Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
959/10.0PJPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: SEGREDO BANCÁRIO
Nº do Documento: RP20111026959/10.0PJPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: Com a entrada em vigor da Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro, no âmbito de um processo penal, o acesso das autoridades judiciárias aos elementos cobertos pelo dever de segredo bancário deixou de estar dependente da intervenção do Tribunal da Relação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Proc. 959/10.0pjprt-A.P1
Valongo.
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
I- Relatório
Nos autos de inquérito n.º 959/10.0pjprt dos Serviços do Ministério Público de Valongo, por despacho proferido em 05.04.2011, o Juiz de Instrução, face à recusa pela B… em prestar os elementos bancários que lhe foram solicitados pelo Ministério Público, recusa que considerou ilegítima, ordenou à B…, S.A. que informe se a conta referida a fls. 15 existe e, na afirmativa, identifique os seus titulares.
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Inconformada com a decisão, a B… interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões:
1º.O Tribunal a quo faz pedido de informação bancária que é protegida pelo dever de segredo (elementos de confirmação de existência de conta bancária e de identificação dos titulares dessa conta identificada), nos termos do disposto nos artigos 78º e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
2º.A B…, invocando o dever de segredo bancário, qual está por lei obrigada, recusou anteriormente a prestação dos elementos informativos.
3º.O tribunal a quo não faz uma consideração válida sobre a ilegitimidade da anterior recusa da B… perante o disposto no artigo 135°, nº 1, do Código de processo penal, e do artigo 195º do Código Penal.
4º. O tribunal a quo viola o disposto no nº3 do artigo 135º, no sentido em que é da competência do tribunal superior decidir da prestação de informação com quebra do dever de segredo profissional, ao simplesmente desaplicá-lo;
5º. A nova redacção da alínea d) do nº 2 do artigo 79) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras não veio alterar substancialmente o regime legal do segredo bancário, quando reza "As autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal"
6º. Face à legitimidade da anterior recusa da B…, em cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, deveria o Tribunal a quo ter suscitado junto do Tribunal da Relação de Lisboa o incidente de prestação de informação com quebra do dever de segredo.
7º.Na verdade, concordando com a interpretação daquela norma feita pejo Supremo Tribunal de Justiça já no seu Acórdão de 06.02.2003, relativo ao processo nº03P159, in. www.dgsi.pt, Sumário - ponto III, confirmado e reforçado no acórdão de fixação de jurisprudência de 13.02.2008, também a B… defende que, "A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal".
8º. O despacho ora recorrido está, nos termos do disposto na alínea e), do artigo 119º do Código de Processo Penal, ferido de nulidade por violação da regra de competência em razão da hierarquia, ínsita no nº 3, do artigo 135º do Código de Processo Penal, quer na parte em que decide o conflito dos interesses em Jogo, quer na parte em que declara lícita a quebra do segredo bancário, quer ainda na parte em que ordena a entrega da informação bancária já antes recusada ao abrigo do segredo bancário.
9º. Sendo nulo o despacho, e inexistindo decisão do Tribunal da Relação que determine no caso concreto a quebra do segredo bancário, não pode a B… considerar-se deste desobrigada, nem desresponsabilizada perante o seu cliente, nos termos do artigo 84° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei nº 292/98, de 31 de Dezembro.
10º.Ao abrigo da 2a parte alínea d), do nº 1, do artigo 401º Código de Processo Penal, a B… tem legitimidade para interpor o presente recurso, e fá-lo tempestivamente.
- Termos em que deve o despacho ora recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que, nos termos do nº 2 do artigo 135º do Código de Processo Penal, declare, com fundamento que seja válido e legal, ilegítima a invocação do segredo bancário por parte da B… em carta remetida aos Serviços do Ministério Público, legitimando assim a prestação de informação protegida pelo dever de segredo, e ordene a satisfação da ordem contida no despacho, ou que submeta à decisão do Tribunal da Relação a derrogação o sigilo legitimamente invocado, nos termos do artigo 135º, nº 3, do mesmo Código de Processo Penal, desresponsabilizando-se em qualquer dos casos a ora Recorrente perante o seu cliente, titular do direito ao segredo bancário, face ao disposto no artigo 84° do RGICSF e no artigo 19 do Código Penal.
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Admitido o recurso, subiram os autos a esta Relação.
Nesta instância, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em que se pronunciou pelo não provimento do recurso [fls. 33 e 34].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, a recorrente nada disse.
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre decidir.
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II- Fundamentação
1.Questões a resolver.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do C.P.Penal, e conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada.
No caso dos autos a questão suscitada no recurso é a seguinte:
-Saber se a recusa da B… em fornecer elementos bancários solicitados pelo Ministério Público é legítima face à nova redacção da al. d) do n.º2 do art.79.º do RGICSF, introduzida pela Lei n.º36/2010, de 2/9.
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2.Decisão recorrida
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Nos termos do artigo 78º/1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei nº 298 92 de 31 de Dezembro, com as redacções posteriormente introduzidas, sendo a última (21ª) do Decreto-Lei nº 36/2010, de 02 de Setembro: "Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços".
Acrescenta o nº 2 do mesmo normativo que se encontram, designadamente, sujeitos a segredo "os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".
Por outro lado, dispõe o artigo 79º, aprovado pelo Decreto - Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos - Leis nºs 246/95, de 14 de Setembro, 232/96, de 5 de Dezembro, 222/99, e 22 de Julho, 250/2000, de 13 de Outubro, 285/2001, de 3 de Novembro, 201/2002, de 26 de Setembro, 319/2002, de 28 de Dezembro, 252/2003, de 17 de Outubro, 145/2006, de 31 de Julho, 104/2007, de 3 de Abril, 357 -Al2007, de 31 de Outubro, 1/2008, de 3 de Janeiro, 126/ 008, de 21 de Julho, e 211 - Al2008, de 3 de Novembro, pela Lei n." 28/2009, de 19 de Ju o, pelo Decreto -Lei n." 162/2009, de 20 de Julho, pela Lei n." 94/2009, de 1 de Setembro, pelos Decretos - Leis rr's 317/2009 de 30 de Outubro, 52/2010, de 26 de Maio, 71/2010, de 18 de Junho e 36/2010, de 02 de Setembro que:
"1- Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser relevados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2- Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
(·· )
d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
(…)".
Ora, no caso em apreço, emana indiciário os autos que alguém contraiu um crédito mediante utilização de um cartão C… em nome do queixoso, indicando a conta …………… B1…, à revelia de sua vontade. A Digna Magistrada do Ministério Público solicitou à B…, S.A que informe se a conta referida a fls. 15 existe e, na afirmativa, a identificação dos seus titulares, sendo certo que a aludida instituição bancária recusou prestar tal informação.
Constitui nosso entendimento que com a entrada em vigor do Decreto Lei nº 36/2010, de 02 de Setembro, ficou consagrada a possibilidade de os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo poderem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal. Ora, as informações pedidas são importantes e decisivas para se apurar a verdade material.
Na realidade, na ponderação de valores e interesses impõe-se dar prevalência ao interesse na descoberta do autor dos crimes de burla e falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 217º e 256º, nºs 1, alínea) e 3 do Código Penal em detrimento da protecção do sigilo bancário.
A recusa da B…, S.A. é ilegítima.
Assim, ordena-se que se oficie à B…, S.A. que informe se a conta referida a fls. 15 existe e, na afirmativa, identificando os seus titulares.
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3.Apreciação do recurso
A questão a decidir é a questão de saber se a recusa da D… em fornecer elementos bancários ao Ministério Público, é legítima face à nova redacção da al.d) do art.79.º do RGICSF, introduzida pela Lei n.º36/2010, de 2/9.
Argumenta a B… no seu recurso, que o tribunal a quo não faz uma consideração válida sobre a ilegitimidade da anterior recusa da D… perante o disposto no artigo 135°, nº 1, do Código de Processo Penal, e do artigo 195º do Código Penal.
Destaca que o tribunal a quo viola o disposto no nº3 do artigo 135º, no sentido em que é da competência do tribunal superior decidir da prestação de informação com quebra do dever de segredo profissional, ao simplesmente desaplicá-lo.
Por outro lado, afirma que a nova redacção da alínea d) do nº 2 do artigo 79) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras não veio alterar substancialmente o regime legal do segredo bancário, quando reza "As autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal"
Vejamos.
A questão colocada contende directamente com a questão de saber se, face à entrada em vigor da Lei n.º36/2010, de 2/9, que alterou o disposto no art.79.º n.º2 al.d) do RGIC, a entidade bancária pode fornecer às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, os elementos abrangidos pelo segredo profissional das pessoas obrigadas pelo art.78.º do RGIC, sem ser suscitado o incidente da quebra do sigilo bancário.
Antes da alteração introduzida pelo mencionado diploma legal, era a seguinte a redacção do art. 78º e 79º, nº 2, al. d) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira (RGIC):
Artigo 78.º Dever de segredo 1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
Artigo 79° Excepções ao dever de segredo
1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
al. d) “Nos termos previstos na lei penal e de processo penal.”
Remetia, assim, o legislador, para o regime previsto no art.135º do Código de Processo Penal, como era pacificamente entendido e, consequentemente, para os trâmites estabelecidos nesse preceito legal para a quebra do segredo profissional.
Após, a introdução das alterações da Lei nº 36/2010, de 02 de Setembro, passou a ser a seguinte a redacção do nº2, da alínea d) do art. 79º
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
al. d) “Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”.
Autoridades judiciárias para este efeito, e fazendo apelo ao disposto no artigo 1.º n.º1 al. b) do C. P. Penal, são “o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência”.
A recorrente, como vimos, sustenta que a nova redacção da alínea d) do nº 2 do artigo 79) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras não veio alterar substancialmente o regime legal do segredo bancário, quando reza "As autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal".
A questão posta é sem dúvida uma questão de interpretação.
A actividade interpretativa busca sobretudo reconstruir o conteúdo da norma, explicitando o seu sentido em concreto em face de determinado caso.
Pode-se afirmar, ainda, que a interpretação é uma actividade destinada a expor o significado de uma expressão, mas pode ser também o resultado de tal actividade.
Não disciplinando o Código de Processo Penal como levar a cabo a interpretação processual penal, esta terá de ser realizada lançando mão dos critérios gerais de interpretação previstos no artigo 9º do Código Civil, devendo se atender ao elemento gramatical, que procura o sentido vocabular da lei, ao elemento lógico, que visa o seu sentido proposicional, à sistemática, que busca o sentido global ou estrutural, e elemento histórico, que tentava atingir o sentido genético.
“… pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando porém assim não suceda, o código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º3.” vide Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pág. 58 e 59.
Nos termos de tal disposição legal, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos, o pensamento do legislador, tendo em conta sobretudo a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Assim, interpretar a alteração introduzida pelo Legislador ao RGIC através da Lei nº 36/2010, de 02 de Setembro, conforme pretende a B…, implicaria considerar de nenhuma utilidade a alteração e, por conseguinte, continuar a sujeitar a quebra do sigilo bancário, aos requisitos e procedimentos previstos no art. 135º do CPP.
Não é estultícia realçar que a Lei nº 36/2010, de 02 de Setembro, deu nova redacção à alínea d) do nº2 do artigo 72º o que tem como consequência a revogação do conteúdo da anterior alínea d), deixando de existir qualquer referência actual, no sentido de que fora dos casos previstos no nº1 do artigo 79º, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados, nos termos previstos na lei penal e de processo penal.
Passando, agora, a existir a norma no sentido de que fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: al. d) “Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”.
Assim, como escreve o Sr. Desembargador João Latas, no estudo “Sigilo bancário – sentido e alcance da alteração introduzida pela Lei 36/10 de 2 de Setembro à al.d) do n.º2 do art.79.º do Regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Dec-lei 298/92 de 31 de Dezembro com as alterações posteriores”, apresentado na Jornada Jurídica organizada pela Direcção de Assuntos Jurídicos da B… em 4/3/2010,disponível no site da Relação de Évora, sob a rubrica “Estudos”, “Os termos do novo texto legal sugerem de imediato o propósito legislativo de pôr fim à aplicação ao sigilo bancário do incidente de quebra de segredo profissional regulado no código de processo penal.
Na verdade, a atribuição de poderes para receber e provocar a revelação do segredo às autoridades judiciárias, sem outras especificações ou condicionalismos, é incompatível com o regime geral do CPP que, no plano subjectivo, assenta na diferenciação de poderes de iniciativa e decisão, quer entre o MP e as autoridades judiciárias de natureza judicial, quer no seio destas, pela via da intervenção dos tribunais superiores para decidir em concreto, como instância única, o conflito entre os interesses subjacentes ao segredo bancário e os interesses prosseguidos pelo processo penal, tendo em conta, nomeadamente, a imprescindibilidade da informação para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos.”
Portanto, em conclusão, a letra da lei vai indubitavelmente no sentido de a lei arredar doravante o regime geral do CPP, nomeadamente o incidente de quebra de segredo profissional do artigo 135º do CPP, para a revelação de factos sujeitos a sigilo bancário, às autoridades judiciárias e no âmbito de um processo penal.
Também no mesmo sentido vai o elemento sistemático e a unidade do sistema, uma vez que a as alterações da lei 36/2010 não se cingiram à nova redacção da alínea d) do n.º2 do artigo 79º, mas vieram aditar-lhe o número 3 do art. 79º, onde se prevê a criação de uma base de dados de contas bancárias existentes no sistema bancário na qual constam os titulares de todas as contas, seguindo-se para o efeito o seguinte procedimento:
(…)
Alínea c) O Banco de Portugal adopta as medidas necessárias para assegurar o acesso reservado a esta base, sendo a informação nela referida apenas respeitante à identificação do número da conta, da respectiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respectivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu encerramento, e apenas podendo ser transmitida às entidades referidas na alínea d) do nº 2 do presente artigo, no âmbito de um processo penal".
Deste número do artigo 79º do RGIC decorre a importante conclusão, de que caso fosse propósito do legislador continuar a sujeitar a quebra de sigilo bancário ao incidente previsto no artigo 135º do CPP, para a quebra de segredo profissional, o aditamento de uma disposição como a do número 3 ao RGIC com o conteúdo assinalado de onde decorre um procedimento mais célere que o anterior, não faria qualquer sentido.
E decorre também, da redacção do novo e aditado n.º3 do artigo 79º do RGIC, que o legislador teve cuidados na redacção do mesmo, e que esses cuidados advieram do conhecimento da problemática subjacente ao sigilo bancário, e os termos em que o Tribunal Constitucional entendeu em tempos que a violação do segredo bancário podia violar uma esfera exterior da reserva da vida privada, pois não se deve perder de vista que os movimentos das contas bancárias não estão contemplados na base de dados em causa. E são esses que segundo o Acórdão 278/95, fazem parte do âmbito de protecção da reserva da vida privada. Com efeito o Tribunal Constitucional, nesse Acórdão, afirmou que “A situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, n.º1 da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito”. E na mesma linha de raciocino seguiu o Acórdão 442/2007, do TC.
Decorre do exposto, que foi entendimento do legislador na alteração da al. d) do n.º2 do artigo 79º, fazer a ponderação de interesses, que antes era feita pelo Tribunal Superior (interesses subjacentes ao segredo bancário e interesses prosseguidos pelo processo penal) – tudo sem prejuízo do dever de fundamentação dos despachos das autoridades judiciárias, para o efeito proferidos -, por via legislativa e para a criminalidade comum, como já antes havia feito para outros tipos de criminalidade, vejam-se os regimes especiais de restrições ao dever de sigilo bancário, previstos, no art. 60ºdo DL 15/93, de 22.01 (diploma de Combate à droga), no artigo 63º-B, nº3 do DL 398/98 de 17.12 na redacção dada pela lei n.º 55-B/2004 de 30.12 (Lei Geral Tributária), no artigo 385º, n.º1 al. a) do DL 486/99 de 13.11 (código dos valores mobiliários), no artigo 2º da Lei 5/2002 de 11.01 (Lei de combate à criminalidade organizada) e finalmente no artigo 18º da Lei 25/2008, de 5.06 (Combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo) e artigo 13º A) do Regime Jurídico-Penal dos Cheques sem provisão.
E, a esta ponderação apriorística não é alheia a argumentação efectuada pelo TC. no seu AC. n.º 42/2007 onde decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 2º, n.º2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério Público, na fase de inquérito, determinar o levantamento do sigilo bancário”, com dois argumento essenciais:
Por um lado, entendendo que o segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional da reservada intimidade da vida privada de forma tão intensa como outras áreas da vida pessoal. Por outro, por considerar que o levantamento do sigilo bancário é instrumento especialmente relevante em matéria de criminalidade, no caso, organizada.
Portanto, também as circunstâncias em que a lei foi elaborada, vão no sentido de a alteração ao RGIC arredar o incidente do artigo 135º do CPP, para obtenção dos elementos sujeitos a sigilo bancário, pelo menos aqueles que estão contemplados no artigo 3º ora aditado.
Finalmente, o entendimento de que a quebra de sigilo bancário pode ser determinada pelo Ministério Público ou pelo Juiz, em Tribunal de primeira instância, sem necessidade de intervenção de um tribunal superior decorre ainda da exposição de motivos do projecto de lei n.º 218/XI que esteve na génese da lei 36/2010 de 2 de Setembro, onde a dado passo se escreve: “Importa, pois, colocar um ponto final sobre quaisquer dúvidas que se possam suscitar, clarificando que os juízes de direito, no âmbito das suas atribuições, não devem experimentar mais restrições do que a administração tributária, em matéria de derrogação do segredo profissional sobre os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos ou outra pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional.”(sublinhado nosso)
E através de decreto se substituição veio a ser proposta a actual redacção da al.d) do n.º2, do artigo 79º do regime geral ora alterado, alargando claramente o âmbito da excepção no domínio da criminalidade comum – diferente dos regimes especiais -, ao fazer-se substituir a referência a juízes por autoridades judiciárias, permitindo-se, assim, o acesso directo do MP aos elementos em segredo na fase de inquérito de qualquer processo penal, sem a intervenção do juiz de instrução criminal, o que manifesta um claro propósito do legislador de simplificação no acesso aos elementos cobertos pelo sigilo bancário.
Portanto também os trabalhos preparatórios vão no já apontado sentido.
Concluindo, por força da entrada em vigor, no passado dia 1 de Março, da Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro, a obtenção dos elementos solicitados não está dependente da intervenção do Tribunal da Relação, não se aplicando ao caso o disposto no nº 3 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, sendo ilegítima a recusa invocada.
Pelo exposto improcede a questão posta, entendendo-se que a recusa da B… a fornecer os elementos solicitados é ilegítima.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes nesta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, entendendo-se que a recusa da B… em fornecer os elementos solicitados é ilegítima, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6UC.
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Acórdão elaborado e revisto pelo Relator – art. 94º, n.º2 do C.P. Penal.
Porto, 26 de Outubro de 2011.
Relatora – Maria Dolores da Silva e Sousa
Adjunto – José João Coelho Vieira.