles o certo é que a obrigação de guarda da coisa não se confunde, aliás o STJ tem-se pronunciado no sentido de que, perante um contrato de empreitada, o empreiteiro tem o dever contratual de zelar pelos interesses da contraparte de forma a proteger o objeto do contrato contra eventuais danos futuros.
48. E mesmo que se considerasse que tal obrigação é acessória, não desvincula o empreiteiro como responsável pelos prejuízos causados, pois essa sua obrigação, seja ela principal ou acessória é efetivamente sua.
49. O que só assim se pode conceber, na medida em que o Direito deve ser exercido na busca da verdade material, mas também na incessante procura pela justiça material, o que não temos dúvida que no caso presente não vai ser olvidado na medida em que Ré não pode ser exonerada para com a Autora dos seus deveres de guarda e restituição quanto ao veículo em causa.
50. A Autora interpelou a Ré para proceder ao pagamento da capota, esta por sua vez, interpelou a sociedade sub-contratada, também formalmente, por carta registada com aviso de receção, solicitando a assunção por parte do Rebocador com a expressa indicação “ … a responsabilidade recai sobre Vªs Exªs ….” Alertando que não sendo paga a indemnização ver-se-ia obrigada a recorrer aos meios judiciais para serem ressarcidos dos danos que teriam de suportar, logo. bem sabia a Ré que só a si lhe seria assacada responsabilidade pela PERDA da capota, e por isso não foi ao acaso a sua intervenção no processo nos termos do disposto no artigo 321º do CPC.
51. Face ao enquadramento apresentado a Ré violou as alíneas a) e c) do artigo 1187º do Código Civil, sem se ter verificado causa de exoneração destas suas obrigações conforme prescreve o artigo 1188º do referido diploma legal, que dispõe que “se o depositário for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição……”
52. Ora, guardar uma coisa significa providenciar acerca da sua conservação material isto é mantê-la no estado em que foi recebida defendendo-a dos perigos a que possa estar sujeita, tais como dano, subtração, entre outro, e como nos ensina Fiorentino (pág. 837.), envolvendo por parte do depositário uma certa atividade, como era o caso da Ré, esta é de conteúdo elástico e variável consoante as circunstâncias, que são evidentes na medida em que o transportador assumiu a sua culpa, assumiu que durante o transporte perdeu a capota.
53. E se assim foi não pode de modo algum ficar a empreiteira-depositária exonerada da sua obrigação sob oena de violação dos princípios mais elementares subjacentes ao direito, tal como a boa fé negocial na execução dos contratos.
54. E não colhe o argumento, para exonerar a Ré da sua responsabilidade para com a Autora, de que a capota estava mal trancada e que não competia ao rebocador verificar o estado em que se encontrava, muito pelo contrário, pois no âmbito de qualquer profissão, cabe executar com zelo e diligência as funções à mesma inerentes ao que o serviço de transporte não é exceção
55. Mas a capota estava bem trancada: foi questionado, por ter afirmado que sentiu capota quando colocou o seu ombro dentro do carro, se sentiu movimentação da capota, ao que de forma assertiva e sem hesitar respondeu que não.
56. Portanto a capota estava bem trancada: quando questionado o representante legal da Ré sobre esta mesma questão, perentoriamente, afirmou que mesmo na hipótese de não estar bem trancada, o veículo podia circular quer em cima do reboque quer em estrada (aqui a uma velocidade reduzida)
57. E mesmo na hipótese de não estar bem trancada a capota não sairia facilmente dado o seu peso, e se escorregasse ou caísse o veículo ficava com marcas e não ficou. Daí que também esclareceu que qualquer coisa estava mal explicada!
58. Sendo certo que o próprio dono do veículo, elucidou com seriedade, que quando o veículo avariou à porta da sua casa, vinha a circular com o veículo com a capota colocada com a certeza absoluta que estava trancada e que foi o último a circular com o mesmo, pois ali avariou e não mais andou até que ficou no pátio do condomínio, tendo chegado a solicitar a ajuda de duas pessoas para encostar o veículo para causar o menor incómodo possível no pátio onde ficou parqueada.
59. Acresce que, se a capota não estava bem trancada como o fez em relação a outros componentes do veículo, o rebocador só tinha de se garantir que tinha meios de rebocar o veículo com todas as condições necessárias para que chegasse ao seu destino tal como o encontrou, ou seja com capota.
60. Se não foi apresentada outra explicação para o desaparecimento da capota, a não ser a de que o transportador a perdeu, assumindo a sua culpa, a conclusão é só uma: o rebocador perdeu a capota.
61. E se assim foi não cuidou de ter os cuidados impostos pela natureza do veículo transportado, velando pela sua guarda e conservação desde o seu recebimento até à entrega, protegendo-o da ação dos elementos da natureza e de terceiros tal como o faria um bónus pater famílias.
62. Não se esgotando o contrato celebrado na deslocação apenas do veículo, abrangendo todo o período que decorria desde o momento em que o transportador recebeu o veículo a transportar até à entrega no local convencionado, compreendendo, assim, as chamadas “operações de manuseamento de carga”, como o carregamento e descarga
63. assumindo o rebocador a culpa, a perda da capota, não há razão para se exonerar a Ré da sua obrigação de guarda e restituição, e consequentemente de indemnização à Autora.
64. Mas mesmo que assim se não entendesse, porque se serviu a Ré do auxílio de terceiros para realizar a prestação a que ficou adstrita, também tem aqui aplicação direta o regime do artº 800º, nº 1, do Código Civil sobre a responsabilidade do devedor pelos “atos dos representantes legais ou auxiliares”.
65. Se o devedor tiver a obrigação de guardar e preservar a coisa, como foi no caso dos presentes autos, sendo essa responsabilidade da Ré, também responde pelo facto dos auxiliares a quem o veiculo foi entregue, já que o “cumprimento” referido no artº 800º, nº 1, do Código Civil, vai para além da mera execução da prestação a que o devedor se vinculou, abrangendo os deveres laterais de conduta que integram a relação obrigacional complexa, onde se incluem os deveres de proteção.
66. A responsabilidade não pressupõe qualquer dependência ou subordinação do auxiliar em relação ao devedor (como na hipótese do art.500 do CC ), verificando-se também quando o auxiliar é independente e autónomo, já que a razão de ser é a mesma, pois o critério relevante, para o efeito, é de que se trate de pessoas de quem o devedor se serve para o cumprimento da obrigação ( cf., por ex., VAZ SERRA, “A responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representantes ou dos substitutos”, BMJ 72, pág.274 e 277,).
67. A execução do contrato envolvia a transmissão temporária do domínio de facto sobre a coisa, a implicar os deveres laterais de conduta, como os de custódia e proteção, visando preservar a integridade do veículo automóvel da Autora, por isso se o devedor tiver a obrigação de guardar e preservar a coisa também responderá pelo facto dos auxiliares a quem ela foi entregue, já que o “cumprimento” referido no art. 800 nº1 do CC, vai para além da mera execução da prestação a que o devedor se vinculou, abrangendo os deveres laterais de conduta que integram a relação obrigacional complexa, onde se incluem os deveres de proteção ( cf., neste sentido, CARNEIRO DA FRADA, Contrato e Deveres de Proteção, pág.209 e segs.).
68. A partir do momento em que a Ré assumiu que ficaria encarregada de providenciar pelo transporte do veículo, ficou com o domínio de facto sobre o veículo automóvel, e sobre ela impendia os deveres de guarda e de preservação da integridade do bem
69. A Autora fez prova da violação do dever de proteção que impendia sobre a Ré.
70. Se a parte final do art.800 nº1 (“como se tais atos fossem praticados pelo devedor “) ficciona a substituição do autor do facto pela pessoa do devedor, possibilitando “um alargamento da zona de responsabilidade e da tutela do lesado”, é a Ré responsável pela ressarcibilidade dos danos que a Autora reclamou.
71. Se existe pessoa que não tem responsabilidade no desaparecimento da capota esse alguém é efetivamente o representante legal da Autora, que cuidou diligentemente de entregar à Ré o veículo que estava impossibilitado de circular por força de uma avaria que a Ré foi contratada para reparar.
72. E mesmo que a capota não estivesse devidamente trancada, o que não se concebe - apenas se cogita como mera hipótese académica - considerando o seu peso era completamente inexequível que caísse ou escorregasse, pois tal a suceder, reitere-se teria de deixar marca no veículo, e este não a tinha.
73. Ainda menos provável era que voasse, repare-se que o transportador a 15/06/2020 interpelou formalmente a Companhia de Seguros onde referiu expressamente “No trajeto por motivos desconhecidos a capota de lona do veículo voou e quando chego à oficina verifiquei que a capota tinha voado”
74. Ora, relembre-se, que quando questionado sobre este documento e a expressão utilizada, limitou-se a responder: “é uma forma de dizer … a capota não voava”
75. E se a Autora possuía e possui um veículo que se caracteriza por ter uma capota amovível, que o transportador perdeu como o próprio sempre o assumiu, só resta a esse Venerando Tribunal revogar a sentença em crise, proferindo douto acórdão que condene a Ré no pagamento á Autora da quantia peticionada, e mesmo considerando que o valor do dano não foi apurado em 1ª instância pois foi mencionado na sentença que não foi junta a fatura do pagamento, decida a condenação relegando o seu apuro para futura liquidação de execução.
Nestes termos e nos demais de direito, concedendo provimento ao presente Recurso farão Vªs Exªs como sempre, a acostumada JUSTIÇA”
*
Não se mostram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
***

II - FACTUALIDADE PROVADA.
(O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade)
“2.1- Factos provados
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:
A)- A autora é uma sociedade unipessoal por quotas que tem por objeto social a «Prestação de serviços de consultadoria para a realização de negócios e para a gestão de empresas; representação de patentes e direito de propriedade industrial; compra e venda de imóveis; comércio de veículos automóveis ligeiros, nomeadamente, carros clássicos» (artigo 4.º da petição inicial).
B)- A ré é uma sociedade por quotas que tem como objeto a “assistência em caso de avaria de veículos automóveis; lavagem e limpeza de veículos automóveis; reparação de estofos, informações em reparações; lubrificação de veículos; trabalhos de pintura; rechapagem e recauchutagem de pneus; vulcanização de pneus; polimento de veículos; renovação de motores usados ou parcialmente destruídos; tratamento preventivo contra a ferrugem para veículos” (artigo 5.º da petição inicial).
C)- No pretérito dia dois de junho do ano de 2020, a autora celebrou com a ré um acordo, apalavrado, para a ré proceder à reparação de uma avaria mecânica do veículo automóvel (doc. 1 e artigos 6.º e 9.º da petição inicial).
D)- i. A autora possui um veículo automóvel Porsche, ..., ..., 1990, com a matrícula ..-..-MG; ii. O veículo automóvel em questão caracteriza-se por ter uma capota amovível, que pode ser guardada na bagageira (artigo 7.º da petição inicial).
E)- A reparação do veículo foi realizada e foi liquidado o valor de 240,82€ (duzentos e quarenta euros e oitenta e dois cêntimos) (doc. 1 e artigo 10.º da petição inicial).
F)- A ré questionou o representante da autora para a possibilidade de transporte da viatura para as suas instalações (artigo 6.º da contestação da ré).
G)- Ficou acordado entre a autora e a ré que esta última ficaria encarregada de providenciar pelo transporte do veículo desde a sede da autora até à sede da ré (artigo 11.º da petição inicial).
H)- Tendo referido aquele, que se encontrava uma funcionária para dar acesso à viatura, que se encontrava na sua garagem (artigo 9.º da contestação da ré).
I)- A ré contactou o Sr. AA, representante legal da sociedade C..., Lda., para prestar o serviço em causa, ou seja, o transporte da viatura da autora, desde Rua ..., Bairro ..., Porto até à sede social da ré (doc. 1 e artigo 11.º da contestação da ré).
J)- No mesmo dia (dois de junho do ano de 2020), a ré, por intermédio de terceiro, transportou o veículo automóvel da autora para as suas instalações (artigo 12.º da petição inicial).
L)- No momento da recolha do Porsche e consequente reboque, a interveniente cuidou de garantir que a viatura, pela sua reduzida altura ao solo, evitasse o embate no reboque (artigo 24.º da contestação da 1.ª interveniente).
M)- tratou de utilizar o guincho e os ganchos de engate com cintas de amarração, prendendo o chassis e pneus da viatura à plataforma do reboque (artigo 25.º da contestação da 1.ª interveniente).
N)- Foram-lhe entregues as chaves do Porsche para engate do veículo e posterior entrega na “Garagem F...” (artigo 26.º da contestação da 1.ª interveniente).
O)- Na viagem que intermediou o ponto de recolha do local de entrega, o legal representante da assistente conduziu o “pronto socorro” não tendo ultrapassado os 50/60 km/hora (artigo 29.º da contestação da 1.ª interveniente).
P)- No dia 2 de junho de 2020, aquando da recolha, o veículo encontrava-se com a capota colocada e esticada, aparentando estar em condições de circular (artigo 35.º da contestação da 1.ª interveniente).
Q)- Para além das chaves do veículo, nenhuma outra informação foi prestada ou aviso foi dado, pelos representantes do proprietário, ao legal representante da assistente (artigo 36.º da contestação da 1.ª interveniente).
R)- As capotas em lona do tipo do veículo transportado possuem uma chave própria que impede/permite a abertura da capota (artigo 37.º da contestação da 1.ª interveniente).
S)- Sendo que, no dia da recolha, nenhuma outra chave – para além da chave do carro – lhe foi entregue, designadamente a chave da capota (artigo 38.º da contestação da 1.ª interveniente).
T)- Nem lhe foi comunicada que a capota se encontrava aberta ou que havia necessidade de a trancar (artigo 39.º da contestação da 1.ª interveniente).
U)- A capota não se encontrava devidamente trancada (artigo 57.º da contestação da 1.ª interveniente).
V)- Aquando da chegada do veículo às instalações da ré, um funcionário desta, reparou que o tejadilho rígido da viatura, não se encontrava colocado, tendo alertado o Eng. EE, que de imediato, interpelou o Sr. AA para tal facto (artigo 12.º da contestação da ré).
X)- Foi apenas quando terminou o transporte e nas instalações da “Garagem F...” que o Sr. AA se apercebeu que a viatura Porsche se encontrava sem a capota do tejadilho (artigo 31.º da contestação da 1.ª interveniente).
Z)- A ré, na pessoa do seu representante, o Sr. EE, transmitiu à autora, na pessoa do seu representante, Sr. DD, via chamada telefónica, que o veículo tinha chegado à sede daquela sem a capota (artigo 13.º da petição inicial).
A)’- Situação que, de imediato, a autora informou que o veículo tinha sido rebocado com a capota colocada (artigo 14.º da petição inicial).
B)’- A autora enviou uma Carta com Aviso de Receção no pretérito dia seis de janeiro de 2021 (doc. 2 e artigo 16.º da petição inicial).
C)’- O Eng. EE, uma vez que encontrava próximo do trajeto efetuado pelo Sr. AA, mantendo contacto telefónico com este foi, de imediato percorrer o percurso para tentar encontrar a capota (artigo 14.º da contestação da ré).
D)’- E fizeram o percurso diversas vezes, não tendo encontrado nada (artigo 15.º da contestação da ré).
E)’- Entre a Interveniente E... e a também Interveniente C..., Lda. UNIPESSOAL, LDA., vigorava, à data dos factos, o contrato de Seguro do Ramo Transportes Terrestres, com um capital seguro de €50.000,00 e sujeito a uma franquia de 10% do valor indemnizável, no mínimo de €250,00, titulado pela Apólice n.º ...82 (artigo 2.º da contestação da 1.ª interveniente e artigo 1.º da contestação da 2.ª interveniente), constando da apólice além do mais: «Meio de Transporte Camião Descrição
PRONTO SOCORRO ... ..-..-FF € 50.000,00
Mercadorias
Descrição Quant. Tipo Emb. Peso Unid. Valor/Capital
Automóveis EUR50.000,00
Coberturas Contratadas Capital Seguro Franquia
Cláusula Transp. Terrestres/Aéreos €50.000,00 Tipo 118
Prej.Resultan. Op. Carga e Descarga € 50.000,00 Tipo 118

SÃO APLICÁVEIS AS SEGUINTES FRANQUIAS IDENTIFICADAS ACIMA:
Tipo 118 - Esta(s) Cobertura(s) fica(m) sujeita(s) a uma franquia de 10% do valor indemnizável no mínimo de €250,00».
*
Julgou ainda o tribunal a quo não provados os seguintes factos
“2.2 – Factos não provados
1.º- No entanto, não houve qualquer resposta por parte da ré (artigo 17.º da petição inicial).
2.º- Não querendo mais ter o seu veículo automóvel imobilizado, procedeu ao arranjo da capota, às suas expensas (doc. 3 artigo 18.º da petição inicial).
3.º- Tendo o representante da autora, uma vez que não conhecia qualquer transportador, pedido ao representante da ré para tratar do assunto (artigo 7.º da contestação da ré).
4.º- Então, a ré a pedido da autora contratou a prestação de serviços de terceiros, para que o automóvel fosse transportado até às instalações daquela (artigo 8.º da contestação da ré).
5.º- Do presente foi informado o representante legal da autora que anuiu a que fosse efetuado o transporte, (artigo 9.º da contestação da ré)
6.º- A autora adquiriu uma capota de valor mais elevado do que a mesma custa na marca (artigo 22.º da contestação da ré).
7.º- É que, a qualquer cliente comum, a Porsche faz 10% de desconto e sendo a autora uma sociedade de reparação de viaturas, o desconto a aplicar a esta será de 20% sobre o valor sem IVA (artigo 23.º da contestação da ré).
8.º- De tal serviço, fez constar, em documento apropriado ao efeito, todos os elementos integrantes e amovíveis que se encontravam no veículo (artigo 27.º da contestação da 1.ª interveniente).

III- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta serem as seguintes as questões a apreciar:
1) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
2) erro na aplicação do direito.
*
1) Em primeiro lugar cumpre apreciar do imputado erro na apreciação da decisão de facto.

Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:
I- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Tratamento diverso merece o vício imputado à decisão de facto com base em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida, que quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar quando dos autos não constem todos os elementos necessários, a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662º nº 2 al. d) do CPC.
Estes últimos vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640º nº 1 do CPC “os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados”.
Requisitos impugnativos de admissibilidade da impugnação da decisão de facto com base em erro de julgamento que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.[2]
II- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Nov Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai portanto o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
*
Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões da recorrente, verifica-se que sobre a decisão de facto aponta a mesma a seguinte crítica: o tribunal a quo julgou de forma errada os pontos constantes das alíneas P, Q, R, S, T, U e V [vide conclusão 8ª]; os pontos 2 e 8 dos factos não provados [vide conclusão 30ª], tendo ainda omitido factos relevantes a adicionar à decisão de facto [vide conclusão 34ª].
Pugnando após reapreciação da prova produzida que a decisão de facto seja alterada nos seguintes termos:
Dos factos provados
- A al. P) dos factos assentes deverá passar a ter a seguinte redação:
“No dia 2 de junho de 2020, aquando da recolha, o veículo encontrava-se com a capota colocada e esticada”.
Para tanto tendo convocado o depoimento da testemunha BB; as declarações de parte do legal representante da chamada “C..., Lda. Unipessoal, Lda.”, Sr. AA, de forma conjugada com o teor do doc. 5/condições gerais [vide conclusões 9 a 13];
- A al. Q) dos factos assentes deverá passar para os factos não provados, já que não tem relevo para a decisão do objeto do litígio [vide conclusões 14 e 15];
- A al. R) dos factos assentes deverá passar a ter a seguinte redação:
“A capota do tipo do veículo transportado possui uma chave própria fornecida pela marca.”
Para tanto tendo convocado o depoimento dos legais representantes da A. e R., para além do depoimento da testemunha CC [vide conclusões 16 a 19];
- A al. S) dos factos assentes deverá passar a ter a seguinte redação:
““No dia da recolha, foi entregue ao rebocador Sr. AA a chave do carro.”
Para tanto tendo convocado o depoimento da testemunha BB, já antes convocado, bem como dos legais representantes da R. e chamada [vide conclusões 20 a 22];
- A al. T) dos factos assentes e pelos mesmos motivos expostos para a al. Q) deverá passar para os factos não provados [vide conclusão 23];
- A al. U) dos factos assentes deverá passar para os factos não provados.
Para tanto tendo convocado o depoimento dos legais representantes da A. e R. [vide conclusões 24 a 27];
- A al. V) dos factos assentes deverá passar a ter a seguinte redação:
“Aquando da chegada do veículo às instalações da ré, o Sr. AA, reparou que a capota não se encontrava colocada na viatura, que de imediato interpelou o Eng. EE.”
Para tanto tendo convocado os depoimentos já antes invocados na impugnação das demais alíneas, incluindo os depoimentos da testemunha CC e do legal representante da chamada Sr. AA [vide conclusões 28 e 29];
Dos factos não provados.
Pugnou a recorrente que sejam introduzidos nos factos provados os pontos 2 e 8 dos factos não provados.
Para tanto tendo convocado – para o ponto 2 dos factos não provados - o teor do documento nº 3 que juntou com o seu articulado, conjugado com a posição processual assumida pela R. na sua contestação (artigos 1º a 3º), confessando nomeadamente o alegado pela A. no seu artigo 18º em que alegou ter procedido a suas expensas ao arranjo da capota; aliado às declarações do legal representante da autora e Ré.
Para o ponto 8 dos factos não provados tendo convocado o depoimento do legal representante da chamada, Sr. AA [vide conclusões 30 a 33].
Factos a adicionar.
Pugnou ainda a recorrente pela adição aos factos provados do seguinte ponto factual:
“que o veículo automóvel tinha uma avaria mecânica que o impossibilitava de circular e que o Sr AA assumiu que perdeu a capota.”
Para tanto tendo invocado a globalidade da prova produzida [vide conclusão 34].
*
Do acima transcrito, no confronto com o constante do corpo alegatório, resulta terem sido observados os ónus de impugnação e especificação a que alude o artigo 640º nºs 1 e 2 dal. a) do CPC, pelo que cumpre reapreciar a decisão de facto.
Consigna-se que foi ouvida toda a prova produzida e gravada.

*
Não vem questionado que entre as partes – A. e R. – foi acordada a reparação da viatura pertencente à A., a qual possui capota amovível.
Reparação que foi executada e sobre a qual, em concreto, nada foi questionado.
Assente está igualmente que para efeitos da execução de tal reparação, a viatura foi transportada desde a morada indicada pela autora às instalações da R., através de um reboque - serviço executado pela chamada “D...” e que foi providenciado pela R., na sequência do pedido da A..
R. que para tanto contratou diretamente tal serviço de transporte com a chamada “D...” – vide factos provados C) a G), I) e J).
Serviço de transporte, acrescenta-se desde já, que foi cobrado pela R. à A. juntamente com a cobrança dos demais serviços prestados na reparação da viatura, tal como se extrai da fatura que constitui o doc. 1 junto com a p.i. e emitido pela R. (fatura ...4).
Igualmente pacífico por não discutido, o facto de a viatura ter sido entregue ao transportador com a capota amovível colocada e que quando chegou às instalações da R. havia desaparecido. O que, assim sendo, necessariamente ocorreu no percurso entre a morada onde foi entregue pela autora e as instalações da R. [vide factos provados P) e X), entre o mais].
Dito isto, para o mérito dos autos é irrelevante saber se a viatura estava efetivamente impedida de circular ou não. O que releva e nos autos se discute é a responsabilidade perante a autora pela perda da capota no decurso do percurso já mencionado, durante a execução do transporte da viatura até às instalações da R..
Igualmente irrelevante aditar aos autos se o Sr. AA [sem prejuízo do que consta em X) dos factos provados] assumiu que perdeu a capota. O que releva é o facto provado de que a capota desapareceu/ se perdeu durante a execução do transporte. Facto provado que naturalmente teve em conta as próprias declarações do Sr. AA prestadas em audiência que precisamente reconheceu ter sido durante a execução do serviço por si prestado que a capota desapareceu. Sem que tenha conseguido para tanto apresentar uma explicação plausível, por e tal como de forma credível o expôs não saber o que aconteceu, de nada se ter apercebido, tendo circulado com todo o cuidado e sem parar durante todo o percurso, a não ser nos semáforos.
Valem estes considerandos para desde já e em primeiro lugar afastar o peticionado aditamento da matéria indicada a final do recurso, por irrelevante ou injustificado.

Dito isto questionou em primeiro lugar a recorrente a redação dada ao ponto P) dos factos provados.
Tendo o tribunal a quo quanto a este ponto feito constar:
“P)- No dia 2 de junho de 2020, aquando da recolha, o veículo encontrava-se com a capota colocada e esticada, aparentando estar em condições de circular (artigo 35.º da contestação da 1.ª interveniente).”, pugna a recorrente em suma pela eliminação do último segmento, “ aparentando estar em condições de circular”.
Relacionado de forma direta com a redação deste ponto, encontra-se a redação dada ao ponto U) dos factos provados.
“A capota não se encontrava devidamente trancada (artigo 57.º da contestação da 1.ª interveniente).”.
Ponto que a recorrente pugna seja julgado não provado.
Para a alteração a introduzir neste último ponto convocou as declarações dos legais representantes de A. e R..
E para o primeiro as declarações do legal representante da chamada, Sr. AA, bem como da testemunha BB.
Ouvidos todos estes depoimentos, não há dúvidas que de forma consonante afirmaram estar a capota colocada.
O legal representante da A. explicou que o carro se avariou à chegada a casa, altura em que vinha com a capota colocada. Tendo deixado o carro até no pátio, de onde depois foi levado pelo reboque e entregue pela sua funcionária, a testemunha BB.
Esta testemunha por sua vez diz que se limitou a entregar a viatura com as respetivas chaves, tal como lhe fora solicitado pelo legal representante da autora. Mencionando que o carro tinha a capota colocada.
Por sua vez o legal representante da R., que sabe apenas o que lhe foi relatado (sem questionar) quanto ao facto de o veículo ter sido entregue ao transportador com a capota colocada, afirmou ter-lhe sido comunicado que o carro ao chegar à sua oficina já vem sem a capota e tendo falado com o Sr. AA mencionou até que este lhe disse que deu uma cabeçada na capota quando estava a carregar o carro (até se magoou, disse), assim confirmando a colocação da capota ao momento da entrega da viatura.
Esclareceu ainda que a capota é uma lona com estrutura e com algum peso, pelo que seria difícil voar durante o trajeto em causa.
Sendo uma capota com fechos próprios, da marca – uma tranca de cada lado à frente e atrás e que possui uma “chave” própria, uma espécie de maçaneta com encaixes próprios que só funciona neste carro para trancar.
Acrescentou ainda que mesmo que a capota não estivesse trancada, se caísse durante a circulação do veículo deveria deixar marcas pelo menos nos encaixes de trás da capota que não existiam. E se tivesse ocorrido uma travagem brusca, a tendência seria, na sua opinião (meras suposições) para cair entre a cabine do pronto socorro e o carro. Assim justificando não ter explicação para o ocorrido.
O legal representante da chamada “D...” por sua vez, relatou o serviço que prestou, confirmou ter visto a capota colocada, e embora tenha negado ter dado uma cabeçada na capota (como o legal representante da R. relatou), mencionou antes ter tido alguma dificuldade em carregar o carro – tanto que disse ter solicitado a ajuda do filho do legal representante da autora – não sem antes ter experimentado se o conseguiria fazer sozinho. Para tanto tendo tentado empurrar o carro para o carregar, estando a capota no local, tendo até metido o ombro na capota (aquando da tentativa para empurrar o carro).
Ora das declarações assim prestadas, para além de confirmada a colocação da capota e sobre esta nada ter sido notado de anormal, caso esta não estivesse devidamente colocada/trancada seria razoável que com a força feita por este Sr. AA para tentar empurrar a viatura – metendo o ombro na capota – esta tivesse então se deslocado/saído do sítio.
E se assim é, associado ao facto de o próprio legal representante da autora ter afirmado que antes de imobilizar a sua viatura vinha com a capota colocada e na qual não mexeu, em nosso entendimento inexiste prova que permita concluir com o necessário elevado grau de probabilidade que a capota não se encontrava à altura devidamente trancada.
Nesta medida entende-se ser de alterar a redação dada ao ponto U) dos factos provados, que consequentemente transitará para os factos não provados.
O mesmo já não se diz da redação dada à al. P) dos factos provados, quanto ao segmento atacado pela recorrente, porquanto dos depoimentos mencionados o que resulta é que aparentemente estava em condições de circular (entenda-se no reboque, pois é o que estava em causa) a viatura com a capota colocada e esticada.
Da resposta negativa da al. U) dos factos provados que transita para os não provados, não resulta o contrário e assim não afasta o que à observação de quem na altura executou o serviço de transporte se lhe apresentou como a realidade / a aparência de que tudo estava em condições de circular.
Termos em que se mantém a redação dada a este ponto P) dos factos provados.
Quanto ao ponto Q) dos factos provados, a única crítica que ao mesmo a recorrente aponta é o da irrelevância para o mérito dos autos.
Ora o ponto em questão respeita ao alegado pela chamada “D...” e ao que terá sido a sua atuação na execução do serviço pela mesma prestado pelo que neste âmbito (e para efeitos de eventual direito de regresso) tem relevo e se mantém.
O mesmo se passando exatamente com o ponto T) dos factos provados que pelos mesmos exatos motivos se mantém.

Quanto aos pontos R) e S) dos factos provados, respeitam estes ao tipo de capota em questão e à “chave” que permite trancar a mesma.
Tal como acima já deixámos enunciado, o próprio legal representante da R. descreveu o material da capota como sendo em lona com estrutura e com algum peso. Ainda com fechos próprios, e uma “chave” própria, uma espécie de maçaneta com encaixes próprios que só funciona neste carro para trancar.
Também a testemunha CC esclareceu que a capota é fechada com uma chave própria. Tendo esta, duas dobradiças a meio que quando encolhem já permitem caber a capota na mala.
Capota que na sua opinião também só pode ser retirada com chave / ou ferramenta como também lhe chamou, própria para prender ou soltar a capota.
Chave que no carro da autora não viu, quando às instalações da R. chegou já sem capota.
De igual forma o legal representante da chamada “D...” referiu ser a capota em lona.
A testemunha FF que trabalhou na Porsche 6 anos, em Matosinhos, de onde saiu em 2019, exercendo as funções de caixeira – enquanto tal trabalhando na área das peças da Porsche – explicou que a capota é composta de armações e capota propriamente dita, confirmando corresponder o modelo em causa ao doc. 8 oferecido com a contestação da R. e que de acordo com o orçamento da Porsche que a R. juntou sob doc. 9 (datado de julho de 2020) tinha o valor de €10.210,97 (orçamento sem IVA).
Dos depoimentos assim relatados, não merece dúvidas a nosso ver o apurado e constante das alíneas R) e S).
Ou seja [al. R)], que as capotas em lona do tipo do veículo transportado possuem uma chave própria para trancar ou abrir a capota.
No fundo o que e por outras palavras foi dado como provado.
Igualmente que a mencionada chave não foi entregue aquando da recolha ao transportador – em suma o que consta da al. S) dos factos provados.
Não só assim o disseram a testemunha BB e o legal representante da chamada “D...”, como é o que também resulta (pela negativa) do doc. 1 junto com a contestação da chamada “D...”.
Concluindo, mantém-se a redação dada a estas alíneas R) e S) por as mesmas não evidenciarem erro de julgamento na sequência da prova analisada.
Quanto à al. V) dos factos provados, inexistem dúvidas de que foi a própria testemunha CC (funcionário da A.) quem confirmou a conversa mantida com o transportador, na pessoa do Sr. AA, ambos confirmando não estar a capota na viatura aquando da chegada à oficina.
Aliás em conformidade com o que também consta provado em X) dos factos provados.
Por sua vez o legal representante da R. confirmou ter recebido logo uma chamada do legal representante da chamada “D...” a dar nota do ocorrido, seguido de chamada de um seu funcionário.
A testemunha e funcionário CC não se recorda de ter feito a chamada telefónica. Mas confirmou ter alertado o “EE” quando aquele chegou à oficina para o ocorrido. Sendo certo que então o mesmo já tinha ido dar uma volta para tentar encontrar a capota (tal como o legal representante da chamada “D...”).
Sendo assim, ainda que na verdade com pouco relevo para o mérito dos autos, entende-se justificar uma correção na redação da al. V) dos factos provados a qual passará a ter a seguinte redação, no sentido pugnado pela recorrente:
“V) Aquando da chegada do veículo às instalações da ré, um funcionário desta juntamente com o Sr. D... repararam que a capota da viatura não se encontrava colocada na mesma, tendo este último logo alertado o Eng. EE”.

Analisemos agora a crítica apontada aos factos não provados 2 e 8.
Para a alteração pretendida e no que ao ponto 2 dos factos não provados respeita, alegou a recorrente em primeiro lugar tratar-se de matéria aceite pela R..
Adicionalmente, convocou a recorrente o teor do doc. 3 oferecido por si com a petição, associado ao depoimento do legal representante da R. e A.
E para o ponto 8 dos factos não provados, convocou o depoimento do próprio legal representante da chamada “D...” que assumiu o documento em causa neste ponto 8º.
Analisemos a crítica apontada pela recorrente.
No facto não provado 2 está em causa o custo suportado pela autora com o arranjo/aquisição de capota para o seu carro, substituindo a que havia desaparecido no decurso do transporte.
Corresponde este ponto ao alegado em 18º da petição inicial, no qual a A. remeteu para o doc. 3 junto com a p.i. e que corresponde à fatura emitida pela própria autora com data de 27/01/21 no valor de €13.348,72 e em nome da R., precisamente pelas despesas suportadas pela autora com a aquisição do teto e peças para substituição para o Porsche ... 1990, “conforme fatura nº ...1 da G..., S.L. que se junta”.
Anexo a esta fatura (doc. 3) estando então a referida fatura emitida pela fornecedora “G... S.L.” em nome da autora, datada de 26/01/21 e no valor de €11.032,00 mais IVA a 21% no valor total de €13.348,72.
Analisada a contestação da R., resulta evidente a expressa aceitação do alegado pela autora neste ponto 18º da p.i. (vide o ponto 1º da contestação da R.).
No entanto, as intervenientes acessórias, quando citadas após para tanto chamadas, impugnaram o alegado pela A. neste ponto, invocando desconhecimento.
Sendo esta matéria com repercussão no conteúdo do direito de regresso, uma vez impugnada, cumpria sobre a mesma produzir prova – não lhe sendo aplicável de forma direta o estatuto do assistente para que o artigo 323º do CPC remete, com as necessárias adaptações[3].
Não assiste assim razão à recorrente quando pretende ver por esta via - a da aceitação da R. – a alteração deste ponto factual.
Contudo e analisada a prova, entende-se ser de deferir, nos termos infra indicados, o pretendido.
O documento 3 junto pela A. e acima analisado foi confirmado pelo legal representante da A. que confirmou a compra, explicando ter sido o fornecedor que possuía em stock o material pretendido para imediata entrega e ao valor de mercado que validou, pelo que procedeu a A. à respetiva aquisição.
Após, tendo faturado a despesa da aquisição à aqui R., na medida em que a considerou responsável pelo pagamento daquela.
E que a fatura em causa foi enviada à R. para cobrança do valor em causa, é o que o demonstra o doc. 4 junto com a p.i. e que corresponde à resposta da R. à A., negando no evento qualquer responsabilidade pelo ocorrido e assim devolvendo a fatura enviada por não ter encomendado nem recebido o material a ela respeitante.
Previamente, tinha ainda a A. interpelado a R. a diligenciar pela reparação do dano, mediante a entrega da capota extraviada ou a entrega de uma capota nova em substituição da extraviada (vide doc. 2 junto com a p.i.).
O legal representante da R. entendendo ser da responsabilidade da chamada “D...” o ocorrido deu nota, em declarações, de ter sido o legal representante da A. compreensivo com a situação enquanto aguardaram que a chamada resolvesse a situação nomeadamente junto da sua companhia de seguros. Até que o Sr. AA diz que o seguro não cobre e que se quisessem fossem para tribunal.
A testemunha FF por sua vez, veio confirmar o valor de uma capota nova em conformidade com o orçamento (sem IVA) que apresentou a R. como doc. 8 no valor de 10.210,97.
A este valor, se acrescentado IVA (em Portugal a 23% corresponderia o valor de €2348,50), teria a A. suportado pela peça indicada no orçamento apresentado pela R. e explicado pela testemunha FF um total de €12.559,47.
A A., tendo adquirido o bem a um fornecedor espanhol suportou um total de €13.348,72 (incluindo IVA a 21%).
A diferença entre os 2 valores é de €789,25.
Não foi questionado por qualquer meio probatório que a A. não procedeu efetivamente à aquisição da capota em causa de acordo com a prova documental que ofereceu.
E no contexto já analisado da prova documental e depoimentos dos legais representantes assinalados entendemos, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo, que esta prova é suficiente para concluir com um elevado grau de probabilidade que a aquisição em questão e valor suportado efetivamente ocorreu nos termos apontados pela prova documental. Independentemente de não ter sido junto documento comprovativo do pagamento (recibo).
E valor que de acordo até com a prova oferecida pela R. não está muito afastado do que a própria defendeu ser o devido. Sendo certo que a esta R. incumbia fazer prova de que todos os itens descritos na fatura do fornecedor não eram necessários à substituição da capota extraviada.
Prova que a R. não fez.
Apenas é de referir – do alegado em 18º da p.i. – que efetivamente não foi feita prova de que a viatura, uma vez feita a sua reparação, estivesse impossibilitada de circular ou mesmo que não mais tenha circulado, sem prejuízo do evidente incómodo (quanto mais não seja) de não ter capota.
Em conformidade, decide-se alterar a resposta dada ao ponto 2 dos factos não provados o qual passará para os factos provados sob a al. F´) com a seguinte redação:
“F´) A autora, não querendo mais ter o seu veículo automóvel sem capota, procedeu ao arranjo/aquisição da capota a suas expensas, despendendo o montante de €13.348,72, conforme documento nº 3”.

Quanto ao ponto 8 dos factos não provados, igualmente merece censura o decidido pelo tribunal a quo nesta matéria.
Está em causa o alegado pela R. em 27º da contestação da chamada “D...” e o documento pela mesma oferecido sob doc. 1.
Ou seja, o documento em que esta descreveu os serviços pela mesma prestados no dia em questão – serviços descritos, entre o mais, nos pontos G) e I) dos factos provados - tendo assinalado o estado do veículo e nomeadamente no que ora releva, os elementos integrantes e amovíveis existentes na viatura, de acordo com um questionário tipo pré-impresso onde assinala com cruzes a existência (sim) ou inexistência (não) dos elementos que ali são descriminados.
Ora o legal representante da chamada identificou e confirmou nas suas declarações tal documento. No que não foi de qualquer forma contrariado por qualquer outro meio de prova quanto aos elementos “integrantes e amovíveis” existentes (ou não) na viatura por referência ao indicado nesse mesmo documento, a tal se reportando exclusivamente o ponto 8º deste ponto não provado.
Depoimento que mereceu credibilidade e está consentâneo com a demais prova produzida.
Justificando assim a alteração da resposta dada a este ponto 8º dos factos não provados que, de igual modo, passará para os factos provados com a seguinte redação e sob a al. G´):
“G´) A chamada “D...” aquando do serviço mencionado em G) e I) dos factos provados, fez constar no documento pela mesma oferecido sob documento 1 com a sua contestação e por referência ao no mesmo constante, todos os elementos integrantes e amovíveis que se encontravam no veículo”.

Termos em que procede parcialmente a impugnação deduzida pela recorrente quanto à decisão de facto.
*
IV- Do erro na aplicação do direito.
Tal como resulta dos factos provados, a A. contratou a R. para proceder à reparação de uma avaria de que a sua viatura padecia.
Reparação que a R. aceitou efetuar e que levou a bom termo.
Tendo procedido à reparação solicitada, foi cobrado e pago o respetivo preço sem que quaisquer objeções quanto à boa execução de tais serviços em concreto venham suscitadas nos autos – vide factos provados A) a E).
Ocorre que para a execução de tais serviços foi adicionalmente solicitado à R. que providenciasse pelo transporte da viatura em questão desde a sede da autora até às instalações da R., o que esta aceitou, tendo para o efeito contratado os serviços de uma terceira entidade – a nos autos chamada “D...” – vide factos provados F) a J).
Ou seja, para a execução do serviço contratado assumiu a R. a obrigação adicional de diligenciar pelo transporte da viatura, recorrendo para o efeito aos serviços de um terceiro auxiliar, a chamada “D...”.
Embora a R. negue, na sua contestação, qualquer responsabilidade pelos danos advenientes para a autora pelo transporte da viatura em causa, é claro que a mesma nunca negou ter sido a própria quem contratou a chamada (vide 10º da contestação) para efetuar o transporte. Sem prejuízo de o ter feito a pedido da A. – como a pedido da autora executou a reparação necessária na viatura – e como meio de executar o seu serviço.
Ou seja, a contratação do transporte por parte da R. a entidade terceira teve como fundamento a necessidade da A. em obter a reparação da avaria detetada na sua viatura e cuja execução peticionou à R..

Da factualidade apurada não merece dúvidas o enquadramento da relação contratual estabelecida entre A. e R. no contrato de empreitada, regulado nos artigos 1207º a 1230º do CC.
Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (artigo 1207º do CC).
E o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artigo 1208º do CC).
O dever de executar a obra de acordo com o convencionado e sem vícios convoca a obrigação de resultado – ou seja a obrigação de obter um concreto efeito pretendido e contratado - que constitui o dever de prestar por parte do empreiteiro.
Empreiteiro que para tanto e salvo uso ou convenção em contrário, fornecerá os materiais e utensílios necessários à execução da obra (vide artigo 1210º do CC).
Nestes incluídos os meios humanos necessários a tal execução, se necessário e para tanto recorrendo a auxiliares ou subcontratação nos termos do artigo 1213º e 264º do CC.
Estando em causa uma empreitada de reparação de automóvel, recai sobre o empreiteiro o dever acessório de guarda e conservação da coisa, ao mesmo sendo de aplicar as regras do depósito.
Assim tem sido entendido pela doutrina.
Veja-se António Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, vol. XII, edição Almedina 2020, onde a p. 872/873 afirma que na pendência do contrato “cabe ao empreiteiro a guarda e a conservação da obra submetida ao seu controlo material.
(…)
II- Nas situações em que a obra pertença ab initio ao dono, temos elementos próprios do contrato de depósito. Uma vez que o objetivo da empreitada é a obra final e não a guarda, não se afiguraria necessário construir um negócio misto de empreitada com depósito: temos um dever acessório, numa linha sufragada pela doutrina e pela jurisprudência.
(…)
Digamos que a guarda e a conservação da coisa surgem como o produto de um dever acessório da empreitada, dever esse que pode apelar às regras do depósito. A empreitada tem, à partida, uma vocação para reunir elementos que, noutras circunstâncias, integrariam diversos tipos negociais.
III. A jurisprudência permite ilustrar o dever de guarda e de conservação de obra, especialmente nas empreitadas relativas à reparação de veículos automóveis. Assim presume-se a culpa de um empreiteiro quando o veículo confiado seja destruído num incêndio, quando sofra danos ou quando seja furtado (…); o empreiteiro responde pelo seu pessoal, devendo ter seguros adequados.”
Também Luís Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. III, edição 2016 Almedina, p. 522, menciona “Se ao empreiteiro tiver sido confiada uma coisa por parte do dono da obra, como sucede nas empreitadas de reparação, ou a propriedade da coisa já se tiver transferido para o dono da obra, nas empreitadas de construção, sem que a coisa lhe tenha sido entregue (artigo 1212º), o empreiteiro fica vinculado à guarda e conservação da coisa perante o dono da obra, exatamente nos mesmos termos do contrato de depósito (cfr. arts. 1185º e ss).
(…) Se a coisa perecer ou se deteriorar quando estava à sua guarda, o empreiteiro responde perante o dono da obra, exatamente como o depositário.”
Estando o depositário sujeito a guardar a coisa [artigo 1187º al. a) do CC] segundo a diligência de um bom pai de família e de acordo com as circunstâncias do caso, nas quais assume especial relevo o facto de se tratar de um depositário profissional, caso seja privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, devendo, no entanto, dar conhecimento imediato da privação ao depositante (vide artigo 1188º nº 1 do CC).
Esta exoneração de responsabilidade está dependente da prova de que a privação da detenção foi “inevitável, apesar da diligência que o depositário colocou na guarda da coisa”. E estando em causa responsabilidade contratual cuja culpa se presume (artigo 799º nº 1 do CC), não ilidida tal culpa, responde o depositário pelos danos causados ao depositante pela sua falta [cfr. Luís Menezes Leitão in ob. cit. p. 479/480].
Igualmente Pedro Romano Martinez in “Direito das Obrigações, (Parte Especial) Contratos”, 2ª edição Almedina defende o dever do empreiteiro em conservar a obra realizada até à entrega ao comitente, enquanto dever lateral emergente do contrato de empreitada quando este também fica adstrito a efetuar uma prestação de coisa e a coisa lhe tenha sido confiada, remetendo para as regras do contrato de depósito [p. 383/384]. Mais e quanto à responsabilidade do empreiteiro, após realçar que em caso de violação do contrato se presume a culpa daquele nos termos do artigo 799º nº 1 do CC, afirma que o empreiteiro já poderá ser responsável, independentemente de culpa, pela atuação de terceiro que empregue na execução da obra, tanto trabalhadores como subempreiteiros (art. 800º do CC), sendo pois o empreiteiro “responsável objetivamente nos termos do art. 800º CC porque tanto o trabalhador como o subempreiteiro são pessoas utilizadas no cumprimento da sua obrigação.
Para haver responsabilidade objetiva do empreiteiro, torna-se necessário que sobre o subempreiteiro ou sobre o trabalhador também recaia a obrigação de indemnizar pelos mesmos danos. Esta responsabilidade do trabalhador e do subempreiteiro tanto pode encontrar fundamento na culpa, como no risco, como ainda em intervenções lícitas danosas.” [vide p. 462 a 464].
Na jurisprudência, no Ac. TRG de 13/05/2021, nº de processo 273/19.5T8VVD.G2 in www.dgsi.pt defendeu-se igualmente recair sobre o empreiteiro que aceita efetuar a reparação de uma viatura que para a sua oficina foi rebocada para além do dever principal de realizar a obra, ou seja a reparação, o dever acessório de zelar pela guarda e conservação da coisa exatamente nos mesmos termos do contrato de depósito[4].
Revertendo ao caso dos autos e tal como supra já afirmado, a A. contratou a R. para proceder à reparação da sua viatura. Para tanto entregou essa mesma viatura a um transportador contratado pela R. para fazer a entrega da viatura na sua oficina e no percurso do transporte perdeu-se a capota em termos em concreto não apurados.
Sobre a R. recaia o dever de guarda e conservação do bem que lhe foi entregue para reparação através de pessoa por si contratada e a quem recorreu para executar a sua prestação.
E assim responde pelos atos praticados por esta mesma terceira entidade perante a A. que contratou os seus serviços, sendo que a sua culpa se presume nos termos do artigo 799º nº 1 do CC.
Assim só não sucederia se tivesse logrado ilidir tal presunção de culpa, demonstrando nomeadamente que a privação da detenção ocorrida foi inevitável.
O que dos factos provados não resulta.
Responsabilidade que se funda quer no previsto nos artigos 1213º e 264º do CC quer no previsto artigo 800º do CC, nos termos acima já aludidos.
Tem assim a recorrente direito a ver-se ressarcida pelos danos sofridos como consequência da violação do dever de guarda e conservação da viatura entregue para reparação à R., nomeadamente os decorrentes da perda da capota e que implicaram a despesa no valor de €13.348,72.
Danos pelos quais a R. é responsável.
A este valor acrescendo juros de mora desde a citação e à taxa legal em vigor até integral pagamento, tal como peticionado pela autora.
Consequentemente procede o recurso interposto.
***
V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando a decisão recorrida decidindo condenar a R. a pagar à A. a quantia de €13.348,72 acrescida de juros de mora desde a citação e até integral e efetivo pagamento à taxa legal em vigor.

Custas pela recorrida.


Porto, 2023-03-27.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
____________
[1] Esta sociedade foi citada, antes de haver despacho do tribunal a quo para o efeito e tendo então por referência ainda o pedido da R. da sua intervenção como assistente.
[2] Cfr. Ac. STJ de 22/03/2018, Relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt
[3] Vide neste sentido CPC Anotado de Lebre de Freitas, vol. I em anotação ao artigo 323º, nota 2 p. 647/648.
[4] No mesmo sentido cfr. Ac. TRP de 21/04/2005, nº de processo 0531808 onde se defendeu a responsabilidade da empreiteira pelo perecimento da viatura que lhe é entregue para reparação até à entrega da mesma ao seu dono, salvo se provar que “foi diligente, que usou do zelo e cautelas que empregaria um bom pai de família e que os danos foram causados por circunstâncias excecionais ou especiais que eliminassem a censurabilidade da sua conduta.”; ainda Ac. TRP de 29/03/2011, nº de processo 9360/07.1TBMAI.P1, ambos in www.dgsi.pt.