Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10722/06.7YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
DECISÃO
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP2024022210722/06.7YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não prevendo a lei expressamente qual o prazo para impugnação das decisões do AE, há que considerar o prazo de 10 dias: art.º 149º do CPC.
II - Sendo uma das partes pessoa singular e sem mandatário constituído nos autos, a notificação da decisão proferida pelo AE tem de ser feita por carta registada, presumindo-se efetuada no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no
III – Sendo os atos das partes praticados por via eletrónica, não se atende ao horário de expediente dos serviços. Nos termos do art.º 137º nº 3 do CPC, os atos das partes praticados por via eletrónica podem ser praticados “em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais”.
IV - Uma impugnação entrada às 23:39 horas do dia 24/10/2023, é considerada como praticada no dia 24.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 10722/06.7YYPRT-A.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado
1. Em 08/09/2006, Banco 1... (sucursal em Portugal) instaurou processo de execução contra A..., L.da e contra AA, pelo montante de € 18.097,12, com fundamento numa livrança subscrita pelos Executados (para garantir um contrato de locação financeira).
A execução foi prosseguindo os seus termos.
Em 28/03/2016, a Agente de Execução (AE) proferiu decisão de extinção da execução, sem prejuízo da renovação da instância, nos termos do art.º 779º nº 4 al. b) e art.º 849º nº 1 al. d), ambos do Código de Processo Civil (CPC).
O Executado AA foi notificado dessa decisão por carta enviada pela AE com data de 28/03/2016.
Em 10/07/2023, a Exequente veio requerer a renovação da instância, com fundamento em a entidade patronal ter cessado os descontos logo após a extinção da instância.
Em 31/07/2023, respondendo a solicitação da AE, a Exequente veio indicar que nessa data o valor em dívida se cifrava em € 28.964,19 (!).
Em 10/10/2023, a AE decidiu a renovação da instância executiva.
O Executado AA foi notificado dessa decisão por carta enviada pela AE com data de 10/10/2023.
Em 18/10/2023, o Executado AA juntou procuração aos autos, constituindo mandatário forense. Em 24/10/2023, a Ex.ma mandatária constituída veio requerer ser associada aos autos, dado não conseguir aceder aos mesmos.
Em 24/10/2023, o Executado veio deduzir “incidente de impugnação da decisão de agente de execução” relativamente à decisão de renovação da instância.
Em 06/11/2023, a Exequente veio opor-se a esse incidente invocando, para além do mais, a respetiva intempestividade.
Em 11/12/2023, a M.mª Juíza proferiu o seguinte despacho:
«O executado veio opor-se à decisão de renovação da instância em 25.10.2023.
Tinha sido notificado da referida renovação por carta datada de 11.10.2023 e recepcionada em 12.10.2023.
O prazo para a reclamação, na falta de previsão especifica, é de 10 dias – art.º 149º, nº1, d C.P.C.
Temos, assim que a reclamação deveria ter sido apresentada até ao dia 22.10.2023, pelo que a reclamação apresentada a 25.10.2023 é extemporânea.
Pelo exposto, não admito a reclamação apresentada, por extemporânea.»

2. Inconformado com tal decisão, dela apelou o Autor, formulando as seguintes conclusões:
«1. No, aliás, douto despacho que, julgando extemporânea a reclamação apresentada pelo Executado relativamente à decisão da Exma. Senhora Agente de Execução de renovar a instância executiva, a M.ma Juiz incorreu em erro de julgamento, tendo indevidamente valorado os elementos documentais juntos aos autos, mormente no que concerne com o momento em que ocorreu a notificação do Executado, ora Apelante.
2. Com efeito, tendo a carta enviada pela Exma. Senhora Agente de Execução seguido em correio registado simples, com data de registo de 11 de outubro de 2023, a notificação presume-se recebida a 16 de outubro desse ano, de harmonia com o disposto no artigo 249.º, n.º 1 do Código de Processo Civil,
3. Sendo essa a data a partir da qual deve ser contado o prazo de dez dias previsto no artigo 149.º n.º 1d) dessa mesma codificação.
4. Conforme jurisprudência imperante nos nossos tribunais superiores, a ilisão da presunção apenas pode ser promovida pelo destinatário da notificação, com a finalidade de demonstrar ou que a notificação não se fez ou que foi efetivada em momento posterior aquele em que opera essa presunção.
5. Tendo o Executado apresentado a juízo, no dia 24 de outubro de 2023, o requerimento em que deduz o incidente de impugnação da decisão de Agente de Execução - conforme entendimento imposto pelo preceituado no artigo 144.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, impõe-se concluir que o mesmo é tempestivo, devendo sobre ele recair decisão de mérito.
6. Todavia, ainda que assim não se entendesse, e se assumisse que, conforme resulta do despacho ora em crise, a notificação ocorreu a 12 de outubro de 2023 e a reclamação interposta a 25 de outubro de 2023, sempre deveria recorrer-se à aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código de Processo Civil,
7. Admitindo-se a peça, mas sujeitando-se o Executado, após iniciativa da secretaria ou decisão judicial, à multa prevista no citado normativo.
8. Destarte, ao julgar extemporânea a reclamação apresentada pelo Executado, aqui Apelante, procedeu o “tribunal a quo” a uma incorreta aplicação do disposto nos artigos 249.º, n.º 1, 144.º, n.º 1 e 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
Termos em que, e no mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido por outro que admita o incidente de impugnação da decisão da Agente de Execução e profira sobre o mesmo uma decisão de mérito, assim se fazendo inteira Justiça!»

3. Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do CPC.
No caso, trata-se de apurar da tempestividade da impugnação da decisão de agente de execução.

4.1. Tempestividade da impugnação da decisão de agente de execução
Não prevendo a lei expressamente qual o prazo para impugnação das decisões do AE, rege o art.º 149º do CPC: o prazo de 10 dias, contado a partir da notificação ou conhecimento da decisão em crise.
O Executado impugnante é uma pessoa singular. No caso, e à data, não tinha mandatário constituído nos autos.
Nos termos do art.º 249º nº 1 do CPC, a notificação haveria de ser feita por carta registada (como o foi, registo simples), presumindo-se efetuada no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
A contagem do prazo é contínua, suspendendo-se durante as férias judiciais e transferindo-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte (art.º 138º nº 1 e 2 CPC).
Nos termos do art.º 279º al. b) do Código Civil (CC), na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.
Sabemos que o Executado foi notificado da decisão de renovação da instância executiva por carta enviada pela AE com data de 10/10/2023.
Portanto, o Executado considera-se notificado no dia 13/10/2023 (sexta-feira), iniciando-se a contagem no dia 14 (1º dia).
Os 10 dias que lhe eram concedidos completaram-se no dia 23/10/2023.
Como se colhe da consulta do Citius, o Executado deu entrada da sua impugnação no dia 24/10/2023, às 23:39 horas.
Há, pois, que considerar o dia 24 (e não o dia 25) como entrada da impugnação dado que, sendo os atos das partes praticados por via eletrónica, não se atende ao horário de expediente dos serviços. Nos termos do art.º 137º nº 3 do CPC, os atos das partes praticados por via eletrónica podem ser praticados “em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais”.
Considerando o dia 24/10/2023, daqui resulta que a impugnação foi deduzida com um dia de atraso.
Há então que entrar em linha de conta com o disposto no art.º 139º nº 5 do CPC, que permite a prática do ato nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
Segundo a al. a) desse preceito, se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC.
Verifica-se ainda do Citius que nenhuma multa foi paga, sendo que, nessa data, já o Executado havia constituído mandatário.
Assim, nos termos do art.º 139º nº 6 do CPC, competia à secretaria, independentemente de despacho, notificar o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa.
Se tal multa e penalização vier a ser paga, o ato considera-se tempestivamente praticado.
A secretaria não cumpriu a notificação para pagamento da multa. Há, pois, que o fazer e apenas no caso de não pagamento da multa se pode concluir pela extemporaneidade.

5. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
6. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar o despacho recorrido, determinando-se agora que a secretaria cumpra o nº 6 do art.º 139º do CPC, prosseguindo depois os autos em conformidade com o resultado dessa notificação.
Sem custas do recurso, face ao provimento do mesmo e ausência de contra-alegações.

Porto, 22 de fevereiro de 2024
Isabel Silva
António Paulo Vasconcelos
Francisca Mota Vieira