Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2519/17.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIAIS
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
Nº do Documento: RP201810092519/17.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º849, FLS.86-88)
Área Temática: .
Sumário: A acção na qual o autor peticiona uma indemnização por ter sido destituído, alegadamente sem justa causa, de gerente de uma sociedade não é da competência dos juízos de comércio mas sim dos juízos cíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2519/17.5T8PRT.P1
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
B…, casado, economista, residente na Rua …, n.º .., …, …. - … Porto, veio intentar esta acção declarativa sob a forma de processo comum contra “C…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º …, …, …. - … Porto, formulando, a final, o seguinte pedido:
“Termos em que, face ao exposto, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via disso:
a) Ser a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de €112.000,00, a título de indemnização por lucros cessantes;
b) Ser a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de €20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c) Tudo acrescido de juros legais.”
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Alegou, em síntese, que: em 18 de Dezembro de 2006, a Ré foi transformada de sociedade anónima em sociedade por quotas, tendo o A. sido nomeado gerente por tempo indeterminado; por acta de assembleia geral de sócios da Ré, de 19 de Dezembro de 2006, foi fixada ao A. a retribuição mensal de €3.000,00; no dia 27 de Janeiro de 2012 realizou-se uma Assembleia Geral de sócios da sociedade Ré, na qual foi aprovada por unanimidade a destituição do gerente.
Sustentando que à Ré não assistiu justa causa para proceder à sua destituição, invocando o disposto no nº 7 do artigo 257º do CSC, peticiona as indemnizações acima indicadas.
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A ré contestou, além do mais, excepcionando a incompetência deste tribunal em razão da matéria, pugnando pela competência dos juízos de comércio.
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O autor pronunciou-se quanto à competência deste tribunal, pugnando pela competência material dos juízos cíveis, onde a acção foi instaurada.
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No saneador foi decidido que a competência para a acção se encontra atribuída aos juízos de comércio e em consequência foi a Ré absolvida da instância.
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O Autor interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
1. O Recorrente intentou uma acção contra a Ré, C…, Lda., pretendendo além do mais obter indemnização por ter sido destituído de gerente, sem justa causa, nos termos do n.º 7 do art.º 257 do Código das Sociedades Comerciais.
2. Entende o Tribunal a quo que o Juízo Cível em que a acção foi intentada não é competente para preparar e julgar a mesma, visto que a pretensão do A. se insere no conceito de “direitos sociais”, da alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da LOSJ, pelo que seria o Juízo de Comércio materialmente competente para o efeito.
3. O A. não é sócio da Ré.
4. A sentença posta em crise é decalcada no isolado e insustentado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-09-2015, que entende que o conceito de direitos sociais que a aludida norma dispõe deve ser entendido no sentido de incluir todos os direitos que se fundam na lei societária.
5. Porém, tanto a jurisprudência como a doutrina são unânimes quanto ao alcance da expressão “direitos sociais”, como não sendo todos os direitos que advêm da lei societária, mas sim os direitos perante a sociedade, que resultam da posição que os sócios ocupam na sociedade, da sua qualidade de sócios ou que caracterizam as participações sociais.
6. Também é pacificamente aceite na jurisprudência que a aferição da competência material do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a ação.
7. Pelo que, como o A. não é nem nunca foi sócio da R., seria impossível o mesmo configurar a sua acção com base num qualquer direito resultante da sua posição de sócio.
8. É, assim, evidente que está em causa apenas o pedido de indemnização pela destituição sem justa causa que o A. foi alvo, e não qualquer direito social.
9. Por este motivo, é materialmente competente não o Juízo de Comércio, como decidiu o Tribunal a quo, mas antes o Juízo Central Cível no qual a acção foi intentada.
10. A sentença recorrida violou, nomeadamente, os artigos 64.º e 65.º do Código Processo Civil, e os artigos 80.º e 128.º, n.º 1, alínea c), este por erro de interpretação, ambos da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
Termos em que, revogando-se, far-se-á JUSTIÇA.
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A Ré respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
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Os factos
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os acima enunciados.
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O direito
Questão a decidir: qual o tribunal competente em razão da matéria.
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Dispõe o artigo 64.º do CPC que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. O mesmo se estabelece no n.º 1 do artigo 40.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (adiante designada por LOSJ), aprovada pela Lei n.º62/2013, de 26-08.
As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada (art. 65.º, do CPC).
Os juízos de comércio são de competência especializada (art. 81.º, i), da LOSJ.
A competência dos juízos de comércio encontra-se fixada no artigo 128.º da LOSJ. A alínea c) menciona as acções relativas ao exercício de direitos sociais. Na decisão recorrida alude-se a esta norma.
Permanece actual a síntese de Manuel de Andrade, segundo a qual a competência se determina pelo pedido do Autor (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 91). Este princípio tem encontrado acolhimento pacífico na jurisprudência. Lê-se no acórdão do STJ, de 31-5-2011 (Proc. 865/10.8TVLSB-A.L1.S1): “A competência material afere-se pela relação litigiosa submetida à apreciação do tribunal, nos exactos termos unilateralmente afirmados pelo autor da pretensão e pelo pedido formulado (…)”
Compete aos juízos de comércio preparar e julgar, além do mais que ao presente caso não interessa, “as acções relativas ao exercício de direitos sociais” [art. 128º, al. c), da LOSJ). Não se colhe na lei uma definição ou noção do que sejam “direitos sociais”. O elemento gramatical aponta para direitos relativos à qualidade de sócio.
De acordo com o decidido no acórdão do STJ de 18-12-2008, o conceito de direitos sociais a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ “abrange essencialmente os que se inscrevem na esfera jurídica dos sócios das sociedades em razão de nestas participarem por via de contrato e que se traduzem em posição jurídica envolvente da protecção dos seus interesses societários” (Proc. 08B3907).
O Autor demanda a Ré alegando que foi nomeado gerente desta sociedade e que foi destituído sem justa causa. Fundamenta a sua pretensão – condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por destituição de gerente sem justa causa - no nº 7 do artigo 257º do CSC.
Nem todas as acções em que seja parte uma sociedade respeitam ao exercício de direitos sociais. Se a alínea c) do artigo 128º da LOSJ quisesse englobar todas as acções em que uma sociedade comercial seja demandante ou demandada, em lugar de introduzir um conceito vago – exercício de direitos sociais – bastaria ao legislador aludir a acções em que seja parte uma sociedade comercial. Não foi essa a intenção do legislador. Com efeito, não se questiona que, por exemplo, a acção instaurada contra uma sociedade por um fornecedor, alegando a falta de pagamento de produtos fornecidos e o vencimento das correspondentes facturas, é da competência dos juízos cíveis. O mesmo sucede nos casos em que uma sociedade peticiona de um cliente o pagamento de um produto fornecido ou de um serviço prestado. Em ambos os casos o destino da acção pode ter reflexos nos direitos dos sócios, desde logo pela possível repercussão nos lucros. Mas não se trata de acções relativas ao exercício de direitos sociais; antes de acções em que se fazem valer direitos de crédito.
No caso em apreciação o Autor peticiona uma indemnização por ter sido destituído de gerente da Ré. Não invoca a qualidade de sócio – no artigo 15º do articulado em que se pronunciou quanto à excepção da incompetência material alega que “não é nem nunca foi sócio da R.” A Ré também não alega que o demandante fosse seu sócio.
No acórdão desta Relação, de 13-03-2017, foi apreciado um caso idêntico ao dos presentes autos, tendo-se concluído que “A pretensão formulada por gerente, ainda que sócio, dirigida contra a sociedade de que é gerente, no sentido desta ser condenada a pagar-lhe a retribuição da remuneração devida pelo exercício da gerência, por não constituir o exercício de um direito social, não cabe na competência do Tribunal de Comércio, atualmente Juízo de Comércio” (Proc.167/11.2TYVNG.B.P1, disponível no site da DGSI, tal como os arestos anteriormente citados).
Perante os pedidos formulados e a fundamentação aduzida na presenta acção, não descortinamos fundamento para dissentir do assim decidido.
O direito que o Autor exercita com a instauração desta acção assume a natureza de direito de crédito e não emerge da qualidade de sócio, nem de qualquer disposição do contrato de sociedade da Ré, não se tratando por isso do exercício de qualquer direito social. Decorre do exposto que a situação não cai na previsão da alínea c) do artigo 128º da LOSJ.
Tendo em conta o valor da causa - €132.000,00 – a competência material encontra-se atribuída ao juízo Central Cível do Porto – no qual a acção foi instaurada e onde deverá prosseguir os seus termos.
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido.
Custas pela apelada.
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Porto, 09.10.2018
José de Carvalho
Rodrigues Pires
Márcia Portela