Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7467/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: TRABALHO EM DIA FERIADO
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RP201606207467/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º243, FLS.24-39)
Área Temática: .
Sumário: I - Para impugnar um documento não basta à parte dizer que o impugna, sendo necessário que indique um fundamento concreto que justifique pôr em causa esse meio de prova apesentado pela parte contrária.
II - O registo de trabalho suplementar e a relação nominal dos trabalhadores que o prestaram, a que se referem, respectivamente, os n.ºs 1 e 8 do art.º 231.º C, são coisas bem diferentes. O dever de manutenção durante cinco anos apenas é imposto relativamente a esta última e não quanto ao primeiro.
III - A prova não é apreciada isoladamente, isto é, testemunho a testemunho ou documento a documento, mas antes ponderada numa leitura conjugada de tudo o que resultou dos diversos meios de prova produzidos.
IV - Os feriados obrigatórios, indicados no artigo 234.º do CT, são dias em que por força da lei deve ser normalmente suspensa a laboração nas empresas (art.º 236.º n.º1, CT). Portanto, a regra é a da suspensão do trabalho.
V - Com o Código do Trabalho 03 o trabalho prestado em dia feriado passou a estar sujeito a dois regimes distintos (art.º 259.º): um aplicável às empresas legalmente não dispensadas de suspenderem o trabalho em dia feriado, isto é, o regime regra (n.º1); um outro aplicável às empresas legalmente dispensadas de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório, ou seja, o regime especial (n.º2). O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, acolheu aqueles regimes - o regra e o especial – relativamente à prestação de trabalho em dia feriado (art.º 269.º).
VI - Não resultando destas normas, nomeadamente do art.º 269.º, o contrário, as mesmas podiam ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (art.º 3.º /1 do CT 09).
VII - Sustentando a recorrente a aplicação da norma do n.º4 al. b), do art.º 7.º da Lei 23/2012, que determinou a suspensão até 31 dezembro de 2014, das disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho, que tenham entrado em vigor antes de 1 de agosto de 2012, e que disponham sobre [b] “Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”, para ficar arredada a aplicação das cláusulas 25.º e 26.º do CCT no que respeita ao trabalho prestado em dia feriado, ou em dia compensatório pela prestação daquele, fazendo-o no pressuposto de ser uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento no dia feriado em que o trabalho foi prestado, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova dos factos necessários para o Tribunal a quo concluir pela verificação desse pressuposto.
VIII - Como não estão demonstrados factos que permitam formar esse juízo conclusivo, tanto mais que nem foram alegados, é forçoso concluir que o recurso sucumbe também nesta vertente de alegado erro de aplicação do direito aos factos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 7467/15.0T8PRT.P1
Secção Social

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 Na Comarca do Porto – Instr. Central - B… instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída à 1ª Secção Trabalho – J1, contra “C…, SA”, pedindo a condenação desta no seguinte:
1. No pagamento ao Autor do diferencial apurado em falta, respeitante a férias e respetivo subsídio, no valor de € 69,05 (sessenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
2. A reconhecer-lhe o direito a receber o pagamento pelo trabalho suplementar desenvolvido ao longo de todo o vínculo laboral, condenando-se consequentemente a Ré no pagamento da quantia de €2.926,74 (dois mil novecentos e vinte e seis euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
3. A reconhecer-lhe o direito a receber o pagamento pelo trabalho prestado em dia feriado e o correspondente ao descanso compensatório não gozado, condenando-se consequentemente a Ré a pagar a quantia de € 1.657,60 (mil seiscentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
4. A reconhecer-lhe o direito a receber o pagamento pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar e o correspondente ao descanso compensatório não gozado, condenando-se consequentemente a Ré a pagar a quantia de € 4.144,00 (quatro mil cento e quarenta e quatro euros), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Para sustentar os pedidos, no essencial, alegou que foi admitido ao serviço da Ré, por contrato de trabalho a termo incerto datado de 27 de Março de 2012, para sob as suas ordens, direção, fiscalização e no seu interesse, exercer as funções de Vigilante.
A 31 de Outubro de 2014, o Autor denunciou o referido contrato de trabalho, nos termos do artigo 401º do Código do Trabalho, por carta, entregue em mão, datada de 28 de Outubro de 2014, solicitando à Ré que liquidasse todos os valores em divida. Porém, do acerto de valores levado a cabo por esta não logrou obter o pagamento de todos os créditos laborais por si detidos.
Ao contrato de trabalho é aplicável o Contrato Coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e outras e o STAD- Sindicato dos trabalhadores dos serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e atividades diversas e outros (BTE nº 17/2011), nos termos da respetiva portaria de extensão (BTE nº 19/2012).
Tendo iniciado a sua atividade laboral a 27 de Março de 2012, venceram-se a 27 de Outubro de 2012, 18 dias úteis de “primeiras férias”. De comum acordo com a Ré gozou-as de 16 a 21 de Agosto 2012, 3 a 10 de Dezembro de 2012 e 5 a 8 de Abril de 2013, tendo a Ré pago, a título de subsídio de férias a quantia de € 320,00 em Dezembro de 2012, permanecendo em divida o diferencial e proporcional aos 18 dias, no valor de € 205,22.
Por outro lado, com a cessação do contrato de trabalho tem direito a receber a retribuição de férias e respetivo subsídio, correspondente a férias vencidas e não gozadas e aos proporcionais do tempo de serviço prestado no ano da respetiva cessação. Ora, no que respeita ao ano de 2014, assistia-lhe o direito a gozar um período de 18 dias uteis, calculados proporcionalmente; tendo apenas sido gozados e pagos 4 dias, permaneceram em falta a título de férias do ano da cessação do contrato de trabalho 14 dias, no valor de € 408,50; e, a título de subsidio de férias, o montante de € 525,21 calculado por 18 dias. Cessado o contrato de trabalho a Ré apurou o montante de € 1069,88 a titulo das férias e subsídio de férias, encontrando-se ainda em divida o diferencial entre os valores apurados pela Ré e os realmente devidos, no montante de € 69,00.
Ao celebrarem o contrato de trabalho estabeleceram as partes um período de 40 horas semanais. Contudo, a Ré exigiu-lhe a realização de trabalho para além do horário normal, mas sem pagar a sua totalidade, estando em falta o pagamento do valor de € 2.926,74 correspondente às horas de trabalho suplementar diurno e nocturno, prestadas e não pagas nos meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2012, indicadas no quadro do art.º 35.º da Pi, bem como de Agosto de 2012 a Setembro de 2014, estas mencionadas no quadro do art.º 38.º do mesmo articulado.
Acordaram as partes que o Autor teria direito a gozar um dia de descanso semanal obrigatório e um dia de descanso semanal complementar. A R. não lhe concedeu todos os dias de descanso a que tinha direito, encontrando-se em falta o pagamento do trabalho prestado em dia descanso semanal complementar e respetivo descanso compensatório, conforme constante nas tabelas dos artigos 43.º e 45.º da PI, perfazendo a quantia total de € 4.144,00.
Recebida a petição inicial e citada a ré, realizou-se audiência de partes, não se tendo logrado alcançar a conciliação.
Notificada para o efeito a Ré apresentou contestação, na qual aceita estarem em dívida € 69,05 do diferencial apurado em falta, respeitante a férias e respetivo subsídio de férias.
Aceita, ainda, que o A. prestou trabalho suplementar, mas sustenta que o mesmo lhe foi pago, conforme consta dos respectivos recibos. Não auferiu mais montantes a título de retribuição pela realização do trabalho suplementar porque não o efetuou. O Autor bem sabia que não teria direito ao pagamento dos montantes aqui reclamados, pois na vigência do contrato de trabalho em discussão nos autos (até Outubro de 2014), não solicitou, nem reclamou o pagamento de quaisquer quantias, pelo que, só o tendo feito na presente ação, conclui-se que exerceu o seu direito excedendo os limites da boa-fé e dos bons costumes e, até excedendo o fim social e económico do direito a que se arroga.
Quanto ao trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório, complementar e feriado, o Autor prestou trabalho em dias de descanso semanal obrigatório, complementar e feriados, mas foi efetivamente pago do trabalho prestado nessas condições.
I.2 Finda a fase dos articulados foi proferido despacho onde se reconheceu a regularidade da instância, dispensando-se a selecção da base instrutória. Foi fixado o valor da ação em € 11.261,19.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância dos formalismos legais.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando-lhes o direito, concluída com o dispositivo que segue:
Nestes termos, julgo totalmente procedente por provada a ação intentada por B… contra a C…, SA e, consequentemente vai esta:
a) condenada no pagamento, ao Autor, do diferencial apurado em falta, respeitante a férias e respetivo subsídio, no valor de € 69,05 (sessenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;
b) condenando-se no pagamento da quantia de € 2.926,74 (dois mil novecentos e vinte e seis euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento, a título de trabalho suplementar prestado;
c) condenada a pagar a quantia de € 1.657,60 (mil seiscentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento, a título de pagamento pelo trabalho prestado em dia feriado e o correspondente ao descanso compensatório não gozado;
d) condenada a pagar a quantia de € 4.144,00 (quatro mil cento e quarenta e quatro euros), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento, a título de pagamento pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar e o correspondente ao descanso compensatório não gozado.
Custas pela Ré.
(..)».
I.4 Inconformado com a sentença a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
A) Os factos 13.º e 14.º, 15.º a 45, 46.º e 47.º, 48.º e 49.º, da FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO contida na sentença, foram incorretamente dados como provados pelo Tribunal a quo porque a resposta não é compatível com os documentos juntos aos autos e com a produção da prova testemunhal (na globalidade);
B) Face ao exposto, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada e, em conformidade, julgar inequivocamente que as respostas devem ser outras, nomeadamente que no período compreendido entre Abril de 2012 e Setembro de 2014, o A. efectuou um número de horas de trabalho suplementar e que foram efectivamente pagas de acordo com o Código do Trabalho (incluindo as alterações introduzidas pela Lei 23/2012, de 25 de Junho).
C) No mais, e atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, cabe ao A. alegar e provar os factos constitutivos do direito à remuneração por trabalho suplementar, ou seja, o horário de trabalho, a prestação de trabalho além deste horário e que tal prestação foi expressa e previamente determinada pela Apelante, ou que tal prestação foi realizada de modo a não ser previsível a oposição da Apelante, esta prova, salvo o devido respeito, não foi feita.
D) O Tribunal a quo considerou que ficou provada a prestação de trabalho suplementar peticionada pelo A.. Para este efeito considerou o que as diversas testemunhas vieram a alegar: que o A. trabalhava sempre mais horas e que não receberia tudo a que tinha direito. Considerou ainda, o teor dos registos de tempos de trabalho preenchidos manualmente pelo A..
E) Salvo melhor opinião, não deviam ter ficado comprovadas as horas suplementares considerando os elementos supra expostos. Efetivamente, a R. procedeu ao pagamento das tais horas sob a rubrica “prémio de produtividade”.
F) O depoimento das testemunhas, só por si, não é suficiente para se apurar o número de horas de trabalho suplementar que o A. desenvolveu. Efetivamente, não existem elementos suficientes nos autos para o Tribunal a quo proceder ao cálculo do trabalho suplementar, nomeadamente os horários efetivamente desenvolvidos que deverão ser compatíveis (ou não) com os recibos de vencimento. Sabemos que o A. exerceu trabalho suplementar e que lhe foi pago, mas a R. contesta que tenha exercido a atividade além da que foi efetivamente paga ao A..
G) Refira-se que o trabalho suplementar era pago de acordo com o artigo 268.º do Código do Trabalho, o qual, até à entrada em vigor da Lei 23/2012, de 25 de Junho, o trabalho suplementar era pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos: a) 50% pela primeira hora ou fracção desta e 75% por hora ou fracção subsequente em cada dia útil; b) 100% por cada hora ou fracção, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em dia feriado.
H) Quanto ao trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório, complementar e feriado: Conforme consta dos recibos juntos aos autos, o A. exerceu trabalho em dias de descanso semanal obrigatório, complementar e feriados, tendo sido efetivamente pago (reconhecendo-se que o trabalhador exerceu a atividade em dia de descanso semanal ou em dia feriado mas que lhe foi pago, conforme constam dos recibos).
I) “O pedido de pagamento do descanso compensatório não gozado, entroncando embora na prestação de trabalho suplementar, pressupõe a alegação e prova, pelo A. – enquanto facto constitutivo do direito exercitado, artigo 342.º, n.º 1 do Cód. Civil -, não apenas de que prestou trabalho nessas circunstâncias, mas também de que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos.” (Acórdão do STJ, datado de 03-07-2014).
J) Quanto à fórmula de cálculo, diz o A., que a matéria dos descansos semanais obrigatórios e complementares, assim como dos feriados, vem regulada na cláusulas 25º e 26º da CCT, por força da revogação feita pela Lei n.º 48-A/2014 de 31 de Julho.
K) A norma declarada inconstitucional e posteriormente revogada é a seguinte: “São nulas as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva e as cláusulas de contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da presente lei que disponham sobre descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado.”
L) Ou seja, quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, aplica-se o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012 e pelo Código do Trabalho. O Tribunal a quo, não podia ter aplicado ao caso concreto as cláusula 25.º e 26.º do CCT.
São pois termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere a acção totalmente improcedente.
I.4 O Recorrido A. apresentou contra alegações, finalizando-as com as conclusões seguintes:
1. A matéria constante dos artigos 13º a 49º da fundamentação de facto da douta decisão recorrida encontra-se corretamente julgada, inexistindo qualquer incompatibilidade entre a mesma e a prova produzida, nomeadamente documental e testemunhal.
2. Pelo que, da reapreciação da prova gravada pelo Tribunal ad quem deverá resultar a confirmação dos referidos factos, demonstrando-se que as respostas não poderiam ser outras.
3. Para prova da prestação, quer de trabalho suplementar, quer de trabalho em dia de descanso semanal, sem pagamento da respetiva retribuição, nem atribuição do respetivo dia de descanso compensatório, juntou o Autor/Recorrido aos autos, as respetivas escalas de serviços, devidamente elaboradas, mensalmente e unilateralmente, pela Ré/Recorrente e os respetivos registos de entrada e saída do trabalho, preenchidos pelo próprio Autor/Recorrido.
4. Tendo-se a Recorrente recusado a juntar aos autos os originais dos documentos supra referidos, por impossibilidade, resultante da destruição de tais documentos pela mesma, em violação direta da obrigação legal de manter arquivado o registo de tempos de trabalho do Autor/Recorrido, conforme prevê o nº 4 do artigo 203º do Código do Trabalho.
5. E havendo impugnado por falsidade as cópias de tais documentos, juntas pelo Recorrido, logrou o mesmo provar, nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil, os factos constitutivos de todos os direitos peticionados.
6. Para tanto, foi produzida a respetiva prova testemunhal, através da qual se obteve a confirmação de que os documentos juntos pelo Recorrido são genuínos.
7. Sem prescindir, sempre se dirá que, considerando-se não estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo Autor/Recorrido, o mesmo constitui ainda assim um meio de prova livremente apreciado pelo julgador (artigo 607º nº 5 CPC).
8. Pelo que, seria sempre lícito ao Tribunal a quo valorar, no caso, livremente, os documentos, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente a testemunhal, decidindo segundo a sua prudente convicção.
9. Consequentemente, em resultado dos documentos supra referidos, e em conjugação com a prova testemunhal e os recibos de vencimento, foi possível provar com precisão, os dias, meses e anos em que foi prestado o trabalho suplementar, se tal foi efetuado em período noturno ou diurno, o valor devido e o que foi efetivamente pago pela Recorrente ao Recorrido; quais os dias exactos de descanso semanal e os feriados em que foi prestado trabalho, o valor devido e o que foi efetivamente pago pela Recorrente ao Recorrido; e ainda, o não cumprimento por aquela da obrigação de atribuição a este dos correspondentes descansos compensatórios.
10. No que ao regime aplicável ao pagamento do trabalho suplementar respeita, até à entrada em vigor da Lei nº 23/2012, de 25 de Junho, deveria ser feito nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES- Associação de Empresas de Segurança e outras e o STAD- Sindicato dos trabalhadores dos serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e atividades diversas e outros (BTE nº 17/201, com portaria de extensão BTE nº 19/2012) e não, nos termos do regime previsto no Código do Trabalho, o qual só será de aplicar, a partir de 1 de Agosto de 2012, em resultado da entrada em vigor e nos termos da Lei nº 23/2012, de 25 de Junho.
11. Por outro lado, no que respeita ao regime legal regulador da matéria do pagamento devido por trabalho prestado em dias de descanso semanal e/ou feriado e respetivos descansos compensatórios, alega a Recorrente, tratar-se de empresa não obrigada a suspender o seu funcionamento ao domingo e feriados, sendo-lhe portanto aplicável o regime resultante da Lei nº 23/2012, de 25 de Junho, que dispõe a suspensão das disposições de IRCT que disponham sobre retribuição de trabalho normal prestado em dia de feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação (art. 7º nº4 al.b)).
12. Não resulta dos autos nenhum elemento que permita averiguar a veracidade do alegado pela Recorrente, no que respeita a encontrar-se dispensada de encerrar aos domingos e feriados.
13. Pelo que, não poderá a simples alegação, sem apresentação da respetiva autorização emitida pela autoridade competente, ser suficiente para que a Recorrente se possa fazer valer da aplicação de um regime específico.
14. Assim, também aqui não merece qualquer reparo a decisão proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, porquanto não poderia a mesma considerar, para efeitos de decisão, um facto não provado.
15. Por tudo o exposto, salvo o devido respeito por diversa opinião, não merece qualquer provimento o recurso interposto pela Ré, ora Recorrente, devendo manter-se a douta decisão recorrida, nos exatos termos em que foi proferida.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos exatos termos em que a mesma foi proferida.
I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da rejeição do recurso relativamente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quer por a “recorrente pretender um julgamento sobre aquela pois sindica-a na sua totalidade quer por não ter cumprido os ónus legalmente estabelecidos no art.º 640.º do CPC, para tal impugnação"; e, no que respeita ao alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, pelo não provimento da apelação.
I.5. A recorrente respondeu, contrapondo que cumpriu os ónus de impugnação do art.º 640.º CPC e reiterando a argumentação expendida nas alegações para pugnar pela procedência do recurso.
I.6 Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, remeteu-se aos excelentíssimos adjuntos o projecto de acórdão e o histórico digital do processo.
Determinou-se que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, as questões colocadas para apreciação pelo recorrente consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova, ao julgar provados os factos 13.º e 14.º, 15.º a 45, 46.º e 47.º, 48.º e 49.º (Conclusões A a G).
ii) Na aplicação do direito aos factos, no cálculo quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório, ao ter aplicado as cláusulas 25.º e 26.º do CCT (Conclusões H a L).
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1. A Ré, sociedade anónima, tem como objeto social as seguintes atividades: a vigilância de bens móveis e imóveis; a vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, saída e presença de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias, engenhos e objetos de uso e porte legalmente proibidos em edifícios e recintos de acesso vedado ou condicionado público; a exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de alarmes de roubo e intruso, bem como a gestão, manutenção e exploração de sistemas de segurança; o acompanhamento, defesa e proteção de pessoas, sem prejuízo das competências exclusivas em matéria de segurança pessoal atribuídas às forças de segurança; o rastreio, inspeção e filtragem de bagagens e cargas e o controlo de passageiros no acesso a zonas restritas de segurança nos portos e aeroportos, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência nos aeroportos, nos portos e no interior de aeronaves e navios, sem prejuízo das competências exclusivas atribuídas às forças e serviços de segurança.
2. No âmbito das referidas atividades, a Ré a 27 de Março de 2012, admitiu ao seu serviço o Autor, para sob as suas ordens, direção, fiscalização e no seu interesse, exercer as funções de Vigilante, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 18 a 21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A 31 de Outubro de 2014, o Autor remeteu à Ré a carta junta aos autos a fls. 22, cujo teor se a aqui por integralmente reproduzido.
4. O Autor não logrou obter da Ré o pagamento de todos os créditos laborais por si detidos.
5.Tendo o Autor iniciado a sua atividade laboral a 27 de Março de 2012, venceram-se a 27 de Outubro de 2012, 18 dias úteis de “primeiras férias”.
6. De comum acordo com a Ré, o Autor gozou as referidas “primeiras férias”, algumas até antes do seu vencimento, nos seguintes períodos: 16 a 21 de Agosto 2012, 3 a 10 de Dezembro de 2012 e 5 a 8 de Abril de 2013.
7. Apesar de efetivamente gozadas e pagas as referidas férias, não logrou o Autor obter o pagamento, pela Ré, do respetivo subsídio de férias.
8. A Ré, pelos períodos referidos, pagou apenas ao Autor a quantia de € 320,00 (trezentos e vinte euros), em Dezembro de 2012, permanecendo em divida, o diferencial, e proporcional aos 18 dias, no valor de € 205,22 (duzentos e cinco euros e vinte e dois cêntimos).
9. No que respeita ao ano de 2014, assistia ao Autor o direito a gozar um período de 18 dias úteis, calculados proporcionalmente.
10. Faltando pagar ao Autor, o diferencial respeitante a férias e respetivo subsídio, no valor € 69,05.
11. Pela outorga do contrato de trabalho, estabeleceram as partes que a atividade laboral seria desempenhada pelo período de 40 horas semanais, de acordo com o horário ou escala de serviço, afixada no local de trabalho.
12. Acordaram as partes, pelo contrato de trabalho, que o Autor teria direito a gozar um dia de descanso semanal obrigatório e um dia de descanso semanal complementar,
13. O horário era elaborado mensalmente e unilateralmente pela Ré, tendo o Autor conhecimento do mesmo com a antecedência de 2 a 3 dias.
14. Era comum, a Ré exigir ao Autor a realização de trabalho para além do horário normal.
15. Em Abril de 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 14 horas diurnas e 4 horas noturnas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 74,00.
16. Em Maio de 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 18 horas diurnas e 10 horas noturnas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 59,20.
17. Em junho de 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 20 horas diurnas e 1 hora noturna, tendo-lhe sido paga a quantia de € 118,40.
18. Em julho de 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 10 horas diurnas e 1 hora noturna que não lhe foram pagas.
19. Em Agosto 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 12 horas, que não lhe foram pagas.
20. Em Setembro 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 22 horas, que não lhe foram pagas.
21. Em Outubro 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 23 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 14,80.
22. Em Novembro 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 24 horas, que não lhe foram pagas.
23. Em Dezembro 2012 o Autor trabalhou, para além do horário normal, 19 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 17,58.
24.Em Janeiro 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 26 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 16,19.
25. Em Fevereiro 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 24 horas, nada lhe tendo sido pago.
26.Em Março 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal 19 horas, nada lhe tendo sido pago.
27.Em Abril 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal 24 horas, nada lhe tendo sido pago.
28. Em Maio 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 25 horas, tendo-lhe sido pago a quantia de € 30,99.
29. Em Junho 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 18 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 17,58.
30. Em Julho 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 30 horas, nada lhe tendo sido pago.
31. Em Agosto 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 16 horas, nada lhe tendo sido pago.
32. Em Setembro 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 25 horas, nada lhe tendo sido pago.
33. Em Outubro 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 14 horas, nada lhe tendo sido pago.
34. Em Novembro 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 24 horas, nada lhe tendo sido pago.
35. Em Dezembro 2013, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 22 horas, nada lhe tendo sido pago.
36. Em Janeiro 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 35 horas, nada lhe tendo sido pago.
37. Em Fevereiro 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 244 horas, nada lhe tendo sido pago.
38. Em Março 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 25 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 12,03.
39. Em Abril 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 15 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 27,76.
40. Em Maio 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 39 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 10,19.
41. Em Junho 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 6 horas, nada lhe tendo sido pago.
42. Em Julho 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 23 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 9,26.
43. Em Agosto 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 16 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de € 5,55.
44. Em Setembro 2014, o Autor trabalhou, para além do horário normal, 29 horas, tendo-lhe sido paga a quantia de €19,43.
45. Faltando pagar, a título de trabalho suplementar, a quantia de € 2.926,74.
46. O Autor trabalhou oito horas nos seguintes feriados: 6 Abril 2012, 8 Abril 2012, 1 Maio 2012, 7 Junho 2012, 10 Junho 2012, 5 Outubro 2012, 1 Dezembro 2012, 25 Dezembro 2012, 25 Abril 2013, 1 Maio 2013, 10 Junho 2013, 25 Dezembro 2013, 20 Abril 2014 e 25 Abril 2014.
47. Não lhe tendo sido paga a quantia de € 1.657,60 a título de trabalho prestado nos feriados e respetivo descanso compensatório.
48. O Autor trabalhou em dias de descanso semanal complementar em Abril 2012 4 (x8h), Maio 2012 3 (x8h), Junho 2012 2 (x8h), Julho 2012 1 (x8h), Agosto 2012 2 (x8h), Setembro 2012 3 (x8h), Outubro 2012 1 (x8h), Novembro 2012 3 (x8h), Março 2013 3 (x8h), Abril 2013 2 (x8h), Maio 2013 1 (x8h) Junho 2013 2 (x8h) Julho 2013 4 (x8h) Agosto 2013 2 (x8h) Setembro 2013 1 (x8h) Outubro 2013 1 (x8h) .
49. Encontrando-se por pagar, a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar e respetivo descanso compensatório, a quantia de € 4.144,00.
II.2 Impugnação da matéria de facto
Insurge-se a recorrente contra a decisão sobre a matéria de facto, ao julgar provados os factos 13.º e 14.º, 15.º a 45, 46.º e 47.º, 48.º e 49.º (Conclusões A a G).
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Contudo, como também observa o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” [Op. cit., p. 235/236].
Com efeito, o art.º 640.º do NCPC, correspondente ao art.º 685.º B, do anterior diploma, impõe ao recorrente que pretenda ver reapreciada a matéria de facto o ónus de impugnação, cujo cumprimento exige a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas conclusões, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Vale isto por dizer, no que se refere à indicação dos meios probatórios, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto não se basta com a mera indicação genérica da prova que, na perspectiva do recorrente, justificará uma decisão diversa da impugnada. É necessário que o recorrente concretize não só os pontos da matéria de facto sobre que recai a discordância, mas também que especifique quais as provas produzidas que, por incorrectamente consideradas, deveriam levar a outra decisão. E, para além disso, quando esse for o meio de prova, é também necessário que o recorrente indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Em suma, mantém-se no essencial o já resultava dos n.ºs 1 e 2, do art.º 685.º-B, e por remição da norma contida naquele último número, ainda no n.º2, do art.º 522.º-C [Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2008, pp. 141 e 146; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 181; e, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 253].
Essa é a linha de entendimento que vem sido sufragada pela jurisprudência dos tribunais superiores, como se pode constatar pelo sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Maio de 2010 – reportado ao art.º 690.º A, do CPC na versão resultante da reforma de 1995 onde se lê o seguinte:
[I] O art.º 690.º-A do CPC impõe ao recorrente inconformado com a decisão sobre a matéria de facto um ónus específico de alegação, que implica a indicação dos concretos factos que considere incorrectamente julgados e dos concretos meios de prova em que baseia a sua impugnação.
[II] Visa-se, com este ónus, obter a garantia de que a parte recorrente fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto, a fim de evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma imprecisa, a decisão recorrida, implicando a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, ou seja, a feitura de um 2.º julgamento.
[III] O direito ao recurso em matéria de facto integra o núcleo essencial do direito de acesso à justiça consagrado no art. 20.º da CRP e, consequentemente, a interpretação da regulamentação desse direito por banda do legislador tem de respeitar o carácter fundamental desse direito.
[IV] O que o art. 690.º-A do CPC determina é que não basta a simples afirmação de discordância relativamente à decisão da matéria de facto, impondo-se, antes, uma concretização não só de quais os pontos da matéria de facto sobre que recai a discordância, mas também das provas produzidas que, por incorrectamente consideradas, deveriam levar a outra decisão; ou seja, exige-se que o recorrente especifique e fundamente minimamente a sua discordância relativamente à matéria de facto assente”.
[Proc.º 1712/07.3TJLSB.L1.S1, PAULO SÁ, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj]
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações. Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-02-2010, “não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, als. a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara. Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objecto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados (..)” [Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
O mesmo entendimento é seguido no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2015, em cujo sumário consta o seguinte:
[1] As exigências decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.
[2] Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.
[3] Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
[Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS, disponível em www.dgsi.pt disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
E, ainda, nos igualmente recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2015 e 12-05-2016, sumariados nos termos que seguem:
i) [proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES, disponível em www.dgsi.pt]
1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.
2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.
5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.
ii) [Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES, disponível em www.dgsi.pt]
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
Atentos os princípios enunciados vejamos, então, se a Recorrente cumpriu minimamente os ónus de impugnação impostos pelo art.º 640.º do CPC.
No que respeita às conclusões dir-se-á que elas cumprem o mínimo. É feita a indicação dos factos que a recorrente impugna e, insurgindo-se por terem sido considerados provados, deduz-se logicamente que no seu entender deveria ter sido considerados não provados.
Quanto aos elementos de prova, sustenta a recorrente nas alegações o seguinte:
- “Nem com os documentos juntos aos autos, nem com os depoimentos das testemunhas, nem com a conjugação destes dois meios de prova, era possível ao Tribunal a quo aferir das horas a mais realizadas pelo A., bem como do trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados.
O testemunho da Senhora D. D… resume-se ao ouvia o filho contar e falar ao telefone. Nunca se fala dos dias e do número exato de horas em que o A. trabalhou, para além do período normal de trabalho (minutos 07:05 a 07:15). Quanto aos documentos exibidos à testemunha, a Senhora D. D… disse que: “às vezes ia espreitar a ver se conseguia ver os horários mas não conseguia porque não percebia nada” (minuto 07:05).
Por outro lado, o depoimento do Senhor E… (ficheiro 20151020150039_14067810_2871473.wma), reflete muito mais a situação do próprio, do que o caso concreto do A. (minutos 15:00 a 15:13).
Esta testemunha entrou ao serviço da Apelante pelo menos um ano mais tarde que o A. – não podendo ter conhecimento dos factos anteriores à sua contratação –, e só trabalhou de forma fixa e conjunta com o A. durante 3 meses.
Também no depoimento do Senhor E…, não é feita prova dos dias e do número exato de horas em que o A. trabalhou, para além do período normal de trabalho.
Nenhuma das testemunhas, nem a Senhora D. D…, nem o Senhor E…, foi inquirida quanto ao alegado trabalho prestado em dias feriado.
E por último, os depoimentos das testemunhas, quanto aos pagamentos devidos a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar e respectivos descanso compensatório, também não são mencionadas ou especificadas quaisquer datas em concreto.
Quanto aos documentos trazidos aos autos pelo A., parte dos documentos foram impugnados pela Apelante. É verdade que a Apelante não trouxe aos autos documentos que contraditassem os documentos juntos pelo A. e impugnados pela Apelante, tendo referido que os originais dos documentos foram destruídos (tal facto deve-se ao lapso temporal decorrido e à circunstância da Apelante ter perdido o serviço em causa)».
Em suma, entende a recorrente que os factos em causa não poderia ter sido julgados provados com base nos documentos e nestes testemunhos, ainda que conjugados entre si, por não terem o peso probatório atribuído pelo tribunal a quo, com base na argumentação seguinte:
i) Impugnou parte dos documentos juntos pelo A.;
ii) As duas testemunhas não tem conhecimento directo sobre os factos, para tanto invocando o que terão dito aos minutos indicados, respectivamente, 07:05 a 07:15 e 15:00 a 15:13, bem como as circunstâncias que referiram aquando da sua identificação, isto é, os factos da primeira ser mãe do autor e do segundo ter entrado ao serviço da Apelante pelo menos um ano mais tarde que o A..
Afigura-se-nos, assim, que a recorrente cumpre, também aqui minimamente, o ónus de impugnação da matéria de facto, não havendo fundamento para a sua rejeição imediata.
II.2.1 Comecemos por atentar na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto do tribunal a quo, dela constando o seguinte:
Na determinação da matéria de facto atrás descrita teve o Tribunal por base a apreciação critica e conjugada de todos os meios de prova carreados para os autos pelas partes, bem como a confissão pela Ré de alguns factos alegados pelo Autor.
Vejamos.
Quanto aos factos vertidos sob os nºs 1 a 12, teve o Tribunal por base a confissão expressa no artº 1º da contestação apresentada pela Ré.
Relativamente aos restantes factos forma ouvidos em se de audiência de discussão e julgamento as testemunhas E…, colega do Autor na Ré até dezembro de 2014, D…, mãe do Autor e F…, casada, técnica de recursos humanos.
No seu depoimento, E… referiu ter trabalhado na Ré mais ou menos um ano e meio, exercendo funções de fiscal e tendo chegado a trabalhar em equipa com o Autor, cerca de três meses.
Referiu a testemunha que, tal como o Autor, foi contratado para trabalhar 40 horas semanais mas acabavam sempre por fazer mais. Assinavam entrada e saída numa folha entregue ao chefe – G….
Quando trabalhavam para além do horário, era-lhes paga a hora normal e era necessário pedir. A testemunha referiu que chegou a reclamar e viu o Autor a reclamar junto do G….
Quando faziam horas a mais, não lhes era dado dia de descanso compensatório.
Na verdade, tinham direito a duas folgas mas só gozavam um dia.
Por seu lado, D…, mãe do Autor referiu ter conhecimento dos factos por o seu filho viver com ela e lhe contar o que com ele se passava.
Referiu que o seu filho foi contratado para trabalhar por 40 horas/semana, mas trabalhava muito mais.
Os horários estavam sempre a mudar. Referiu a testemunha que o seu filho recebia escala de horário. Exibido o documento de fls. 38 (doc 18), a testemunha referiu que eram as escalas que eram entregues ao filho mas que mudavam de dia para dia.
Referiu ainda a testemunha que o seu filho tinha folgas – duas por semana. Mas nunca eram duas por semana que ele gozava. A regra era gozar uma folga por semana, sendo certo que a testemunha o ouvia ao telefone a reclamar, julga que com o chefe.
A testemunha referiu ainda que, quando o seu filho saiu da Ré, a 29 de outubro de 2014, pagaram-lhe mas ele achava que era menos do que lhe era devido.
Por último, foi ouvida F…, técnica de recursos humanos da Ré desde 2001.
Esta referiu que lhe cabe fazer o processamento salarial – para este efeito usam a relação dos valores a pagar, através de documento excel. Este documento é elaborado pelos responsáveis da produção – H… ou alguém delegado por ele.
A testemunha não conhece a escala de serviço e os registos elaborados pelos trabalhadores. Os registos não são quantificados, apenas tem conhecimento do valor a pagar.
Estes depoimentos foram conjugados com todos os documentos trazidos aos autos pelo Autor.
Na verdade, apesar de a Ré ter arguido a falsidade dos mesmos não a demonstrou em juízo, sendo certo que não trouxe aos autos documentos que contraditassem estes tendo até referido que os originais dos documentos juntos pelo Autor foram destruídos.
Assim sendo, do exame destes documentos, pode o Tribunal aferir das horas a mais realizadas pelo Autor, bem como do trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados».
Releva ainda deixar conta do essencial da posição contraposta pelo recorrido, para pugnar pela manutenção dos factos impugnados. Em síntese, defende que juntou as escalas de serviços elaboradas, mensalmente e unilateralmente pela Ré/Recorrente e os registos de entrada e saída do trabalho, por si preenchidos, assinalando que a recorrente recusou a juntar aos autos os originais desses documentos, em violação direta da obrigação legal de manter arquivado o registo de tempos de trabalho do Autor/Recorrido, conforme prevê o nº 4 do artigo 203º do Código do Trabalho.
Remata sustentando que fez prova dos factos constitutivos de todos os direitos, através da prova testemunhal. Através desta confirmou, inclusive, que são genuínos os documentos que juntou e que foram impugnados pela R..
II.2.2 Vejamos então, começando pelos documentos a que o tribunal a quo se refere genericamente na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto como os “documentos trazidos aos autos pelo Autor”, aos quais a Ré retira qualquer valor probatório dizendo que os impugnou.
Para demonstrar os factos que vieram a ser julgados provados e que a R. impugna, os quais respeitam à alegada prestação de trabalho suplementar e em dias de descanso e feriados, o Autor juntou documentos, nomeadamente, no que aqui interessa:
i) Registos relativos a períodos mensais de trabalho prestado, por si elaborados, em impresso com o timbre da R., onde constam vários pontos a serem preenchidos, entre eles, a identificação do trabalhador, o registo da hora de entrada saída, bem como de situação férias ou folga, a indicção das horas totais e de trabalho nocturno prestadas nesse período;
ii) Escalas de serviço a que estava sujeito, estas alegadamente elaboradas pela Ré.
iii) Recibos mensais de pagamento da retribuição onde constam pagas horas de trabalho suplementar.
Em suma, o A. alegou que prestou trabalho suplementar para além do que lhe foi efectivamente pago e para o demonstrar juntou aqueles documentos, procurando evidenciar as diferenças de valores que reclama como sendo-lhe devidas.
Na contestação a R. reconheceu que o trabalhador A. exerceu a actividade fora do horário de trabalho, mas afirmou terem-lhe sido pagas as horas de trabalho suplementar prestado, “conforme consta dos recibos”. Por outras palavras, assumiu que o A. prestou trabalho suplementar, mas restringindo essa aceitação àquele que lhe pagou, não admitindo, pois, que lhe sejam devidos os valores reclamados em função das demais horas que alegou ter prestado e não terem sido pagas.
Reportando-se aos documentos juntos pelo A., diz o seguinte:
- «[10](..) o A. junta aos autos determinados documentos que alegadamente constituem escalas de serviço.
[11] Tais documentos visam comprovar a prestação de trabalho suplementar pelo A..
[12] No entanto, tais documentos não correspondem às escalas de trabalho efectivamente elaboradas pela R., pelo que, em conformidade se deixa impugnados por falsidade, e em tal teor, os documentos números 4 a 5, 9, 10, 12, 13, 15 e 16, 18 e 19, 21 e 22, 24 a 26, 28 e 29, 31 a 33, 35 e 36, 38 e 39, 41 e 42, 44 a 45, 47 e 48, 50 e 51, 53 a 55, 57 a 60, 62 a 65, 67 a 70, 72 a 75, 77 a 79, 81 a 84, 86 a 91, 93 e 96, 98 e 101, 103 a 105, 107 e 110, 113 a 114, 117 a 120, 122 a 126, 128 a 130 juntos com a p.i..».
Impõe-se deixar aqui duas notas.
A primeira delas visa precisar com rigor quais os documentos que efectivamente foram impugnados, pois se é certo que a R. procede a uma enumeração dos que diz impugnar, acontece que o fundamento que invoca para esse efeito, em concreto, não corresponderem “às escalas de trabalho efectivamente elaboradas” por si, não pode atingir todos aqueles que indica, dado que entre eles entre constam não só as “escalas de trabalho”, mas também os registos por períodos mensais com as horas de entrada e saída elaborados pelo próprio trabalhador.
Para impugnar um documento não basta à parte dizer que o impugna, sendo necessário que indique um fundamento concreto que justifique pôr em causa esse meio de prova apesentado pela parte contrária. De resto a R. procede nesses termos, expressando o fundamento e deixando claro a que documentos o dirige: “não correspondem às escalas de trabalho efectivamente elaboradas pela R., pelo que, em conformidade se deixa impugnados por falsidade”.
Porém, sem qualquer outra argumentação, depois engloba nos documentos enumerados um conjunto deles que não são escalas de serviço, mas antes os aludidos registos elaborados pelo trabalhador, mais precisamente os que foram apresentados com os números seguintes: 4 a 5, 9, 12, 15, 18, 21, 24, 28, 31, 33, 35, 38, 41, 44, 47, 50, 55, 57, 58, 62,63, 67, 72,75, 77, 81, 82, 86, 87, 88, 93, 96, 98, 103, 107, 117, 118.
Portanto, tendo em conta ao fundamento invocado e os documentos a que expressamente o dirige, tem de concluir-se que, em rigor, a Ré apenas impugnou as “escalas de trabalho” - pondo em causa não terem sido efectivamente elaboradas por si - sendo estas as que estão representadas nos documento com os números seguintes: 10, 13, 16, 19, 22, 26, 29, 32, 36, 39, 42, 45, 48, 51, 55, 59, 60, 64, 65, 69,70, 74,75, 78, 79, 83, 84, 90, 91, 95, 96, 100, 101, 104, 105, 109, 110, 113, 114, 115, 119, 120, 123, 124, 125, 126, 128, 129 e 130.
A impugnação tal qual foi feita não é idónea a por em causa os demais documentos, nomeadamente os registos de trabalho elaborados pelo autor. Note-se que em toda a contestação não se encontra sequer uma única referência aos registos de trabalho.
Consequentemente, nada obstava a que o Tribunal a quo ponderasse e valorizasse esse meio de prova, apreciando livremente esses documentos segundo sua prudente convicção (art.º 607.º/5, CPC), para além do mais conjugando-os com o teor da prova testemunhal.
Como segunda nota, no que respeita às “escalas de trabalho”, importa assinalar que o Autor, em requerimento apresentado em 15-10-2015, via Citius, alegando que a R. “Aquando da contestação, alegou (..) consubstanciarem as escalas de trabalho juntas pelo A. com a petição inicial, documentos falsificados, por não corresponderem as mesmas às escalas efetivamente elaboradas pela R”, veio dizer que procedeu a pesquisa informática do seu correio eletrónico, tendo logrado “(..) encontrar alguns e-mails que lhe foram remetidos pela R., com as respetivas escalas de trabalho em anexo- Doc. 1 a 11”, requerendo a sua junção.
Refere, ainda, que “[E]sses e-mails e respetivas escalas respeitam, nomeadamente, aos meses de Maio a Outubro de 2012 e Março, Abril e Junho a Agosto de 2013” podendo ”verificar-se a correspondência das mesmas com as que foram juntas com a petição inicial”.
A junção desses documentos foi “notificada entre mandatários nos termos do artigo 221.º do CPC” à parte contrária.
Compulsados os autos contata-se que a Ré não se pronunciou sobre estes documentos, significando isso que admitiu corresponderem a mensagens electrónicas dirigidas por responsáveis seus ao A., acompanhadas das escalas de trabalho que as acompanham, referentes aos meses de Maio a Outubro de 2012 e Março, Abril e Junho a Agosto de 2013.
Pois bem, feito o confronto entre esses 11 documentos e as correspondentes cópias das escalas de trabalho juntas com a PI, contata-se que efectivamente são iguais. Assim sendo, deverá concluir-se que a R. aceitou como correspondendo a escalas elaboradas por si as constantes quer desses documentos juntos com o requerimento, quer os correspondentes documentos juntos com a pi, nomeadamente os seguintes: 13 (Maio de 2012); 16 (Junho de 2012); 19 (Julho de 2012); 22 (Agosto de 2012); 26 (Setembro de 2012); 29 (Outubro de 2012): 45 (Março de 2013); 48 (Abril de 2013); 55 (Junho de 2013); 64 e 65 (Agosto de 2013).
Significando isso, logicamente, que apenas se mantiveram impugnadas as escalas juntas sob os números e correspondentes aos meses seguintes: 10 (Abril 2012); 32 e 33 (Novembro 2012); 36 (Dezembro 2012); 39 (Janeiro 2013); 42 (Fevereiro 2013); 51 (Maio 2013); 59 e 60 (Julho 2013); 69 (setembro 2013); 74 (Outubro 2013); 78 (Novembro 2013); 83 (Dezembro 2013); 90 (Janeiro 2014), 95 (Fevereiro 2014); 100 (Março 2014); 104 (Abril 2014); 109 (Maio 2014); 114 (Junho 2014); 119 (Julho 2014); 125 (Agosto 2014); 128 (Setembro 2014).
E, consequentemente, era só quanto a estes documentos recaía sobre o autor o ónus de provar a autoria contestada pela Ré.
No que tange aos documentos, cabe deixar uma última nota, esta dirigida à conclusão 4, do autor, dizendo que a R, notificada para juntar os originais dos documento que impugnou, recusou juntá-los aos autos “por impossibilidade, resultante da destruição de tais documentos pela mesma, em violação direta da obrigação legal de manter arquivado o registo de tempos de trabalho do Autor/Recorrido, conforme prevê o nº 4 do artigo 203º do Código do Trabalho”.
Em primeiro lugar importa assinalar que o A. faz esta alegação, mas não defende, inclusive nas alegações, que da alegada violação deva ser retirada dela qualquer consequência, designadamente no que respeita ao ónus de prova.
Em segundo lugar cabe deixar claro que esta alegação, se bem a interpretamos, enferma de vários equívocos.
Melhor explicando, tanto quanto leva a crer, o A. estará a querer referir-se ao dever imposto às entidades empregadoras de possuírem registo do trabalho suplementar realizado pelos seus trabalhadores, donde constem anotadas as horas de início e termo do mesmo, bem assim da obrigatoriedade de possuírem e manterem durante cinco anos a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar com discriminação do número de horas prestadas e a indicação dos dias em que gozaram descanso compensatório.
O primeiro equívoco reporta-se à norma legal invocada (art.º 203.º 4 do CT). A relação de trabalho em presença iniciou-se a 27 de Março de 2012, logo em plena vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, sendo que neste diploma a matéria em causa é regulada pelo artigo 231.º. O n.º1 impõe ao empregador o dever de possuir um registo de trabalho suplementar, enquanto o n.º8 impõe-lhe o dever de manutenção durante cinco anos da relação nominal dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar.
Estes normativos correspondem aos n.ºs 1 e 5, do art.º 204.º do CT/03, mas nem esse diploma é aqui aplicável, nem aquela matéria consta do artigo que é invocado.
Note-se, também, que o registo de trabalho suplementar e a relação nominal dos trabalhadores que o prestaram são coisas bem diferentes. O dever de manutenção durante cinco anos apenas é imposto relativamente a esta última e não quanto ao primeiro.
Portanto, em terceiro e último lugar, releva deixar bem claro que o que a Ré estava obrigada a manter era a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar nos cinco anos imediatamente anteriores ao início da presente instância. Acresce que o A., se bem que o pudesse ter feito, não requereu que a R. fosse notificada para juntar essa relação, antes tendo requerido que aquela fizesse a junção dos originais os documentos que impugnou.
Por conseguinte, salvo o devido respeito, esta contra alegação é descontextualizada e inócua para a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.3 Passemos aos testemunhos de D… e de E….
Argumenta a recorrente que o Tribunal a quo errou ao valorar estes testemunhos, em razão dos mesmos não terem conhecimento directo sobre os factos. A testemunha D…, por o seu conhecimento resultar apenas do facto de ser mãe do autor, tendo dito que “às vezes ia espreitar a ver se conseguia ver os horários mas não conseguia porque não percebia nada” (minuto 07:05). A testemunha E… por ter entrado ao seu serviço pelo menos um ano mais tarde que o A.., por isso não podendo ter conhecimento de factos anteriores, e ter testemunhado essencialmente sobre a sua situação (minuto 15:00 a 15:13).
Para contrariar esta posição, procurando demonstrar que os testemunhos vão mais além do que a recorrente pretende fazer crer, o recorrido invoca passagens mais amplas dos mesmos testemunhos. Procedeu-se à audição da gravação, confirmando-se os extractos que foram invocados e transcritos, em concreto, os seguintes:
i) [Testemunha D…, a partir dos 04.45]
Mandatária: “Ele recebia alguma escala de horário?”
Testemunha: “Sim, recebia uma escala.”
Mandatária: “Como é que ele recebia essa escala?”
Testemunha: “Eram uns papéis.
Mandatária: “Como é que ele recebia? Entregavam-lhe em mão? Era por mail?”
Testemunha: “Às vezes era por mail, outras vezes ele ia buscar ali à beira do Dragão. Mas outras vezes mandavam-lhe por email.
Mandatária: “A senhora chegou a ver?”
Testemunha: “Cheguei a ver essas escalas. Ele tinha-as sempre em cima da cómoda, no quarto dele, que eu via-as!” (Resposta dada face à exibição das referidas escalas à testemunha, pela Senhora Juíza)
Testemunha: “Sim, sim, eram estas as escalas que ele recebia em casa. Eram estas escalas que ele ia buscar.”
Mandatária: “Não tem dúvidas nenhumas de que eram estas as escalas que ele trazia para casa?”
Testemunha: “Eram estas escalas. Eram, eram. Porque eu às vezes vinha espreitar, a ver se conseguia ver os horários, mas não conseguia porque não percebia nada disto. Mas são estas escalas que ele recebe.”
Mandatária: “(…) Aquelas escalas eram-lhe dadas semanalmente, mensalmente?”
Testemunha: “Eu acho que era mensalmente que ele ia busca-las.”
ii] [Testemunha E…, a partir do min. 2:30]
Mandatária: “Os horários que vos eram entregues, eram entregues com que periodicidade? Semanalmente? Mensalmente?”
Testemunha: “É assim, aquilo era entregue mensalmente. Apesar que, muitas vezes acontecia, era que no último dia do mês é que nos era entregue.”
Mandatária: “Aqueles horários que vos eram entregues, que vai ter oportunidade de ver, eram entregues pessoalmente? Vocês iam busca-los a algum sitio? Eram enviados por mail?”
Testemunha: “Houve alturas que eram enviados por mail. Chegamos também a ir busca-los pessoalmente.”
Mandatária: “E esses horários que vos eram entregues pela empresa, dessa forma, eram aqueles que vocês efetivamente faziam?”
Testemunha: “Eram o horário que fazíamos.”
Mandatária: “Como é que é feito esse controlo da entrada e saída?”
Testemunha: “Não tínhamos controlo, por assim dizer…”
Mandatária: “Não tinham uma folhinha que tinham de assinar e entregar?”
Testemunha: “Sim, isso tínhamos!”
Mandatária: “Então têm controlo?!”
Testemunha: “Sim, sim. Mas diariamente,…Pensei que tivesse a falar de ligar para alguém a dizer, à entrada ou assim…”
Mandatária: “Isso era feito como?”
Testemunha: “Era numa folha. Fazíamos uma folha e era entregue ao chefe.
Mandatária: “Quem é que vos dava essa folha? Eram vocês que a elaboravam?”
Testemunha: “Eramos nós que elaborávamos essa folha.”
Mandatária: “Os cabeçalhos? O que já vem impresso eram vocês que elaboravam?”
Testemunha: “Não, não, isso não!
Mandatária: “E então?”
Testemunha: “Isso era a empresa.
Mandatária: “Recorda-se o que colocavam nessa folhinha?”
Testemunha: “Metíamos o mês e o resto, metíamos a carga horária…a escala completa, fazíamos lá tudo direitinho, o número de horas à frente…
Mandatária: “Ou seja, eram esses documentos que refletem as horas que vocês efetivamente faziam?”
Testemunha: “Exatamente.
Mandatária: “Isto era, uma para cada…portanto, o E… tinha um, o B… tinha outro?”
Testemunha: “Certo.
(..)
(Resposta dada face à exibição à testemunha das escalas de serviço juntos aos autos, pela senhora Juíza)
Senhora Juíza: “Já agora explique-nos, estes horários eram para um mês? Para uma semana?”
Testemunha: “Eram para um mês.
Senhora Juíza: “E todos os meses eram fornecidos, a cada um, um horário destes?”
Testemunha: “Sim.”
(..)
(Resposta dada face à exibição à testemunha dos registos de horas juntos aos autos, pela senhora Juíza)
Senhora Juíza: “Era isto a que o senhor se estava a referir?”
Testemunha: “Exato…
Senhora Juíza: “Portanto, quem é que fornecia estas folhas?”
Testemunha: “Isso era a empresa que fornecia, nós tínhamos que preencher, conforme está aqui.
Senhora Juíza: “A quem é que entregavam no final de…?”
Testemunha: “Isso era ao chefe.
Senhora Juíza: “Quem era o chefe?”
Testemunha: “G…”
(..)
Mandatária: “A propósito destas folhas manuscritas, portanto elas refletiam os horários reais de entrada e saída e também as folgas?”
Testemunha: “Certo.
Como se pode constatar, assiste razão ao recorrido, resultando dos testemunhos um conhecimento bem para além do que pretende defender a recorrente Ré.
No que respeita ao testemunho da mãe do autor, retira-se, com conhecimento pessoal e directo, saber que o Autor recebia da Ré, quer enviados por mensagem electrónica quer entregues pessoalmente, escalas de serviço com uma periodicidade mensal.
É irrelevante que a testemunha não soubesse interpretar o seu conteúdo. Interessa é, sendo que quanto a esse ponto o testemunho merece crédito, o conhecimento sobre a existência de escalas de serviço nas quais a R. determinava qual a prestação de trabalho mensal a ser efectuada pelo trabalhador autor.
Poderá dizer-se que é pouco o que se retira deste testemunho. Contudo, não pode esquecer-se que a prova não é apreciada isoladamente, isto é, testemunho a testemunho ou documento a documento, mas antes ponderada numa leitura conjugada de tudo o que resultou dos diversos meios de prova produzidos.
Ora, o testemunho de E… não só vem confirmar o testemunho anterior quanto à existência das escalas de trabalho (ou, horários), entregues pela Recorrente Ré, com periodicidade mensal, via mensagem electrónica ou pessoalmente, como ainda veio esclarecer que cumpriam o horário que deles constava.
Para além disso, esta mesma testemunha elucidou ainda sobre as folhas de registo da hora de entrada e saída, as quais eram fornecidas pela Ré, para serem preenchidas individualmente pelos próprios trabalhadores ao longo do mês, dela fazendo constar “a carga horária…a escala completa, (..) o número de horas à frente (..)”, bem como as folgas, sendo entregues no final de cada mês ao chefe, concretizando, que esse era o “G…”.
Contrariamente à ideia que pretende incutir a Recorrente Ré, do testemunho do senhor E… não resulta que este tenha “testemunhado essencialmente sobre a sua situação”. Com efeito, o testemunho reconduz-se antes à descrição dos usos da empresa aplicáveis à testemunha e demais trabalhadores, por isso mesmo servindo para demonstrar o alegado pelo autor, desde logo, a veracidade das escalas de trabalho que ainda persistiam impugnadas. Pela mesma ordem de razões não assume particular relevo o facto de a testemunha ter sido admitida ao serviço da R. depois do autor, segundo a Ré quase um ano depois, pois ainda assim há um período que vai para além de ano e meio, durante o qual ambos prestaram o mesmo tipo de funções, sujeitos às mesmas práticas de trabalho e aos mesmos métodos de atribuição de horários e de controle do trabalho por parte da empresa R., não havendo qualquer razão para se crer que antes da entrada da testemunha eram usados outros procedimentos.
Releva ainda ter presente que a recorrente não põe em causa a isenção e a objectidade destes testemunhos, nem tão pouco lhes aponta qualquer incoerência ou contradicção.
Por conseguinte, entende-se que a recorrente carece de fundamento para pôr em causa a decisão sobre a matéria de facto. Na nossa leitura, a convicção da Senhora Juíza foi formada correctamente, conjugando o teor dos documentos juntos pelo A. com os testemunhos prestados, nestes relevando essencialmente o do senhor E…, numa ponderação que se nos afigura adequada à luz das regras da experiência, normalidade e razoabilidade. As respostas dadas têm suporte nesses elementos de prova, em especial nos documentos, com especial relevância para os registos de entrada e saída preenchidos pelos próprios trabalhadores e depois entregues ao seu chefe directo, dado que dos mesmos resulta não só o registo de todo o trabalho prestado, com indicação dos dias e horas de entrada e saída, como também das folgas gozadas e em que dias em concreto.
Concluindo, não se reconhece razão à recorrente, improcedendo o recurso na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.4 Embora esteja concluída a apreciação das questões suscitadas pela recorrente na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, no uso dos poderes de intervenção oficiosa de que este Tribunal as quem dispõe, cabe-nos ir mais além, nomeadamente para nos debruçarmos sobre o que consta provado sob os números 45, 47 e 49.
Releva ter presente o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida I… “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No mesmo sentido, o Senhor Desembargador Henrique Araújo [no estudo “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL”, publicado no sítio desta Relação do Porto, acessível em www.trp.pt] observa que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].

Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.
É o que acontece com os pontos da matéria de facto que se apontaram – 45, 47, e 49 – já que os mesmos encerram conclusões sobre os montantes devidos ao autor, como consequência da prova dos factos imediatamente anteriores, isto é, respectivamente, os factos 44, 46 e 48.
Ora, o local próprio para extrair essas conclusões é, como de resto depois também procedeu o Tribunal a quo, na sentença.
Por conseguinte, em bom rigor, esses pontos não deveriam integrar o elenco dos factos provados. Como tal, em consonância com as razões apontadas, consideram-se os mesmos não escritos.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, concluindo o seguinte [Conclusão L]:
- «Ou seja, quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, aplica-se o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012 e pelo Código do Trabalho. O Tribunal a quo, não podia ter aplicado ao caso concreto as cláusula 25.º e 26.º do CCT».
Em suma, entende a recorrente que quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, não têm aplicação ao caso as cláusulas 25.º e 26.º do CCT entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outras e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e actividades diversas e outros, publicado no BTE n.º 17/2011, aplicável por via da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º19/2011, assentando esse entendimento, como melhor se retira das alegações, no pressuposto de sendo uma “empresa de segurança privada, não (estar) obrigada a suspender o seu funcionamento”, depois argumentando que “Em vigor, estipula o artigo 7.º, n.º 4, da Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012, que ficam suspensas até 31 de dezembro de 2014, as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, que disponham sobre: a retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”, para concluir que “quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, aplica-se o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012 e o Código do Trabalho. Não se aplica o regime previsto nas cláusulas 25º e 26º do CCT supra identificado».
O que está em causa é, pois, a decisão sobre o pedido de condenação da R. no “pagamento pelo trabalho prestado em dia feriado e o correspondente ao descanso compensatório não gozado, condenando-se consequentemente a Ré a pagar a quantia de € 1.657,60 (mil seiscentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento”.
Antes de nos debruçarmos sobre este ponto importa resolver uma questão prévia, qual seja a de saber se estamos ou não perante uma questão nova.
No entender do Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação a recorrente está a suscitar uma questão nova que, como tal, não pode ser apreciada por este Tribunal ad quem, dado que só agora nas alegações é que alega que não está obrigada a suspender a sua actividade por ser uma empresa de segurança.
Por último, refere ainda que também não se provou que a empregadora estivesse dispensada de o fazer, sendo que sobre si recaía o ónus de prova desse facto extintivo do direito invocado pelo autor.
Respondeu a Recorrente contrapondo que sustentou a questão nos artigos 18.º a 21.º da contestação. O que não fez foi alegar que é uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dias de descanso obrigatório, complementar e feriado, mas que tal está implícito no artigo 19.º da contestação.
Vejamos então, começando por atentar nos aludidos artigos 18.º a 21.º da contestação, onde se lê o seguinte:
[18] Questão diferente é a da retribuição por trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação.
[19] Quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, aplica-se o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012.
[20] O regime previsto na Lei 23/2012, de 25 de Junho, quanto à matéria da retribuição, não só não foi declarado inconstitucional, como foi prorrogado, por força da Lei n.º 48-A/2014, de 31 de Julho, até 31 de Dezembro de 2014.
[21] Concluindo, a matéria da retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, não se aplica o regime previsto nas cláusulas 25º e 26º da CCT.
A alegação é exígua de fundamentação, mas tem que se admitir que a Ré refere expressamente que “[Q]uanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, aplica-se o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012”, por não ter sido declarado inconstitucional e até ter sido prorrogado pela Lei 48-A/2014, nesse pressuposto defendendo que à “matéria da retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, não se aplica o regime previsto nas cláusulas 25º e 26º da CCT”.
Portanto, com o devido respeito pela posição sustentada no parecer, em rigor, não cremos poder dizer-se que estamos perante uma questão nova.
Questão diversa, mas que adiante abordaremos, é a de saber se à falta de alegação de um facto concreto, que a própria recorrente admite, basta estar implícita na alegação a ideia de que a recorrente é uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado.
Passemos, pois, à apreciação da questão delimitada pela conclusão L, que em rigor consiste em saber se quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado pelo autor, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, não têm aqui aplicação as cláusulas 25.º e 26.º do CCT, antes se aplicando o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012 e pelo Código do Trabalho, na consideração da ré não estar “obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”, isto é, no dia feriado.
Os feriados obrigatórios, indicados no artigo 234.º do CT, são dias em que por força da lei deve ser normalmente suspensa a laboração nas empresas (art.º 236.º n.º1, CT). Portanto, a regra é a da suspensão do trabalho, o que normalmente implica o encerramento do serviço, tendo vista, como elucida Monteiro Fernandes “(..) possibilitar a celebração colectiva de acontecimentos considerados notáveis, nos planos político, religioso, cultural, etc. A paragem da prestação de trabalho nesses dias é consequência da suspensão da laboração a que as entidades patronais estão adstritas perante o estado. Em rigor, portanto, não se trata de um verdadeiro direito do trabalhador face à entidade patronal, que se insira no conteúdo da relação individual de trabalho, mas de uma obrigação do empresário relativamente ao Estado, que se articula com um direito subjectivo público dos trabalhadores” [Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 424].
Antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o art.º 20.º do DL 874/76, de 28 de Dezembro (Regime Jurídico de Férias, Feriados e Faltas), estabelecia no seu artigo 20.º (Garantia da retribuição) o seguinte: «O trabalhador tem direito à retribuição correspondente aos feriados, quer obrigatórios, quer facultativos, sem que a entidade patronal os possa compensar com trabalho extraordinário».
Por seu turno, o art.º 7.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro (Lei do Trabalho Suplementar), dispunha que «[O] trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado será remunerado com o acréscimo mínimo de 100% da retribuição normal».
No Código do Trabalho de 2003 a prestação de trabalho em dias feriados consta regulada no artigo 259.º, importando notar que então foi introduzida uma inovação relativamente ao regime anterior, ao criar-se um regime especial aplicável às empresas dispensadas de suspensão da laboração nesses dias, nomeadamente no n.º 2 desse artigo. No seu todo, dispunha o artigo o seguinte:
[1] O trabalhador tem direito à retribuição correspondente aos feriados, sem que o trabalhador os possa compensar com trabalho suplementar.
[2] O trabalhador que realiza a prestação em empresa legalmente dispensada de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório tem direito a um descanso compensatório de igual duração ou ao acréscimo de 100% da retribuição pelo trabalho presado nesse dia, cabendo a escolha ao empregador.
Portanto, o trabalho prestado em dia feriado passou a estar sujeito a dois regimes distintos: um aplicável às empresas legalmente não dispensadas de suspenderem o trabalho em dia feriado, isto é, o regime regra (n.º1); um outro aplicável às empresas legalmente dispensadas de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório, ou seja, o regime especial (n.º2).
No regime regra, na medida em que a prestação de trabalho em dia feriado consubstancia a prestação de trabalho suplementar, o trabalhador tinha “direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado” o qual vencia-se quando se perfizessem “um número de horas igual ao período normal de trabalho diário” devendo ser gozado nos 90 dias seguintes (art.º 202.º n.ºs 1 e 2, CT 03). Concomitantemente, o trabalhador tinha direito «a um acréscimo de 100% da retribuição, por cada hora de trabalho efectuado” [art.º 258.º 2, CT 03).
Diferentemente, no regime especial, isto é, em empresa dispensada de suspender a laboração em dia feriado, o direito do trabalhador dependia da opção do empregador e, consoante fosse essa, traduzir-se-ia no seguinte: i) pagamento das horas de trabalho prestado com acréscimo de 100%; ou, em descanso compensatório de igual duração igual ao trabalho prestado no dia feriado.
O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, acolheu aqueles regimes - o regra e o especial – relativamente à prestação de trabalho em dia feriado. Em suma, em caso de prestação de trabalho em dia feriado (art.º 269.º/CT) o trabalhador tinha direito a ser pago pelo valor da retribuição horária com o acréscimo de 100 % por cada hora ou fracção (art.º 268.º 1/al. b) CT), bem como a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas, vencendo-se este quando se perfizessem um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e devendo ser gozado nos 90 dias seguintes (art.º 229.º 1/CT).
Mas se o trabalho em dia feriado fosse prestado por trabalhador em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, então teria direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de 100 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador (art.º 269.º 2/CT).
Não resultando destas normas, nomeadamente do art.º 269.º, o contrário, as mesmas podiam ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (art.º 3.º /1 do CT 09), o que nos leva às cláusulas 25.ª e 26.ª, do Contrato Colectivo entre a AES — Associação de Empresas de Segurança e outras e o STAD — Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e Outros, publicado no BTE n.º 17/2011, aplicável ao caso concreto por via da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º19/2011, nas quais se estabelece o seguinte:
[Cláusula 25.ª - Remuneração por trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, dia de descanso semanal complementar ou feriado]
[1] O trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório ou complementar confere o direito a uma remuneração especial, a qual será igual à retribuição efectiva, acrescida de 200 %.
[2] O trabalhador tem direito à retribuição correspondente aos feriados, sem que o empregador os possa compensar com trabalho suplementar.
[3] Quando a prestação de trabalho em dia de descanso semanal ou feriado ultrapassar o período correspondente a um dia completo de trabalho, aplicar-se-á, além do estabelecido nos números anteriores, a remuneração por trabalho suplementar.
[Cláusula 26.ª Descanso compensatório]
[1] O trabalho prestado no dia de descanso semanal obrigatório confere ao trabalhador o direito a descansar num dos três dias úteis seguintes sem perda de retribuição.
[2] O trabalho prestado em dia feriado e a prestação de trabalho suplementar em dia útil confere aos trabalhadores o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizado.
[3] O descanso compensatório vence-se quando o trabalhador perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado num dos 90 dias seguintes, por mútuo acordo.
[4] O trabalhador que realiza a prestação em empresa legalmente dispensada de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório tem direito a um descanso compensatório de igual duração ou ao acréscimo de 100 % da retribuição pelo trabalho prestado nesse dia, cabendo a escolha ao empregador.
[5] O descanso compensatório previsto no n.º 2 pode, por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, ser substituído por prestação de trabalho, remunerado com acréscimo não inferior a 100 %.
Como se pode contatar pela leitura das cláusulas 25.ª n.º1 e 2 e 26.ª n.ºs 2 a 4, do CCT aplicável, no que respeita ao trabalho prestado em dia feriado consagra-se igualmente dois regimes distintos, um para as empresas não dispensadas de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório (regime regra) e outro para as empresas legalmente dispensadas de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório (regime especial). O primeiro é mais favorável no que respeita ao acréscimo sobre a retribuição, ou seja 200%, ao invés dos 100% estabelecidos no art.º 268.º 1/al. b) CT. O segundo, que é o que está aqui em causa uma vez que a recorrente vem defender ser uma empresa “obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”, isto é, em dia de feriado obrigatório, note-se que o n.º4, da cláusula 26.ª acolhe exactamente o regime consagrado no n.º2, do art.º 269.º do CT (na versão então vigente), isto é, o trabalhador tem direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de 100 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador.
Este era, pois, o enquadramento legal geral e, por outro lado, o convencional nas relações de trabalho abrangidas pelo CCT aqui aplicável, no que respeita ao trabalho prestado em dias feriados até à entrada em vigor da Lei nº 23/2012, de 25 de Junho.
A Lei n.º 23/2012, que procedeu à terceira alteração ao Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, surgiu na sequência de compromissos assumidos pelo Estado Português quanto à revisão da lei laboral, com a assinatura pelo Governo, em 3-05-2011, do Programa de Ajustamento Económico acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
Como mencionado na exposição de motivos da Proposta de Lei 46/XII, que está na origem da Lei n.º 23/2012, as alterações introduzidas incidem em quatro matérias fundamentais: organização do tempo de trabalho; fiscalização das condições de trabalho e comunicações à Autoridade para as Condições de Trabalho; alterações ao regime de cessação do contrato de trabalho por motivos objetivos; e, alterações ao regime aplicável aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Na leitura do Prof. Doutor Júlio Manuel Vieira Gomes, [E]m suma, a Lei n.º 23/2012, tendo como principal escopo reduzir os custos com o trabalho, elimina feriados, majorações de férias e acréscimos compensatórios por trabalho suplementar, reduz compensações pela cessação do contrato de trabalho e introduz novas causas de cessação do contrato de trabalho (porque é nisso que se traduz a inadaptação sem modificação do posto de trabalho). Do mesmo passo, multiplica os elementos não contratuais no contrato de trabalho - lembre-se o banco de horas grupal - e as interferências na autonomia negocial coletiva. Mas não bule, minimamente, em alguns aspetos estruturantes do nosso sistema de relações coletivas, corretamente denunciados pelo Memorando, como sejam a falta de critérios de representatividade ou a proliferação de portarias de extensão com os seus possíveis efeitos de distorção da concorrência...” [in “Algumas reflexões sobre as alterações introduzidas ao Código do trabalho pela lei 23/2012 de 25 de Junho”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, Abr./Set, II/III, pp 575 ss.]
Interessa-nos aqui exclusivamente o art.º 7.º da Lei 23/2012, com a epígrafe “Relações entre fontes de regulação”, que na sua redacção inicial veio estabelecer o seguinte:
[1] São nulas as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da presente lei que prevejam montantes superiores aos resultantes do Código do Trabalho relativas a:
a) Compensação por despedimento coletivo ou de que decorra a aplicação desta, estabelecidas no Código do Trabalho;
b) Valores e critérios de definição de compensação por cessação de contrato de trabalho estabelecidos no artigo anterior.
[2] São nulas as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da presente lei que disponham sobre descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado.
[3] As majorações ao período anual de férias estabelecidas em disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho ou cláusulas de contratos de trabalho posteriores a 1 de dezembro de 2003 e anteriores à entrada em vigor da presente lei são reduzidas em montante equivalente até três dias.
[4] Ficam suspensas durante dois anos, a contar da entrada em vigor da presente lei, as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre:
a) Acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho;
b) Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.
[5] Decorrido o prazo de dois anos referido no número anterior sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho.
As alterações introduzidas por este diploma ao Código do Trabalho recentemente revisto pela Lei 7/2009, não foram isentas de polémica no plano político e social, suscitando ainda severas críticas da doutrina, designadamente no que tange à conformidade de determinadas alterações com princípios consagrados pela lei fundamental. É nesse contexto que um grupo de vinte e quatro Deputados à Assembleia requereu junto do Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de um vasto conjunto de normas contidas no Código do Trabalho, na redação dada pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, entre elas contando-se, no que aqui releva, o artigo 7.º.
Pronunciando-se no Acórdão n.º 602/2013, de 24 de Outubro [D.R. n.º 206, Série I], o Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade de diversas normas e declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias outras normas do Código do Trabalho, entre elas, cingindo-nos ao art.º 7.º, das seguintes:
- da norma do artigo 7.º, n.º 2, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
- da norma do artigo 7.º, n.º 3, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
- da norma do artigo 7.º, n.º 5, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Acresce que subsequentemente, com as alterações introduzidas à Lei n.º 23/2012, de 25/06, através da Lei n.º 48-A/2014, de 31/07 [Prorroga o prazo de suspensão das disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e das cláusulas de contrato de trabalho], o art.º 7.º passou a ter a redacção seguinte:
Artigo 7.º [Relações entre fontes de regulação]
1 - (Revogado.)
2 - (Revogado.)
3 - (Revogado.)
4 - Ficam suspensas até 31 de dezembro de 2014, as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho, que tenham entrado em vigor antes de 1 de agosto de 2012, e que disponham sobre:
a) Acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho;
b) Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.
5 - (Revogado.)
Como observa o Prof. Doutor António Monteiro Fernandes, reportando-se aos n.ºs 4 e 5 do art.º 7.º, “(..) de modo igualmente heterodoxo, a lei assume uma postura modeladora do conteúdo das convenções colectivas celebradas antes da sua entrada em vigor, no sentido de forçar esse conteúdo a ajustar-se ao teor das normas modificadas. Declara-se, assim, a suspensão, por dois anos, das cláusulas (de convenções colectivas e contratos individuais) não coincidentes com o novo regime legal em matéria de consequências do trabalho suplementar, e ameaça-se com a redução do seu conteúdo no caso de não serem, durante o período de suspensão, ajustadas ao teor da lei (n.º 5 do art. citado)” [in “A “REFORMA LABORAL” DE 2012 - Observações em torno da Lei 23/2012”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, Abr./Set, II/III, pp 545 ss.].
Revertendo ao caso, é neste contexto e, fundamentalmente, na consideração de que a norma do n.º4 al. b), do art.º 7.º da Lei 23/2012, não foi declarada inconstitucional nem revogada, que a recorrente vem defender – por alegadamente ser uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado –, o afastamento das cláusulas 25.º e 26.º do CCT no que respeita ao trabalho prestado em dia feriado, ou em dia compensatório pela prestação daquele, sustentando que antes se aplica o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho e pelo Código do Trabalho.
Dito de outro modo, caso se entenda que as cláusulas 25.ª e 26.ª não podem ser aplicadas por efeito da suspensão por dois anos decretada pela al. b), do n.º 4, do art.º 7.º, da Lei 23/2012, tal significará então que terá aplicação o disposto no Código do Trabalho, com as alterações introduzidas por aquela Lei, mais precisamente ao artigo 269.º, cujo n.º2, passou a dispor o seguinte: [2] «O trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia tem direito a descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou a acréscimo de 50 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador».
Como facilmente se constata pelo confronto deste normativo com o anterior n.º2, com a alteração introduzida pela Lei 23/2012, foi reduzido para metade o descanso compensatório, bem como o acréscimo na retribuição.
Porém, para que seja aplicável ao caso o disposto na al. b), do n.º4, do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, e concomitantemente aquele n.º2, do artº 269.º. CT, ficando assim arredada a aplicação das cláusulas 25.º e 26.º da CCT, é necessário que se conclua que a recorrente é uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento no dia feriado em que o trabalho foi prestado.
Para além disso, importa fazer aqui uma precisão. Se porventura assistir razão à recorrente os efeitos apenas se produzem a partir da entrada em vigor da Lei n.º 23/2012, no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação, isto é, a 1 de Agosto de 2012 (art.º 11.º), não tendo por isso qualquer repercussão relativamente ao período compreendido entre a data de admissão do autor, a 27 de Março de 2012, e aquela data.
Acontece, porém, que como a própria Recorrente reconhece, a mesma não alegou na acção qualquer facto que sujeito a prova e demonstrado permitisse ao Tribunal a quo concluir estar-se perante uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado. Apenas se pode considerar, como se admitiu acima ao aceitar-se que não se está perante uma questão nova, que a alegação feita, dizendo que “Quanto à retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, aplica-se o regime previsto pela Lei 23/2012, de 25 de Junho de 2012” tem implícita a ideia de que a R. estava a assumir tratar-se de uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado.
Ora, contrariamente ao que a Recorrente pretende defender nas alegações, o facto de se tratar de uma “empresa de segurança privada” não significa, só por si, que se trate de uma empresa que “ não (está) obrigada a suspender o seu funcionamento”. Se assim fosse, tal significaria necessariamente que todas as empresas que prosseguem a actividade de prestação de serviços de segurança privada não estão obrigadas, numa excepção à regra geral, a suspender o funcionamento em dia feriado.
Não é esse o caso. Nem a R. indica, nem o poderia fazer, porque não consta do elenco do Código do Trabalho norma alguma que defina quais são as empresas que não estão obrigadas a suspender o seu funcionamento em dias feriados.
A lei diz, por exemplo, no que respeita ao descanso semanal obrigatório, que “pode deixar de ser o domingo, além de noutros casos previstos em legislação especial, quando o trabalhador presta actividade” em empresa ou actividade das tipificadas nas alíneas do n.º1 do art.º 232.º do CT, entre elas se incluindo [al.d)], a “atividade de vigilância ou segurança”.
Mas já não o faz quanto à suspensão da laboração nos dias considerados feriados obrigatórios para todas as actividades que não sejam permitidas aos domingos, imposta pelo art.º 236-º 1, CT.
A regra comporta desvios, designadamente quanto a actividades de laboração contínua, mas nesse caso a empresa carece de obter autorização para desenvolver a sua actividade em laboração contínua, fundada em motivos económicos ou tecnológicos, sendo competentes para a conceder os membros do Governo responsáveis pela área laboral e pelo sector de actividade [artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro].
Por conseguinte, pretendendo a recorrente a aplicação do n.º 4. al b), do art.º 7.º da Lei 23/2012, no pressuposto de ser uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado, cabia-lhe alegar e demonstrar os factos necessários para permitir ao tribunal a quo concluir que efectivamente tal se verificava (art.º 342.º 1 do CC).
Como não estão demonstrados factos que permitam formar esse juízo conclusivo, tanto mais que nem foram alegados, é forçoso concluir que o recurso sucumbe também nesta vertente de alegado erro de aplicação do direito aos factos.
***
Considerado o disposto no art.º 527.º n.º 1 e 2 do NCPC, as custas da acção e do recurso serão suportadas pela recorrente Ré.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a sentença.
Custas pela recorrente R.

Porto, 20 de Junho de 2016
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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SUMÁRIO
I - Para impugnar um documento não basta à parte dizer que o impugna, sendo necessário que indique um fundamento concreto que justifique pôr em causa esse meio de prova apesentado pela parte contrária.
II - O registo de trabalho suplementar e a relação nominal dos trabalhadores que o prestaram, a que se referem, respectivamente, os n.ºs 1 e 8 do art.º 231.º C, são coisas bem diferentes. O dever de manutenção durante cinco anos apenas é imposto relativamente a esta última e não quanto ao primeiro.
III - A prova não é apreciada isoladamente, isto é, testemunho a testemunho ou documento a documento, mas antes ponderada numa leitura conjugada de tudo o que resultou dos diversos meios de prova produzidos.
IV - Os feriados obrigatórios, indicados no artigo 234.º do CT, são dias em que por força da lei deve ser normalmente suspensa a laboração nas empresas (art.º 236.º n.º1, CT). Portanto, a regra é a da suspensão do trabalho.
V - Com o Código do Trabalho 03 o trabalho prestado em dia feriado passou a estar sujeito a dois regimes distintos (art.º 259.º): um aplicável às empresas legalmente não dispensadas de suspenderem o trabalho em dia feriado, isto é, o regime regra (n.º1); um outro aplicável às empresas legalmente dispensadas de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório, ou seja, o regime especial (n.º2). O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, acolheu aqueles regimes - o regra e o especial – relativamente à prestação de trabalho em dia feriado (art.º 269.º).
VI - Não resultando destas normas, nomeadamente do art.º 269.º, o contrário, as mesmas podiam ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (art.º 3.º /1 do CT 09).
VII - Sustentando a recorrente a aplicação da norma do n.º4 al. b), do art.º 7.º da Lei 23/2012, que determinou a suspensão até 31 dezembro de 2014, das disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho, que tenham entrado em vigor antes de 1 de agosto de 2012, e que disponham sobre [b] “Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”, para ficar arredada a aplicação das cláusulas 25.º e 26.º do CCT no que respeita ao trabalho prestado em dia feriado, ou em dia compensatório pela prestação daquele, fazendo-o no pressuposto de ser uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento no dia feriado em que o trabalho foi prestado, sobre ela recaía o ónus de alegação e prova dos factos necessários para o Tribunal a quo concluir pela verificação desse pressuposto.
VIII - Como não estão demonstrados factos que permitam formar esse juízo conclusivo, tanto mais que nem foram alegados, é forçoso concluir que o recurso sucumbe também nesta vertente de alegado erro de aplicação do direito aos factos.

Jerónimo Freitas