Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2274/19.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
SECTOR DE ACTIVIDADE
EMPRESA
ANTIGUIDADE
TRABALHADOR
DISCRIMINAÇÃO
SALÁRIO
Nº do Documento: RP202103222274/19.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O trabalho de valor igual é, na definição dada pelo artigo 23.º do Código do Trabalho, “aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade”. II – O princípio da igualdade de tratamento salarial, constitucionalmente consagrado, impede que no mesmo departamento ou sector de actividade de uma empresa existam trabalhadores de “1.ª e 2.ª categoria salarial”, apenas por razões de política empresarial, como a diminuição dos custos de produção.
III - A igualdade de retribuição, como determinante constitucional positiva, impede que a diminuição dos custos de produção do empregador seja feita à custa do trabalho de novas trabalhadoras contratadas para o mesmo sector ou departamento da empresa, quando prestam funções em “igual natureza, quantidade e qualidade” comparativamente com os trabalhadores já ao serviço nesse mesmo departamento.
IV - O não pagamento do “bónus incentivo” às novas trabalhadoras constitui um factor de discriminação salarial, nos termos e para efeitos do artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do Trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2274/2019.4T8VFR.P1
Origem: Comarca Aveiro S.M. Feira Juízo Trabalho J2
Relator - Domingos Morais – Registo 904
Adjuntos - Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. - B…, C… e D…, instauraram a presente acção, na Comarca Aveiro S.M.Feira Juízo Trabalho J2, contra
- E…, Lda.,, todos nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
As A.A. foram admitidas ao serviço da R., mediante contrato de trabalho, para trabalharem sob as suas ordens, instruções e fiscalização, na fábrica de calçado da R. situada na Rua…, nº…, em ….
A 1ª A. foi admitida a 14 de Outubro de 2013,
A 2ª A. foi admitida a 05 de Maio de 2014,
A 3ª A. foi admitida a 18 de Novembro de 2013, todas com base no salário mensal de 696,80€, ao qual acresce um subsídio de alimentação no valor diário de 5€ e um prémio de assiduidade no valor mensal de 30€.
A R. coloca e mantém a trabalhar no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” aqueles trabalhadores que ela considera que desempenham as suas funções com mais competência, cuidado e perfeição.
No “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, não é admitida qualquer margem de erro de execução,
O produto tem de ser finalizado com total perfeição, sem qualquer erro, pelo que é exigido aos trabalhadores que executem as suas tarefas com um nível de perfeição máximo.
Pelo menos desde 1995, em consequência das negociações entre a R. e os seus trabalhadores, a R. passou a pagar aos trabalhadores da secção de fabrico de amostras e de protótipos – para além do salário, do prémio de assiduidade e do subsídio de alimentação – uma determinada quantia em dinheiro denominada por “bónus incentivo”.
O referido “bónus incentivo” era pago a todos aqueles que trabalhassem na secção de fabrico de amostras e protótipos, e apenas por trabalharem nesse local da empresa da R..
O referido “bónus incentivo” tem o valor fixo diário de 4,98€ (quatro euros e noventa e oito cêntimos) e é determinado e pago, individualmente, no final de cada mês, através da multiplicação deste valor pelo número de dias mensais de trabalho efetivo de cada trabalhador no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, correspondendo, em média, à quantia mensal de 109,73€ (4,98€ x 22 dias de trabalho).
O referido “bónus incentivo” começava a ser pago a cada trabalhador no final do seu primeiro mês de trabalho no mencionado departamento.
O referido ”bónus incentivo” era pago mensalmente a cada trabalhador desse departamento, independentemente da sua categoria profissional, das funções concretas que desempenhasse, do seu mérito, da sua produtividade, da sua assiduidade e da sua antiguidade ao serviço da R..
A partir de Agosto de 2013, a R., por sua decisão unilateral, deixou de pagar o referido prémio a todos aqueles que foram contratados a partir desta data e que passaram a trabalhar no departamento de fabrico das amostras e protótipos, muito embora tenha continuado a pagá-lo mensalmente, e ainda paga, àqueles que já aí trabalhavam antes desta data.
A R. considera que o referido “bónus incentivo” integra a retribuição dos trabalhadores que trabalham no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” desde uma data anterior a Agosto de 2013, e paga-lhes esse prémio nas retribuições das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal.
Terminaram, pedindo: “deverá a presente ação ser julgada provada e procedente e por via dela:
a) Ser declarado que o “bónus incentivo”, alegado neste articulado, integra a retribuição da 1ªA. desde a data da sua admissão ao serviço da R., isto é, desde 14.10.2013.
b) Ser a R. condenada a pagar à 1ªA. a quantia de 8.636,66€ (oito mil seiscentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de prestações de “bónus incentivo”, conforme foi alegado no artigo 90º deste articulado.
c) Ser a R. condenada a pagar à 1ªA. a quantia de 982,04€ (novecentos e oitenta e dois euros e quatro cêntimos), a titulo de juros de mora vencidos, à taxa legal, até à presente data, sobre a quantia pedida na alínea anterior, bem como os juros de mora que, à taxa legal, se vencerem até pagamento integral dessa quantia.
d) Ser a R. condenada a pagar mensalmente à 1ªA. todas as prestações do “bónus incentivo”, alegado no presente articulado, que se vencerem a partir da presente data e enquanto se mantiver vigente o contrato de trabalho entre as partes.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando, parcialmente, os factos alegados pelas autoras, dizendo inexistir discriminação e violação do princípio constitucional de “para trabalho igual, salário igual”.
Terminou, concluindo: “Deve a ação improceder”.
3. - No despacho saneador, a Mma. Juiz fixou o valor da acção em €27.735,42.
4. – Após, e na sequência de requerimento de desistência do pedido da 2.ª autora C…, a Mma Juiz decidiu: “julgo a mesma válida pelo que a homologo por sentença, julgando extinto o direito que a A. C…, nestes autos, pretendia fazer valer em relação à ré (pedidos formulados nas alíneas e) a h) da petição inicial).”.
5. - Realizada a audiência de discussão e julgamento, a Mma. Juiz proferiu decisão: “julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos.
Custas pelas AA., sem prejuízo da isenção legal de que beneficiam.”.
6. – As autoras, inconformadas, apresentaram recurso de apelação, concluindo:
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7. – A ré contra-alegou, concluindo:
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8. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
9. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“Com interesse para a decisão a proferir, ficaram apurados os seguintes factos:
Da petição:
1º- As 1ª e 3ª A.A. foram admitidas ao serviço da R., mediante contrato de trabalho, para trabalharem sob as ordens, instruções e fiscalização da R., na fábrica de calçado da R. situada na Rua…, nº…, em ….
2º- A 1ª A. foi admitida ao serviço da R. com base num contrato de trabalho com a duração inicial de 5 meses, com inicio a 14 de Outubro de 2013, que se renovou, automática e sucessivamente, e converteu-se em contrato de trabalho sem termo após a terceira renovação.
3º- A 3ª A. foi admitida ao serviço da R. com base num contrato de trabalho por tempo indeterminado, com inicio em 18 de Novembro de 2013.
4º- A 1ªA. é retribuída mensalmente ao serviço da R. com base num salário no valor de 696,80€ (seiscentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos), ao qual acresce um subsídio de alimentação no valor diário de 5€ (cinco euros) e um prémio de assiduidade no valor mensal de 30€ (trinta euros).
5º- A 3ªA. é retribuída mensalmente ao serviço da R. com base num salário no valor de 696,80€ (seiscentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos), ao qual acresce um subsídio de alimentação no valor diário de 5€ (cinco euros) e um prémio de assiduidade no valor mensal de 30€ (trinta euros).
6º- As A.A. cumprem os seguintes horários de trabalho:
- A 1ª A. trabalha no horário das 8h00 às 17h00 (com um intervalo de uma hora para almoço);
- A 3ª A. trabalha no turno das 6h00 às 14h00.
7º- A empresa de fabrico de calçado da R. está dividida nos seguintes sectores:
- Departamento administrativo da produção e departamento de recursos humanos.
- Pavilhão 1: no interior do qual operam o “Armazém de Matérias-Primas”; o “Armazém de Produtos Acabados”; o “Departamento Técnico da Produção”; a “secção de corte” e a “secção de costura” do fabrico de calçado.
- Pavilhão 2: no interior do qual operam a “secção de montagem” e a “secção de acabamento” do fabrico do calçado.
- Pavilhão 3: no interior do qual opera a secção de manutenção; a secção de moldes e formas; o laboratório; um “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, que contém uma secção de desenvolvimento, uma secção de corte, uma secção de costura, uma secção de montagem, uma secção de acabamento, um armazém de matérias-primas e um departamento administrativo.
8º- Nos Pavilhões 1 e 2, produzem-se milhões de pares de calçado que se destinam a satisfazer as encomendas dos clientes da R.
9º- O “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” funciona separadamente dos Pavilhões 1 e 2.
10º- No “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” são concebidos e fabricados os protótipos e, também, são aí fabricadas as amostras, que de destinam a ser exibidas aos clientes da R. para que estes possam realizar as suas encomendas.
11º- No sector da produção (Pavilhões 1 e 2) é aproveitada uma determinada margem de erro de execução no fabrico do calçado, que depois é vendido a um preço mais baixo, como produto de 2ª qualidade.
12º- No “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, no fabrico de amostras e protótipos, o produto tem de ser finalizado com total perfeição, sem qualquer erro, pelo que é exigido aos trabalhadores que executem as suas tarefas com perfeição.
13º- No “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” cada trabalhador que aí trabalha tem de saber executar e executa efetivamente, todas as funções próprias da sua categoria profissional.
14º- No “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” é fabricado do princípio ao fim, isto é, cada sapato é cortado, cosido, montado e acabado individualmente.
15º- No sector da produção (Pavilhões 1 e 2), em princípio, cada trabalhador desempenha apenas 2 a 3 funções próprias da sua categoria profissional, sendo o trabalho posteriormente completado pelos restantes trabalhadores da linha de produção.
16º- Desde 2005, a R. passou a pagar aos trabalhadores da secção de fabrico de amostras e de protótipos – para além do salário, do prémio de assiduidade e do subsídio de alimentação – uma determinada quantia em dinheiro denominada por “bónus incentivo”.
17º- O referido “bónus incentivo” era pago a todos aqueles que trabalhassem na secção de fabrico de amostras e protótipos.
18º- E apenas por trabalharem nesse local da empresa da R.
19º- O referido bónus incentivo tem o valor fixo semanal de 24,94€ e é determinado e pago, individualmente, no final de cada mês, através da multiplicação deste valor pelo número de dias mensais de trabalho efetivo de cada trabalhador no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”.
20º- O referido “bónus incentivo” começava a ser pago a cada trabalhador no final do seu primeiro mês de trabalho no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”.
21º- O referido ”bónus incentivo” era pago mensalmente a cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos, independentemente da sua categoria profissional, das funções concretas que desempenhasse, do seu mérito, da sua produtividade, da sua antiguidade ao serviço da R..
22º- A partir de Agosto de 2013, a R., por sua decisão unilateral, deixou de pagar o referido prémio a todos aqueles que foram contratados a partir desta data e que passaram a trabalhar na secção de fabrico das amostras e protótipos, muito embora tenha continuado a pagá-lo mensalmente, e ainda paga, àqueles que já aí trabalhavam antes desta data, incluindo nas retribuições de férias, do subsídio de férias e de Natal.
23º- A R. não paga o referido “bónus incentivo” às A.A. e justifica-se no facto de elas terem sido contratadas e começaram a trabalhar no departamento de fabrico das amostras e protótipos após o mês de Agosto de 2013.
24º- A R. classifica a 1ªA. como “Operador de Acabamento de 1ª”.
25º- A 1ªA. tem o seu posto de trabalho na secção de acabamento do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, desde a data da sua admissão ao serviço da R..
26º- As trabalhadoras da R., que estão classificadas com a categoria de “operadora de acabamento” e que exercem as suas funções no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, e que aí trabalham desde uma data anterior a Agosto de 2013, executam todas as funções relacionadas com o acabamento do calçado, designadamente operações de limpeza, pintura, acabamento (inspecionar e retificar, colar/meter palmilhas, dar calor/ferro, escovar polir gáspea, spray gordura, pintar solas/base, escovar solas, aplicar creme, aplicar creme castanho, limpar solas, escovar sapato, polir na forma, colocar pitões, meter atacadores, papel/formas, spay matt, escovar e polir final).
27º- A 1ª A. também executa todas as funções relacionadas com o acabamento do calçado, designadamente operações de limpeza, pintura, acabamento (inspecionar e retificar, colar/meter palmilhas, lavar gáspeas, dar calor/ferro, escovar polir gáspea, spray gordura, pintar solas/base, escovar solas, aplicar creme, aplicar creme castanho, limpar solas, escovar sapato, polir na forma, colocar pitões, meter atacadores, papel/formas, spay matt, escovar e polir final).
28º- A 1ªA. e as restantes trabalhadoras que exercem as suas funções no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” (e que aí trabalham antes de Agosto de 2013), quer aquelas que estão classificadas com a categoria de “operadora de acabamento”, quer aquelas que estão classificadas com outras categorias profissionais, executam todas elas funções de fabrico de calçado, que se inserem na organização produtiva do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, estão todas elas sujeitas às ordens, instruções e fiscalização das mesmas chefias da R., estão todas elas sujeitas aos mesmos critérios e exigências de qualidade por parte da R., estão todas elas sujeitas às mesmas exigências quantidade de execução de trabalho, determinadas pela R., estão todas elas sujeitas às mesmas regras disciplinares, estão todas elas sujeitas às mesmas exigências de assiduidade, recebendo todas o prémio de assiduidade.
29º- A R. classifica a 3ª A. como “Operadora de Corte de 1ª”.
30º- A 3ªA. tem o seu posto de trabalho na secção de corte do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, desde a data da sua admissão ao serviço da R..
31º- As trabalhadoras da R., que estão classificadas com a categoria de “operadora de corte” e que exercem as suas funções no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, e que aí trabalham antes de Agosto de 2013, executam todas as funções relacionadas com o corte para calçado, designadamente o corte de peles, o corte de materiais, o corte de moldes, utilizando a maquinaria de corte e demais ferramentas adequadas a tal tarefa.
32º- A 3ª A. também executa todas as funções relacionadas com o corte para calçado, designadamente o corte de peles, o corte de materiais, o corte de moldes, utilizando a maquinaria de corte e demais ferramentas adequadas a tal tarefa.
33º- A 3ª A. e as restantes trabalhadoras que estão classificadas com a categoria de “operadora de corte” e que exercem as suas funções no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” (e que aí trabalham antes de Agosto de 2013), quer aquelas que estão classificadas com a categoria de “operadora de corte”, quer aquelas que estão classificadas com outras categorias profissionais, executam todas elas funções de fabrico de calçado, que se inserem na organização produtiva do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, estão todas elas sujeitas às ordens, instruções e fiscalização das mesmas chefias da R., estão todas elas sujeitas aos mesmos critérios e exigências de qualidade máxima por parte da R., estão todas elas sujeitas às mesmas exigências quantidade de execução de trabalho, determinadas pela R., estão todas elas sujeitas às mesmas regras disciplinares, estão todas elas sujeitas às mesmas exigências de assiduidade, recebendo todas o prémio de assiduidade.
34º- As A.A. são associadas do Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins.
35º- Quer os trabalhadores, quer a delegação sindical da empresa, têm apresentado à R. inúmeras reclamações sobre esta matéria.
36º- No final do mês de Junho de 2019, a R. comunicou aos seus trabalhadores que iria começar a pagar, durante o ano de 2020, o “bónus incentivo” aos trabalhadores do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” que atualmente não o recebem, como é o caso das A.A..
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Da contestação:
37º- A R. é uma empresa de fabrico de calçado de capital dinamarquês, instalada em Portugal desde 1984 e que se insere no grupo multinacional de fabrico e comercialização denominado E….
38º O grupo E… tem unidades de produção em várias partes do mundo, nomeadamente na China, na Indonésia, na Eslováquia, na Tailândia, no Vietname e em Portugal, a R..
39º- Ao longo da sua história, a R. foi sempre uma grande empresa da indústria de calçado, com centenas de trabalhadores, desde que foi fundada, há mais de 30 anos.
40º- Na década de 2000 a R. tinha implementado no setor da produção um prémio de produção, ligado à produtividade e à qualidade no trabalho.
41º- A existência desse incentivo, no setor de produção, tornava difícil recrutar colaboradores para o setor das amostras, onde não havia prémio de produção.
42º- No setor das amostras havia uma especial exigência ao nível da flexibilidade de horários e da marcação do período de férias para fazer face a picos de produção e ao nível do rigor e da qualidade exigida aos trabalhadores.
43º- A R. estipulou um bónus para o sector das amostras, que aprovou unilateralmente em 10.1.2005 e aplicou aos trabalhadores do corte e costura de amostras e de montagem e acabamento de amostras (trabalhadores diretos de produção), que aí prestavam serviço.
44º- O bónus, no valor semanal fixo de 24,94€, em 14 meses por ano, era conferido por causa da especificidade do trabalho realizado nessa secção, nomeadamente ao nível da maior flexibilidade para fazer face a picos de produção, sobretudo na marcação dos períodos de férias, e ao nível do rigor e elevada qualidade exigida, sendo ajustado aos minutos de presença - alterado, nos termos infra consignados, para:
44º- O bónus, no valor semanal fixo de 24,94€, em 14 meses por ano, era conferido a cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos, conforme o consignado no ponto 21.º”
45º- Ao contrário dos trabalhadores da produção, que tinham (e têm) três semanas consecutivas de férias no Verão (agosto), no setor das amostras os trabalhadores eram solicitados a tirar menos dias de férias nesse período de picos de produção, repartindo-os, nomeadamente por outros períodos de menor exigência de trabalho.
46º- A R. funcionou com uma estrutura reduzida, apenas dedicada a amostras e desenvolvimento, mantendo somente cerca de 140 trabalhadores, após o fecho da produção, em 2009, altura em que tinha cerca de 1.000 trabalhadores, até finais de 2011.
47º- Em finais de 2011, devido a um caso de força maior na fábrica da Tailândia, que foi arrasada por causa de chuvas torrenciais, a R. teve de retomar gradualmente a produção e de admitir pessoal para poder fazer face às necessidades de trabalho, inicialmente pensava-se que temporariamente, até a fábrica tailandesa ser recuperada, mas depois, a partir de finais de 2012, com um reinvestimento firme na unidade portuguesa.
48º- Nessa altura não fazia sentido para a R. retomar a atribuição do prémio de produção no setor da produção, por razões económico-financeiras num cenário de crise, mas também porque os trabalhadores admitir eram na maioria novos na empresa e sem experiência profissional na indústria do calçado. – alterado, nos termos infra consignados, para:
48 – A ré decidiu não retomar a atribuição do prémio de produção no sector da produção, aquando da sua reactivação, a partir de finais de 2013, na sequência do caso de força maior na fábrica da Tailândia, referenciado no ponto 47.”.
49º- Por isso, em fins de julho de 2013 a R. decidiu não atribuir o bónus do setor das amostras aos trabalhadores admitidos de novo que fossem prestar serviço nesse setor, apenas o mantendo para os trabalhadores que já aí trabalhavam. – alterado, nos termos infra consignados, para:
49 - A partir de Agosto de 2013, a R., por sua decisão unilateral, deixou de pagar o “bónus incentivo” a todos os trabalhadores que foram contratados a partir dessa data e que passaram a trabalhar na secção de fabrico das amostras e protótipos, apenas o mantendo para os trabalhadores que já aí trabalhavam.”.
50º- Prevendo a admissão, novamente, de centenas de trabalhadores, para a produção, que não tinha bónus idêntico, e também a consequente necessidade de reforço do departamento de amostras, como veio a suceder (em finais de 2014 a R. já tinha cerca de 1.300 trabalhadores), a R. decidiu descontinuar a atribuição do bónus do sector das amostras e não aplicar o regulamento do setor de amostras aos novos trabalhadores que admitisse para esse setor, aplicando-o apenas aos trabalhadores já existentes, desde data anterior a 29.7.2013.
51º- Os novos trabalhadores, e também as AA., sabiam, quando foram admitidos, que não iam receber o referido bónus e que o respetivo regulamento não lhes era aplicado, e não assinaram, nem foram solicitados a assinar, o documento de adesão correspondente, anexo ao regulamento. – eliminado, nos termos infra expostos.
52º- A 1ª A. J… gozou sempre duas semanas de férias em Agosto e uma em setembro, com exceção do ano de 2015, em que esteve de baixa de 11.8.2015 a 17.10.2015.
53º- A 3ª A. gozou os seus períodos de férias na altura do Verão e, pelo menos duas semanas, na mesma altura dos trabalhadores da produção, desde a data de admissão.
54º- Na decisão da Ré de não conceder o bónus das amostras aos novos trabalhadores desse setor militaram razões de igualdade nas novas contratações, e de agilização de colocação dos trabalhadores nos diversos setores sem problemas de preferências por um específico setor por causa da questão de bónus e para com os novos trabalhadores da produção, a grande maioria, que não iam auferir nem recebiam bónus. - eliminado, nos termos infra expostos.
55º- O valor do prémio de assiduidade depende da assiduidade em cada mês e do cumprimento das condições regulamentares.
56º- A 3ª A. esteve no corte no balancé e teve de receber formação para as máquinas de corte automático.
Factos dados como não provados:
Com interesse para a presente decisão, não se provaram quaisquer factos diferentes ou contrários aos que especificamente foram dados como demonstrados, designadamente que:
- A R. coloca e mantém a trabalhar no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” aqueles trabalhadores que ela considera que desempenham as suas funções com mais competência, cuidado e perfeição;
- No sector da produção (Pavilhões 1 e 2) é aceite margem de erro de execução no fabrico do calçado;
- Pelo menos desde 1995, em consequência das negociações entre a Ré e os seus trabalhadores a Ré passou a pagar aos trabalhadores do setor das amostras o bónus incentivo;
- Entre as funções que a 1ª A. executa se conta a de lavar gáspeas;
- O prémio era pago independentemente da assiduidade.
- Não estão os novos trabalhadores sujeitos ao regime especial de flexibilidade (nomeadamente na marcação das suas férias) e de exigência e rigor necessários aplicado aos trabalhadores mais antigos.
- As AA. marcaram sempre três semanas de férias consecutivas, nos períodos de maior procura e de picos de produção, nomeadamente em agosto
- A 1ª A. não tem conhecimentos nem faz controlo final na secção de amostras.”.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do está delimitado pelas conclusões da recorrente, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - Objecto do recurso
- Da alteração da matéria de facto,
- Da violação do princípio trabalho igual, salário igual.
3.A modificabilidade da decisão de facto
3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil(CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”. (sublinhado nosso).
3.2. – Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, as autoras alegaram:
As recorrentes consideram que o Tribunal a quo julgou incorretamente os seguintes factos: 48º, 49º (a expressão “Por isso”), 51º e 54º, todos do elenco dos Factos Provados, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.
Como prova indicaram o depoimento da testemunha G…, director do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” da ré e as suas próprias declarações de parte.
E concluíram:
“(…) requer-se a eliminação do Facto 48º, por não provado, e consequentemente o Facto 49º, na parte em que com aquele está relacionado, deverá ser alterado em conformidade, isto é, eliminando-se a expressão “Por isso”; (…), requeremos que o Facto 51º seja eliminado do elenco dos factos provados; o ponto 54º é marcadamente genérico, conclusivo e ideológico. E, portanto, deverá ser eliminado.”.
3.3. – A factualidade impugnada pelas autoras respeita a matéria alegada pela ré na sua contestação.
3.3.1. - Na respectiva Motivação consta:
Quanto à matéria da contestação dada por assente, foram valorados os depoimentos das testemunhas que sobre ela depuseram.
Desde logo, a testemunha I…, que é técnico de calçado e diretor de desenvolvimento da Ré, que depôs no essencial revelando ter conhecimento direto dos factos, e logrando por isso convencer.
É ele quem chefia o departamento das amostras. No início do processo de desenvolvimento, os trabalhadores das amostras não tinham bónus, enquanto na produção havia bónus, pelo que como ganhavam mais na produção não queriam vir para as amostras; então, para atrair trabalhadores para o setor das amostras (muitos dos quais foram buscar à produção) criaram um bónus incentivo (ainda antes da testemunha ter assumido funções); o critério de atribuição tinha a ver com a maior flexibilidade das pessoas, em virtude de o sector das amostras trabalhar em contínuo, ao contrário do que sucede na produção, em que fecham três semanas seguidas. A determinada altura, a Ré fechou a produção em Portugal e aqui só continuou o setor das amostras, ficando com uma equipa de cerca de 100 pessoas.
Posteriormente, após um desastre natural ocorrido na Tailândia, a Ré deslocou a produção para outras unidades do grupo, designadamente para Portugal, e nessa altura fizeram o recrutamento de pessoal para operar numa máquina de injeção, tendo conseguido dar uma resposta eficiente e com qualidade em 6 meses. Por isso, a casa mãe ponderou reabrir a produção em Portugal, em 2012/2013, tendo nessa ocasião procedido a um recrutamento massivo de trabalhadores, cerca de 1200. Decidiram nessa altura que, a partir daquela data, julho de 2013, não iriam atribuir o bónus às pessoas que estavam a contratar, nem para o sector da produção nem para o setor das amostras, por razões de competitividade e porque muitas dessas pessoas não tinham experiência do que era trabalhar na E…, nomeadamente quanto a métodos de fabrico e materiais.
Quanto às férias, refere que são marcadas de forma flexível, tentando sempre ajustar a vontade do trabalhador com as necessidades da empresa. Refere que os que não têm bónus podem escolher gozar férias com a produção ou não, referindo que a A. D… gozou sempre com a produção (pelo menos um determinado período), porque quis e a A. J… quando quis gozar com a produção (pelos menos um determinado período) também foi.
Afirma que nunca lhes foi dito, a qualquer das AA., que iam receber o prémio e nunca as mesmas assinaram o documento junto a fls. 37 verso.
Confirma que os trabalhadores, através dos delegados sindicais, transmitiram o desagrado por alguns trabalhadores não receberem o bónus incentivo e que explicaram o porquê da não atribuição, que corresponde à justificação que explicitou ao tribunal, que refere ser do conhecimento dos trabalhadores. Referiu que o que é diferente nesse setor das amostras é o grau de disponibilidade (já que o setor labora continuamente), sendo que o grau de exigência aos trabalhadores é igual ao dos outros setores, onde também é exigida qualidade.
Explicitou ainda que há uma vontade de escolher os melhores para as amostras, mas nem sempre é assim, sendo que neste setor também há margens de erro, não estando as coisas otimizadas; o que se pede é sempre o melhor possível.
Foi por fim valorado o depoimento da testemunha H…, director de recursos humanos da Ré desde 01.01.2020, sendo antes e desde novembro de 2017 responsável pelos recursos humanos, trabalhando desde junho de 2013 nos recursos humanos.
Afirmou que não esteve presente na reunião em que decidiram a descontinuação do bónus nas amostras, mas soube a posteriori que a mesma foi tomada e teve a ver com a necessidade de contratação massiva de trabalhadores na área da produção e também nas amostras, desde finais de 2012.
Refere que o fundamento da atribuição do bónus era a flexibilidade, que consistia em garantir que os trabalhadores não iam de férias em momentos em que a empresa precisava, designadamente no mês de agosto. Já os trabalhadores que foram admitidos para o setor das amostras após julho de 2013, podiam escolher as férias, tal como sucedia com a produção (que gozam três semanas seguidas em agosto).
Afirmou ter analisado o período de férias destas duas AA.; a D… gozou sempre três semanas em agosto, duas das quais dentro do período da produção, de acordo com a sua preferência; a J… gozou duas semanas em agosto e uma em setembro, menos no ano de 2015, em que esteve de baixa nesse período de Verão.
Soube ainda esclarecer que não lhes foi prometido a qualquer uma das AA., o prémio bónus quando celebraram os seus contratos e ao longo dos tempos foi-lhes sempre explicado o motivo pelo qual não o recebiam.
Quanto à marcação das férias nesse setor das amostras, refere que as chefias pedem que os trabalhadores indiquem as suas preferências; depois as chefias tentam encontrar a melhor solução para conciliar todos os interesses; em caso de conflito, os trabalhadores que recebem o bónus sabem que têm a obrigação de escolher outros períodos.”.
Com todo o respeito, a transcrita Motivação, é denominada “motivação pacote”, porque não respeitou, na íntegra, os ditames do artigo 607.º, n.º 4 do CPC (anterior artigo 653.º, n.º 2), que dispõe: “4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; (…)”.
Nos termos deste preceito, o juiz tem de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção de julgador, quer dos factos provados, quer dos factos não provados, isto é, cada facto tem de assentar em meios de prova devidamente concretizados e escalpelizados à luz da respectiva credibilidade.
A fundamentação feita em globo, como no caso em apreço, e não relativamente a um facto ou a um grupo de factos interligados, deixa no escuro os meios de prova que serviram para cada qual deles, impedindo uma apreciação segura e consistente pelo Tribunal da 2.ª instância, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC.
Daí termos ouvido toda a prova pessoal gravada na audiência de julgamento para avaliar da necessidade, ou não, de ordenar a fundamentação de cada um dos pontos de facto impugnados, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do CPC.
Concluímos que, face aos depoimentos prestados, em particular os depoimentos das testemunhas indicadas pela ré – I… e H… -, tem este Tribunal de recurso ao seu dispor os elementos necessários para apreciar a deduzida impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.3.2. - Dos pontos 48.º e 49.º dos factos provados.
No que reporta aos pontos 48.º e 49.º dos factos dados como provados, os depoimentos das testemunhas I… e H… são vagos, genéricos e conclusivos, pois não concretizaram quais as “razões económico-financeiras num cenário de crise” e quais “os trabalhadores novos admitidos na empresa e sem experiência profissional na indústria do calçado”, tendo, inclusive, a testemunha I… declarado que “vários dos trabalhadores admitidos em 2013” – não excluiu expressamente as autoras - tinham trabalhado no sector de produção da ré até 2009, ano do seu encerramento: “por motivos de competitividade, a produção saiu de Portugal em 2009”, frisou.
Além disso, a redacção do ponto 49.º deve ser conjugada com a do ponto 22.º, não impugnado, para evitar dúvidas ou contradições.
Assim, os pontos 48.º e 49.º dos factos provados passam a ter seguinte redacção:
48 – A ré decidiu não retomar a atribuição do prémio de produção no sector da produção, aquando da sua reactivação, a partir de finais de 2013, na sequência do caso de força maior na fábrica da Tailândia, referenciado no ponto 47.”.
49 - A partir de Agosto de 2013, a R., por sua decisão unilateral, deixou de pagar o “bónus incentivo” a todos os trabalhadores que foram contratados a partir dessa data e que passaram a trabalhar na secção de fabrico das amostras e protótipos, apenas o mantendo para os trabalhadores que já aí trabalhavam.”.
3.3.3. - Dos pontos 51.º e 54.º dos factos provados.
No que reporta ao ponto 51.º, nenhuma das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento declarou, expressamente, ter contratado ou assistido à contratação das autoras - a 1ª autora foi entrevistada em Junho de 2013, mas só foi chamada para trabalhar em Outubro de 2013 -, e muito menos foi identificada a pessoa ou pessoas que procederam às respectivas entrevistas antes do seu início de funções.
Deste modo, na falta de elementos de prova seguros e convincentes do que terá ocorrido aquando da contratação das autoras, deve eliminar-se o ponto 51.º dos factos dados como provados.
No que reporta ao ponto 54.º, é de tal modo genérico, opinativo e conclusivo que também deve ser eliminado dos factos provados.
Deste modo, os pontos 51.º e 54.º são eliminados dos factos dados provados.
3.3.4. - Dos pontos 21.º e 44.º dos factos provados.
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, importa ainda alterar a redacção do ponto 44.º dos factos provados para suprir eventuais dúvidas conclusivas e contraditórias com o ponto 21.º:
21º- O referido ”bónus incentivo” era pago mensalmente a cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos, independentemente da sua categoria profissional, das funções concretas que desempenhasse, do seu mérito, da sua produtividade, da sua antiguidade ao serviço da R.”.
Assim, o ponto 44.º passa a ter a seguinte redacção:
44º- O bónus, no valor semanal fixo de 24,94€, em 14 meses por ano, era conferido a cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos, conforme o consignado no ponto 21.º”.
4. - Da violação do princípio trabalho igual, salário igual.
4.1. - Na sentença recorrida foi consignado:
No caso, não vem alegado pelas AA. que o tratamento desigual se baseou em qualquer dos factores de discriminação previstos na lei, ou noutros qualitativamente equiparáveis, pelo que não tem aplicação o nº5 do artigo 25º do CT, sendo certo que competia às AA. alegar e provar os factores que revelassem o tratamento discriminatório.
Na verdade, as AA. identificam uma discriminação em concreto relativamente aos outros trabalhadores do setor das amostras, admitidos em data anterior a agosto de 2013.
Mas, ao contrário do que sustentam, não demonstram que desempenham as mesmas funções, nas mesmas condições, desde logo no que à quantidade respeita (duração, antiguidade e intensidade), de modo a poder concluir-se que o trabalho por si prestado tenha a mesma natureza.
Destarte, as AA. foram admitidas ao serviço da Ré, respetivamente em 14.10.2013 e 18.11.2013; os outros trabalhadores do setor das amostras, que não identificam em concreto, mas que referem receber o bónus incentivo, foram admitidos ao serviço da Ré seguramente em data anterior a agosto de 2013, pelo que é lícito concluir que todos esses trabalhadores têm mais tempo e anos de antiguidade que as AA. na empresa.
Essa antiguidade (e a experiência e conhecimento superiores que aquela supõe), têm objetivamente influência na natureza do trabalho prestado e é um dos factores que a lei também identifica para que possa concluir-se pela verificação de uma situação de discriminação (e no caso dos autos, manifestamente, não pode concluir-se que a situação desses trabalhadores é idêntica à das AA., - nalguns casos muito posteriormente contratadas -, nesse importante aspeto). Veja-se que, relativamente aos trabalhadores desse setor que foram inquiridos como testemunhas, resulta inequívoco terem maior antiguidade que as aqui AA.
Na realidade, os factos alegados e provados não permitem retirar a conclusão que o trabalho era de idêntica natureza, desde logo porque os trabalhadores em causa não têm a mesma antiguidade que as aqui AA., pelo que não pode concluir-se pela existência de uma discriminação injustificada entre tais trabalhadores.
Acresce que, a R. logrou demonstrar que a diferença de tratamento (o pagamento do bónus incentivo aos trabalhadores admitidos até julho de 2013) não assenta em qualquer factor de discriminação, antes tendo feito a prova que tal diferença no tratamento está justificada por um critério atendível (descontinuidade da atribuição do bónus, face à necessidade verificada de contratação massiva de trabalhadores nesse período temporal), não existindo, pois, arbitrariedade.
A proibição da discriminação não significa que a igualdade tem de ser absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento, o que se exige é que, a existir desigualdade, a mesma se baseie numa justificação objetiva séria e válida.
(…).
Enquadrada a matéria de facto dada como provada à luz do princípio “trabalho igual salário igual”, não pode a presente acção deixar de improceder, com fundamento na violação de tal princípio.”.
4.2. – Por sua vez, as autoras alegaram nas conclusões de recurso:
Os factos provados consubstanciam uma discriminação retributiva das A.A., baseada na violação do princípio constitucional do “trabalho igual, salário igual” – art. 56º/1, alínea a) da CRP, praticada pela R., e, simultaneamente, uma violação do disposto no art. 270º do Código do Trabalho, que remete para o disposto no artigo 23º/1, alíneas c) d), do Código do Trabalho.
Os factos alegados nos artigos precedentes também representam uma violação, cometida pela R., do direito das A.A. à igualdade de condições de trabalho, previsto no art. 24º/2, alínea c), do Código do Trabalho.
Por aplicação do disposto no art. 56º/1, alínea a) da CRP, no art. 270º do Código do Trabalho no art. 23º/1, alíneas c) d), do Código do Trabalho, no art. 24º/2, alínea c), do Código do Trabalho, no art. 258º do Código do Trabalho e no art. 260º do Código de Trabalho, as A.A. têm o direito a que seja declarado que o “bónus incentivo”, alegado neste articulado, integra a retribuição de cada uma A.A. desde a data da respetiva admissão ao serviço da R. e, consequentemente, a reclamarem da R. o pagamento de todas as prestações de “bónus incentivo” que se venceram após a data das respetivas admissões, bem como daquelas que se vencerem em data posterior à citação da R..”.
4.3.Quid iuris?
4.3.1. - O princípio da igualdade, na perspectiva aqui relevante, (a salarial - a trabalho igual salário igual), encontra suporte no artigo 59.º, n.º 1, a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), que concretiza, especificamente, o princípio programático proclamado no artigo 13.º, de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei.
O primeiro dos citados normativos preceitua que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” – artigo 59.º, n.º 1).
É pacificamente entendido e aceite que o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, reportada à realidade social vivida, e não uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, o que implica que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
Trabalho de valor igual é, na definição dada pelo artigo 23.º do Código do Trabalho, “aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade” – n.º 1, al. c). (sublinhado nosso).
O trabalho é igual quanto à natureza, quando abrange as mesmas funções, perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, relativamente ao volume, intensidade e duração; e, quanto à qualidade, se abrange os mesmos conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
Em termos remuneratórios – tal como definidos pelo artigo 270.º do CT – deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar tais pressupostos, que são constitutivos do direito subjectivo que invoca.
[Neste sentido, cf. o acórdão do TRP de 13.02.2017 e os acórdãos do STJ nele elencados, de 23.11.2005; de 03.03.2006; e de 22.04.2009, todos disponíveis em www.igfej.pt].
Em suma, pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a dificuldade, penosidade ou perigosidade na execução laboral; quanto à quantidade do trabalho prestado, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador – artigo 342.º, n.º 1, do CC.
No âmbito da discriminação, poderá ainda o trabalhador invocar os demais (trabalhadores) relativamente aos quais foi discriminado e os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei, incumbindo ao empregador demonstrar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
4.3.2. – Está provado que a actividade da ré se desenvolve em vários espaços – três Pavilhões – e por sectores ou departamentos, incluindo o do fabrico de amostras e protótipos (F…, G…) – cf. pontos 7.º a 15.º dos factos provados.
As autoras desenvolvem a sua actividade - a 1ª autora como “Operador de Acabamento de 1.ª” e a 3.ª autora como “Operadora de Corte de 1ª” - no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, desde a data das suas admissões ao serviço da ré: 14 de outubro de 2013 e 18 de novembro de 2013, respectivamente.
Está dado como provado nos pontos 26.º, 27.º e 28.º que “A 1ªA. e as restantes trabalhadoras que exercem as suas funções no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” (e que aí trabalham antes de Agosto de 2013), quer aquelas que estão classificadas com a categoria de “operadora de acabamento”, quer aquelas que estão classificadas com outras categorias profissionais, executam todas elas funções de fabrico de calçado, que se inserem na organização produtiva do “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, estão todas elas sujeitas às ordens, instruções e fiscalização das mesmas chefias da R., estão todas elas sujeitas aos mesmos critérios e exigências de qualidade por parte da R., estão todas elas sujeitas às mesmas exigências quantidade de execução de trabalho, determinadas pela R., estão todas elas sujeitas às mesmas regras disciplinares, estão todas elas sujeitas às mesmas exigências de assiduidade, recebendo todas o prémio de assiduidade.”.
O mesmo se passa com “As trabalhadoras da R., que estão classificadas com a categoria de “operadora de corte”, incluindo a 3.ª autora – cf. pontos 31.º a 33.º.
E sobre o “bónus incentivo” está provado que:
16º- Desde 2005, a R. passou a pagar aos trabalhadores da secção de fabrico de amostras e de protótipos – para além do salário, do prémio de assiduidade e do subsídio de alimentação – uma determinada quantia em dinheiro denominada por “bónus incentivo”.
17º- O referido “bónus incentivo” era pago a todos aqueles que trabalhassem na secção de fabrico de amostras e protótipos.
18º- E apenas por trabalharem nesse local da empresa da R.
19º- O referido bónus incentivo tem o valor fixo semanal de 24,94€ e é determinado e pago, individualmente, no final de cada mês, através da multiplicação deste valor pelo número de dias mensais de trabalho efetivo de cada trabalhador no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”.
20º- O referido “bónus incentivo” começava a ser pago a cada trabalhador no final do seu primeiro mês de trabalho no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”.
21º- O referido ”bónus incentivo” era pago mensalmente a cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos, independentemente da sua categoria profissional, das funções concretas que desempenhasse, do seu mérito, da sua produtividade, da sua antiguidade ao serviço da R..”.
Ou seja, desde que cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos não faltasse ao serviço, era-lhe pago, mensalmente, o ”bónus incentivo”, “independentemente da sua categoria profissional, das funções concretas que desempenhasse, do seu mérito, da sua produtividade, da sua antiguidade ao serviço da R..”.
Acontece que:
22º- A partir de Agosto de 2013, a R., por sua decisão unilateral, deixou de pagar o referido prémio a todos aqueles que foram contratados a partir desta data e que passaram a trabalhar na secção de fabrico das amostras e protótipos, muito embora tenha continuado a pagá-lo mensalmente, e ainda paga, àqueles que já aí trabalhavam antes desta data, incluindo nas retribuições de férias, do subsídio de férias e de Natal.
23º- A R. não paga o referido “bónus incentivo” às A.A. e justifica-se no facto de elas terem sido contratadas e começaram a trabalhar no departamento de fabrico das amostras e protótipos após o mês de Agosto de 2013.”.
Resulta do exposto que, em termos de ónus de prova, as autoras lograram fundamentar a discriminação invocada.
Importa referir, aliás, que, em bom rigor, a ré, quer na contestação, quer nas contra-alegações de recurso, não pôs em causa a “igual natureza, quantidade e qualidade” relativamente ao núcleo essencial das funções desempenhadas pelas autoras no departamento de fabrico das amostras e protótipos e que resulta da factualidade supra referenciada.
Assim, comprovada a discriminação invocada pelas autoras, cabia à ré justificar (artigo 342.º n.º 2 C.C.), que o tratamento desvantajoso conferido às autoras não é irrazoável, arbitrário e discriminatório, “antes subjazia-lhe uma justificação plausível”, na expressão do acórdão do STJ, de 2013.11.20: “Relembram-se, aqui, as referências feitas ora no sentido de que um tratamento desigual obriga a uma justificação material da desigualdade, ora de que, na conformação do direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, «A justa medida ou proporcionalidade (necessidade, adequação, proporcionalidade) de um tratamento diferenciado carece de uma especial justificação» - fim de citação.
Ora, basta ler a contestação da ré – cf. artigos 14.º a 18.º - para se perceber que não foi concretizada, nem provada, qualquer justificação juridicamente plausível. Limitou-se a meras generalidades, como “razões económico-financeiras”, sem concretizar quais; “especificidades e exigências de trabalho, nomeadamente ao nível da flexibilidade e do rigor e qualidade”, também sem especificar quais e de que género, com excepção do regime especial de flexibilidade na marcação das férias, regime especial esse não especificado, nem dado como provado.
Na verdade, sobre esse alegado regime especial de flexibilidade, consta do ponto 45.º dos factos dados como provados:
45º- Ao contrário dos trabalhadores da produção, que tinham (e têm) três semanas consecutivas de férias no Verão (agosto), no setor das amostras os trabalhadores eram solicitados a tirar menos dias de férias nesse período de picos de produção, repartindo-os, nomeadamente por outros períodos de menor exigência de trabalho.”.
Pergunta-se: Qual era o período temporal e o que eram “picos de produção”? O que significa a expressão “menos dias de férias nesse período”? Não se sabe; são expressões genérico-conclusivas sem qualquer relevância jurídica. Qual era a diferença, no regime de férias, entre os trabalhadores do sector da produção e os trabalhadores do do departamento de fabrico das amostras e protótipos? Também não se sabe, sendo certo que cabia à ré alegar e provar tal factualidade.
Além disso, e com todo o respeito, as “razões económico-financeiras”, as “especificidades e exigências de trabalho”, o “nível do rigor e elevada qualidade” são chavões que carecem de ser especificados e provados para assumirem consistência jurídica.
Finalmente, basta atentar no teor do ponto 21.º dos factos provados – “O referido ”bónus incentivo” era pago mensalmente a cada trabalhador do departamento de produção de amostras e protótipos, independentemente … da sua antiguidade ao serviço da R..” - para afastar o argumento da “antiguidade”, como “justificação plausível” para a comprovada discriminação salarial das autoras.
Na verdade, se o elemento da “antiguidade” nunca obstou a que qualquer trabalhador no “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)” auferisse o “bónus incentivo”, também não deve obstar a que as autoras o recebam, por decisão unilateral da ré, só porque foram contratadas em agosto de 2013 e não antes.
E, no contexto dos autos, não constituindo o elemento da “antiguidade” “justificação plausível” para a discriminação salarial, as autoras têm direito, no que reporta à retribuição e a outras prestações patrimoniais, ao mesmo tratamento que é dado aos restantes trabalhadores desse departamento, nos termos do artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CT.
Na verdade, o artigo 13.º (Princípio da igualdade) da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”.
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada Vol. I, pág. 347 e 348: “[...], o problema da eficácia do princípio da igual­dade em relação a particulares consiste em saber se, enquanto princípio objectivo da ordem constitucional, ele pode ser transformado em prin­cípio objectivo da ordem jurídica privada (sobretudo do direito civil). A resposta, em tese geral, tem de partir de dois pressupostos funda­mentais: primeiro, na sua qualidade de princípio objectivo essencial da Lei Fundamental, o princípio da igualdade deve considerar-se como princípio informador de toda a ordem jurídica; segundo, a transposi­ção do princípio da igualdade para o direito privado impõe algumas adaptações, de forma a não aniquilar a especificidade das relações jurí­dico-civis. A vinculação do direito privado ao princípio da igualdade pode, talvez, consubstanciar-se, pelo menos, nas seguintes dimensões: (a) proibição de discriminações com base nas categorias subjectivas enu­meradas no art. 13º-2 (salvo no caso de discriminações positivas, cons­titucionalmente previstas) ou de outras constitucionalmente proibidas (cfr., por ex., art. 36º-4), em qualquer acto ou negócio jurídico, funcio­nando, assim, o princípio da igualdade, neste aspecto, como limite externo da liberdade negocial, podendo determinar autonomamente a invalidade de actos ou negócios jurídicos (contratos, estatutos de asso­ciações, testamentos, etc.) que o infrinjam, ou fundamentar direitos à reparação de danos; (b) aplicação geral do princípio da igualdade, nos seus vários aspectos, impondo um dever de tratamento igual por parte dos indivíduos ou organizações que sejam titulares de posições de poder social (empresas, associações profissionais, igrejas, fundações, etc.), vin­culando, desde logo, os seus poderes normativos (regulamentos internos de associações, regulamentos de empresas, acordos colectivos, normas de auto-regulação privada, etc.); […]. (negrito nosso)
A densificação normativa de um princípio aberto, como é o princípio da igualdade, deve ter em conta as especificidades de âmbito material em causa. [...].
No campo do direito do trabalho, impõe-se como princípio fundamental o princípio da igualdade de tra­tamento dos trabalhadores nas condições de acesso e no trabalho, na for­mação e promoção profissionais e nas condições de trabalho (cfr. arts. 53º e 58º-2/b) (…).
Por sua vez, o artigo 59.º (Direitos dos trabalhadores) prescreve:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;”.
O primeiro preceito (nº 1/a) estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) ela deve ser conforme à quantidade de trabalho (i. é, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à quantidade do trabalho (i. é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capaci­dade); (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve cor­responder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores; (e) a retribuição deve garantir uma existência condigna, ou seja, deve assegurar não apenas o mínimo vital; mas, também con­dições de vida, individuais e familiares, compatíveis com o nível de vida exigível em cada etapa do desenvolvimento económico e social. É uma expressão deste princípio o estabelecimento de um salário mínimo, bem como a sua actualização (nº 2/ a).
Deve acentuar-se ainda que, quando a Constituição consagra a retri­buição segundo a quantidade, natureza ou qualidade do trabalho não está, de modo algum, a apontar para uma retribuição em função do rendimento (salário ao rendimento) em detrimento do salário ao tempo, mas abre claramente a via para a diferenciação de remuneração em função da produtividade e eficiência (prémios de produtividade, remuneração em função do desempenho ou dos resultados, etc.). Além disso, a igualdade de retribuição como determinante constitucional positiva (e não apenas como princípio negativo de proibição de discriminação) impõe a existência de critérios objectivos para a descrição de tarefas e avaliação de funções necessárias à caracterização de trabalho igual (trabalho pres­tado à mesma entidade quando são iguais ou de natureza objectiva­mente igual as tarefas desempenhadas) e trabalho de valor igual (trabalho com diversidade de natureza das tarefas, mas equivalentes de acordo com os critérios objectívos fixados) (cfr. Cód. Trab., art. 32º, e L nº 35/2004 arts. 30º e ss.) [actual artigo 23.º do CT].
Diferentes tipos de trabalho, de acordo tanto com a sua natureza e qualidade, não só autorizam diferente remuneração como até a impõe, de acordo com a fórmula “salário desigual para trabalho desigual”, o que está de acordo com os cânones do princípio da igualdade (tratamento desigual para situações desiguais)”. [sublinhados nossos].
Daqui se pode concluir que o princípio da igualdade de tratamento salarial, constitucionalmente consagrado, impede que no mesmo departamento ou sector de uma empresa existam trabalhadores de “1.ª e 2.ª categoria salarial”, apenas por razões de política empresarial, ou seja, que motivos atinentes apenas à empresa, como, por exemplo, a diminuição dos seus custos de produção seja feita à custa de um grupo de trabalhadores em detrimento de outros, apenas e só porque o empregador assim determinou.
Nos termos da doutrina supra exposta, a diferente remuneração apenas é possível por factores ligados directamente ao trabalho desenvolvido pelos trabalhadores – diferente duração, natureza e qualidade – e não à estrita política empresarial do empregador: tratamento desigual para situações de trabalho desiguais.
Daí que as alegadas “razões económico-financeiras” - não especificadas, nem provadas, diga-se -, não constituam “justificação plausível” para a comprovada discriminação salarial das autoras.
Dito de outro modo: “a igualdade de retribuição como determinante constitucional positiva” impede que a diminuição dos custos de produção da ré empregadora seja feita à custa do trabalho das trabalhadoras contratadas a partir de agosto de 2013 para o “departamento de fabrico de amostras e protótipos (F…, G…)”, quando essas novas trabalhadoras prestam as suas funções em “igual natureza, quantidade e qualidade” comparativamente com os trabalhadores ao serviço nesse departamento, antes de agosto de 2013.
Constituindo, assim, o não pagamento do “bónus incentivo” às autoras, um factor de discriminação salarial, nos termos e para efeitos do artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CT, procede o recurso de apelação por elas apresentado.
5.Da natureza retributiva do “bónus incentivo”.
Estando provado que a ré pagava aos trabalhadores do departamento de produção de amostras e protótipos o “bónus incentivo”, no valor semanal fixo de 24,94€, em 14 meses por ano, integra, como prestação complementar, o conceito retributivo, definido no artigo 258.º do CT:
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.” (negrito nosso)
Dado que a ré não alegou, nem provou, qualquer falta ao serviço dada pelas autoras, desde a data da sua admissão até junho de 2019, têm direito às pedidas quantias de 8.636,66€ para a 1.ª autora e de 8.506,81€ para a 3.ª autora, acrescidas dos juros de mora vencidos de 982,04€ e de 952,68€, respectivamente, bem como ao seu pagamento, depois daquela data, a liquidar em tempo oportuno.
IV.Decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar:
1. - Procedente de facto e de direito, o recurso interposto pelas autoras, e, em consequência, revogar a sentença recorrida, a qual é substituída por este acórdão que condena a ré:
a) - A reconhecer que o “bónus incentivo” integra a retribuição das autoras, desde as datas da sua admissão ao serviço, em 14.10.2013 e 18.11.2013, respectivamente.
b) – A pagar à 1ªA., a esse título, a quantia de 8.636,66€ (oito mil seiscentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos no montante de 982,04€ (novecentos e oitenta e dois euros e quatro cêntimos).
c) - A pagar à 3ªA., a esse título, a quantia de 8.506,81€ (oito mil quinhentos e seis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos no montante de 952,68€ (novecentos e cinquenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos).
d) A pagar às autoras, em 14 meses por ano, todas as prestações do “bónus incentivo”, vencidas a partir de junho de 2019 e a liquidar, acrescidas dos respectivos juros de mora, bem como as vincendas durante a execução dos respectivos contratos de trabalho.
As custas são a cargo da ré.

Porto, 22 de março de 2021
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha