Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15/18.2T8BAO-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA HABITUAL DA CRIANÇA
Nº do Documento: RP2021021115/18.2T8BAO-C.P1
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência internacional dos tribunais portugueses para a regulação das responsabilidades parentais deve coincidir, em regra, com a residência habitual do menor.
II - Esse conceito deve ser interpretado em termos comunitários como sendo o local onde se revela a integração do menor num ambiente social e familiar de forma estável.
III - Se um menor frequenta o infantário em França e aí habita com a sua mãe é essa a sua residência.
IV - Excepcionalmente pode um tribunal nacional, nos termos do art. 15º, do regulamento nº 2201/2003, ser competente, mas é necessário que exista um efectivo interesse do menor e uma melhor possibilidade de decisão do litigio por razões objectivas de proximidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 15/18.2T8BAO-C.P1

Sumário:
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1. Relatório
Nos presentes autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, após ter sido proferida decisão definitiva co acordo dos progenitores veio a progenitora da menor requerer, que seja proferida decisão que determine “a redução dos tempos da B… com o pai restringidos aos períodos em que este possa estar permanentemente com ela”.
O Ministério Público pronunciou-se promovendo o indeferimento por ser necessária a instauração de uma ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, e por não ser este o Tribunal competente.
Em seguida foi proferido despacho que decidiu: “Nos termos do artigo 42.º, n.º 1 do RGPTC, qualquer dos pais pode requerer nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, quando o acordo não seja cumprido ou existam circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido. A nova ação deve ser autuada por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, devendo recorrer-se às regras de competência aplicáveis ao caso – incluindo a requisição do processo a outro tribunal, se aí tiver corrido o processo de regulação – al. b) do n.º 2 do referido artigo 42.º. Pelo que seria de ordenar a autuação daquele requerimento como novo apenso para alteração da regulação das responsabilidades parentais. Porém, como bem aponta o Ministério Público, resulta com clareza do requerimento apresentado pela progenitora que reside com a menor na França, ao passo que o pai da menor reside em Espanha. (…) Importa ao caso, uma vez que a residência da menor se situa em Estado-Membro da União Europeia, compulsar o teor do Regulamento CE n.º 2201/2003 do Conselho, o qual estabelece as regras aplicáveis em sede de competência para regulação das responsabilidades parentais quando estejam envolvidos no litígio vários Estados-Membros.
O critério geral, previsto desde logo no artigo 8.º do referido Regulamento, é o de que são competentes nesta matéria os tribunais do Estado-Membro onde a criança resida habitualmente.
Do requerimento apresentado pela progenitora, resulta que reside com a menor em França, atento até que a mesma afirma que vem a Portugal para passar férias – assim se entendendo, como concretiza a jurisprudência comunitária, que aquele país é o local de residência habitual da criança, onde a mesma habita, frequenta a escola, e tem o seu centro de vida, o seu “ninho”. O artigo 9.º, n.º 1, que prevê o prolongamento da competência, não tem aplicação aos autos, porque nenhum dos titulares do direito de visita reside em Portugal.
A ratio do Regulamento é a de permitir ao tribunal de maior proximidade, por respeito ao superior interesse da criança, tomar as decisões necessárias, por ser aquele que se encontra em melhores condições de proceder a todas as diligências probatórias e obter os elementos necessários, evitando até desnecessárias deslocações dos progenitores e sobretudo da criança entre Estados-Membros. Por todo o exposto, o Tribunal português não é mais internacionalmente competente para a instauração de novas ações relativas à B…, as quais deverão agora ser intentadas no Estado-Membro onde reside. Pelo que se indefere ao requerido, nos termos promovidos.
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Inconformada com essa decisão veio a progenitora recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artigos 32.º do RGPTC, e, por remissão deste, 637.º, 639.º, 641.º, 644.º, n.º 1, al. a) e 645.º, n.º 1, al. a).
2. Foram formuladas as seguintes CONCLUSÕES
1.O presente processo é um apenso aos autos principais de regulação das responsabilidades parentais, o qual se iniciou em Portugal, com ambos progenitores e a menor residentes em Portugal, tendo posteriormente a Reqte fixado a sua residência com a menor em França, por acordo homologado por sentença proferida nos autos principais e apensos,
2. Todos os incidentes - incumprimentos – verificados, designadamente após a alteração da residência da menor, foram decididos pelo Tribunal a quo.
3. O progenitor, titular do direito de visita, residia e continua a residir habitualmente em Portugal, no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança. Trabalha sim, em Espanha.
4. A menor, aliás, como os pais têm nacionalidade portuguesa .
5. É em Portugal que residem o pai, a avó paterna e avós maternos, tios, tias, madrinha e primos, vértices importantes da vida da menor e é em Portugal que a menor passa as férias de Natal, Páscoa e as de verão.
6. O tribunal do Estado-Membro onde a menor reside ou qualquer outro em que venha a residir, não dispõe de elementos para uma decisão que se quer abrangente de toda a realidade social e familiar que envolve a menor.
7.É o tribunal recorrido o que melhor conhece as circunstâncias familiares, sociais e culturais da menor, por ser aquele que se encontra em melhores condições de proceder a todas as diligências probatórias e obter os elementos necessários, de resto, como justificadamente ocorreu em todos os anteriores incidentes processuais.
8.Ao caso, em sede de competência internacional sé aplicável o previsto na Constituição da República Portuguesa -artº 8º - no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de Setembro de 2015 e no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, (com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 2116/2004, de 2 de Dezembro, uma vez que a França e Portugal são membros da Comunidade Europeia,
9. Todos os ditos normativos justificados no superior interesse da criança.
10. O art. 8º nº 1 do CE 2201/2003 dispõe que os Tribunais de um Estado Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que reside habitualmente nesse estado membro.
11. Reitera-se que à data da instauração do processo a menor residia em Portugal, facto fundamento da competência do Tribunal a quo.
12. O art. 9º nº 1 do mesmo regulamento prevê:“ quando uma criança se desloca legalmente de um estado membro para o outro e passa a ter a sua residência habitual neste ultimo os tribunais do Estado Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência,
13, Isso mesmo colhendo sustentação no disposto no nº 9 do art. 9º da Lei 141/2015 que prevê: “sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo. “,
14. E justificando a continuação da competência inicial do Tribunal a quo.
15. De resto, diversamente do que emerge do douto despacho recorrido, em momento ou parte alguma dos autos principais bem como dos apensos, consta a afirmação de que o progenitor reside Espanha; a residência habitual deste nos autos e na realidade é em Portugal na morada deles constante.
16. Logo, não há lugar a derrogação do art. 8º nº 1 do Reg. CE no caso que é de alteração do direito de visita fundada no disposto no art. 9º nº 1 do CE, pelo fundamento dito no douto despacho recorrido de o Reqdo não residir em Portugal à aplicação.
17. Pelo contrário, face aos factos, o Tribunal recorrido mantem a sua competência exactamente nos termos do previsto artigo 8º nº1 do Reg CE 2201/2003, e no art. 9º nº1 do mesmo diploma (a contrario).
18. O Tribunal a quo, ao decidir pela sua incompetência internacional para a instauração de novas acções, designadamente incidentais, relativas á menor desconsiderou as circunstâncias familiares, sociais e culturais da menor, considerando apenas dois elementos formais: a menor reside actualmente em França e o progenitor, titular do direito de visita, reside em Espanha (errado, como já se viu, a residência habitual é em Portugal, como, de resto, resulta de todo o processado, apenas trabalha em Espanha.
19. Numa interpretação meramente literal do artº 8º do Reg. CE, a que não é subsumível a concreta situação já descrita,
20. Desconsiderando o critério de proximidade justificado nas circunstâncias familiares, sociais e culturais da menor que a ligam intrinsecamente a Portugal, a defesa do interesse superior da menor, e proferindo uma decisão contrária à jurisprudência comunitária e nacional supra referida.
21. Diversamente do decidido no douto despacho recorrido justifica-se assim a competência do Tribunal a quo e, em consequência, o provimento do presente recurso com a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição por outro que julgue o Tribunal recorrido Tribunal competente e ordene a autuação e prosseguimento do incidente suscitado pela Reqte.
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O MP respondeu nos seguintes termos:
No caso concreto - como decorre dos artigos 59º, 62º e 63º, do Cód. Proc. Civil - ali se dá cumprimento ao princípio do primado do Direito Comunitário, que, além do mais, garante a aplicação do direito comunitário em caso de conflito com o direito nacional. Uma vez que Portugal e França integram a Comunidade Europeia, estamos no âmbito material do Regulamento (CE) n.° 2201/2003, que define as regras de competência internacional vigentes para os Estados Membros da Comunidade Europeia, no que concerne a questões matrimoniais e de responsabilidade parental. No que respeita à regulação das responsabilidades parentais as regras de competência em matéria de responsabilidades parentais são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Donde, deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais da residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de acordo entre os titulares da responsabilidade parental. No interesse da criança, o regulamento permite, ainda, que o tribunal competente possa, a título excepcional e em certas condições, remeter o processo a um Tribunal de outro Estado Membro se estiver em melhores condições para dele conhecer, sendo, no caso, inequívoco, que a criança tem residência habitual em França. Consequentemente face ao disposto no 8° do Regulamento, que estabelece que: «Os Tribunais de um Estado Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado Membro à data em que o processo foi instaurado», serão os Tribunais Franceses os competentes para conhecer da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
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A questão a decidir é determinar se o tribunal a quo é competente internacionalmente para a tramitação do novo pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais, finda que foi, em Junho, a acção com a regulamentação dessas responsabilidades com o acordo dos progenitores.
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4. Motivação de facto
Da tramitação processual resultam os seguintes factos:
1. Em 23/06/2020, foi, homologado por sentença o acordo quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais respeitantes à menor B…, ficando os progenitores condenados a cumpri-lo nos seus precisos termos.
2. Em 21/09/2020, a progenitora requereu uma alteração da regulação previamente determinada, pedindo “a redução dos tempos da B… com o pai restringidos aos período sem que este possa estar permanentemente com ela”.
3. A progenitora/apelante, mudou a sua residência para França, tal como consta da ata exarada a 19-09-2018, para .. Rue …, apat. . , ….., …, França e do seu requerimento de 27.9.2018.
4. Nas suas alegações de 21.11.2019 a ora apelante alegou que: “a B… encontra-se matriculada no Jardim de Infância Público em …, França, que iniciará a 6 de Janeiro de 2020”.
5. Na decisão de 23-06-2020, consta da cláusula 1.2. que A residência da menor fica fixada com a mãe, na morada atual desta, a saber: . Rue …, Appt.., Ent. ., …… France.
6. E que o progenitor obriga-se a manter em Portugal com a menor, sem se ausentar para fora do país, para trabalhar ou para qualquer outra finalidade, nos períodos de férias em que a menor esteja consigo.
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5. Motivação jurídica
Decorre do artº 82º do CC que “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual”, e do nº1, do artº 85º do mesmo diploma legal, que “O menor tem domicílio no lugar da residência da família”, sendo esta a sua residência necessária.
Ora, no presente caso parece simples e curial concluir que o menor reside com a sua mãe em França. Não apenas foi isso que ficou fixado no acordo dos autos, mas é precisamente esse o motivo do aceso litígio entre os progenitores desde 2018 (cfr. alegações de ambos no processo de 1º instância).
Acresce que, nos termos do art. 9º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível: “1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. 2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais”.
Nos termos do nº 8 “Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa”.
Daí decorre, pois, que mesmo que os tribunais nacionais fossem competentes internacionalmente seria outro que não o tribunal a quo.
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Importa, porém, apreciar o regime do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.[1]
Este diploma esclarece desde logo, nas suas considerações que: As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental..
O art. 8º, desse diploma estabelece que: “1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal. (nosso sublinhado)”.
O conceito de residência habitual tem vindo a ser definido pelos tribunais comunitários[2] como: “correspondendo ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado”.
Acentuando-se ainda que que, “a determinação daquele conceito há-de ser feita à luz das disposições e do objectivo do dito regulamento, nomeadamente do constante do seu considerando décimo segundo, daí ressaltando que “as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade”.[3]
Em idêntico sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de Dezembro de 2010, proc. C-497/10 PPU, acrescenta que: “se com a aplicação dos critérios enunciados se concluir que a residência habitual da criança não pode ser estabelecida, então, a determinação do tribunal competente deverá ser efectuada com base no critério da “presença da criança” na acepção do artigo 13.º do Regulamento (disposição que, no seu n.º 1, refere que “se não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 12.º, são competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança se encontra”).
A nossa escassa doutrina[4] sobre esta questão acentua que “Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.”
E, os nossos tribunais compartilham esta posição, defendendo que:
1. Atento o disposto no art. 8 do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, no que respeita à responsabilidade parental, a pedra de toque para a determinação da competência internacional situar-se-á na circunstância de a criança residir habitualmente num determinado Estado Membro (no momento em que a acção é proposta). A determinação da competência deve ter como objectivo a protecção do superior interesse da criança e ser fundada no princípio da proximidade – tem em vista a maior proximidade relativamente ao ambiente familiar social e cultural do dia a dia da criança, ligação que deve ser tida em consideração, ainda que haja uma permanência num outro Estado, se desta última resultar que não se constituiu uma ligação pelo menos tão estreita como aquela outra[5].
2. “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.[6]
3. Por isso, tendo a requerente num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais declarado que a sua filha menor, a quem se referem tais responsabilidades, vive consigo na Bélgica, são os tribunais da respectiva ordem judiciária os internacionalmente competentes para a correspondente decisão.[7]
O STJ apreciou a mesma questão, por, pelo menos duas vezes, acentuando, com o Ac do STJ de 28-1-2016 processo 6987/13.6TBALM.L1.S1. que: «o conceito de «residência habitual» à luz do referido Regulamento (CE) nº 2201/2003, (…) “deve interpretar-se autonomamente, de acordo com a jurisprudência do TJCE (se bem que em domínios diferentes do da Convenção de Bruxelas de 1968), como «o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que, para efeitos de determinação dessa residência, é necessário ter em conta todos os elementos de facto dela constitutivos».
Mais recentemente, o STJ reafirmou essa posição, no Ac de 27.6.2019, nº 1789/18.6T8PTM-A.E1.S1 (RAIMUNDO QUEIRÓS) decidindo que: “O conceito de "residência habitual" - a que alude o referido art.º 5º nº1 da Convenção deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao local onde se encontra organizada a sua vida familiar, social e escolar em termos de estabilidade e permanência!.
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Ora, à luz destes princípios é claro e evidente que o menor não reside em Portugal, mas sim de forma habitual e continua em território Francês, desde 2018. Logo à luz desta norma, como decidiu o tribunal a quo o tribunal nacional não possui competência para novo incidente de alteração do regime das responsabilidades parentais, tanto mais que, recorde-se é precisamente essa residência que constituiu o ponto de desacordo entre os progenitores desde o inicio desta fase processual.
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5.3. Da aplicação aos autos de outros mecanismos.
Alega a recorrente que deveria ser aplicável aos autos a norma do art. 9º, da diretiva.
Nos termos do art. 9: “Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança” (nosso sublinhado).
Esta norma pretende salvaguardar o interesse da criança possibilitando decisões, num curto espaço de tempo, após uma deslocação licita da criança. Ora, não é essa a situação. Com efeito, resulta dos autos que a mudança para o estrangeiro ocorreu em 2018 e que o próprio período de 3 meses já tinha decorrido à data da instauração do novo incidente. Logo esta previsão não pode ser aplicável ao caso, tanto mais que, recorde-se todo o processado desde 2018 já foi a extensão excecional de competência do tribunal, porque desde aí que o menor reside em França.
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Pretende ainda a apelante que é na comarca de paredes que o pai do progenitor habita, que o agregado familiar de ambos se encontra e que existe assim comodidade na atribuição de competência ao tribunal a quo.
Face ao supra exposto, após se concluir que o critério de conexão relevante (domicilio menor) se encontra preenchido no estrangeiro não será a comodidade familiar pertinente para por em causa essa conclusão.
Poderia, sim, ser aplicável a excepção constante do art 15 da diretiva que dispõe:
1. Excepcionalmente, os tribunais de um Estado-Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado-Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspectos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:(…)
2. O n.º 1 é aplicável:
a) A pedido de uma das partes; ou
b) Por iniciativa do tribunal; ou
c) A pedido do tribunal de outro Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nos termos do n.º 3.(…)
3. Considera-se que a criança tem uma ligação particular com um Estado-Membro, na acepção do n.º 2, se:
a) Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.º 1, a criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado-Membro; ou
b) A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado-Membro; ou
c) A criança for nacional desse Estado-Membro; ou
d) Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado-Membro; ou
e) O litígio se referir às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse da criança, que se encontram no território desse Estado-Membro.
Aplicando, no fundo, este mecanismo excepcional, podemos citar as decisões do Ac da RL de 8.11.2016, nº 22246/15.7T8SNT.L1-7 (MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA): “Tendo os menores, que viviam em Portugal, passado a residir em Espanha com a mãe quando esta aí foi colocada por razões laborais, continuando o pai a residir em Portugal, e sendo todos de nacionalidade portuguesa, deve considerar-se o tribunal português internacionalmente competente para apreciar e decidir a ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais se a requerida/demandada aceitou nos autos essa competência e suscitou até o incidente de incumprimento do regime estabelecido, tanto mais que é em Portugal que se mostra judicialmente regulado o respetivo exercício das responsabilidades parentais”.
E, do Ac do TRG de 07-05-2013, proc. n.º 257/10.9TBCBT-D.G1, (Paulo Barreto): “A competência internacional da jurisdição portuguesa justifica-se, in casu, porque o menor sempre viveu em Portugal, foi aqui que foram reguladas as responsabilidades parentais e é aqui que residem o pai e a avó materna, dois vértices importantes da sua vida, ao que acresce a circunstância da mãe estar em França há apenas um ano, o menor muito menos, daí que sejam escassos os elementos à disposição do tribunal francês para uma decisão que se quer abrangente de toda a realidade social e familiar que envolve o menor.”
Ou seja, em determinadas circunstâncias excepcionais, poderá a ordem jurídica nacional assumir competência tendo em conta o interesse do menor. Mas é necessário que existe um efectivo interesse do menor e uma melhor possibilidade de decisão do litigio, neste tribunal, por razões objetivas de proximidade. Ou seja, a competência está dependente de um critério de maior utilidade para a boa decisão da causa e, por isso, protecção dos interesses do menor e não de comodidade para qualquer um dos pais.
Ora, a menina dos autos, note-se, tem escassos anos de idade e vive em França desde 2018. Depois, o objecto do novo incidente é limitar o direito de visita do pai ao menor, por este ser inconveniente, tendo em conta essa residência. Logo, não se vislumbra ser necessário nem nunca foi requerida a intervenção do agregado familiar (avós) paternos ou maternos.
E, o novo incidente foi suscitado escassas semanas após o tribunal ter estabelecido um regime de exercício do poder paternal com o acordo de ambos os progenitores. Logo, o interesse do menor, não justifica uma tão célere alteração, nem a mesma foi invocada[8].
Depois, teremos de notar que um dos princípios norteadores do actual regime é o principio da audição da criança, que nesses termos poderá ser posto em causa pela atribuição de competência ao tribunal a quo, sendo que qualquer diligência probatória irá demorar os largos meses, como já demorou a conciliação técnica precisamente pelas dificuldades de contacto com a progenitora residente no estrangeiro (cfr. tramitação dos autos).
Por fim, e mais importante o apelado/progenitor não aceitou a competência do tribunal nacional para este incidente, pois, não interveio no mesmo.
Logo, neste caso concreto, sem prejuízo de noutra situação, com outra alegação, e com outros fundamentos, o tribunal nacional possa ter reunidos os pressupostos da circunstância excepcional prevista no art. 15º, da directiva, o certo é que a apelada não demonstrou qualquer efectivo fundamento que legitime a intervenção excecional dos tribunais portugueses.
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VI. DECISÃO
Pelo exposto, este tribunal, julga o presente recurso, totalmente improcedente por não provado e, por via disso, confirma a decisão do tribunal recorrido.
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Custas da apelação a cargo da apelante porque decaiu totalmente.
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Porto em 11.2.2021
Paulo Duarte Teixeira
Amaral Ferreira
Freitas Vieira
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[1] De notar que o regulamento 2019/1111 de 25.6 ainda não entrou em vigor nesta matéria, conforme resulta do art. 105º, do mesmo.
[2] Cfr. Ac do TJUE (Terceira Secção), 2 de Abril De 2009 (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkeinhallinto-oikeus, Finlândia).
[3] Ac do TJUE (Primeira Secção), 22 de Dezembro de 2010 (acessível em http://curia.europa.eu/júris /document.jsf;jsessionid).
[4] Nuno Ascensão Silva, “O Regulamento Bruxelas IIbis [Regulamento (CE) 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000]”, in O DIREITO INTERNACIONAL DA FAMÍLIA TOMO I, junho de 2014, CEJ - Coleção de Formação Contínua, pág. 24 e segs. Cfr. file:///C:/Users/MJ01836/Downloads/ O_DIREITO_INTERNACIONAL_DA_FAMILIA.pdf, e Anabela FIALHO, O Direito Internacional da Família – Algumas questões práticas, in O Direito Internacional da Família, mesmo local e acesso.
[5] Ac RL de 19.11.2020, nº 726/19.5T8MFR.L1-2; ver ainda no mesmo sentido Ac da RL de 19.12.2019, nº 2577/19.8T8CSC-A.L1-6 (ANTÓNIO SANTOS) e Ac. da RL de 27.3.2012, nº 703/11.4TBLNH.L1.1.
[6] Ac da RC de 5.11.2019 4564/17.1T8CBR-B.C1, este aresto acentua que: “O conceito de “residência habitual” deve ser definido a partir da legislação comunitária, da finalidade do próprio Regulamento Comunitário, aferindo-se casuisticamente, sendo que pressupõe uma certa duração e estabilidade, devendo corresponder ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar e que não se trate de uma presença num determinado Estado-Membro de carácter temporário ou ocasional. 3.- Residindo uma criança em Inglaterra, com ambos os progenitores, país de onde veio para Portugal, com a mãe, sem o conhecimento e/ou consentimento do pai, em 23 de Maio de 2107, tendo, na sequência do acordo de alteração das responsabilidades parentais, regressado, de novo, para Inglaterra, com o pai, em Setembro de 2018, onde se mantém a viver e a frequentar a escola, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para decidir da acção de alteração das responsabilidades parentais proposta pela mãe em Portugal.”
[7] RP de 6.3.2018, nº 30122/15.7T8PRT-D.P1 (Rui Moreira).
[8] Note-se que já em Setembro de 2018 a apelante, dias depois de ter sido homologado um regime de regulação do poder paternal, apresentou um requerimento que foi tramitado como de alteração do mesmo (cfr. certidão junta aos autos). Essa tramitação, após audição técnica, terminou com novo acordo homologado em Junho de 2020 e, depois, como novo pedido de alteração do mesmo passados algumas semanas que deu origem a este recurso.