Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
857/13.5TFPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RP20150708857/13.5TFPRT-A.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I -A comunicação ao arguido da decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou uma coima reveste a formalidade própria de uma notificação em processo penal.
II - Por isso deve ser feita por carta registada com aviso de recepção devendo este ser assinado pelo próprio notificando.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 857/13.5TFPRT-A.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 8 de julho de 2015, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. Nos autos de Embargo de Executado n.º 857/13.5TFPRT, da Secção de Pequena Criminalidade (J2), Instância Local do Porto, Comarca do porto, em que é embargante B… e embargado o Ministério Público, foi proferido despacho que decidiu nos seguintes termos [fls. 83]:
«(…) Pelo exposto, julgo procedente a invocada nulidade da decisão administrativa por falta de notificação e, consequentemente, declaro extinta a execução por falta manifesta de título executivo, nos termos dos artigos 726º, nº 2, a) e 734º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e determino o levantamento da penhora efectuada.
(…)»
2. Inconformado, o Ministério Público recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 108-113]:
«1. Contrariamente à Douta Sentença recorrida de fls. 81 a 84, entendemos que não resultam dos autos de contra-ordenação n.º .-….-…., remetidos pela Câmara Municipal …, nem pode ser dado como provado que a decisão administrativa proferida no processo de contra-ordenação foi notificada em 19.06.2013 à C…, através de aviso de recepção que consta do auto de contra-ordenação a fls. 10.
2. Na verdade, seguramente o que resulta do teor do aviso de recepção junto a fls. 10 dos autos de contra-ordenação, é um aviso de recepção relativa à notificação do embargante/executado/arguido B… na morada conhecida na entidade administrativa através de carta registada com aviso de recepção, o qual foi assinado por C… – cf. teor de fls. 7 e 10 dos autos de contra-ordenação.
3. Com efeito, o destinatário da carta enviada pela Câmara Municipal … é a pessoa do arguido /embargante e executado B… e não a C…, pelo que nenhuma notificação a esta foi efectuada, presumindo-se aquele notificado com a notificação que lhe foi efectuada sob registo na data em que o aviso de recepção foi assinado.
4. De forma objectiva e literal, apenas se poderá considerar como provado que a entidade administrativa efectuou a notificação da decisão administrativa proferida nos autos de contra-ordenação ao B…, através de carta registada com aviso de recepção.
5. Discordando-se que sem qualquer produção de prova testemunhal e afastamento de presunção, apenas com os elementos documentais se conclua como o fez o Tribunal a quo, pois nenhuma notificação foi enviada pela entidade administrativa para a C…, pessoa que aparece a assinar o aviso de recepção junto aos autos como comprovativo da notificação do executado/embargante/arguido nos autos de contra-ordenação, nem se mostra ilidida a presunção da notificação efectuada ao executado/ embargante e arguido no processo contra-ordenacional.
6. A questão a decidir no âmbito do recurso é a de saber se o arguido no âmbito de processo contra-ordenacional, pessoa singular, se considera ou não notificado da decisão administrativa, colocando-se assim à discussão se o arguido/executado/embargante se considera ou não notificado da decisão administrativa.
7. Cumpre referir, desde logo, que sobre as notificações do arguido em processo Contra - Ordenacional, o Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/95, de 05.05 e pelo DL n.º 244/95 de 14.09 e pela Lei n.º109/2001, de 24.12, se mostra omisso quanto às regras a seguir para o efeito, laçando mão da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal.
8. Concluímos assim que se mostra desactualizada a interpretação de que actualmente se exija para a notificação da decisão proferida em processo contra-ordenacional a notificação por via postal registada com assinatura pessoal pelo arguido do aviso de recepção.
9. Com efeito, há muito que outra posição e interpretação se retira das sucessivas alterações legislativas quanto aos regimes de notificações das decisões administrativas e notificações em processo-crime.
10. Sendo certo, que se para o processo-crime se exigem maiores garantias de defesa, não se mostra no espírito da Lei, nem terá sido intenção do legislador impor maiores exigências formais para as notificações a efectuar em processo contra-ordenacional do que aquelas que são exigidas para o processo-crime.
11. Com efeito, se para o processo- crime se mostra possível a notificação através de via postal simples com prova de depósito, deixando de se exigir para a comunicação de actos processuais a notificação pessoal por contacto pessoal ou que a notificação se façam sob registo com aviso de recepção, não será certamente curial que para o processo contra-ordenacional se exija maior formalismo do que o previsto para o processo-crime.
12. E tal decorre do disposto no art.º 113.º n.º2, do Código de Processo Penal, a qual prevê que quando efectuada a notificação por via postal registada a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do envio.
13. A não ser assim teríamos para o processo menos solene e em que os valores em jogo são de menor repercussão ética e material – o processo contra-ordenacional – uma solução processual de maiores garantias do que a vigente para o processo mais solene – o processo penal.
14. Fazendo-se uma interpretação actualista da lei e a correcta aplicação do normativo legal constante do art.º 113.º do Código de Processo Penal aplicável no caso em concreto, entendemos que o Tribunal a quo com os elementos documentais constantes dos autos, teria de ter concluído que o embargante/arguido foi notificado no 3.º dia útil posterior ao envio da carta registada para o domicilio conhecido e ou que se presume notificado, nos termos do disposto no art.º 113.º n.º1, alínea b) e n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente nos termos do disposto nos art.ºs 41.º e 46.º, ambos do RGCOC.
15. Com efeito, resulta que a carta foi efectivamente entregue na morada que lhe era conhecida na autoridade administrativa e a entidade administrativa assegurou-se de tal entrega através do envio sob registo com aviso de recepção que foi assinado por terceira pessoa que se encontrava no local e que a recepcionou e se identificou ao funcionário dos serviços postais.
16. Por isso o Ministério Público considerou que a decisão da autoridade administrativa transitou em julgado constituindo tal decisão título executivo, com uma obrigação certa, líquida e exequível e sendo o executado parte legítima.
17. Face ao Parecer da Procuradoria-Geral da República e às subsequentes alterações legislativas, entendemos ser de afastar a exigência da notificação através da assinatura pessoal pelo arguido (no âmbito do processo contra-ordenacional) do aviso de recepção.
18. Sobre a questão da notificação do arguido, pessoa singular, em processo contra-ordenacional, pode ler-se a fundamentação do douto Acórdão da Relação de Coimbra de 30.05.2012 (www.dgsi.pt/jtrc.nsf) e os sumários dos Acórdãos na mesma mencionados, tais como, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.06.2006, o qual refere que não se encontrando especialmente regulamentada a forma e modo como os actos das autoridades administrativas, a que se alude no regime contra-ordenacional, devem ser comunicados aos interessados/arguidos, não restará outra solução que não seja lançar mão, subsidiariamente, do regime geral consignado no art.º 113.º do Código Processo Penal, continuando aquele douto Acórdão por referir que “ estando nós convictos da correcção do entendimento que perfilha a aplicação da subsidiária do art.º 113.º, do Código de Processo Penal com a realização da notificação mediante carta registada, nos termos do n.º1, al. b) do citado preceito, tem a mesma de se presumir feita no 3.º dia útil posterior ao envio (cf. n.º2). É aqui reconhecendo, embora, tratar-se de questão controversa, incluímo-nos no grupo dos que defendem que no confronto do regime decorrente da lei processual civil (art.º 254.º n.º2 do CPC) com o estabelecido na lei processual penal – art.º 113.º n.º2, na redacção introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15.12 – o terceiro dia útil a considerar corresponde ao terceiro dia dos três dias úteis posteriores ao registo - neste sentido decidiram como se refere na fundamentação do Acórdão citado os Acórdãos do TRC de 09.04.2008 (proc. n.º 206/06.9TACDN – Desembargador Relator Jorge Gonçalves) Acórdão do TR Guimarães de 04.04.05 (processo n.º532/05 – Desembargador Relator Ricardo Silva) e decisão das reclamações do TRL de 14.05.2010 (reclamação n.º 9/09.GCTVD – A.L1-3 Relator desembargador sousa Pinto) do TRE de 01.04.2004 (reclamação n.º 401/04 -1, Relator Desembargador Manuel Nabais).
19. Sobre a questão pode ainda ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.06.2000 - cf. CJ Ano XXV, Tomo III, pág. 236 e Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2014 em www.dgsi.pt.
20. Por outro lado, outra Jurisprudência defende que sendo a notificação da decisão administrativa levada a efeito via postal mediante registo, acompanhada de aviso de recepção e no caso assinada, há-de considerar-se a notificação efectuada na data em que o respectivo aviso foi assinado – cf. Acórdão TRP de 21.06.2000; Acórdão do TRC de 09.04.2008 e Acórdão TRE de 18.01.2000 CJ XXV, Tomo I, página 292.
21. A douta sentença recorrida viola as normas do art.º 113.º n.º1 alínea b) e n.º2, do Código de Processo Penal, aplicável no caso por força do previsto no art.º 41.º do RGCOC e art.º 89.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.
22. Do supra exposto, pugnamos pela procedência do recurso com a consequente revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo e sua substituição por outra que conclua estar o embargante regularmente notificado da decisão administrativa, nos termos do disposto no art.º 113.º n.º1, alínea b) e n.º2, do Código de Processo Penal, com a consequente improcedência dos embargos/oposição à penhora, mantendo-se a penhora e ordenando-se o prosseguimento da execução para cobrança da coima e custas em execução instaurada pelo Ministério Público.
Contudo V.ªs Ex.ªs farão JUSTIÇA
(…)»
3. Na resposta, o embargante refuta todos os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 118-130].
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-geral Adjunta emite parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão proferida [fls. 251-256].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. O despacho recorrido tem o seguinte teor [fls. 82-83]:
«(…) Por apenso ao processo de execução comum, por coima e custas, que lhe foi movida pelo Ministério Público, veio o executado B…, intentar a presente “Oposição à Execução/sob a forma de embargos de executado”, alegando em síntese, que deverá ser julgada procedente, por provada, a nulidade da decisão administrativa por falta de notificação para o processo de contra-ordenação, a ilegitimidade passiva e inexequibilidade e inexigibilidade do título executivo ou caso, assim, não se entenda, a procedência da presente oposição, absolvendo-se a embargante do pedido.
O Digno Exequente contestou nos termos que constam de fls. 36 a 44, defendendo que devem improceder as invocadas excepções da ilegitimidade passiva, bem como, a alegada falta de força executiva do título executivo e os demais fundamentos expostos pelo embargante, prosseguindo os autos de execução por coima e custas os seus ulteriores termos até integral pagamento.
*
II - Cumpre decidir desde já, uma vez que os presentes autos contêm todos os elementos necessários à boa decisão da causa.
No processo de contra-ordenação nº 3-2070-2013, B… foi condenado numa coima no valor de €2800,00 e nas custas de €52,50.
Tal decisão foi notificada em 19/06/2013 a C…, através do aviso de recepção que consta do auto de contra-ordenação a fls. 7.
Compulsado o processo de contra-ordenação na qual foi proferida a decisão administrativa que serve de título à execução, verifica-se que efectivamente o aqui oponente/embargante nunca foi notificado pessoalmente, nem para o exercício do direito de defesa, nem da decisão administrativa, antes a referida pessoa que assina o aviso de recepção, identificada como sendo a cessionária (cfr. fls. destes autos).
Nos termos do disposto no artigo 10º, nº 5 do C.P.C., toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva, e, por outro, conforme decorre da articulação dos artigos 88º, nº 1 e 89º, nº 1, ambos do RGCO, a coima é paga no prazo de 10 dias a partir da data em que a decisão se tornar definitiva ou transitar em julgado, havendo lugar a execução se não for paga, ou seja, só após o decurso do aludido prazo é que a decisão administrativa se torna definitiva, e, como tal, exequível.
A notificação da decisão administrativa por força da remissão prevista no artigo 41º do RGCO é feita de acordo com o regime previsto no artigo 113º do Código de Processo Penal.
Da análise de tal preceito legal, resulta que a notificação da decisão administrativa apenas poderá processar-se pelas formas previstas nas alíneas a) ou b), do nº 1, ou seja, por contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado, ou por via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, desde que, logicamente, o aviso de recepção se mostre assinado pelo destinatário/notificando.
No caso em apreço, a entidade administrativa optou pela notificação via postal registada, não tendo, porém, o aviso de recepção sido assinado pelo arguido/executado nos autos de contra-ordenação, mas por C….
Decorre assim, que o ora executado/oponente/embargante não se pode considerar regularmente notificado e consequentemente, a decisão administrativa não se tornou definitiva, não sendo, por isso exequível.
Pelo exposto, julgo procedente, a invocada nulidade da decisão administrativa por falta de notificação e, consequentemente, declaro extinta a execução por falta manifesta de título executivo, nos termos dos artigos 726º, nº 2, a) e 734º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e determino o levantamento da penhora efectuada.
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir se se considera efetuada [válida e regular] a notificação da decisão da autoridade administrativa, proferida em processo de contraordenação, no caso de o aviso de receção da carta enviada para a morada conhecida (pela entidade administrativa) se mostrar assinado por outrem que não o arguido. O despacho recorrido, aplicando as disposições legais vigentes, decidiu que o embargante não foi regularmente notificado da decisão administrativa que que lhe aplicou a coima – e como tal, julgou procedentes os embargos, por manifesta falta de título executivo. O recorrente, porém, sustenta que a notificação do embargante se presume feita na data em que o aviso de receção foi assinado, ainda que o tenha sido por terceiro [conclusão 3].
8. Não tem razão. Realça-se o facto de a Lei estabelecer que todas as decisões e despachos tomados pelas autoridades administrativas são comunicados às pessoas a quem se dirigem e, se a decisão admitir impugnação [como é o caso dos autos], tal comunicação deve revestir a foram de notificação com a obrigação expressa de esclarecer os visados acerca da admissibilidade, prazos e forma da impugnação. Sob a epígrafe “Comunicação das decisões”, diz o artigo 46.º, do RGCC [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro]:
“1 - Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem.
2 - Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação”
9. Por sua vez, o artigo 47.º, n.º 1, do RGCC [“Da notificação”] estabelece que a notificação é dirigida ao arguido e ao seu defensor, quando exista:
1 - A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
10. Já sob a forma como deve ser efetuada a notificação da decisão da autoridade administrativa o RGCC não estabelece uma regulamentação específica, razão pela qual se aplicam, subsidiariamente, “os preceitos reguladores do processo criminal” [artigo 41, n.º 1, do RGCC]. Ora, nos termos do disposto no artigo 113.º, do Cód. Proc. Penal, a notificação do arguido efetua-se mediante contato pessoal com o notificando ou via postal registada, por meio de carta registada com aviso de receção [n.º 1, alíneas a) e b) e 10].
11. Resulta, assim, claro que a Lei prevê e obriga a que a comunicação, ao arguido, da decisão da autoridade administrativa de aplicação de uma coima tenha a formalidade própria de uma notificação no âmbito do processo penal, acrescida do dever de lhe serem indicados os esclarecimentos necessários sobre a admissibilidade, prazo e forma da sua impugnação. O que se compreende: está em causa o direito (estrutural) do arguido se defender da aplicação de uma coima, podendo, de forma esclarecida e razoável, exercer os direitos de audiência e de defesa consagrados constitucionalmente [artigo 32.º, n.º 10, da CRP]. Os cuidados e a preocupação sobre a efetiva comunicação ao arguido dos termos em que assenta a aplicação da coima (ou qualquer outra decisão da autoridade administrativa de impacto semelhante) i.é., a lealdade de informação prestada ao arguido são próprios de um processo equitativo e moderno que não teme o contraditório (antes se eleva com ele). Daí que não seja admissível, à luz da lei vigente para o quadro de contraordenações em geral, admitir uma qualquer presunção de notificação decorrente do simples facto de a carta registada com aviso de receção ter sido rececionada, em determinada data, na morada conhecida pela autoridade administrativa como sendo a do arguido. Exige-se, naturalmente, que o aviso de receção seja subscrito pelo arguido. Não é a data da assinatura do aviso de receção que determina a regularidade da notificação: é a pessoa do arguido que, ao rececionar a carta registada e ao assinar o respetivo aviso de receção dá as garantias tidas por necessárias para se considerar que conheceu a decisão proferida pela autoridade administrativa e os termos em que a podia impugnar [nesse sentido, v.g., Ac. RP de 08.05.1991 (Castro Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt].
12. No caso dos autos, como vimos, o aviso de receção foi assinado por terceiro. Não pode, pois, considerar-se, nos termos da Lei aplicável, que o arguido foi notificado da decisão da autoridade administrativa. A circunstância de o Código da Estrada prever [hoje, artigo 176.º] um regime próprio de notificação por carta registada a enviar para o domicílio do condutor [ver fls. 103 da Motivação de recurso e Parecer cit.], aparentemente menos exigente que o previsto no Código Processo Penal, porque específica daquele ordenamento não é transponível para o ordenamento das restantes contraordenações. Nada na Lei autoriza tal extensão. Pelo contrário: havendo, como há, regime subsidiário estabelecido, é este e só este que deve ser observado.
13. Em suma: nos termos da legislação aplicável, a notificação ao arguido, por via postal, da decisão da autoridade administrativa que lhe aplica uma coima exige que o aviso de receção se mostre assinado por ele. A circunstância de o aviso de receção da carta registada remetida ao arguido estar assinado em certa data não autoriza que se considere [se presume] que o arguido foi notificado da decisão da autoridade administrativa nessa data quando tal aviso de receção se mostra assinado por outrem que não ele.
14. Assinale-se que no acórdão que o recorrente cita de forma ampla na conclusão 18 não está em causa a regularidade da notificação [por o aviso de receção ter sido assinada pela pessoa a quem se dirigia a carta] mas sim o dia em que se considera efetuada a notificação [regular], o dies a quo, o termo inicial de um prazo.
15. Em face do que expusemos, a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima não foi regularmente notificada ao arguido e como tal não transitou em julgado – razão pela qual não constitui título executivo válido capaz de suportar o requerimento executivo [artigos 704.º, n.º 1 e 726.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Civil].
A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – isenção do Ministério Público [artigo 522.º, do Cód. Proc. Penal].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo a decisão proferida.
Sem tributação.

Porto, 18 de julho de 2015
Artur Oliveira
José Piedade