Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5404/09.0T2AGD-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
SANÇÃO PELA MORA NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES DO CONDOMÍNIO
REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP202202215404/09.0T2AGD-D.P1
Data do Acordão: 02/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - À luz do preceituado no artigo 6º do DL n.º 268/94, de 25.10., na acta da reunião assembleia de condomínio cabem, enquanto título executivo, o montante das “contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”, expressão esta que deve ser entendida em sentido amplo, incluindo:- as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício; - as despesas com inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva; - o pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio; - as despesas com a reconstrução do edifício; - e ainda as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º do Código Civil.
II - Ainda que, quanto a estas últimas, parte da jurisprudência as não inclua no âmbito da Acta, enquanto título executivo, julga-se, no entanto, que, tendo em conta também a recente intervenção do legislador (que pode ser qualificada como uma interpretação autêntica do legislador) através da alteração introduzida no nº 3 do art. 6º pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro (que ainda não entrou em vigor – cfr. art. 9º da citada Lei), deve passar a prevalecer esta última interpretação mais ampla, que considera abrangida pela referida expressão as penas pecuniárias, “desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”
III - Assiste ao condómino o direito de invocar o excesso da penalidade que lhe tenha sido aplicada, nos termos do artigo 812º CC, apesar de se manter dentro dos limites do n.º 2 do artigo 1434, º CC, pedindo a sua redução equitativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 5404/09.0T2AGD-D.P1
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Sumário (elaborado pelo Relator- art.º 663º, nº 7 do CPC):
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Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Execução de Ovar
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

I. RELATÓRIO.
Recorrente: AA;
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O Condomínio do Edifício Sito Na Rua ... apresentou, em 28.09.2020, requerimento executivo de cumulação de execução contra AA e a Herança Aberta por Óbito de BB (inicialmente executado) e seus sucessores, com vista a obter o pagamento da quantia global de 10.369,68 € (dez mil, trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, sobre as quantias discriminadas no requerimento aludido (com fundamento nas Actas n.º 17, de 25.05.2017, n.º 18, de 24.04.2018, Acta n.º 19, de 31.05.2019 e Acta n.º 20, de 17.07.2020), desde a data da última assembleia de condóminos (17.07.2020) e até integral pagamento, sobre o referido capital.
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A executada AA deduziu oposição à execução, mediante embargos, invocando os seguintes meios de defesa, por via de excepção:
- Excepção de pagamento pelo montante de € 1.241,01 relativo a valores vencidos nos anos de 2017 a 2021, conforme doc. 1 a 4 juntos em anexo à petição de embargos (cf. arts. 46.º a 50.º da PI);
- Inexigibilidade das despesas judiciais, no montante total de € 451,88 referentes a citação por contacto pessoal e conta do Agente de Execução (cf. art. 34.ºd a PI);
- Redução das penalidades fixadas nas actas n.ºs 18 (de 24.04.2018), 19 (de 31.05.2019) e 20 (de 17.07.2020), com fundamento na sua excessividade nos termos do disposto nos arts. 812.º e 1434.º, n.º 2, ambos do Código Civil (cf. arts. 22.º e 37.º da PI);
- Falta de exequibilidade das mesmas actas para cobrança daquelas penalidades, no montante global de € 6.932,21 (cf. art. 8.º da PI);
- Falta de exequibilidade das mesmas actas para cobrança das quantias peticionadas a título de honorários de advogado e despesas de contencioso (incluindo honorários devidos a agente de execução), no montante global de €666,90 (cf. arts. 9.º e 10.º da PI);
- Inadmissibilidade de cumulação das penalidades fixadas para o incumprimento com a cobrança de juros de mora e diversas despesas judiciais e extrajudiciais de cobrança, designadamente os discriminados nas diversas alíneas do art. 3.º do requerimento executivo (cf. art. 26.º da PI).
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Na contestação apresentada nos autos, o Exequente admitiu:
- o pagamento, já na pendência da execução (em 07.01.2021, 28.01.2021, 12.02.2021 e 30.03.2021), da quantia de € 1.241,01, tal como foi alegado nos arts. 49.º e 50.º da petição de embargos (cf. arts. 1.º a 4.º da contestação);
- as despesas judiciais relacionadas com a quantia adiantada pelo exequente ao Agente de Execução, no montante de € 451,88, deve ser incluída na conta que venha ser elaborada, a final, pelo mesmo agente (cf. art. 5.º da contestação).
No mais, o Exequente respondeu às demais excepções e impugnou os fundamentos dos embargos nos termos alegados pela Embargante.
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Em sede de despacho saneador, o tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão:
“(…) Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os Embargos do Executado, devendo a execução, em consequência, prosseguir seus termos, com as seguintes alterações (que correspondem ao decaimento do Exequente):
- A pena pecuniária no montante de € 4.159,54 é reduzida para € 2.122,58, mantendo-se o valor das demais (€ 665,15 e € 2.107,52);
- Os juros de mora sobre as quantias das (três) penas pecuniárias em dívida, só são devidos a partir da citação da Embargante, calculados à taxa legal, até integral pagamento;
- As despesas judiciais relacionadas com os honorários e despesas do Agente de Execução são incluídas na conta que venha ser elaborada, a final, pelo mesmo agente.
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Não condeno a Embargante nas custas processuais, uma vez que, beneficiando aquela de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a mesma parte fica dispensada do pagamento de custas de parte.
Condeno o Embargado nas custas de parte, na proporção do seu decaimento (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), que fixo em 25%.
No entanto, reconheço ao Embargado o direito ao reembolso das taxas de justiça por si suportadas, quer na execução, quer nestes embargos, nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 6 do RCP, apenas na proporção do seu vencimento (75%).
Notifique e registe. (…)”
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É justamente desta decisão que a recorrente veio interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
“- EM CONCLUSÃO:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos à margem referenciados que julgou apenas parcialmente procedentes os embargos deduzidos pela aqui recorrente, e em consequência, ordenou o prosseguimento da execução.
2. Decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica, deixando-se também violadas diversas normas jurídicas, e, designadamente os artigos 9º, 810º, 811º, 812º e 1424º do Código Civil e 6º, nº 1 do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro.
3. As penalidades fixadas nas actas n.ºs 18 (de 24-04-2018), 19 (de 31-05-2019) e 20 (17-07-2020) deveriam ter sido reduzidas, com base no critério da equidade, porquanto o resultado da aplicação da cláusula penal de 0,25% por cada dia de atraso sobre o valor em falta, conforme se estabelece no artigo 6º, n.º 3 do Regulamento do Condomínio, se mostra manifestamente excessiva.
4. A cláusula penal, tem um fim punitivo que será ilegítimo se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir,
5. Ora, no caso concreto verifica-se que não foram ponderadas na douta sentença recorrida quaisquer circunstâncias de facto, que justificassem a fixação do montante diário supra referido, e designadamente o cumprimento parcial da obrigação.
6. Importava ainda ponderar o interesse do credor na prestação, interesse que não pode ser considerado em termos absolutos, antes se ponderando conjuntamente com outros factores, porquanto o credor é um entidade sem fins lucrativos, razão pela qual, e também, por esse motivo sempre deveria ter sido ponderado o montante diário aplicado, como tendo por única finalidade o cumprimento atempado dos condóminos relativamente ao pagamento das respectivas quotas, sendo certo que no restante a aplicação de juros moratórios já tem como finalidade a compensação do credor pelos eventuais atrasos verificados.
7. Pelo que neste ponto deve ser revogada a douta sentença recorrida.
8. A douta sentença recorrida não ponderou ainda que não se mostra possível descortinar como foram fixados os diversos montantes reclamados a titulo de penalizações, não resultando das actas respectivas, nem do requerimento executivo a formula de cálculo concretamente utilizada.
9. Importa, no entanto, verificar ainda que as mesmas foram ponderadas de forma cumulativa, como facilmente se alcança pelo montante crescente de cada uma delas, razão pela qual estas não podem proceder, sob pena de duplicação da mesma penalização.
10. Pelo que também nesta matéria a douta sentença tem de ser revogada, reduzindo-se ainda ao montante total das penas consideradas os montantes de € 665,15, e € 2.107,52.
11. Não podem restar duvidas que as sanções pecuniárias deliberadas pela assembleia de condóminos não constituem “encargos do condomínio” e, por esse motivo, não se acham abrangidas no título executivo previsto no art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10, o que nem a letra, nem o espirito da lei permitem.
12. Em consequência deverá, pois, revogar-se a sentença recorrida também nesta parte, reduzindo-se o montante total reclamado a este titulo - € 6.932,21.
13. A douta sentença recorrida não ponderou o invocado incumprimento por parte do exequente das suas obrigações, nem retirou do mesmo quaisquer consequências, configurando, assim, fundamento para a nulidade de sentença, nos termos do estabelecido no artigo 615, nº 1, al. d) do Código do Processo Civil.
Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a douta sentença recorrida (…)”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade da sentença invocada pela recorrente:
“(após desenvolver pertinente fundamentação concluiu o seguinte:) “uma vez que a Embargante não identificou qual o efeito jurídico pretendido com a alegação vertida nos arts. 48.º e 49.º da sua peça, há que entender que não formulou ao juiz uma questão para este decidir.
Quer dizer: o juiz não tem de apreciar uma pronúncia formal que não existe.
Termos em quem indefiro a apontada nulidade”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
1- Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC);
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(altera-se a ordem de conhecimento das questões, tendo em conta a sua prejudicialidade)
2- Saber se as sanções pecuniárias deliberadas pela assembleia de condóminos não constituem “encargos do condomínio” e, por esse motivo, não se acham abrangidas no título executivo previsto no art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10
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3- saber se se deve operar a redução das penalidades fixadas nas actas n.ºs 18 (de 24-04-2018), 19 (de 31-05-2019) e 20 (17-07-2020), com fundamento na sua excessividade;
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4- Saber se as penalidades foram ponderadas de forma cumulativa;
4.1. - “Questão nova”
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais, nomeadamente, os consignados no relatório do presente Acórdão e o teor da decisão proferida que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
Comecemos pela arguição da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).
Entende a Recorrente que o tribunal recorrido não se teria pronunciado sobre a sua alegação de que a exequente teria incorrido, por seu lado, “no incumprimento das suas obrigações legais e regulamentares da administração” – alegações genéricas constantes dos itens 48 e 49 da petição inicial de embargos.
Com efeito, segundo o disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A previsão deste preceito legal está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
No entanto, com vem sendo referido, a omissão de pronúncia só pode ser reconhecida quando as partes efectivamente coloquem uma questão, não tendo o tribunal que se pronunciar sobre alegações fácticas ou conclusões que não consubstanciem tal natureza[1].
Ora, apenas constituem questões no sentido exigido pelo legislador aquelas alegações fácticas ou jurídicas de onde a parte extraia qualquer consequência ou efeito jurídico.
Assim, vem-se entendendo que estas questões submetidas à apreciação do tribunal (cuja pronúncia é exigida ao tribunal sob pena de incorrer em omissão de pronúncia) identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas.
“As questões a que se reporta o nº 2 (do art. 608º) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a decidir”[2].
Ora, a recorrente não retira qualquer consequência ou efeito jurídico da alegação genérica e vaga que formulou nos identificados itens da petição inicial.
Nessa conformidade, como bem sustentou o tribunal recorrido, em tais itens da petição inicial, a recorrente não coloca qualquer questão que o tribunal tivesse que decidir, pois que as alegações inconsequentes (em termos jurídicos) constantes dos citados itens não impunham a pronúncia do tribunal recorrido.
Assim, contrariamente ao invocado, a sentença recorrida não padece, manifestamente, do aludido vício, na estrita medida em que os invocados itens da petição inicial, pelas razões expostas, não constituem uma questão que merecesse a obrigatória pronúncia do tribunal recorrido.
Ora, sendo assim, é patente que não ocorreu uma qualquer omissão de pronúncia, tendo o Tribunal Recorrido, ao invés, conhecido de todas as questões que tinham sido colocadas pela Embargante na primeira instância.
Destarte, e sem necessidade de mais alongadas considerações, improcede a nulidade ora invocada.
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Como resulta do relatório elaborado, a recorrente discorda da decisão recorrida, considerando que as sanções pecuniárias deliberadas pela assembleia de condóminos não constituem “encargos do condomínio” e, por esse motivo, não se acham abrangidas no título executivo previsto no art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10.
Julga-se que a recorrente não tem razão.
De acordo com o nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10 “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
No âmbito da acta, enquanto título executivo, cabem o montante das “contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”, expressão esta que deve ser entendida em sentido amplo, incluindo:
- As despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício
- As despesas com inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva,
- O pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio,
- As despesas com a reconstrução do edifício
- e ainda as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º Civil - ainda que, quanto a estas últimas, parte da jurisprudência as não incluísse no âmbito da Acta enquanto título executivo (v. a jurisprudência citada na decisão recorrida e invocada pela recorrente que nos escusamos de voltar a mencionar).
Julga-se, no entanto, que, tendo em conta a recente intervenção do legislador (que pode ser qualificada como uma verdadeira interpretação autêntica do legislador[3]) através da alteração introduzida no nº 3 do art. 6º pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro (que ainda não entrou em vigor – cfr. art. 9º da citada Lei), deve passar a prevalecer esta interpretação que considera abrangida pela referida expressão as penas pecuniárias, devendo, assim, “considerar-se abrangidos pelo título executivo… as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio” – como esclarece agora a nova Lei[4].
Neste sentido já se pronunciava Sandra Passinhas[5], defendendo que, “embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes (…)”, dispensando o condomínio de instaurar uma acção declarativa com o fim de obter a condenação do condómino relapso no pagamento da penalidade prevista para o atraso no pagamento das despesas comuns.
Nesta conformidade, julga-se, em face do exposto (e dos novos dados legislativos) que a expressão “contribuições devidas ao condomínio” deve ser entendida em sentido amplo (não nos atendo ao elemento literal da interpretação como defendia uma das correntes da Jurisprudência), nela se devendo incluir as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º do Código Civil – como bem decidiu o tribunal recorrido.
Como decorre do exposto (e também da nova Lei), exige-se, no entanto, que as sanções pecuniárias tenham sido aprovadas em assembleia de condóminos ou tenham sido previstas no regulamento do condomínio, correspondam a uma obrigação líquida ou liquidável mediante simples cálculo aritmético e se encontre estabelecido o prazo da mora que origina a aplicação da multa.
Ora, compulsados os autos, pode-se facilmente verificar que das Actas dadas à execução como título executivo decorre, de uma forma linear, não só as sanções pecuniárias deliberadas, como o critério do seu cálculo (obrigação liquida ou liquidável mediante simples cálculo aritmético (0,25% por cada dia de atraso sobre as quotas em dívida) e foi ainda estabelecido um prazo para o condómino incumpridor poder pagar (15 dias após o envio da comunicação da acta), pelo que estão preenchidas as referidas exigências legais.
Improcede o recurso nesta parte.
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A recorrente insiste, de seguida, na defesa da ideia de que as penalidades fixadas nas Actas devem ser reduzidas por serem excessivas, apelando aos termos do disposto nos arts. 812.º e 1434.º, n.º 2, ambos do Código Civil (pontos 3 e 4 das questões identificadas).
O tribunal recorrido já se pronunciou de uma forma acertada sobre esta questão.
Quanto à questão da pena pecuniária ser excessiva, importa atender, além do art. 1434º do CC, ao disposto no art. 812º do CC.
A recorrente considera que “a percentagem de 0,25% por cada dia de atraso sobre o valor em falta, conforme se estabelece no art. 6.º, n.º 3 do Regulamento do Condomínio (cf. anexo 6 à petição executiva)” corresponde a uma proporção do valor das quotas em dívida que preenche o conceito indeterminado “manifestamente excessivo” usado no n.º 1 do art. 812.º do Código Civil.
O tribunal recorrido, seguindo a orientação jurisprudencial do ac. da RP de 20.6.2011 (relator: por Pinto Ferreira), disponível em www.dgsi.pt, concluiu que:
“(…) São apontados habitualmente três critérios: considerar isoladamente o valor patrimonial tributário do imóvel; aplicar a taxa do imposto municipal sobre imóveis, definida pela assembleia municipal, de acordo com o disposto no artigo 112.º do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis, ao valor patrimonial tributário da respectiva fracção autónoma (cfr. art. 7.º do CIMI); ou aplicar o critério previsto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 422-C/88, de 30/11 (diploma que aprovou o Código da Contribuição Autárquica), ou seja, aplicando ao valor tributável do imóvel o factor 15 referido neste normativo legal.
O primeiro critério é de rejeitar, porque acarretaria um valor a pagar manifestamente excessivo. Como o valor tributário de um imóvel é muito superior ao seu rendimento colectável, a aplicação desse critério conduziria a uma desproporção entre a infracção e a sanção (cfr. arts. 810.º e 812.º, do CCiv). Acresce que o rendimento colectável é anual e corresponde ao valor da renda dos prédios arrendados e, quanto aos não arrendados, à utilidade equivalente que o proprietário obtivesse ou tivesse a possibilidade de obter, correspondendo a uma expectativa de rendimento anual. Por sua vez, o valor patrimonial tributário não é anual nem tem referência temporal e corresponde a um valor patrimonial atribuído ao prédio que serve de cálculo ao imposto sobre imóveis.
O segundo critério apontado permite obter um valor bastante diminuto, em nada sancionatório, que defraudava, por isso, todas as expectativas legais, pelo que também é de rejeitar aquele critério.
Aplicando o último dos critérios indicados, procede-se ao cálculo do seguinte modo: Valor patrimonial tributário x 0,15 = rendimento colectável.
O Código de Imposto Municipal sobre Imóveis – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11 – apenas revogou o Código da Contribuição Autárquica, e não já o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 422-C/88, de 30/11 (cfr. art. 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003), pelo que nada impede a aplicação daquele critério.
É em qualquer caso necessário conhecer o valor patrimonial tributário da fracção para se apurar o limite máximo da multa, e, a partir desse dado, aferir se a pena aplicada no caso concreto excede ou não aquele limite.
De acordo com o doc. 2 anexo ao requerimento executivo, o valor patrimonial tributário da fracção da Embargante é de € 56.602,11.
Agora, aplicando o ¼ (25%) do n.º 2 do artigo 1434.º do Código Civil, obtém-se a multa a aplicar, ou seja, € 2.122,58.
Isto quer significar que somente a pena no montante de € 4.159,54 excede o limite legal estabelecido pelo n.º 2 do art. 1434.º do Código Civil, pelo que terá de ser reduzida a € 2.122,58, mantendo-se o valor das demais (€ 665,15 e € 2.107,52) (…)”.
Ora, aqui chegados, e como conclui também o ac. da RP de 30.09.2014 (relator: Pinto dos Santos), disponível em www.dgsi.pt - que seguiu também aquele critério do citado ac. da mesma Relação:
“Resta então, com base no critério que ficou apontado, averiguar se a penalidade reclamada aos recorrentes viola ou não o que prescreve o nº 2 do citado art. 1434º.
(efectuados os respectivos cálculos do caso concreto sobre que se pronuncia, conclui que “Como o valor das penalizações peticionado no requerimento executivo é de 3.991,87€ [cfr. certidão do mesmo junta a fls. 62-64], forçoso é concluir que o mesmo não viola a norma imperativa/limitativa do nº 2 do art. 1434º do CC.”).
Ora, nestas circunstâncias “… também não se verificam os pressupostos para a respectiva redução equitativa, previstos no nº 1 do art. 812º do CC, pretendida pelos recorrentes, já que aquelas não se apresentam manifestamente excessivas, como ali se exige, sempre se dizendo que o que há que ter em conta é o limite fixado no nº 2 daquele art. 1434º, reportado ao rendimento colectável anual da fracção dos mesmos e não o montante das quotas em dívidas que, apesar de tudo, no caso, totalizam a quantia de 3.451,88€, considerando quer as quotas do condomínio em dívida, incluindo as do fundo de reserva dos anos em causa, quer as quotas de obras que também não pagaram”.
É certo que, como se defendeu no acórdão da Relação do Porto de 31 de Março de 2011, disponível no aludido sitio da internet, “assiste ao condómino o direito de invocar o excesso da penalidade que lhe tenha sido aplicada, nos termos do artigo 812.º CC, apesar de se manter dentro dos limites do n.º 2 do artigo 1434º CC, pedindo a sua redução equitativa” (no mesmo sentido, o ac. da RL de 13.11.2012- relator: Tomé Gomes).
No entanto, julga-se que o raciocínio empreendido pelo tribunal recorrido sobre esta pretensão da recorrente pode aqui ser acolhido, devendo ser afastado o argumento da recorrente que defende que, ainda assim, a penalidade deveria ser (também) reduzida, tendo em consideração o disposto no art. 812º do CC.
O tribunal recorrido desenvolveu as seguintes ideias que não podemos deixar de subscrever por corresponderem à melhor aplicação do citado preceito legal, neste âmbito especifico das penalidades fixadas pela Assembleia de Condóminos:
“Dispõe o n.º 1 do art. 812.º do Código Civil que a “cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.”
As penas pecuniárias fixadas pela assembleia de condóminos para o incumprimento das deliberações tomadas pela mesma assembleia ou das decisões do administrador têm a natureza de uma cláusula penal em sentido estrito, com função coercitiva ou compulsória, tendo ela, por isso, como função pressionar o condómino relapso a cumprir com o receio de vir a ter de pagar muito mais do que aquilo que pagaria se cumprisse pontualmente aquelas deliberações ou decisões[6].
Como se extrai do pensamento dos Profs. Pinto Monteiro (in Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pp. 140 ss., e Calvão da Silva (in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, 2002, p. 273), a intervenção judicial do controle do montante da cláusula penal deve ser excepcional e em condições e limites apertados ou em face de penas abusivas e iníquas. A redução destina-se a afastar o exagero da pena, não a anulá-la (cf., na jurisprudência, Ac. do STJ de 17/02/1998, in BMJ 474, p. 457).
Por sua vez, o Prof. Pinto Monteiro, na obra citada, refere que “A ameaça da pena (normalmente elevada) constitui um poderoso estímulo ao cumprimento, um incentivo à execução voluntária do contrato (…), cumprindo assim uma função semelhante à sanção pecuniária compulsória (…)” (ob. cit., p. 140).
O critério legal é o de, tendo em conta a finalidade prosseguida com a fixação da cláusula penal, averiguar se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos condóminos que aprovaram a deliberação (vide Prof. António Pinto Monteiro, «Sobre o controlo da cláusula penal», comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, 2006, p. 204-206).
No caso dos autos, tendo em conta que o montante das penas pecuniárias é calculado com base na percentagem de 0,25% (ou seja, um quarto), por cada dia de atraso, sobre o valor em falta, há que entender que essa proporção não se afigura manifestamente excessiva. De contrário, aquelas penas perderiam toda a sua eficácia”.
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Como decorre do exposto, o artigo 812.º do CC prevê, efectivamente, que a cláusula penal possa ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, valendo o mesmo ainda que a obrigação tenha sido parcialmente cumprida.
Quanto à possibilidade de se reduzir essas sanções, neste âmbito, o Ac. da RL de 13-11-2012 já citado, concluiu o seguinte:
“1. As penalidades previstas no artigo 1434.º do CC, quando visem sancionar a mora no cumprimento das comparticipações devidas ao condomínio, traduzem-se numa cláusula penal moratória, nos termos do n.º 1 do citado artigo 811.º do CC, sujeita aos limites previstos no artigo 811.º e 812.º, além do preceituado no n.º 2 do artigo 1434.º do CC, que não numa mera sanção compulsória de natureza puramente coercitiva.
2. O rendimento colectável como critério de limite máximo estabelecido no n.º 2 do artigo 1434.º do CC deve ser aferido com base da aplicação do factor 15 ao valor patrimonial tributário, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422-C/88, por ser um critério mais estável, seguro e objectivo, e não em função da colecta resultante da aplicação das taxas municipais previstas no artigo 112.º do CIMI.
3. A cláusula penal moratória estabelecida para o incumprimento temporário das comparticipações devidas ao condomínio deve ser equitativamente reduzida, quando excessiva, nos termos do artigo 812.º do CC, tomando-se em conta a dupla função da cláusula penal e, em especial, a sua finalidade específica, ressarcitória e coercitiva, no domínio do regime da propriedade horizontal, que não de forma confinada aos estritos parâmetros estabelecidos para os juros moratórios da generalidade das obrigações pecuniárias, em particular no domínio dos contratos de mútuo (…)”.
No caso concreto, “trata-se também de um meio de conferir mais eficácia à administração do condomínio, nomeadamente à cobrança oportuna da quota-parte dos condóminos, dissuadindo comportamentos faltosos e prevenindo dificuldades de gestão do condomínio, que podem provir do atraso no pagamento da quota-parte das despesas do condomínio [7].
Independentemente destas considerações, não se pode deixar de reconhecer que mesmo assim o tribunal tem, a pedido expresso do devedor, o poder de reduzir essa cláusula penal moratória - mas não o de invalidar ou suprimir a cláusula penal que seja manifestamente excessiva.
Aqui chegados, sendo esta a natureza de cláusula em apreço, e estando comprovado o incumprimento das prestações do condomínio que está na base da aplicação das penalidades previamente estabelecidas nas deliberações do condomínio, a questão que a recorrente levanta é, assim, a da possibilidade de as referidas penalidades moratórias poderem ser reduzidas equitativamente, em conformidade com o preceituado no artigo 812º do mesmo Código.
Como já adiantamos, decorre do referido preceito legal que o legislador permite, efectivamente, a redução equitativa da cláusula penal nos seguintes termos:
“1. A pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.”
Numa primeira abordagem, importa dizer, desde logo, que se vem entendendo que deste preceito legal resulta que a intenção do legislador é clara ao não pretender uma intervenção judicial sistemática, neutralizadora e aniquiladora da cláusula penal, para preservá-la como legítimo e salutar meio de pressão ao cumprimento sobre o devedor[8].
Assim, como decorre do seu proprio texto, o tribunal só pode reduzir a pena, nos termos do nº 1 do artigo 812º do CC, caso ela seja manifestamente excessiva, ou seja, não basta que seja excessiva, exige-se que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada.
Ou seja, a possibilidade de se determinar a redução da cláusula penal não é mais do que o reconhecimento “… ao Juiz de um poder moderador, de acordo com a equidade quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente”[9].
Com efeito, mesmo que as partes, ao estipularem a cláusula penal, se determinem por valores razoáveis, circunstâncias posteriores, imprevisíveis ou não, podem vir a tornar a pena manifestamente excessiva, o que favoreceria injustificadamente o credor em prejuízo do devedor para além do que é admissível, à luz de um juízo equilibrado, que pondere todas as circunstâncias do caso concreto e se determine por opções de justiça material.
Conforme resume o Prof. Pinto Monteiro, na obra citada, o poder conferido pelo artigo 812º do CC constitui uma forma de controlar o exercício do direito à pena, impedindo actuações abusivas do credor. Ainda que ela tenha sido estipulada em termos razoáveis, será abusivo, porque contrário à boa-fé, exigir o cumprimento integral de uma pena que as circunstâncias presentes mostram ser manifestamente excessiva, em termos de ofender a equidade.
Nesta hipótese, a sanção ditada pela lei não se traduz na ilegitimidade do exercício do direito à pena, ou seja, a supressão da pena, antes consiste numa solução mais simples, menos grave e mais ajustada à particularidade da situação: ao reduzir a pena, o tribunal corrige o excesso, procurando, assim, eliminar, tão-só, a causa ou fonte do abuso.
No entanto, conforme já referimos, dado que a redução prevista no citado artigo 812º do CC pode, ainda, comprometer ou afectar a própria função da pena enquanto meio de instar o devedor ao cumprimento, tem de ser ponderada e cuidadosamente exercida, sempre dentro dos limites legais, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal pelo devedor e reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência.
Daí que se refira que o art. 812º do CC “contempla uma modalidade de controlo judicial da cláusula penal ancorado na ideia do desequilíbrio grosseiro ou manifesto (na gíria internacional, releva a “gross disparity”) que evidencia uma assimetria relevante entre as prestações em referência, a saber, a prestação não realizada e a prestação objecto da cláusula penal”[10].
Como se referiu, no entanto, a intenção do legislador não é a de dar azo a uma intervenção judicial sistemática, neutralizadora e aniquiladora da cláusula penal.
Daí que apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, não sendo bastante, para que ocorra essa intervenção correctora do juiz uma “cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano “- como salienta o Prof. Calvão da Silva na obra citada.
Na verdade, “reduzir a cláusula penal ao dano efectivamente sofrido é não respeitar o seu valor coercitivo, é abrir as portas ao incumprimento de devedores de má-fé, sempre esperançados em que o juiz acabe por reduzir a cláusula penal ao prejuízo real, é não atender ao seu carácter à forfait, aspectos que a lei manteve, porque e na medida em que faculta ao juiz o equitativo poder moderador apenas das cláusulas manifestamente excessivas, isto é, protegendo o devedor apenas e só contra os “ efeitos exorbitantes e abusivos da cláusula penal.”[11].
Além de tudo isto, importa ainda salientar que se vem entendendo que este ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre o devedor[12].
Aqui chegados, podemos assim concluir que o citado preceito legal confere ao juiz o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva, exigindo, para tanto, que o devedor alegue, prove e peticione que existe uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada, devendo cingir-se o objectivo de tal intervenção à protecção do devedor contra efeitos exorbitantes e abusivos da cláusula, sem lesar o direito do credor, pelo que, em princípio, o tribunal não deverá intervir perante um caso de uma cláusula penal simplesmente excessiva.
Como já referimos, no caso concreto, o que se pretende é apurar se, tendo em conta a finalidade prosseguida com a fixação da cláusula penal (compulsória e moratória), existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos condóminos que aprovaram a deliberação.
Para tanto, importa atender a determinados critérios que permitirão aferir dessa (falta de…) adequação.
Segundo os Profs. Antunes Varela/ Pires de Lima[14], os Tribunais, como critério para aferir se a pena deve ou não ser reduzida, devem atender “… ao interesse legitimo do credor na prestação (e não apenas ao seu interesse patrimonial), ao grau de culpa do devedor, à situação patrimonial deste …”.
Já para o Prof. Pinto Monteiro esses critérios seriam “… a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa e má-fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado, e, designadamente, eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal …” (pág. 744).
Ora, no caso concreto resulta que o Condomínio aplicou as seguintes penas pecuniárias:
- € 665,15 com vencimento em 09.11.2018;
- € 2.107,52 com vencimento em 31.05.2019;
- e € 4.159,54 com vencimento em 17.07.2020 (esta última já reduzida pelo tribunal reduzida para € 2.122,58, por força da aplicação do nº 2 do art. 1434º do CC).
Estas penas pecuniárias resultaram da aplicação do critério atrás referido previamente estabelecido no Condomínio ou seja “0,25% por cada dia de atraso sobre as quotas em dívida” em cada um dos anos de condomínio (cfr. actas juntas aos autos e requerimento inicial executivo datado de 28.9.2020 – cumulação sucessiva admitida pelo despacho datado de 22.2.2021).
Além destas considerações, importa ainda ter em consideração que o valor máximo da penalidade já se mostra respeitado (cfr. nº 2 do art. 1434º do CC).
Ora, fazendo a referida ponderação de adequação, constata-se que os valores fixados como penas pecuniárias não são excessivos, dado que, além de darem obediência ao referido limite estabelecido pelo citado nº 2 do art. 1434º do CC, encontram pleno apoio no reiterado e grave incumprimento da recorrente no pagamento das quotas e demais encargos comuns do condomínio (que se prolongou entre os anos de 2016 a 2020, mas que já tinha ocorrido em anos anteriores – v. menção a fls. 27 (anexo 5: “valores por liquidar por fracção”) da existência de outra dívida relativa ao períodos de “2006 a Março de 2012 – acordo judicial”), sem que fosse invocado qualquer motivo legitimo que justificasse tal conduta (com assinaláveis prejuízos para a gestão do condomínio que, no inicio do ano, orçamentou as despesas e receitas do Condomínio em função do previsível cumprimento das prestações do condomínio por parte de cada condómino).
Trata-se de situação idêntica à ocorrida no ac. da RC de 5.5.2020 (relator: Ana Vieira) já citado, onde de igual modo, se concluiu que “o valor fixado não deverá ser reduzido”[15].
Nesta conformidade, tendo em conta a conduta da recorrente, não se pode deixar de considerar que as penalidades pecuniárias aplicadas sucessivamente para cada um dos períodos de incumprimento – afastando-se aqui liminarmente a invocação da existência de cumulação na sua aplicação [16] - se mostram adequadas e proporcionais àquela conduta assumida pela recorrente, devendo manter-se, por não serem excessivas à luz do disposto no art. 812º do CC, sob pena de se perder o efeito dissuasor pretendido com as penalidades contra os comportamentos faltosos dos condóminos (como os da recorrente), com evidente prejuízo para a gestão do condomínio.
Improcede, pois, o recurso com este fundamento.
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Por todo o exposto, julga-se o recurso improcedente e, em consequência, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julga-se o Recurso interposto pelo recorrente improcedente, e, em consequência, mantém-se integralmente a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente/executada.
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Notifique.
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Porto, 21 de fevereiro de 2022
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Além disso, coisa diferente destas questões são também os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, pelo que estas também não constituem questões no sentido do art. 608º, n.º 2 do CPC. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia - Vide, neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 8.02.2011 (relator: Moreira Alves), e Ac. da RG de 24.11.2014, (relator: Filipe Caroço), ambos in www.dgsi.pt.
[2] A. Geraldes/P. Pimenta/Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, Almedina (2018), pág. 727.
[3] Segundo A. Santos Justo, in “Introdução ao estudo de direito”, 12ª Edição, Almedina (2021), pág. 302: “A interpretação autêntica dimana duma fonte não hierarquicamente inferior à que interpreta. Ocorre através duma lei (dita interpretativa) que se integra na lei interpretada. Trata-se, portanto, da explicitação legislativa duma lei duvidosa, carecida de esclarecimento, que tem a força vinculativa da lei … Além do órgão legislativo que elaborou a lei interpretada (auto-interpretação), a interpretação autêntica pode ser igualmente feita por outro órgão legislativo (hetero-interpretação)”.
[4] Revendo, face aos novos dados legislativos, a posição que havíamos assumido como Juiz Desembargador Adjunto (o presente Relator e a Primeira Juíza Desembargadora Adjunta) nos acs. da RP de 11.5.2020 (Processo n.º 13355/16.6T8PRT-A.P1), e de 8.09.2020 (Processo n.º 25411/18.1T8PRT-A.P1) em que foi relator o Exmo. Juiz Desembargador Jorge Seabra e a posição assumida pela Exma. Sra. Juíza Adjunta no ac. da RP de 15.6.2020 por esta relatado (e em que interveio também a Exma. Sra. Juíza 2ª Adjunta).
[5] In “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2.ª Edição, Almedina, pág. 319.
[6] (acrescentamos nós no presente Acórdão o seguinte “Sobre a natureza das mencionadas penas pecuniárias, o Professor António Pinto Monteiro considera que as penas estabelecidas pela assembleia de condóminos são sanções destinadas “a fazer respeitar as suas deliberações, as disposições legais pertinentes ou as decisões do administrador”, radicando a legitimidade do condomínio, para tal determinação, nas exigências de convivência e de sociabilidade resultante da unidade estrutural do edifício (In “Cláusula Penal e Indemnização”, Almedina, Coimbra, 1990, pg. 139 e seguintes). Segundo o mesmo Autor, tais penas apresentam forte analogia com as chamadas penas associativas, a que reconhece finalidade intimidativa e de expiação para assegurar a disciplina dos membros da associação e o respeito pelos deveres associativos. Também, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela observam que “a possibilidade de fixação de penas pecuniárias para a inobservância de certos comandos jurídicos (quer editados por via legislativa, quer emanados da autoridade ou órgão competente) corresponde, sempre que da violação destes possam advir danos para alguém, a um princípio geral de direito (art.º 810.º) (in Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 450)”. Como se refere no Ac. STJ de 4/5/2004, Proc. 04A504, acessível através de www.dgsi.pt: “A cláusula penal pode exercer uma função indemnizatória e/ou uma função coercitiva ou compulsória. No primeiro caso os contraentes fixam, desde logo, a indemnização que será devida em caso de incumprimento da obrigação, no segundo recorrem à cláusula penal, com o intuito de incentivar o devedor ao cumprimento, servindo a importância que venham a fixar como medida compulsória destinada a fazer cumprir as obrigações assumidas. A figura pode assim desempenhar alternativa ou simultaneamente uma e outra função.”.
[7] V. para um caso concreto de não aplicação da redução da pena, por exemplo, o ac. da RC de 5.5.2020 (relator: Ana Vieira), in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Calvão da Silva, em “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 273.
[9] Calvão da Silva, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág 273; no mesmo sentido, Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 745.
[10] Ana Filipa Morais Antunes, in “Comentário ao CC- Direito das Obrigações” (UCP), pág. 1172.
[11] Vide, neste sentido, J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 277.
[12] Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 21.02.2018, relator CARLOS GIL, AC RP de 26.10.2017, relator FERNANDO SAMÕES, AC RP de 3.03.2016, antes citado, e AC RP de 5.05.2016, relator FERNANDO BAPTISTA, todos com indicação de vasta jurisprudência, todos in www.dgsi.pt.
[13] V. neste sentido, Pinto Monteiro, in “Sobre o controlo da cláusula penal” (Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977”, Vol. III, 2006, págs. 204-206.
[14] In “Código Civil anotado”, Vol. II, pág. 80
[15] Nesse acórdão estava também em causa, uma situação em que se considerou que “… o valor (da penalidade) fixado na quantia de 1.000,00 euros (abaixo do limite máximo) não é excessivo dado que o limite de pagamento do valor a cargo da autora 263,15 € foi a data de 30-7-2016 e durante quase 4 anos não pagou essa quantia e não o fez dado, conforme refere, não concordar com as obras aprovadas pela Assembleia. Tratando-se de um lapso temporal excessivo para o cumprimento dessa obrigação por parte da autora, não tendo sido invocada nenhuma circunstância justificativa para o não pagamento dessa quantia (a mera discordância da realização das obras não permite o seu não pagamento face à deliberação aprovada pelo condomínio e a ausência de impugnação). Para além de a autora já ter deixado de pagar uma prestação da mesma natureza ao condómino desde Outubro de 2014 ate Dezembro de 2017, o que demonstra uma repetição desse incumprimento e nessa medida afigura-se-nos que o valor fixado não deverá ser reduzido”.
[16] Em bom rigor, esta questão seria uma “questão nova”, insusceptível de ser conhecida em sede de recurso, pois que a recorrente não elegeu este fundamento como uma das questões levantadas em primeira instância, não tendo por isso o tribunal recorrido se pronunciado sobre a mesma.