Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
577/19.7T8PNF.P2-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
LIMITE TEMPORAL PARA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RP20240208577/19.7T8PNF.P2-A.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO.
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ordenada a reabertura da audiência para produção de nova prova documental e tornando o processo à fase da audiência de julgamento nada impede que possam sobrevir circunstâncias que justifiquem a prática de mais actos desde que a lei do processo os consinta ainda nessa fase.
II - A razão de ser do limite temporal à junção de documentos é permitir à parte contrária conhecer de antemão o documento para poder exercer de forma eficaz o contraditório, pelo que essa junção é possível desde que esse limite seja observado no momento em que a parte contrária irá poder exercer o contraditório, ou seja, prolongando-se o julgamento por mais de uma sessão, até ao início da sessão onde é junto o documento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:577.19.7T8PNF.P2.A.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ...34, residente em ..., Paredes, instaurou acção judicial contra BB, contribuinte fiscal n.º ...06, residente em ..., Paredes, CC e mulher DD, residentes em ..., e EE, contribuinte fiscal n.º ...87, por si e na qualidade de cabeça de casal e única herdeira da herança aberta por óbito do seu falecido marido FF, residente em ..., Maia.
Terminou a sua petição inicial formulando os seguintes pedidos:
a) condenar-se os réus em verem declarada a nulidade das escrituras públicas de 18-12-2002, de 14-1-2004 e de 28-10-2009, melhor identificadas nesta p.i., por simulação absoluta, com a consequente restituição do prédio identificado no item 8º desta p.i. ao património do 1º Réu, livre de ónus ou encargos;
b) em consequência, determinar-se o cancelamento das inscrições prediais registadas pela Ap....6 de 2002/12/20, pela Ap....1/20040601, pela Ap....7 de 2009/11/01, pelas cotas G-2, C-2 e aquela a que se refere a Ap....7 de 2009/11/01, e pela Ap....79 de 2015/02/10, todas da descrição predial nº ...54/030287-... da Conservatória do Registo Predial de Paredes;
ou, caso assim doutamente se não entenda,
c) condenar-se os réus em verem declarada a ineficácia relativamente à A. dos actos consubstanciados nas escrituras de 18-12-2002, de 14-1-2004 e de 28-10-2009, melhor identificadas nesta p.i., ordenando-se aos 2ºs e 3ª R. por si e na qualidade de cabeça de casal e única herdeira de seu falecido marido, FF, a restituição do prédio identificado nessas escrituras e no item 8º desta p.i. ao património do 1º R., livre de ónus ou encargos e desembaraçado de pessoas e coisas, de modo a que a A. se possa pagar à custa desse prédio e na medida do seu invocado crédito;
d) em consequência, determinar-se a ineficácia/cancelamento relativamente à A. das inscrições prediais registadas pela Ap....6 de 2002/12/20, pela Ap....1/20040601, pela Ap....7 de 2009/11/01, pelas cotas G-2, C-2 e aquela a que se refere a Ap....7 de 2009/11/01, e pela Ap....79 de 2015/02/10, todas da descrição predial nº ...54/030287-... da Conservatória do Registo Predial de Paredes.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que na sequência do divórcio e partilha dos bens comuns é credora do 1º réu, seu ex-marido, o qual, para evitar pagar à autora, celebrou com os demais réus vários negócios jurídicos destinados a retirar os bens da sua titularidade ou da possibilidade de a autora os executar, os quais são nulos por simulação.
Os réus foram citados, mas contestou somente a ré EE, defendendo a improcedência da acção, para o efeito impugnando a maioria dos factos alegados pela autora e alegando que os negócios celebrados por si e pelo seu falecido marido não são simulados nem obedeceram a qualquer propósito de prejudicar a autora, uma vez que além do mais desconhecida de todo as vicissitudes dos negócios anteriormente celebrados e a existência do crédito da autora.
Realizado julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, declarando-se «a nulidade, por simulação, da compra e venda outorgada … pela escritura pública de 18-12-2002, …, sem prejuízo da inoponibilidade à 3ª Ré dessa invalidade, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º do Código Civil», e julgando-se «improcedentes as demais pretensões», designadamente as «subsidiárias», da autora.
A autora interpôs recurso de apelação. Esta Relação julgou o recurso procedente e anulou a sentença recorrida, determinando a reabertura da instrução, convidando-se as partes a juntar os documentos em falta e, concluída de novo a instrução da causa, que fosse proferida nova sentença.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi determinada a junção dos documentos, tendo a autora junto vários documentos, após o que foi de imediato proferida nova sentença, julgando nos precisos termos da anterior sentença.
Antes da sentença foi proferido o seguinte despacho sobre a junção de documentos:
«Sempre juntos documentos absolutamente inúteis ou impertinentes, como é o caso da certidão sob documento 4 com o requerimento pela autora de 29.05, sob a referência 45704852, e as certidões sob 1 e 2 com o requerimento da mesma data, com a referência agora 45705050.
Quanto a estes, não se admite a respectiva junção, posto que não vindo justificada e não importando aos factos quanto aos quais foi decidida a anulação da sentença.
Os mesmos serão desatendidos, devolvendo-se à parte/desentranhando-se.»
Do assim decidido, a autora apresentante interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. O recurso incide sobre o douto despacho proferido em 30-5-2023, o qual desatende a junção aos autos da certidão sob documento 4 com o requerimento pela autora de 29.05, sob a referência 45704852 e as certidões sob 1 e 2 com o requerimento da mesma data, com a referência agora 45705050, e determinou a devolução à parte/desentranhando-se;
2. A junção da certidão sob documento 4 com o requerimento pela autora de 29.05, sob a referência 45704852 e das certidões sob 1 e 2 com o requerimento da mesma data, com a referência agora 45705050 acha-se fundada na economia da decisão proferida do acórdão do distinto Tribunal da Relação do Porto e sua fundamentação, transitada em julgado.
3. Assim, o despacho em crise, ao rejeitar tais certidões judiciais, ofende o caso julgado formal, razão pela qual deve ser revogado, admitindo-se as certidões.
4. Relativamente à certidão sob documento 4 com o requerimento pela autora de 29.05, sob a referência 45704852 é ilógico o seu desatendimento, porquanto se trata de certidão judicial de procedimento cautelar apenso ao processo principal que a Mª Julgadora aceita manter nos autos, que é a certidão 2 e 3 desse requerimento, pelo que integra o processo.
5. Um relevante tema de prova acha-se inserto no ponto 16 dos temas de prova, segundo o qual o tribunal pretende apurar se os 2ºs réus, e 3ª ré e falecido marido, bem sabiam que o prédio em apreço não pertencia aos 2ºs réus, mas sim ao 1º réu, sabendo da simulação da venda.
6. Resulta da simples análise das certidões judiciais sob 1 e 2 com o requerimento da autora de 29.05, com a referência 45705050 que se trata da petição inicial de acção movida contra os 2ºs e 3ºs réus, na qual a autora, que também o é aqui, alega factualidade relevante para a nulidade por simulação da compra e venda do prédio em causa celebrada entre o 1º réu BB e o 2º réu CC, seu irmão.
7. Tal certidão contém ainda os comprovativos das citações dos 3ºs réus, muito especialmente da 3ª Ré EE, ocorrida em 9-1-2008, portanto mais de um ano antes do famigerado empréstimo no qual intervém também a 3ª Ré, datado de vinte e oito de Outubro de dois mil e nove, no Cartório Notarial de Vila do Conde, como se pode verificar da certidão 1 junta com o requerimento da autora de 29.05, sob a referência 45704852.
8. Os factos constantes das certidões judiciais sob 1 e 2 com o requerimento da autora de 29.05, com a referência 45705050 são do conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções, porquanto a Mª julgadora dos presentes autos é também titular do processo donde elas foram extraídas, com o nº 4852/07.5TBPRD do Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2 desde 7-7-2015, data na qual lhe foi distribuído o processo, tendo sido ela quem proferiu a sentença datada de 18-7-2015.
9. Em todos os casos em que o tribunal tenha conhecimento de factos por virtude do exercício das suas funções, deverá ordenar a junção aos autos de documento ou certidão bastante para o comprovar.
10.A Mª Julgadora, para além de ignorar um facto relevante para o mérito desta acção, no qual teve intervenção no exercício das suas funções, não ordenou a junção de certidão bastante comprovativa, e quando confrontada com as certidões, rejeitou-as inexplicavelmente por “… absolutamente inúteis ou impertinentes…”, afastando uma prova decisiva da má fé da 3ª ré, a final protegida à cause na parte decisória da sentença.
11.É patente a violação do nº2 do artigo 412º do C.P.C., razão pela qual deve revogar-se nesta parte o despacho recorrido, admitindo-se aos autos as certidões judiciais sob 1 e 2 com o requerimento da autora de 29.05, com a referência 45705050.
12.Não se ignora que a admissibilidade de junção de um documento não opera ipso facto, fora das regras contidas no artigo 423º do C.P.C., porquanto, e se assim fosse, então não haveria sentido para a obrigação de apresentação da prova naqueles momentos estabelecidos na lei adjectiva, em face da possibilidade de a parte alegar sempre, e em qualquer momento, a essencialidade do meio de prova, entendimento este que não colide e não afasta todas as demais regras gerais.
13.Em face do princípio geral consignado no artigo 411º do C.P.C., o requisito para a junção processual dos documentos funda-se em saber se uma tal junção é ou não relevante para a boa decisão da causa.
14.Os documentos rejeitados não apenas são úteis como dizem respeito a uma questão de central importância nesta causa, ou seja, saber se a 3ª ré estava ou não de má fé no âmbito da aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 291º do C.C., como decidido, sendo ainda relevantes face à demais versão da realidade explanada pelos meios de prova usados pelos réus.
15.No que se refere a eventual desvantagem da junção das certidões judiciais há que reconhecer que não só os direitos de defesa dos réus estão integralmente salvaguardados pelo prazo concedido para pronuncia acerca deles, mas fundamentalmente porque tais documentos eram do pleno conhecimento desses réus – 3ª ré incluída - há largos anos.
16.O Tribunal da 1ª instância ao não admitir a junção aos autos da certidão sob documento 4 com o requerimento pela autora de 29.05, sob a referência 45704852 e das certidões sob 1 e 2 com o requerimento da mesma data, com a referência agora 45705050, com relevante interesse na apreciação do mérito, viola o princípio da confiança e o direito da autora a um processo equitativo, pelo que a não apreciação desses documentos com o fundamento dado de “ … absolutamente inúteis ou impertinentes … “ opera uma violação da confiança que as partes devem depositar no Tribunal, e uma nítida violação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), bem como do nº4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), na medida em que, nesta parte, não se procedeu a um julgamento equitativo.
17.Destarte, é de concluir que as vantagens da admissão das certidões judiciais excedem as desvantagens, e essas vantagens são de tal forma ponderosas que impõem a intervenção oficiosa do Tribunal, ao abrigo da citada norma (Artigo 411º), com vista a garantir que o processo, na sua globalidade, incluindo os aspectos relativos à admissibilidade das provas, seja equitativo, obviando a restrições arbitrárias ou desproporcionadas à apresentação de provas relevantes, sempre consistentes com a exigência de um julgamento também equitativo.
18.O que funda também o pedido de revogação do despacho em crise, admitindo-se, pois, as certidões.
Foram, pois, violadas as indicadas normas no sentido acabado de expor.
Termos em que e naqueles que V.Ex.ªs hão-de suprir, deve o recurso merecer provimento, com as legais consequências, como é de sã Justiça.
Não foi apresentada resposta a estas alegações.
O Relator proferiu decisão sumária conhecendo do recurso.
O recorrido requereu que sobre a questão recaia Acórdão
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se existe fundamento legal para rejeitar a junção dos documentos apresentados pela autora.

III. Os factos:
Para a decisão a proferir interessam os seguintes factos:
Através do requerimento ref. ª 8819388 (45704852), de 29/05/2023, a autora requereu a junção aos autos do seguinte documento n.º 4:
– Certidão dos autos de Procedimento Cautelar, com o n.º 1452/03.2TBPRD-A, em que era requerente AA e requerido BB, composta pelo requerimento inicial do procedimento cautelar e pela decisão que decretou o arresto.
Através do requerimento ref. ª 5879588 (33898762), de 04/11/2019, a autora já havia requerido e o tribunal admitido a junção aos autos de certidão da acção principal com o n.º 1452/03.2TBPRD de que é dependência o procedimento cautelar referido no ponto 1, contendo a respectiva sentença final.
Através do requerimento ref. ª 8819447 (45705050), de 29/05/2023, a autora requereu a junção aos autos dos seguintes documentos com os n.ºs 1 e 2:
– certidão dos autos de Acção de Processo Ordinário, com o nº 4852/07.5TBPRD, em que era autora AA e réus BB, CC e mulher DD, FF e mulher EE, composta pela petição inicial, pelos avisos de recepção da citação dos réus CC e EE e pela contestação apresentada pelos réus CC, DD, FF e EE, com a certificação de que a respectiva sentença transitou em julgado em 09-03-2013.

IV. Matéria de Direito:
A decisão sumária tem o seguinte conteúdo:
«O artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estabelece que a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.
Por via dessa relação entre o modo como a acção é configurada e as necessidades que o objectivo do reconhecimento do direito coloca, em qualquer processo cível apenas em duas situações o tribunal poderá recusar à parte a produção de um meio de prova pretendido pela mesma: a manifesta falta de interesse do meio de prova para a demonstração dos factos relevantes (porque o facto que o meio de prova visa demonstrar já se encontra provado por outro meio de prova produzido ou porque o facto nenhum interesse tem para a decisão do litígio); a violação das regras de direito probatório formal que regulam a admissão e produção desse meio de prova.
Uma vez que ao juiz não é permitido que se abstenha de decidir quando não se sinta suficientemente elucidado sobre os factos relevantes e que existem regras de ónus da prova que definem a parte contra a qual, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto relevante, o tribunal deve decidir, é inseparável da natureza equitativa do processo a atribuição às partes do mais amplo direito à produção da prova, balizado apenas pela necessidade de proteger direitos legítimos (v.g. proibições de prova, direito ao sigilo) ou pela absoluta falta de interesse da diligência probatória pretendida.
Escreve Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil – conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª edição, pág. 129, nota 12, que “no tribunal constitucional federal alemão fixou-se a jurisprudência no sentido de só a admissão de provas manifestamente irrelevantes poder ser recusada, pois se entende que as partes têm o direito, não só à proposição, mas também à admissão das provas relevantes para o objecto da causa (…). Nesse juízo de manifesta irrelevância não devem entrar considerações derivadas duma valoração da prova (ainda não produzida) apressadamente feita à priori (…). O Supremo Tribunal Federal (…) admitiu-o quando o juiz já estivesse convencido da realidade do facto que a parte pretende provar com o meio de prova, recusando-o apenas na hipótese inversa de convicção de que o facto não se verificou (…); mas, em decisão mais recente (de 2002), negou em qualquer caso, a admissibilidade desse juízo prematuro (…)”. É esse igualmente o nosso entendimento.
Por outro lado, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Civil incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Esta norma impõe ao juiz aquilo que hodiernamente se pode chamar de posição proactiva na condução da produção de prova, com vista à realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, no que goza mesmo de autênticos poderes-deveres de actuação oficiosa que acentuam a necessidade de só muito residualmente indeferir o requerido pelas partes com esse objectivo.
Se o juiz tem esse poder-dever, a decisão sobre os requerimentos das partes de realização de diligências probatórias se deve guiar-se pelo mesmo critério da necessidade para o apuramento da verdade. Todavia, esse poder-dever pressupõe uma actuação dinâmica ao longo do processo.
Não é por recusar uma determinada diligência de prova assim que a mesma é requerida por nesse momento ter entendido que a mesma não é necessária ou que o facto pode ser demonstrado por outra via sem prejudicar ou afectar direitos de terceiros ou mesmo outros direitos relevantes da própria parte, que o juiz deixa de estar vinculado à sua realização se vier a constatar que afinal esse meio de prova é realmente necessário, caso em que antes de julgar a matéria de facto em conformidade com as regras do ónus da prova deverá ordenar essa ou outra diligência de prova equivalente.
São várias as normas processuais relativas ao chamado direito probatório adjectivo que subordinam a actividade instrutória e consequentemente a (admissibilidade da) produção de prova ao critério da necessidade, nos termos do qual apenas devem ser produzidos os meios de prova necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, razão pela qual os meios de prova impertinentes ou cuja produção seja meramente dilatória não devem ser admitidos (cf. artigos 410.º, 448.º, n.º 3, 476.º do Código de Processo Civil).
Por fim, importa atender a outra circunstância. A produção da prova documental, em particular quando a mesma é constituída por certidões judiciais de peças processuais de anteriores acções é um procedimento particularmente simples, rápido e que não causa, em regra, quaisquer entraves no processo. Sem prejuízo da possibilidade de ser arguida a falsidade da certidão, para o que a parte contrária confrontada com a junção da certidão tem sempre o direito ao contraditório, em regra a junção da certidão apenas implica que decorra o prazo para a parte contrária se pronunciar sobre o documento, não se suscitando nenhuma outra questão. Também por isso, portanto, por não representar qualquer entrave na tramitação processual que provoque mais atrasos na decisão do processo e dificilmente poder servir de manobra dilatória, a junção de documentos (pelo menos, os daquela natureza) não deve em regra ser recusada, excepto em casos de absoluta e manifesta falta de interesse.
Tendo presente este enquadramento jurídico-dogmático centremos a atenção no caso concreto.
A recorrente começa por sustentar que a junção do doc. n.º 4 está compreendida na decisão proferida por esta Relação e por este Colectivo que anulou a sentença por falta de documentos indispensáveis à prova de factos que lhe servem de fundamento, pelo que a recusa do documento constitui além do mais uma violação do caso julgado formal.
Este argumento não procede.
O que no Acórdão proferido nos autos principais foi entendido foi que os factos que só podem ser provados por documento autêntico só podiam ser considerados na sentença como provados se e quando estivessem juntas as respectivas certidões, o que não se verificou.
Não é manifestamente o caso do doc. n.º 4 ora em questão porque não há nenhum facto que conste da fundamentação de facto da sentença que seja relativo ao que se passou no procedimento cautelar ora documentado na certidão e para cuja prova fosse necessária a certidão na altura por juntar. Portanto, aquele Acórdão não tinha manifestamente em mente este documento cuja existência aliás desconhecia.
Refere também a recorrente que o documento respeita a um procedimento cautelar de arresto prévio à acção principal de cuja sentença já se encontrava nos autos a certidão judicial e de cujos articulados agora na mesma ocasião a autora juntou certidão complementar que o tribunal aceitou.
Neste particular afigura-se-nos que a recorrente tem razão à luz do critério anteriormente indicado de que só documentos manifesta ou absolutamente irrelevantes devem ser recusados, sobretudo quando se tratam de documentos autênticos cuja junção nenhum entrave causa no andamento do processo.
Efectivamente se está junta certidão da acção principal não se justifica recusar a junção de certidão do procedimento cautelar apenso àquela, essencialmente por se tratar de um arresto de imóveis, o qual, um a vez decretado, tem de ser inscrito no registo, permitindo a qualquer pessoa que tenha acesso ao registo predial designadamente para saber se e qual se encontra disponível para sobre ele inscrever novos ónus ou garantias reais (v.g. uma hipoteca), tomar conhecimento da alegação da existência de um crédito de terceiro que o tribunal reconheceu e para cuja garantia decretou a providência cautelar.
No tocante aos documentos n.º 1 e 2 juntos com o requerimento ref. ª 8819447 (45705050), de 29/05/2023, com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, afigura-se-nos que não apenas não existem motivos para recusar a junção da respectiva certidão judicial, como a mesma é mesmo pertinente para o conhecimento do mérito da causa.
Com efeito, a certidão respeita a uma acção instaurada em 17.12.2007 pela também aqui autora AA contra todos os aqui réus e ainda o falecido marido da ré EE, FF. De acordo com a petição inicial dessa acção, constante da certidão, os fundamentos dessa acção são similares aos que sustentam a presente acção.
Acresce que o pedido é igualmente similar ao da presente acção embora restrito aos actos jurídicos celebrados pelas escrituras públicas de 18-12-2002 e de 14-01-2004 e que a citação dos réus (com conhecimento dos fundamentos da acção) é anterior ao acto jurídico celebrado pela escritura pública de 28-10-2009 que está incluído agora no objecto da acção.
Por fim, dos temas de prova indicados no despacho saneador constam factos relativos ao conhecimento dos réus EE e marido FF dos actos anteriormente celebrados pelos demais réus, e da intenção subjacente aos actos jurídicos nos quais igualmente participaram.
Daí que, de novo com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, não só está justificada a junção dos aludidos documentos, como, a nosso ver, se torna mesmo imprescindível para o conhecimento do mérito da causa que seja junta certidão da sentença final proferida nessa acção que o ora recorrente diz ter data de 18-07-2015, mas da qual, tanto quanto conseguimos apurar pela consulta electrónica do processo, não se encontra junta aos autos (pedindo desde já que nos seja relevado o lapso, caso a certidão esteja junta), o que devia suceder, aliás, desde o início do processo até para perceber se a referida sentença permite a aparente repetição da acção na parte em que tem por objecto os actos jurídicos das escrituras de 18-12-2002 e de 14-01-2004.
O que embora não venha suscitado se pode questionar é se a autora ainda estava em tempo para juntar esses documentos.
Sobre o momento da apresentação dos documentos rege o artigo 423.º do Código de Processo Civil que dispõe o seguinte:
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Os documentos em causa não foram juntos pela autora com a petição inicial, sendo certo que não se tratam de documentos objectiva ou subjectivamente supervenientes, razão pela qual a regra para a sua junção era a prevista no n.º 1 da norma.
A ultrapassagem desse momento, contudo, não veda totalmente a junção de documentos numa fase posterior, conforme prevê o n.º 2.
No anterior Acórdão desta Relação que conheceu do recurso de apelação da primeira sentença proferida, foi decidido anular a sentença recorrida, determinando que em 1.ª instância seja reaberta a instrução, convidando as partes a juntar os documentos autênticos em falta, acima assinalados, e, concluída de novo a instrução da causa, seja proferida nova sentença.
Por conseguinte, a instrução da causa que havia sido encerrada foi reaberta, tornando possível a junção de documentos (para além daqueles que o próprio Acórdão determinou que fossem juntos) até 20 dias antes da data em que vier a ser realizada nova audiência de julgamento para alegações sobre a matéria de facto à luz dos novos meios de prova produzidos. Essa possibilidade encontra-se, todavia, sujeita à sanção de multa, quando, como sucede no caso, não há justificação para que os documentos não tivessem sido juntos com a petição inicial.»
Na reclamação para a Conferência o recorrido objecta a este entendimento que «a decisão sumária desentende o anterior Acórdão» uma vez que este não ordenou a repetição do julgamento, apenas anulou a sentença e a ordenar que se reabrisse a instrução com junção dos documentos ordenados.
Salvo melhor opinião, o recorrido não tem razão.
É verdade que o anterior Acórdão, também por nós relatado, tal como a decisão sumária, não ordenou a repetição do julgamento, mas isso apenas significa e implica que os actos praticados no anterior julgamento se mantêm válidos.
O decido no anterior Acórdão não implica nem impede que uma vez reaberta a audiência de julgamento para a prática dos actos ordenados (a produção de nova prova documental, as alegações e a prolação de nova sentença) o processo retorne à fase da audiência de discussão e julgamento e, portanto, que nessa fase possam ter lugar outros actos se os mesmos tiverem cabimento processual.
A reabertura da audiência está justificada pela necessidade da produção de meios de prova (documental) em falta, mas não está confinada necessariamente a esse objecto porque nem o anterior Acórdão assim o determina, nem é possível excluir que uma vez reaberta a audiência de julgamento e tornando o processo a essa fase possam sobrevir circunstâncias que justifiquem a prática de mais actos e a lei do processo os consinta ainda na fase da audiência de julgamento.
O recorrido objecta ainda que a junção de um documento não expressamente assinalado no anterior Acórdão não é admitida pela lei do processo por estar ultrapassado o momento limite em que a sua junção seria possível: 20 dias antes da audiência de julgamento.
Também não lhe assiste razão.
A audiência de julgamento foi reaberta, pelo que é incontornável que o processo voltou, por força do anterior Acórdão, a essa fase processual (muito embora mantendo-se a validade dos actos já praticados nessa fase).
Conforme se assinala na decisão sumária do Relator o momento da apresentação dos documentos está regulado no artigo 423.º do Código de Processo Civil. O n.º 2 desta disposição permite, uma vez reaberta por qualquer causa a instrução da causa, que sejam juntos documentos até 20 dias antes da data em que vier a ser realizada nova audiência de julgamento para alegações sobre a matéria de facto à luz dos novos meios de prova produzidos.
Essa possibilidade não exige qualquer justificação, designadamente que a junção dos documentos em momento anterior tenha sido impossível (exigência que só aparece no n.º 3) e só se encontra sujeita à sanção de multa, quando não há justificação para que os documentos não tivessem sido juntos com a petição inicial, multa que foi aplicada na decisão sumária.
Questão diferente consiste em saber se nos casos em que a audiência de julgamento se distribui por várias sessões separadas temporalmente, esse limite de 20 dias antes deve ser contado da data em que se inicia a realização da audiência ou da data em que se realiza a sessão na qual se pretende a junção do documento.
Sabe-se que a doutrina e a jurisprudência se encontram divididas a esse respeito.
A nosso ver, as normas processuais estão ao serviço da realização da justiça material e por isso devem ser interpretadas em função dessa finalidade, razão pela qual quando as normas processuais não definirem total e inequivocamente a consequência preclusiva do decurso de um prazo, essa consequência deve ser estabelecida com respeito pelas regras da adequação e proporcionalidade e como meio para a realização da justiça material, não como obstáculo à sua realização.
Se a lei processual admite a junção até um limite temporal cuja razão de ser é permitir à parte contrária conhecer de antemão o documento que irá ser junto para poder exercer de forma eficaz o contraditório em relação ao mesmo, não vislumbramos nada que impeça que a junção seja possível desde que esse limite seja observado no momento em que a parte contrária irá poder exercer o contraditório.
A interpretação contrária, para além de suscitar a questão da adequação e proporcionalidade do efeito preclusivo de um prazo assim definido, obriga a admitir que então o que o artigo 423.º do Código de Processo Civil deveria dizer é que a junção só seria possível «até 20 dias antes da data em que se inicie a realização da audiência final», quando o que a norma estabelece é apenas «até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final». Nesse sentido, afigura-se-nos que a decisão singular é correcta.
O recorrido sustenta de seguida que «os documentos sobre os quais incide a decisão sumária são impertinentes».
Também não tem razão.
A pertinência e interesse dos documentos em questão é manifesta; aliás, tudo quanto o recorrido refere a esse propósito só sublinha essa pertinência.
O recorrido faz por confundir, com efeito, interesse probatório e valor probatório. O interesse probatório, que torna o documento pertinente para a causa, existe quando o documento está relacionado com os factos que se discutem nos autos e em si mesmo é apto para servir para a demonstração de factos com relevo para o julgamento da mesma, ainda que se tratem de factos instrumentais. O valor probatório tem a ver com o mérito epistemológico do documento para demonstrar o facto para cuja prova o documento é junto. Para decidir a admissão do documento basta que ele tenha interesse ou relevo para a matéria da causa; não cabe nessa decisão qualquer análise do respectivo valor probatório. Este valor, por sua vez, só é ponderado a final, após a produção de todos os meios de prova, sendo certo que nesse momento terá de ser feita a avaliação ponderada do conjunto dos meios de prova, podendo perfeitamente acontecer que um meio de prova seja insuficiente para poder sozinho fazer prova do facto, mas, em conjunto com outros meios de prova que reforcem ou complementem o seu valor epistemológico, essa prova seja alcançada.
Ora, se o documento em causa é uma certidão de uma acção instaurada em 17/12/2007 pela recorrente contra todos os aqui réus e ainda o falecido marido da ré EE, FF, com fundamentos similares aos da presente acção e com um pedido igualmente similar, embora limitado aos negócios jurídicos celebrados até ao momento da respectiva instauração, parece absolutamente incontornável a pertinência do documento para a presente acção em que se discute designadamente o conhecimento de alguns factos já alegados na anterior acção e para a qual todos os réus foram citados, designadamente para efeitos de um negócio jurídico celebrado depois dessa citação!
Por outro lado, a circunstância de o tribunal a quo conhecer a referida acção e o respectivo desfecho não só não retira ao documento a sua pertinência, como acaba por reforçar a necessidade da junção dos documentos referidos na decisão sumária.
Com efeito, a certidão que já se encontrava junta levantava a questão da existência entre ambas as acções de eventual litispendência ou caso julgado. Se a anterior acção já estava julgada havia que juntar aos autos certidão dessa decisão para afastar a verificação de alguma dessas excepções, sendo certo que para o efeito não basta ao tribunal afirmar esse conhecimento, é indispensável cumprir o disposto no artigo 412.º, n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Civil, não só porque a norma o exige, mas também porque o conhecimento do tribunal a quo não é o conhecimento do tribunal de recurso e este tem o poder-dever de se pronunciar sobre excepções que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das mencionadas, e para isso necessita de ter acesso aos documentos em questão.
A menção que consta do despacho saneador («indefere-se, por inútil ou imprestável à prova a ter lugar nestes autos, a requerida junção dos termos de acção anterior pela autora, finda por extinção da instância») refere-se a um requerimento dos próprios réus na contestação no sentido ser oficiado ao «Tribunal Judicial de Paredes, relativamente ao Processo n.º 4852/07.5TBPRD, …, para juntar aos autos certidões da Petição Inicial, Contestação e Sentença».
Logo, para além de tal demonstrar que à data os demandados entendiam que esses documentos eram pertinentes para o julgamento da causa, contrariamente ao que agora o recorrido (que sucedeu a um dos demandados) defende (!), significa que não foi proferida qualquer decisão a recusar à autora a junção de documentos que possa ter formado caso julgado formal.
De todo o modo, como referido, resulta do disposto no artigo 412.º, n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Civil, que era indispensável juntar aos autos certidão que documentasse o teor e o desfecho dessa acção, cabendo ao tribunal, a partir do momento em que se encontrava junta certidão da respectiva petição inicial, o ónus de diligenciar por essa junção, independentemente da iniciativa das partes.
Assim, tal qual foi entendido na decisão sumária, procede o recurso.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência,
i) revogam a decisão recorrida;
ii) admitem a junção aos autos dos documentos apresentados pela autora mencionados no recurso, sancionando a autora pela sua apresentação tardia na multa de 2 UC´s;
iii) determinam que a autora junte aos autos ainda certidão judicial da sentença proferida na acção com processo n.º 4852/07.5TBPRD, com nota do respectivo trânsito em julgado;
iv) mais determinam que juntos os documentos em causa e exercido o contraditório se proceda, nos termos legais e tal como já decidido no anterior Acórdão, a audiência de julgamento (para alegações atentos os novos meios de prova) e posteriormente à prolação de sentença.
Custas do recurso pela recorrente, segundo o critério do proveito, as quais, não tendo os recorridos motivado a decisão impugnada nem respondido ao recurso, correspondem somente à taxa de justiça, mas que não será paga porque a recorrente beneficia da dispensa do seu pagamento.
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Porto, 8 de Fevereiro de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 800)
1.º Adjunto: Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira
2.º Adjunto: Paulo Dias da Silva






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