Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
426/13.0EAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO
CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
AUDIÇÃO PRESENCIAL DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP20170927426/13.0EAPRT.P1
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 728, FLS.44-50)
Área Temática: .
Sumário: Não existe imposição legal de audição presencial do arguido sobre o incumprimento da multa de substituição, ou seja sobre os motivos do não pagamento da multa, previamente ao despacho que determina o cumprimento integral e efectivo da pena de prisão aplicada a título principal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 426/13.0EAPRT.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo sumaríssimo foi proferida decisão que, além do mais, condenou o arguido B…, pela prática de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 110.º, do DL 422/89 de 2-12, na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros) e 30 (trinta) dias de multa, à mesma taxa diária.
Entretanto, após várias vicissitudes processuais, tendo sido determinado o cumprimento efetivo da pena de 3 meses de prisão e arguida a nulidade do despacho que o ordenou, foi proferida decisão que julgou improcedente a nulidade invocada.
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Inconformado com esta última decisão, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando a motivação que remata com as seguintes
CONCLUSÕES:
I) Vem o presente recurso interposto do douto despacho ad quo que declarou não se verificar a nulidade pela não audição do arguido quanto à revogação da suspensão da pena;
II) O arguido não se conforma com o douto despacho e dele recorre pois entende que se verifica a nulidade arguida;
III) O tribunal ad quo incorreu em nulidade pela não audição do arguido quanto à substituição da suspensão da pena de prisão por pena de prisão efectiva;

O artigo 61º, do código de processo penal, que estatui os direitos e deveres do arguido, distingue nas suas als. a) e b), respectivamente,
- O direito de presença - “estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito”, e
- O direito de audiência - ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete.
IV) A obrigatoriedade de audição, manifestação do princípio do contraditório, visa fazer preceder a decisão judicial sobre a alteração de pena de substituição (maxime, a sua revogação) da audição presencial do sujeito processual nela mais directa e pessoalmente interessado - o arguido.
V) A possibilidade de pena pressupõe uma audiência de discussão e julgamento; não há processo determinativo e aplicativo de pena fora do julgamento e a decisão de alteração/revogação da pena de substituição é ainda decisão sobre a pena, pois no limite, está em causa a conversão de pena de substituição em prisão.
VI) A decisão em causa - de substituição da suspensão da execução da pena de prisão, por prisão efectiva - pressupõe a prévia audição presencial do arguido e a ausência do arguido constitui nulidade insanável, pois a lei exige que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial.
VII) Verificou-se a omissão procedimental prévia à decisão de revogação de pena de substituição o que constitui vício, insanável, e determina a anulação do processado posterior à promoção do ministério público (suspensão da execução da prisão fosse convertida em pena de prisão efectiva), devendo o despacho que ordenou o cumprimento da pena de prisão, ser substituído por outro que designe data para audição do arguido.
IX) Outra fosse a interpretação do disposto nos artigos 61.º do c. p. penal e estar-se–iam a violar as garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32.º, nºs 1 e 5, da constituição da república
XIX) O douto despacho recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 40.º, 55.º, 56.º, 57.º C. Penal, 61.º, 97.º, 119.º do c. p. penal e artigos 1.º, 32.º 61.º e 205,º da constituição da república portuguesa

Espera-se assim, no provimento do recurso, a declaração de nulidade e modificação do douto despacho e consequentemente ordenar-se a audição do arguido como é da mais inteira e elementar
JUSTIÇA!
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O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da improcedência.
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Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:
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A. Despacho recorrido:
Req. Ref.ª 3402621 (fls. 395-398):
Vem o arguido invocar que o despacho proferido a 03-06-2016, com a ref.ª 70559962 (cfr. fls. 333-334) que converteu a pena de multa em prisão subsidiária e ordenou o cumprimento da pena de 3 meses de prisão enferma de nulidade por falta do contraditório e audição presencial do arguido nos termos do disposto no art.º 119º, al. c) do CPP, requerendo a substituição daquele por outro que designe data para audição do arguido.
O Digno Magistrado do MP, com vista nos autos, promoveu o indeferimento de tal pretensão.
Cumpre apreciar e decidir
Por não ter sido ainda suficientemente assimilado pelo condenado, far-se-á infra nova resenha sobre a tramitação do processado.
No âmbito dos presentes autos foi o arguido B… condenado por sentença transitada em julgado em 25-03-2015, pela prática de um crime de prática ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 110º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 3 meses de prisão e de 30 dias de multa, sendo a pena de prisão substituída por igual período de multa (90 dias), à taxa diária de 6€ (seis euros).
O condenado requereu em 05-03-2015 o pagamento em prestações, o que foi deferido (em mensalidades de 72,00€), não tendo contudo efectuado qualquer pagamento, isto não obstante ter sido pessoalmente notificado do deferimento e das guias para pagamento através da autoridade policial – cfr. fls. 232, 243 e 265-273, fls. 283-284.
Foi então notificado, uma vez mais pessoalmente através do OPC, para proceder ao pagamento das multas (principal e de substituição), com a expressa cominação que a falta de pagamento da multa de substituição implicaria automaticamente o cumprimento da pena de 3 meses de prisão, além da conversão da pena de multa em prisão subsidiária – cfr. notificação efectuada a 10-03-2016- fls. 325.
Apesar disso, o condenado nada disse, nem pagou.
Nessa sequência, o MP promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e o cumprimento da pena de 3 meses de prisão fixada na sentença.
Conferido o contraditório para tal promoção através do despacho proferido a 21- 04-2016 (fls. 327), que foi devidamente notificado quer na pessoa do arguido, uma vez mais através do OPC (cfr. notificação de fls. 332), quer na da sua Il. defensora (fls. 328), mais uma vez aquele nada disse ou pagou.
Com efeito, o arguido desinteressou-se por completo da sorte dos autos, nada disse, não se pronunciou, não se manifestou, nada requereu, o que significa que o Tribunal não tinha de o ouvir presencialmente porque simplesmente o arguido não pretendia ser ouvido.
Por despacho proferido a 03-06-2016 (cfr. fls. 333-334) foi convertida a pena de multa em prisão subsidiária e ordenado o cumprimento da pena de 3 meses de prisão, tendo tal despacho pacificamente transitado em julgado em 19-09-2016, conforme resulta da notificação à Il. Defensora de fls. 336 e a notificação pessoal ao arguido efectuada, novamente através do OPC, a 04-07-2016 (fls. 340).
Também desse despacho o arguido não recorreu, nem reclamou, nem nada requereu ou suscitou qualquer nulidade….
Do exposto, decorre que o tribunal concedeu amplas oportunidades ao condenado para que procedesse ao pagamento das multas (principal e de substituição) ou, em alternativa, para que se pronunciasse quanto ao seu incumprimento, oportunidades essas que o arguido reiteradamente não quis aproveitar. Por isso, vir agora invocar a nulidade por falta de notificação para o contraditório e/ou audição presencial, salvo o devido respeito, evidencia total desconhecimento pela tramitação do processado e até má-fé processual.
Por conseguinte, nenhuma nulidade ocorre; o Tribunal notificou em tempo e sucessivamente o arguido (na sua pessoa e na da Il. Defensora) para proceder ao pagamento ou dizer o que entendesse sobre o não pagamento das multas e sua eventual conversão em prisão e este ainda assim votou-se ao silêncio… se nada disse, nada tinha o Tribunal para ouvir presencialmente.
Assim sendo e por total ausência de fundamento indefere-se o requerido.
Notifique.
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B. Elementos processuais relevantes para a decisão:
1. A decisão condenatória foi proferida em 19-02-2015 e notificada ao arguido por via postal simples, com prova de depósito, constando nesta a data de depósito efetuado em 25-02-2015.
2. Em 05-03-2015, o arguido apresentou requerimento no qual solicita o pagamento da multa em 15 prestações mensais, no valor individual de 48,00€.
3. Por despacho de 29-10-2015, notificado ao arguido, através da respetiva defensora e por contacto pessoal em 29-11-2015, foi permitido o pagamento fracionado em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas.
4. Face à ausência de pagamento de qualquer prestação, em cumprimento do despacho de 03-03-2016, proferido na sequência de promoção do Ministério Público, para além da notificação através da defensora, foi o arguido notificado por contacto pessoal, em 10-03-2016, para proceder ao pagamento da totalidade do valor das penas de multa, com a advertência das consequências do não pagamento da multa principal e da multa de substituição.
5. Face ao não pagamento de qualquer quantia o Ministério Público promoveu o cumprimento pelo arguido da pena de 3 meses de prisão e ainda de 10 dias de prisão subsidiária.
6. Por despacho de 21-04-2016, notificado à defensora e ainda notificado por contacto pessoal ao arguido em 03-05-2016, foi concedido o prazo de 10 dias para o exercício do contraditório.
7. Na ausência de qualquer reação do arguido, foi proferido em 03-06-2016, o despacho, notificado ao arguido, através da respetiva defensora e por contacto pessoal em 04-07-2016, do teor seguinte:
Por sentença proferida nestes autos e transitada em julgado em 25-03-2015, foi o arguido B…, condenado pela prática de um crime de jogo ilícito, previsto e punido pelo artigo 110º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, a pena de 3 meses de prisão e de 30 dias de multa, sendo a pena de prisão substituída por igual período de multa (90 dias), ambas à taxa diária de 6€ (seis euros).
O arguido não procedeu ao pagamento da referida multa principal e de substituição no prazo legal.
O Ministério Público promoveu o cumprimento de pena de prisão (subsidiária e a título principal) – cfr. Fls. 305.
Devidamente notificados, nem o condenado, nem a sua Il. Defensora se pronunciaram.
Não se mostra possível cobrar coercivamente as referidas quantia e o condenado apesar de ter requerido o seu pagamento em prestações não pagou nenhuma prestação, sendo que também não requereu a substituição de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade o que, em conformidade com o preceituado no art.º 49º, n.º 1 do Código Penal, implica o cumprimento de pena de prisão subsidiária, pelo tempo correspondente reduzido a 2/3 – ou seja, 20 (vinte) dias de prisão.
Pelo exposto, determino o cumprimento, pelo arguido, de 20 (vinte) dias de prisão subsidiária. Notifique, sendo o arguido pessoalmente, com a menção expressa de que pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa principal a que foi condenado, no montante de €180,00.
Foi ainda o arguido condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00.
Notificado da liquidação e para proceder ao pagamento da pena de multa (de substituição) em que foi condenado, o arguido não procedeu ao pagamento voluntário da mesma, nem tão pouco apresentou qualquer razão, económica ou outra, para justificar o incumprimento, desinteressando-se por completo da sorte dos autos.
Ora, dispõe o art. 43º, nºs 1 e 2, do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (…).
Estatuindo o nº 2 do citado preceito legal que se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença, sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do art. 49º do Código Penal.
Assim sendo, ao abrigo do disposto no citado preceito legal, e em face do não pagamento da pena de multa, sem qualquer justificação de tal omissão, determina-se o cumprimento por parte do arguido da pena de 3 (três) meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos. Notifique, sendo o arguido pessoalmente.
Após trânsito, passe os competentes mandados.
8. Em 26-09-2016 foram emitidos mandados de detenção do arguido, um deles para cumprimento da pena principal de 3 meses de prisão e o outro para cumprimento de 10 dias de prisão subsidiária.
9. Em 27-12-2016 o arguido foi detido, efetuou o pagamento da quantia de 720€, correspondente à totalidade da pena de multa, e de imediato foi libertado[1].
10. Face ao processado, na sequência de promoção do Ministério Público, foi proferido o despacho de 24-01-2017, notificado à defensora do arguido e por contacto pessoal ao mesmo em 07-03-2017, do teor seguinte:
No âmbito dos presentes autos foi o arguido B… condenado por sentença transitada em julgado pela prática de um crime de prática ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 110º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 3 meses de prisão e de 30 dias de multa, sendo a pena de prisão substituída por igual período de multa (90 dias), à taxa diária de 6€ (seis euros).
O condenado requereu o pagamento em prestações, o que foi deferido, não tendo contudo efectuado qualquer pagamento.
Foi então notificado para proceder ao pagamento das multas (principal e de substituição), com a expressa cominação que a falta de pagamento da multa de substituição implicaria automaticamente o cumprimento da pena de 3 meses de prisão, além da conversão da pena de multa em prisão subsidiária – cfr. notificação efectuada a 10-03-2016- fls. 325.
O condenado nada disse, nem pagou.
O MP promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e o cumprimento da pena de 3 meses de prisão fixada na sentença.
Conferido o contraditório, na pessoa do arguido (fls. 333) e sua defensora (fls. 328), mais uma vez aquele nada disse ou pagou.
Por despacho proferido a 03-06-2016 (cfr. fls. 333-334) foi convertida a pena de multa em prisão subsidiária e ordenado o cumprimento da pena de 3 meses de prisão, tendo tal despacho transitado em julgado em 19-09-2016 conforme resulta da notificação à Il. Defensora de fls. 336 e a notificação pessoal ao arguido efectuada a 04-07-2016 (fls. 340).
Em execução dos mandados detenção, o arguido procedeu aos 27-12-2016 ao pagamento das penas de multa (principal e de substituição) no valor, respectivamente, de 180€ (fls. 366) e 540€ (fls. 359).
No que respeita à pena de prisão de 3 meses, substituída por multa, importa ponderar no decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 12/2013 (publicado no DR 200 SÉRIE I de 2013-10-16), no sentido de “transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal".
Tendo isto em consideração e que no caso o despacho que ordenou o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, proferido a fls. 333-334 se mostra pacificamente transitado em julgado em 19-09-2016 (conforme resulta da notificação à Il. Defensora de fls. 336 e a notificação pessoal ao arguido efectuada a 04-07-2016- fls. 340), deverá o arguido cumprir a pena de prisão determinada, sendo irrelevante o pagamento posterior da multa de substituição, o que se determina.
Notifique.
Cumpra a última parte do despacho com a ref.ª 70559962 (fls. 333-334).
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No mais e atento o pagamento da pena de multa no valor de 180€ vão os autos ao MP a fim de promover o que tiver por conveniente quanto à sua extinção.
11. Em 09-03-2017 o arguido apresentou requerimento do teor seguinte:
Por Douto Despacho foi ordenada a conversão da suspensão da pena de prisão, em prisão subsidiária nos termos das als. a) e b) do n.º 1, do artigo 56.º, do C. Penal.
Acontece que esse despacho foi proferido sem que o arguido fosse ouvido sobre a promoção do Ministério Público para que a suspensão da execução da prisão fosse convertida em pena de prisão efectiva.
Pois não foi notificado, nem foi ouvido presencialmente.
O princípio do contraditório tem tutela constitucional expressa no artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
O artigo 61º, do Código de Processo Penal, que estatui os direitos e deveres do arguido, distingue nas suas als, a) e b), respectivamente,
- o direito de presença - “estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito”, e
- o direito de audiência - ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete.
O art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal comina com uma nulidade insanável “a ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência”.
A obrigatoriedade de audição, manifestação do princípio do contraditório, visa fazer preceder a decisão judicial sobre a alteração de pena de substituição (maxime, a sua revogação) da audição presencial do sujeito processual nela mais directa e pessoalmente interessado - o arguido.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Jurisprudência de Fixação Jurisprudência nº 6/2010, desenvolveu ideias que aqui tem perfeita aplicação.
- que o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, pois tem como efeito direto a privação de liberdade do condenado;
- as consequências dum tal despacho aproximam-se das da sentença que condena em pena de prisão;
E, embora ali se trate de notificação de decisão de revogação de pena suspensa e, aqui, de omissão procedimental prévia à decisão de revogação de (outra) pena de substituição, consideramos que as razões que acabámos de eleger se transmutam para o caso sub judice, tratando-se sempre e só de decisão que ordena a privacão de liberdade, o cumprimento de prisão.
Está em causa a alteração/revogação da pena de substituição, com a probabilidade séria de ser ordenado o cumprimento da pena de prisão.
Trata-se, no fundo, de procurar manter o mesmo patamar de contraditório exigido para o julgamento ou, se quisermos, prolongar a garantia de julgamento para lá do próprio julgamento.
A possibilidade de pena (de determinação da pena) pressupõe uma audiência de discussão e julgamento; não há processo determinativo e aplicativo de pena fora do julgamento e a decisão de alteração/revogação da pena de substituição é ainda decisão sobre a pena, pois no limite, está em causa a conversão de pena de substituição em prisão.
A decisão em causa - de substituição da suspensão da execução da pena de prisão, por prisão efectiva - pressupõe a prévia audição presencial do arguido e a ausência do arguido constitui nulidade insanável.
Exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, será sempre ilegal a decisão de substituição da multa por prisão não precedida de contraditório.
E essa ilegalidade traduzir-se-á numa nulidade insanável.
A decisão sobre a pena que nos casos de pena de substituição se alonga para lá da sentença, exige a extensão da garantia de julgamento, no sentido de obrigar o tribunal ouvir sempre o arguido antes de a proferir.
Pois é a decisão que, pressupondo a possibilidade de ordenar o cumprimento da prisão, mais contende com a liberdade e mais interessa ao arguido em todo o processo.
Desde logo, o despacho que procede à substituição da suspensão da execução da pena de prisão, por prisão efectiva para isso deve ouvir (previamente) o arguido.
A violação da audição presencial integra a nulidade do artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.
Tal vício, insanável, determina a anulação do processado posterior à promoção do Ministério Público (suspensão da execução da prisão fosse convertida em pena de prisão efectiva), devendo o despacho que ordenou o cumprimento da pena de prisão, ser substituído por outro que designe data para audição do arguido. Por todos veja-se Ac. Tribunal Relação Évora de 12.07.2012 e Ac. Tribunal Relação de Lisboa de 16.01.2008, ambos em www.dgsi.pt.
12. O despacho recorrido incidiu sobre este requerimento.
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C. Apreciação do recurso:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No caso concreto, o recurso suscita a questão de saber se foi cometida a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 119.º, do Código Processo Penal, por falta de audição presencial do arguido previamente à decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão principal, face ao não cumprimento da pena de multa de substituição.
Na tese do recorrente foi cometida a arguida nulidade, nos presentes autos, por não ter sido ouvido presencialmente o arguido, em ato prévio à prolação do despacho de 03-06-2016, que ordenou o cumprimento da pena de prisão imposta a título principal, na sentença, na sequência da promoção do Ministério Público, em relação à qual não lhe foi conferido o exercício do contraditório. Em abono de tal posição o recorrente invoca a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010[2].
Todavia, a pretensão recursiva não tem suporte legal e também não encontra apoio na jurisprudência convocada, além disso as circunstâncias de facto alegadas não tem correspondência com a realidade.
Vejamos.
Antes de mais, importa realçar que ao arguido foi sempre concedido o exercício do contraditório mediante notificação pessoal, para além da notificação através da defensora, relativamente ao pagamento da multa de substituição e às consequências legais da omissão desse pagamento.
Na verdade, o arguido foi notificado sempre por contacto pessoal e através de defensora, das condições em que lhe foi concedido o pagamento fracionado da multa de substituição; para proceder ao pagamento da totalidade do valor da multa, sob pena de cumprimento da prisão imposta na sentença; para se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público no sentido da imposição do cumprimento da prisão principal, face ao não pagamento de qualquer prestação da multa de substituição. Outrossim, o despacho de 03-06-2016 foi proferido após o decurso do prazo concedido para contraditório e sem que o arguido tivesse reagido.
Portanto, a invocada falta de notificação ao arguido do teor da promoção do Ministério Público no sentido de ser ordenado o cumprimento da pena de prisão[3], não tem correspondência com a efetiva tramitação observada nos autos.
Depois, não existe imposição legal de audição presencial do arguido sobre o incumprimento da multa de substituição, ou seja, sobre os motivos do não pagamento da multa, previamente ao despacho que determina o cumprimento integral e efetivo da pena de prisão aplicada a título principal, face ao não pagamento da multa de substituição[4]. Nesse sentido, veja-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2013[5], nenhuma menção produz relativamente à exigência de contraditório presencial do arguido nesta matéria, tendo declarado: «A partir do exacto momento em que o arguido não paga no prazo, não justifica o incumprimento, apesar de notificado para o efeito, desaparece uma das penas, a de multa, para renascer a de prisão, a cujo cumprimento está obrigado. (…)
Condenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do art.º 43.º, do CP, a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do art.º 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de um ano, nos termos do art.º 47.º n.º 3, do CP, a substituição por dias de trabalho (art.º 490.º, do CPP), porém findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se, nos termos do art.º 491.º n.º 1, do CPP, à execução patrimonial.
Exaurida esta plúrima regra procedimental, não assiste outra alternativa ao tribunal, desde que ante este se não haja comprovado previamente a impossibilidade não culposa de satisfazer a multa, que não seja a de fazer cumprir a pena de prisão substituída.»
Também a imposição do contraditório presencial do condenado aplicável em caso de incumprimento da suspensão da pena, nomeadamente das regras e deveres que a condicionam, que decorre do artigo 495.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não tem paralelo no regime legal previsto para a situação de incumprimento da multa de substituição, não se verificando os pressupostos para aplicação analógica daquela norma, donde se evidencia a incoerência da argumentação expendida na motivação do recurso ao reportar-se à revogação da pena suspensa.
Ademais, também a jurisprudência fixada no citado Acórdão n.º 6/2010, de que se socorre o recorrente, respeita à notificação da decisão que determina a revogação da pena suspensa e o cumprimento efetivo da pena de prisão, não tratando a concreta questão da necessidade de contraditório presencial prévio do arguido em caso de determinação do cumprimento da pena de prisão principal[6].
Neste seguimento, não merece censura o entendimento expresso pelo tribunal a quo no despacho impugnado, tanto mais que o arguido esteve sempre pessoalmente informado sobre todas as vicissitudes da tramitação processual, teve amplas possibilidades de justificar os motivos do incumprimento da pena de multa de substituição e foi pessoalmente notificado para o exercício do contraditório quanto à promoção do Ministério Público no sentido da execução da pena principal, sem que, em momento algum, tivesse manifestado interesse em prestar presencialmente esclarecimentos sobre o incumprimento ou tivesse indicado, por escrito, os motivos da sua atitude omissiva.
Por conseguinte, não merece reparo o decidido na 1.ª instância, porquanto não foi cometida a arguida nulidade processual.
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III – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Porto, 27 de setembro de 2017
Maria dos Prazeres Silva
Borges Martins
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[1] Pese embora a informação prestada pela secção de processos à entidade policial, conforme cota de 27-12-2016 a fls. 357 dos autos, no sentido de que somente o pagamento da multa principal evitaria o cumprimento da prisão, posto que, em qualquer caso, o arguido teria de cumprir a pena de 3 meses de prisão.
[2] Publicado no Diário da República, n.º 99, 1.ª Série, de 21-05-2010.
[3] Vd. O requerimento apresentado pelo arguido em 09-03-2017, onde refere: «Acontece que esse despacho foi proferido sem que o arguido fosse ouvido sobre a promoção do Ministério Público para que a suspensão da execução da prisão fosse convertida em pena de prisão efectiva. Pois não foi notificado, nem foi ouvido presencialmente.»
[4] Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 2, do Código Penal (a que corresponde o artigo 45.º, n.º 1 e 2, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23-08, que entra em vigor 90 dias após a publicação).
[5] Publicado no Diário da República, n.º 200, 1.ª Série, de 16-10-2013.
[6] Veja-se que a única menção feita ao contraditório presencial do arguido, quanto à revogação da suspensão, apoia-se na norma do artigo 495.º, n.º 2, do Código Processo Penal: «(…) a exigência de audição presencial do condenado antes da decisão em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão, por falta de cumprimento das obrigações impostas, prevista no artigo 495.º, n.º 2. Na verdade, essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, relevando do interesse em jogo - a liberdade -, tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa.»