Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1079/08.2TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRAZO
ALONGAMENTO DO PRAZO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL E CONTRATUAL
ILÍCITO CIVIL
ILÍCITO CRIMINAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RP201607071079/08.2TVPRT.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 629, FLS.498-507)
Área Temática: .
Sumário: I - A parte que pretenda beneficiar da ampliação do prazo prescricional estatuído no artigo 498.º, nº 3 do CCivil, atento o seu teor, alcance e sentido, tem o ónus de, por um lado, alegar que os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal e, por outro, de concretizar, através dessa mesma alegação, os factos em causa.
II - Querendo o Autor imputar a Ré, enquanto instituição bancária, a prática de um crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.º do Código Penal tem que alegar os factos indispensáveis ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas a que se refere o artigo 11.º do Código Penal.
III - O prazo de prescrição previsto no n.º 3 do art.º 498.º do Código Civil é aplicável aos responsáveis meramente civis, designadamente ao comitente, desde que se alegue que o acto gerador dos danos indemnizáveis foi causado por facto ilícito criminal do comissário no âmbito da relação de comissão.
IV - Os prazos de prescrição, de direito a indemnização, por responsabilidade civil extracontratual, são os fixados, no artigo 498.º, n. 1, do CCivil.
V - Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1079/08.2TVPRT.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Inst. Central-1ª Secção Cível-J5
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Sousa Lameira

Sumário:

I- A parte que pretenda beneficiar da ampliação do prazo prescricional estatuído no artigo 498.º, nº 3 do CCivil, atento o seu teor, alcance e sentido, tem o ónus de, por um lado, alegar que os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal e, por outro, de concretizar, através dessa mesma alegação, os factos em causa.
II- Querendo o Autor imputar a Ré, enquanto instituição bancária, a prática de um crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.º do Código Penal tem que alegar os factos indispensáveis ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas a que se refere o artigo 11.º do Código Penal.
III- O prazo de prescrição previsto no n.º 3 do art.º 498.º do Código Civil é aplicável aos responsáveis meramente civis, designadamente ao comitente, desde que se alegue que o acto gerador dos danos indemnizáveis foi causado por facto ilícito criminal do comissário no âmbito da relação de comissão.
IV- Os prazos de prescrição, de direito a indemnização, por responsabilidade civil extracontratual, são os fixados, no artigo 498.º, n. 1, do CCivil
V- Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento.

I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente Rua …, Nº …, …, Braga veio instaurar o presente processo comum de declaração, contra Réu-C…, Instituição Financeira de Crédito S.A., com domicílio na Avenida …, …, Lisboa.
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Na contestação a Ré veio invocar, além do mais, a excepção da prescrição.
Para tanto alegou que:
- o Autor teve conhecimento em meados de 2001 do apontamento efectuado no Banco de Portugal-da existência de crédito em mora do Autor para com a Ré;
- em data anterior a Setembro de 2002 o Autor deslocou-se ao Porto para contactar com funcionários da Ré, quando contra o mesmo foi instaurada execução por esta;
- em Maio de 2005 foi proferida sentença nos autos de embargos de executado a julgar os mesmos improcedentes;
- há mais de 5 anos que não acede a um crédito bancário, continuando nas listas do Banco de Portugal como utilizador de risco, impossibilitado de ter crédito em todo e qualquer banco.
Qualquer uma das apontadas causas com as quais o Autor justifica o seu pedido, decorreram há mais de 3 anos ou são do seu conhecimento há mais de 3 anos, pelo que nos termos do disposto no artigo 498.º do CCivil já prescreveu o seu direito indemnizatório.
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Respondeu o Autor à excepção assim deduzida nos termos de fls. 238 e segs., alegando em suma que:
- De Setembro de 2001 até 09 de Fevereiro de 2006 (data do acórdão que decidiu o recurso interposto pela aqui R. da sentença de embargos proferida) apenas teve conhecimento de factos potenciadores do seu direito a ser indemnizado pela Ré.
- Só com tal aresto tendo tido conhecimento do direito a que alude o artigo 498.º do CCivil, face à factualidade que o mesmo ali manteve, apesar de ter ordenado a repetição de produção de prova, pois que, se os embargos procedessem, a inclusão na lista era justificada e não haveria ato ilícito imputável à Ré.
Conclui, assim, que o prazo de prescrição do artigo 489.º do CCivil só se iniciou em 09 de Fevereiro de 2006, para além de que ainda hoje os bens jurídicos tutelados e para os quais reclama indemnização continuam em crise, tendo pois a acção sido tempestivamente instaurada.
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A Srª juiz do processo, em despacho devidamente fundamentado, concluiu pela verificação da excepção da prescrição invocada pela Ré absolvendo-a do pedido contra ela formulado.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1ª - O pedido de indemnização do Autor, aqui Recorrente, tem subjacente a prática de factos que consubstanciam o ilícito criminal de falsificação de documentos (art.°s 15°, 16°, 27°, 28°, 29°, 30°, 36°, 37°, 49°, 50°, 53°, 66° e 67° da PI).
2ª - Dispõe o art. 498.°, n° 3 do Código Civil que "Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável". Neste sentido também o Acórdão do STJ de 04.11.2008, proc. n.° 08A2342.
3ª - Nos temos conjugados do art. 11.°, n.°s 1, 2, 6 e 7 e art. 25ó.° n.° 1 e 3 do C e ainda do art. 11 8°, n° 1, alínea b), todos do Código Penal, o procedimento criminal que tenha subjacente o crime de falsificação de livrança extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido dez anos.
4ª - Destarte, tendo em conta a data da consumação do crime que ocorreu em Setembro de 2002, data em que o Recorrido dá à execução as livranças emitidas ao abrigo de tais contratos, verifica-se que, no momento da propositura da acção (19 de Novembro de 2008), ainda não haviam decorridos 10 anos sobre a prática de tal ilícito.
5ª - Refira-se que, não conhecendo o Autor, à data da interposição da acção, os danos em toda a sua extensão, poderia optar, nos termos do art. 72.°, n.° 1, al. d) do CPP, pela dedução do pedido de indemnização civil em separado, perante os tribunais comuns e assim fez.
Sem prescindir,
6ª - Os contratos supra-mencionados foram apresentados à Ré, aqui Requerida, através de um seu Agente, que actua enquanto comissário do Banco (art. 37° da PI).
7ª - Por sua vez, o comitente (Banco-Réu) não verificou, como deveria ter verificado, a veracidade quer dos contraentes, quer da informação e identidade aos mesmos atinentes (art. 37° da PI).
8ª - Perfilam-se, assim, dois factos ilícitos imputáveis a diferentes sujeitos. De um lado o crime de falsificação de documentos; de outra banda um ilícito decorrente do incumprimento das regras relativas à subscrição e execução dos contratos, os quais preenchem os pressupostos do art. 498.°, n.° 3 do CC.
9ª - Sem prescindir e, atendendo apenas ao "facto" que sustenta a causa pretendi, sempre se diga que estamos perante uma realização plúrima de diversas "acções" ' interpelação ao Autor para pagar dois contratos que não subscreveu, violação do dever de cuidado em relação à actuação dos seus comissários, interposição da acção executiva e persistência da posição na mesma assumida, violação do dever de cuidado mantendo o nome do Autor na central de riscos do Banco de Portugal.
10ª - Assim, será sempre a partir do cessar do "facto" que se conta o prazo prescricional, e o facto cessou apenas com o trânsito em julgado dos embargos, o que só ocorreu em Março de 2015.
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Devidamente notificada contra-alegou a Ré concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se ocorreu, ou não, o prazo prescricional do direito indemnizatório exercido pelo Autor na presente acção.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a apreciação e decisão da questão acima enunciada é que resulta do relatório supra que aqui se dá por reproduzida, e ainda a que consta dos articulados apresentados pelas partes com relevo para aquela decisão e que no momento oportuno dela se lançará mão.
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III. O DIREITO

Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:

a)- saber se ocorreu, ou não, o prazo prescricional do direito indemnizatório exercido pelo Autor na presente acção.

O tribunal propendeu, como emerge da respectiva decisão, para o entendimento de que, efectivamente, se verificava a prescrição do referido direito indemnizatório.
Deste entendimento dissente o Autor recorrente.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
Antes de mais, importa começar por dizer que o instituto da prescrição tem o seu fundamento, como decorre dos ensinamentos do Mestre Manuel A. Domingues de Andrade[1], “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)”.
Já para António Menezes Cordeiro, são dois os fundamentos do instituto da prescrição:-fundamento atinente ao devedor, e de ordem geral. Quanto ao primeiro “a prescrição visa, essencialmente, relevá-lo de prova” e, quanto ao segundo ele “ (…) relevaria de razões atinentes à paz jurídica e à segurança”.[2]
Definindo-a, diz o Mestre João de Castro Mentes[3], que “a prescrição é a atribuição a uma pessoa, em face da qual correu um decurso de tempo de inacção dum seu credor, ou de posse do bem, do direito de invocar a seu favor esse decurso para considerar extinta a dívida ou transformada a posse em propriedade”.
Isto dito dito, na primeira, segunda, terceira e quarta conclusões o Autor recorrente sustenta que o pedido de indemnização formulado na presente acção tem subjacente a prática de factos que consubstanciam o ilícito criminal da falsificação de documentos, acrescentando que o artigo 498.º, n.º 3 do Código Civil prevê que, nesse caso, o prazo de prescrição aplicável seria o previsto para o referido ilícito criminal que, afirma, seria de 10 anos.
Dúvidas não existem, nem isso vem questionado no recurso, que tal como a acção vem estruturada na petição inicial o seu fundamento radica da responsabilidade extracontratual ou por factos ilícitos (artigos 483.º e ss. do CCivil)
E, por assim ser, estatuiu nº 1 do artigo 498.º do referido diploma legal que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
Dispõe por sua vez o nº 3, da mesma disposição legal, que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
Ora, a este respeito, cremos ser pacífico que a aplicação do prazo de prescrição previsto na lei penal não depende do efectivo exercício de procedimento criminal, assim como não impede a acção cível, o facto de o processo crime ter sido arquivado, ou amnistiado, mas a conduta ilícita que constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, há-de estar alegada.[4]
Efectivamente, o alongamento do prazo de prescrição constante do n.º 3 do citado artigo 498.º do C. Civil não exige que naquele caso concreto tenha existido um processo crime em que se tenha apurado a prática de um crime, bastando que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no número daquele inciso.
Assim, mesmo arquivado o processo-crime, podem os lesados intentar a acção cível para além do prazo de 3 anos, previsto no referido n.º 1 do artigo 498.º, desde que aleguem e provem, nessa mesma acção, que o facto ilícito invocado constitui crime, cujo prazo prescricional é superior, uma vez que o alongamento do prazo prescricional radica na especial qualidade do ilícito e não na circunstância de se demonstrar, em sede penal, o respectivo crime, sendo suficiente para a dedução da acção cível que o facto ilícito constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeito a um prazo mais longo que o previsto para aquela, não estando subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, pelos mesmos factos
Portanto, a lei não atribui qualquer relevância ao conteúdo da decisão, quer seja de acusação ou de arquivamento, do Ministério Público enquanto titular da acção penal para efeitos de contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização em acção cível.
Contudo, o lesado que pretenda beneficiar deste prazo mais alargado tem o ónus de, por um lado, alegar que os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal, e por outro, de concretizar, através dessa mesma alegação, os factos em causa.
Mas terá nesta acção cumprido o recorrente aquele ónus alegatório?
É que, importa não esquecer que, nesta fase processual, para se não tomar conhecimento da invocada excepção da prescrição por a respectiva factualidade estar carecida de prova, teria o Autor recorrente de ter alegado, nos articulados que apresentou, um continente factual que, uma vez provado, resultasse que a Ré recorrida teria praticado quer um ilícito criminal quer um ilícito civil.
Ora, nada disso, se mostra alegado.
Com efeito, o Autor recorrente limita-se a alegar no que diz respeito aos contratos n.º …… e ……, cuja assinatura lhe era atribuída “estar-se na presença de uma falsificação grosseira da sua assinatura e de dados pessoais aí insertos como os relativos à sua residência e ao seu estado civil, ocorrendo ainda falsificação grosseira das assinaturas constantes das livranças que titulavam tais contratos ”(cfr. artigos 15º, 16º, 27º, 28º, 29º, 30º, 49º, 50º, 53º e 66º da petição inicial).
Portanto, em momento algum dos articulados apresentados, o Autor recorrente imputa à recorrida ou a algum dos seus funcionários, a prática de um crime de falsificação de documento ou qualquer outro tipo de ilícito criminal.
Importa, aliás, enfatizar que o Autor recorrente tinha, querendo imputar à recorrida a prática de um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256.º do Código Penal, de invocar os factos indispensáveis ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas (artigo 11.º do Código Penal), como é o caso da Ré, aqui recorrida.
Com efeito, o recorrente teria, desde logo, de alegar e provar:
a)- que quem falsificou a sua assinatura–e, a ser verdade que tal falsificação ocorreu, desconhece-se que possa ter cometido tal falsificação, porquanto o Autor também não o esclarece na petição inicial, nem na réplica–ocupava uma posição de liderança na sociedade ré (no sentido explicitado no artigo 11.º, n.º 4 do Código Penal) e que, quando fez a falsificação, actuou em nome e em representação da recorrida [artigo 11.º, n.º 2, al. a) do Código Penal];
b)- que o autor da falsificação agiu sob a autoridade de representantes legais da sociedade Ré, aqui recorrida, que violaram deveres de vigilância que tinham de respeitar, explicitando quais os deveres violados [artigo 11.º, n.º 2, al. b) Código Penal];
c)- que, no âmbito da organização interna da recorrida e da ordem de comando estabelecida, não havia uma ordem expressa de não falsificação de assinaturas de eventuais clientes, porquanto, de outro modo, o autor da falsificação agiria sempre contra as instruções expressas concedidas, não podendo ser responsabilizada a sociedade requerida (artigo 11.º, n.º 6 do C.Penal).
Ora, nada disto o Autor recorrente, alegou.
É preciso não esquecer que, em homenagem ao princípio dispositivo, a adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete, em princípio, às partes: a estas corresponde proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto (não notórias), base da decisão.
Cada uma das partes suporta, em resultado do princípio dispositivo, um ónus de afirmação (alegação).
Decidir que o ónus de afirmação incumbe a uma das partes significa que será julgado o pleito contra si, se os não alegados forem indispensáveis à sua pretensão.
O problema do ónus de afirmação não deixa de ser idêntico ao do ónus da prova, de tal sorte que estamos com Manuel de Andrade[5] quando diz que os critérios gerais para a repartição do ónus da prova valem do mesmo modo para o ónus de afirmação.
Estes critérios, em conformidade com o artigo 342º do Código Civil, sintetizam-se no seguinte:
-Ao autor cabe a afirmação dos factos que segundo a norma substantiva servem de pressupostos ao efeito jurídico pretendido. O autor terá assim o ónus de afirmar os factos (constitutivos) correspondentes à situação de facto (Tatbestand) traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão;
-Ao réu incumbirá, por sua vez, a afirmação dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito pretendido pelo autor. Compete-lhe, portanto, a prova de factos impeditivos ou extintivos da pretensão da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada.
O que se acaba de dizer, vem a significar que o Autor, invocada pela Ré a excepção da prescrição, teria, querendo beneficiar do prazo mais longo estatuído no artigo 498.º, nº 3 do CCivil, que alegar os factos pertinentes que consubstanciassem a prática por parte da Ré, ou de um seu funcionário, de um crime de falsificação de documento, pois que, neste conspecto, a referida alegação funcionava como uma contra excepção à excepção invocada pela Ré (artigo 342.º, nº 2 do CCivil).
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Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 4ª formuladas pelo Autor recorrente.
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Nas conclusões 6ª a 8ª refere o recorrente que os contratos supra-mencionados foram apresentados à Ré, através de um seu agente, que actuou enquanto comissário do Banco, sendo que, este como comitente não verificou, como deveria ter verificado, a veracidade quer dos contraentes, quer da informação e identidade aos mesmos atinentes, razão pela qual se perfilam dois factos ilícitos imputáveis a diferentes sujeitos.
De um lado o crime de falsificação de documentos; de outra banda um ilícito decorrente do incumprimento das regras relativas à subscrição e execução dos contratos, os quais preenchem os pressupostos do artigo 498.°, n.° 3 do CCivil.
Compreende-se qual o sentido das alegações assim produzidas embora, salvo o devido respeito, a questão se encontre mal colocada.
Na verdade, a questão que se coloca é a de saber se, numa relação de comissão, tendo o comissário praticado ilícito de natureza criminal, o disposto no nº 3 do artigo 498.º co CCivil é aplicável aos responsáveis meramente civis, designadamente ao comitente.
A jurisprudência tem vindo a pronunciar-se, de forma dominante, no sentido afirmativo, contra a opinião de Antunes Varela.[6]
Segundo aquele autor[7], se o facto criminoso tiver sido praticado pelo comissário, no exercício da função que lhe foi confiada, o prazo alargado da prescrição não é aplicável ao comitente, apesar do regime de solidariedade (artigo 497.º, nº 1 do CCivil), que une as duas obrigações, porque o carácter pessoal do facto praticado pelo causador do dano não se comunica ao outro responsável.
Em anotação ao citado acórdão do STJ de 30.01.85[8], escreveu ainda Antunes Varela que o alargamento do prazo assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, porque radica na especial gravidade do facto ilícito, praticado pelo agente.
Dos arestos acima citados que se pronunciaram pelo alargamento do prazo prescricional do nº 3 do artigo 498.º aos responsáveis civis, destacamos a extensa fundamentação do Ac. do STJ de 22.02.94, onde se conclui que “(…) o interpretar o artigo 498,º, nº 3 como aplicável também aos responsáveis meramente civis não implica a aplicação analógica do art. 500º nº 1, apenas concede que tal interpretação é imposta pelo argumento da unidade do sistema jurídico: se o artigo 500.º, nº 1, responsabiliza o comitente na exacta medida em que o comissário é responsável, manda a lógica que tal se passe em todas as situações, inclusive no campo da prescrição do direito de indemnização.
Quanto à letra da lei, o certo é que o texto legal em apreço não distingue, pois que apenas diz “Se o facto ilícito constituir crime (…)” mas não se vê que possa deixar-nos a impressão de só querer referir-se ao autor do facto ilícito criminoso e só a este facto constitutivo do crime, parece que o pressuposto da sua aplicação a todos os responsáveis, quer criminais, quer civis, é apenas o ter havido crime sujeito a prazo de prescrição mais longo”.
Portanto, o facto de a Ré ser pessoa colectiva e, também por isso, responsável meramente civil, na qualidade de comitente, não é, pois, obstáculo à aplicação do prazo prescricional de cinco anos, desde que se prove que o acto gerador dos danos indemnizáveis foi causado por facto ilícito criminal de agente ou funcionário seu (comissário).
Por conseguinte, se a causa de pedir assentar num facto criminoso imputado ao comissário, cujo prazo de prescrição do respectivo procedimento seja mais longo que o prazo trienal previsto no artigo 498.º, nº 1 do CCivil, deve observar-se tanto para o comissário como para o comitente, por força do nº 3 do citado inciso, aquele primeiro prazo.
Acontece que, não obstante o supra referido, a verdade é que o Autor recorrente não alega qualquer relação de comissão.
De facto, em nenhum momento é invocada a existência de qualquer relação de comissão ou alegado qualquer facto alusivo à mesma que permita concluir pela sua existência, pois que, a afirmação desgarrada constante do artigo 37.º da petição inicial, não tem essa virtualidade.
Ora, a responsabilidade do “comitente” vem prevista no artigo 500.º do CCivil, que estatui assim:
Responsabilidade do comitente
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no nº 2 do artigo 497º.
Da leitura do descrito normativo, resulta que a responsabilidade do comitente depende da verificação cumulativa dos seguintes três pressupostos: a) a existência de uma relação de comissão (caracterizada por uma relação de subordinação ou dependência do comissário para com o comitente, que autorize este a dar ordens ou instruções àquele); b) a prática do facto ilícito pelo comissário (gerador de responsabilidade civil ou criminal) no exercício da sua função (de que provenha dano para terceiro); c) e a responsabilidade do próprio comissário (quanto à obrigação de indemnizar).
Acontece que, nenhum quadro factual foi alegado pelo Autora recorrente que, uma vez provado, preenchesse a factie species da referida norma.
Acresce que e como noutro passo já se referiu, ao longo do articulado o Autor nunca invoca a prática, pela recorrida (ou mesmo por um terceiro, seu subordinado), de qualquer ilícito de natureza criminal, e muito menos alega quaisquer factos referentes à prática desse ilícito ou a autoria do mesmo.
Em nenhures dos articulados apresentados pelo Autor recorrente são alegados quaisquer factos no sentido da falsificação dos documentos (a que se faz referência nas alegações), ter sido efectuada no âmbito de qualquer relação de comissão e que a ora recorrida fosse o comitente e o “falsificador” um seu comissário.
Poder-se-ia dizer que, para estes efeitos-saber qual o prazo de prescrição que deve aplicar-se,- não releva que esteja identificado o autor material de tal crime, pois que, se é certo que, para efeitos de acção penal é necessário que o arguido esteja identificado, já que sem ele não há acusação, para efeitos de prescrição, tal não se mostra ser necessário.
Na verdade, um crime não deixa de ser crime, pelo facto de serem desconhecidos os seus autores.
Todavia, ainda assim, tinha de estar alegado que um funcionário da Ré havia praticado o referido ilícito penal, coisa que, manifestamente, não foi feita.
Como assim, também por esta via não pode o Autor recorrente beneficiar do prazo mais longo consignado no citado artigo 498.º, nº 3 do CCivil, valendo também aqui, mutatis mutandis, as considerações feitas sobre o ónus de alegação por parte do recorrente feitas a propósito das conclusões 1ª a 4ª.
Desta forma, improcedem também as conclusões 6ª a 8ª formuladas pelo recorrente.
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Nas conclusões 9ª e 10ª refere o recorrente que atendendo apenas ao facto que sustenta a causa pretendi, se está perante uma realização plúrima de diversas “acções”, interpelação ao Autor para pagar dois contratos que não subscreveu, violação do dever de cuidado em relação à actuação dos seus comissários, interposição da acção executiva e persistência da posição na mesma assumida, violação do dever de cuidado mantendo o nome do Autor na central de riscos do Banco de Portugal, pelo que, será sempre a partir do cessar do “facto” que se conta o prazo prescricional, e o facto cessou apenas com o trânsito em julgado dos embargos, o que só ocorreu em Março de 2015.
Será que assim é?
Do que acima se deixou dito decorre com meridiana clareza que, não podendo o Autor recorrente beneficiar do prazo prescricional mais longo a que se refere o artigo 498.º, nº 3 do CCivil, a decisão da invocada excepção da prescrição invocada pela Ré centra-se na questão de saber se, aquando da propositura da presente acção já tinha decorrido o prazo de três anos estatuído no nº 1 do mencionado artigo 498.º.
Analisando.
Na petição inicial, o Autor recorrente, alegou, entre outros factos, o seguinte:
- “Em meados de 2001” o recorrente “foi alertado pelo Banco Português de Investimento, de que estaria na listagem de utilizadores de crédito em mora que o Banco de Portugal disponibiliza aos operadores bancários e para-bancários”–cfr. artigo 9.º da petição inicial;
- “Confrontado com tal informação, que o autor sabia ser falsa, dirigiu-se ao Banco de Portugal, onde requereu um mapa de centralização das suas responsabilidades”–cfr. artigo 9.º da petição inicial;
-“Tal centralização continha dados referentes a créditos em mora na Ré”, aqui recorrida – cfr. artigo 10.º da petição inicial;
- “Dirigiu-se ao Porto, à sede da Ré, onde pretendeu apurar a veracidade da comunicação da informação de crédito em mora ao Banco de Portugal” tendo-lhe sido informado que tinha “três contratos a decorrer”, cujas cópias lhe foram entregues–cfr. artigos 11.º a 14.º e 26.º da petição inicial;
- Desses três contratos, “apenas reconheceu como “seu”, da sociedade que representa” o contrato de n.º ….., verificando, de imediato, no que diz respeito aos contratos n.º …… e ……, cuja assinatura lhe era atribuída “estar na presença de uma falsificação grosseira da sua assinatura”-cfr. artigos 21.º e 27.º da petição inicial;
- Insistiu, de imediato, para que o erro fosse corrigido, “limpando o seu nome”–cfr. artigos 22.º e 23.º da petição inicial;
- “Em Setembro de 2002”, a recorrida “deu à execução duas livranças alegadamente subscritas pelo autor”, aqui recorrente-cfr. artigo 39.º da petição inicial;
- No mesmo mês de Setembro de 2002, o autor, aqui recorrente, reuniu-se com a ré, aqui recorrida, nas instalações desta, onde afirmou que não outorgara os contratos de crédito n.º …… e ……., nem as livranças que os caucionavam, e que as assinaturas apostas, quer nos contratos, quer nas livranças, que lhe eram atribuídas não eram suas, mas antes constituíam uma falsificação grosseira-cfr. artigos 45.º a 50.º da petição inicial.
Decorre desta alegação que, de acordo com a tese do Autor recorrente, a sua inclusão na “listagem de utilizadores de crédito em mora que o Banco de Portugal disponibiliza aos operadores bancários e para-bancários”-ocorrida na sequência da comunicação do incumprimento pela ora recorrida ao Banco de Portugal-, teria sido a causa dos danos que o mesmo alega ter sofrido, quer na sua vida pessoal, quer na sua vida profissional.
É, aliás, a partir desse facto-causal que o autor “constrói” o pedido de indemnização aqui peticionado.
Com efeito, refere que com tal execução sofreu danos gravíssimos na sua vida pessoal e profissional (61º da p.i.).
Com a inscrição na lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal do seu nome, lista esta disponibilizada a todos os bancos, começou a ser-lhe negado crédito (62º a 65º da p.i.).
Não constrói nem acede ao crédito bancário há mais de 5 anos (86º da p.i.).
Portanto, todos os danos sofridos pelo Autor recorrente e melhor descritos na petição inicial, foram por ele apresentados como a consequência do facto ilícito que o mesmo identificou como sendo a comunicação do seu incumprimento ao Banco de Portugal e a inclusão do seu nome na lista de utilizadores de risco daquele banco central.
Aliás, no articulado de réplica que apresentou nos presentes autos, em resposta à excepção da prescrição do direito de indemnização que havia sido invocada na contestação, aquele identificou, uma vez mais, como constituindo o facto ilícito que imputava à Ré (e que seria gerador de responsabilidade civil extracontratual), “a inclusão do A. na lista, do banco de Portugal, de utilizadores de crédito em mora” (cfr. artigo 16º da referida peça processual).
Em suma, o Autor, aqui recorrente, procurou sustentar na sua petição inicial que foi por causa imputável à recorrida (comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal) que acabou por perdeu todo o seu património, uma vez que a sua actividade económica estava muito dependente da concessão de crédito por parte da banca e esta deixou de lhe conceder crédito por força da comunicação promovida pela ora recorrida.
Ora, o facto ilícito imputado à Ré recorrida que, na tese vertida na petição inicial, a faria incorrer, à luz do disposto no artigo 483.º do Código Civil, na obrigação de indemnizar o Autor pelos danos por este sofridos, ou seja, a comunicação do incumprimento do autor à Central de Créditos de Risco do Banco de Portugal, é um facto instantâneo.
Aliás, ainda que assim não fosse entendido sempre estaríamos, na melhor das hipóteses, em face de um facto instantâneo passível de produzir efeitos danosos ao longo do tempo, facto esse do qual o autor recorrente teve conhecimento em meados de 2001-cfr. artigo 8.º da petição inicial.
Todavia, foi o próprio legislador que previu e estabeleceu, expressamente, no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, que o prazo de prescrição, se conta desde o início, em que o lesado tomou conhecimento dos factos integradores do seu direito, ainda que possa não conhecer a extensão integral dos seus danos.
Logo, o prazo de prescrição nunca poderia contar-se a partir do hipotético momento em que os danos se tivessem cessado, ou seja, a partir do momento em que tivesse sido comunicado pelo Banco de Portugal que o Autor já não se encontrava em incumprimento e que o seu nome havia sido removido da lista de utilizadores de risco daquela instituição.
Significa, portanto, que não pode o recorrente pretender ultrapassar aquilo que o próprio legislador estabeleceu de forma expressa no n.º 1 do artigo 489.º do Código Civil, ou seja, que a contagem do prazo aí mencionado era feita a partir “da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”.
A justificação para esse encurtamento do prazo de prescrição encontra-se na própria natureza das acções judiciais destinadas a obter a condenação dos responsáveis pelo facto ilícito na satisfação do direito à indemnização dos lesados, uma vez que estas acções estão dependentes, sobretudo, da produção de prova testemunhal, que, com o decorrer do tempo, vai perdendo a sua credibilidade.[9]
O legislador pretendeu, assim, aproximar o mais possível a data da instauração da acção judicial de responsabilidade civil extracontratual do momento em que se verificam todos os pressupostos desta forma de responsabilidade civil.
Neste sentido e como refere o Professor Antunes Varela[10], o prazo é contado desde o “momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”.
Essa clara intenção do legislador de aproximar a data da instauração da acção da data em que o lesado tomou conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil é também notória na pouca relevância que é dada ao conhecimento da total extensão dos danos e da identidade do autor da lesão para o início da contagem do prazo prescricional.
De acordo com a letra da lei, o prazo de prescrição conta-se “da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, mesmo que desconheça a pessoa responsável ou a extensão integral dos danos.
De resto e a propósito da extensão integral dos danos, o Professor Vaz Serra[11], sustenta que se deve distinguir entre “o dano que se vai produzindo no tempo (ao lesado é causado um dano cujos efeitos se prolongam por um tempo mais ou menos longo) e pode ser desde já calculado” e o dano novo que acresce ao dano primitivo, isto é, o dano que não era previsível que viesse a surgir como decorrência do já existente. Assim que o lesado tivesse conhecimento deste dano novo, correria um outro prazo de prescrição”.
No caso concreto dos presentes autos, os danos (inexistentes, por sinal) invocados pelo Autor, aqui recorrente, no seu articulado, não poderiam, sequer, entender-se como um dano novo, à luz daquela interpretação, por o seu conhecimento ser, necessariamente imediato e previsível.
Conforme se sustenta na douta decisão recorrida, o conhecimento da existência do direito à indemnização que é legalmente relevante não depende do reconhecimento jurídico ou judicial da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.
De acordo com a tese sustentada pelo Autor recorrente os danos que o mesmo (alegadamente) sofreu, a partir de meados de 2001, com a comunicação do seu incumprimento e a inclusão do seu nome na lista de devedores do Banco de Portugal, só passaram a ser injustos e merecedores de tutela jurídica com o trânsito em julgado dos embargos, o que só ocorreu em Março de 2015.
Ora, não é esta a solução que resulta da lei, nem é este o entendimento que a jurisprudência dominante tem seguido, de que constitui exemplo, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2002, citado na douta decisão recorrida[12] onde se refere “(…) o lesado tem conhecimento do direito que invoca-para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição-quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor, "o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém-saiba ou não do seu carácter ilícito-e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.
Portanto, o início da contagem do prazo de prescrição depende, unicamente, do conhecimento empírico da verificação de um facto ilícito culposo causador de danos, e não de um conhecimento jurídico, o que obrigaria todos os cidadãos a ser juristas, ou de um reconhecimento judicial, que só iria atrasar, indefinidamente, o início da contagem do prazo de prescrição.
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Como assim, de acordo com a versão dos factos por ele apresentada, o Autor recorrente sabe, há mais de 5 anos à data da instauração da acção, que a actuação da Ré é ilícita e geradora de danos para si.
Ora, a presente acção foi instaurada em 19/11/2008, pelo que, então haviam já decorrido muito mais de 3 anos desde que o Autor teve conhecimento dos factos constitutivos do seu direito, mesmo que desconhecesse a extensão integral dos danos, razão pela qual nada existe para censurar na decisão recorrida que julgou procedente a invocada excepção de prescrição do direito daquele.
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Improcedem, assim, as conclusões 9ª e 10ª formuladas pelo Autor recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo Autor apelante sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 7 de Julho de 2016
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
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[1] In Teoria Geral da Relação Jurídica, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, vol. II, Coimbra, 1983, págs. 445 e 446.
[2] In Tratado de Direito Civil, vol. V, 2011 (reimpressão), Almedina, Coimbra, Almedina, 159 e segs.
[3] In Direito Civil, III, 1979, Lições dadas ao ano de 1978-1979, pág. 794.
[4] Cfr., entre outros Acs. do STJ de 13.11.1990, 06.10.2005, 23.10.2012 In BMJ, 401º, 563 e www.dgsi, respectivamente e Pires de Lima e Antunes Varela, notas ao artigo 498.º in CCivil Anotado.
[5] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Edditora, pág. 200 e ss.
[6] Cfr. Acs. do STJ de 01.06.82, BMJ 318º-422, de 30.01.85, BMJ 343º-323, de 10.10.85, BMJ 350º-318, de 06.07.93, CJ/STJ-93-II-180, de 22.02.94, CJ/STJ-94-I-126, de 08.06.95, BMJ 446º-363, de 03.12.98, BMJ 482º-203, de 18.05.04, www.dgsi.pt, de 08.03.05 (já citado) e de 31.01.07, CJ/STJ-I-54; desta Relação de 09.05.07, já citado, e da RC de 14.11.00, CJ-00-V-19. Em sentido contrário, na esteira da posição de Antunes Varela, se decidiu nos Acs. do STJ de 13.07.88, BMJ 379º-588 e de 28.10.97, CJ7STJ-97-III-103 e da RC de 11.01.94, CJ-94-I-16.
[7] Das Obrigações em Geral, I, 1ª ed., pág. 629.
[8] RLJ, Ano 123-25 e ss; também o Ac. do STJ de 10.10.85, foi criticado de forma idêntica em RLJ, Ano 124-30 e ss.
[9] Nesse sentido, vide Professor Vaz Serra1, in “Prescrição do Direito de Indemnização”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 87, Junho de 1959, pág. 37: “A razão está em que os elementos da responsabilidade civil, e, sobretudo, o dano, têm, em regra, de ser provados com testemunhas e, passado longo tempo sobre o facto ilícito, pode ser muito difícil apurar devidamente os factos. Convém, pois, que o prazo de prescrição seja curto.” No mesmo sentido, vide, igualmente, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 625 e seguintes.
[10] Obra citada pág. 626.
[11] Obra citada pág. 43 e ss.
[12] In www.dgsi.pt.