Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2750/16.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: APERFEIÇOAMENTO
PETIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP201812182750/16.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 863, FLS.114-120)
Área Temática: .
Sumário: I - Não tendo o tribunal notificado os requeridos para contestar a petição, que foi aperfeiçoada, em obediência à decisão proferida no recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial, verifica-se uma nulidade equivalente à falta de citação para contestar, por não ter sido observado o princípio do contraditório.
II - A notificação para contestar constitui um acto da competência exclusiva do tribunal, não podendo ser substituído pela notificação entre mandatários.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2750/16.0T8VNG-A.P1

Relatora : Anabela Andrade Miranda Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B… requereu a instauração de inquérito judicial contra “C…, Lda.” e D…, melhor identificados nos autos, alegando que é titular de uma quota de €1.350 da requerida sociedade, sendo o requerido o único gerente desta, não lhe tendo sido facultados os documentos referidos no requerimento inicial, apesar de solicitados, estando assim o requerente, impedido de aferir com rigor, detalhe e transparência, as contas da sociedade, pelo que, requer sejam as mesmas averiguadas e entregues todos os documentos contabilísticos da sociedade.
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O Requerimento Inicial foi liminarmente indeferido, tendo sido objecto de recurso.
Em 29 de Abril de 2016 foi admitido o recurso e determinou-se a citação dos requeridos para os termos do recurso e da causa, a qual foi anulada e repetida em 04 de Janeiro de 2017.
Os Requeridos responderam ao recurso.
O Tribunal da Relação do Porto revogou aquela decisão e determinou que o Requerente fosse convidado a aperfeiçoar a petição inicial, o que foi cumprido por despacho de 06/07/2017.
Este despacho não foi notificado aos Requeridos.
Em 08 de Setembro de 2017, o Requerente apresentou novo requerimento, notificado à parte contrária nos termos do artigo 221.º, n.º 1 do C.P.Civil.
Os Requeridos não se pronunciaram.
Em 29 de Abril de 2018 foi proferida decisão que determinou a realização de inquérito à requerida a fim de serem examinados os bens, livros, contabilidade, papéis e demais elementos da empresa, para se obter resposta e informação sobre os exercícios contabilísticos de 2013 a 2016.
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Inconformados com esta decisão, os Requeridos interpuseram recurso, finalizando com as seguintes
Conclusões:
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A Mma. Juíza pronunciou-se sobre a invocada nulidade.
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II - Delimitação do Objecto do Recurso
A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em determinar se ocorreu nulidade processual decorrente da falta de notificação dos Requeridos para contestar os termos da acção.
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Foi proferida decisão singular que deu provimento ao recurso por ter considerado ter ocorrido violação do princípio do contraditório, traduzida na omissão da notificação aos Recorrentes do requerimento inicial aperfeiçoado, para contestarem (nulidade processual).
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O Recorrido aduz os seguintes argumentos a favor da sua pretensão, que se resumem da seguinte forma:
-os réus foram citados duas vezes da petição inicial, por agente de execução;
-o aperfeiçoamento do autor não veio trazer nova factualidade à lide, para além da que constava já das citações;
-quando o requerimento de aperfeiçoamento foi apresentado já os réus estavam arredados de exercer o contraditório por força da não apresentação da contestação à petição inicial;
-feita a citação regular todos os actos processuais subsequentes são efectuados mediante notificação, o que sucedeu em relação ao aperfeiçoamento do requerimento.
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III - FUNDAMENTAÇÃO (dão-se por reproduzidos os actos processuais acima descritos)
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IV - DIREITO
A única questão que cumpre resolver consiste em saber se é legalmente admissível considerar os Requeridos devidamente notificados para contestar, atendendo a que foi apresentado um articulado de aperfeiçoamento, em consequência de uma decisão deste Tribunal da Relação, que revogou a decisão do tribunal a quo de indeferimento liminar do requerimento inicial.
Nos presentes autos, a petição inicial foi indeferida liminarmente.
Nos termos do artigo 590.º, n.º 1 do C.P.Civil, a petição é indeferida, nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
O Requerente, inconformado com esta decisão, recorreu, tendo os Requeridos sido citados, para os termos da causa e do recurso, em obediência às disposições conjugadas dos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c) do C.P.Civil.
Sobre esta específica situação de impugnação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[1] esclarecem que o demandado, para além de ser citado para a defesa na acção é igualmente citado para os termos do recurso por forma a ser ouvido quanto ao fundamento do recurso.
E, acrescentam que na hipótese do recurso ter provimento, determinando a decisão final a revogação do despacho de indeferimento liminar, a acção prosseguirá, mandando-se notificar o réu (que já fora citado) para contestar, oferecendo a sua defesa.[2] (sublinhado e negrito nosso)
Esta solução jurídica foi mantida no artigo 569.º, n.º 1, parte final, do C.P.Civil, ao dispor que no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão.
No caso em apreço, o tribunal não notificou os Requeridos que havia dado cumprimento à determinação do Tribunal da Relação do Porto no sentido do Requerente ser convidado a aperfeiçoar a petição.
Mas, a omissão relevante, e que verdadeiramente constitui uma nulidade equivalente à falta de citação para contestar, consubstanciou-se na falta de notificação para contestar.
Considera a lei esse acto uma notificação e não citação porquanto já tinha sido dado conhecimento aos Requeridos da propositura da presente acção judicial.
Após a decisão do Tribunal da Relação do Porto que determinou o convite ao aperfeiçoamento da petição, o que foi cumprido pelo Requerente, faltava observar o art. 219.º, n.º 1 do C.P.Civil na parte que impõe chamar ao processo o réu para se defender, e este acto é da competência do tribunal (cfr. art. 220.º, n.º 2 do CPC).
Com efeito, ao ser apresentado novo requerimento aperfeiçoado, o tribunal devia ter notificado os Requeridos para, no prazo legal, contestarem, o que não aconteceu.
Aliás, em conformidade com o artigo 590.º, n.º 5 e artigo 3.º, n.º 1 e 3 do C.P.Civil, os factos objecto de aditamento ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade.
Por outro lado, o regime das notificações entre mandatários, estabelecido no art. 221.º, n.º 1 do C.P.Civil, só se aplica a partir da contestação, competindo sempre ao tribunal citar/notificar o réu para deduzir oposição.
Verificando-se falta de citação/notificação para contestar, o que constitui uma nulidade principal, de conhecimento oficioso, é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial (cfr. arts. 188.º, n.º 1, al. a), 187.º, 196.º e 200.º do C.PC).
Pelas razões aduzidas, e salvo o muito respeito, cremos que os argumentos aduzidos pelo Recorrido já foram esclarecidos, com recurso às normas legais aplicáveis.
Ou seja, os Requeridos foram citados apenas nos termos das disposições conjugadas dos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c) do C.P.Civil, não foram notificados para contestar o articulado aperfeiçoado (tendo a Mma. Juíza declarado que responderam ao convite de aperfeiçoamento) e a notificação entre mandatários só é válida depois da contestação, o que não se verifica.
Não é despiciendo acrescentarmos que o princípio do contraditório é estruturante e basilar do direito processual civil e criminal, e só é plenamente cumprido quando se assegura à parte a possibilidade de se pronunciar, contrariando e discutindo, os factos que a afectem.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas desta Relação do Porto em desatender a douta reclamação apresentada, mantendo a decisão no sentido de julgar procedente o recurso, e em consequência, determinar a nulidade do processado após a apresentação do requerimento inicial aperfeiçoado e a notificação dos Requeridos para contestar, no prazo legal.
Custas pelo Recorrido.
Notifique.
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Porto, 18 de Dezembro de 2018
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] V. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 260 e segs.
[2] V. ob. cit., pág. 262.e