Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
443/15.5PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: PRESTAÇÃO DE DIAS DE TRABALHO
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
FORMA
EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA
PENA SUBSTITUTIVA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP20190626443/15.5PTPRT.P1
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 804, FLS 272-275)
Área Temática: .
Sumário: I - A prestação de dias de trabalho como forma de execução da pena de multa (artigo 48° do Código Penal) distingue-se da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58° do Código Penal);
II – O incumprimento da prestação de dias de trabalho como forma de execução da pena de multa determina a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e deve tal conversão ser precedida de audição do condenado relativamente à promoção do M P nesse sentido (artigo 61º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal);
III – O incumprimento da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade determina, entre outros efeitos possíveis, a sua revogação, e deve ser precedida de audição presencial do condenado relativamente à promoção do M P nesse sentido (artigos 498º, nº 3, e 494º, nº 2, do Código de Processo Penal).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº443/15.5PTPRT.P1

Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. B… veio interpor recurso da decisão proferida no processo especial abreviado nº443/15.5PTPRT do juízo local de pequena criminalidade do Porto – Juiz 1, Marco de Canavezes, Tribunal da Comarca do Porto, que revogou a prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe havia autorizada para cumprimento da pena de multa aplicada e ordenou o cumprimento da pena de 38 dias de prisão subsidiária.
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I.1. Decisão recorrida (transcrita na parte relevante).
Revogo a prestação de trabalho a favor da comunidade, face ao incumprimento culposo do trabalho por parte da arguida (cfr. relatório de fls. 194 e despacho de fls. 197, sendo certo que a arguida, expressamente notificada para se pronunciar sobre tal incumprimento ou, em alternativa, para proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa, nada disse no prazo fixado) (…)
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Por sentença proferida nestes autos e já transitada em julgado, foi a arguida B… condenada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz o montante global de 360,00 €.
Tendo sido deferida a substituição desta pena por 60 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, a arguida apenas cumpriu 3 horas de trabalho, tendo o mesmo sido revogado.
Atentos os elementos já constantes dos autos não se mostra possível obter o pagamento coercivo do remanescente da pena de multa (cfr. informação de bens de fls. 159).
Nos termos do disposto no art. 49º, nº 1 do Código Penal, “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzido a 2/3, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1 do art. 41º”.
Descontando as 3 horas de trabalho prestadas pela arguida até ao momento, esta tem ainda a cumprir 57 dias de multa, no montante global de 342,00 €, a que correspondem 38 dias de prisão subsidiária.
A arguida cumprirá, por isso, 38 (trinta e oito) dias de prisão subsidiária.
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I.2. Recurso da condenada
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I.3. Resposta do
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I.4. Parecer do Mº Pº nesta Relação
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II. Objecto do recurso.
A recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida por omissão da sua audição presencial prévia à mesma.
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II.1. Da obrigação de audição presencial do arguido.
O legislador processual penal (com exclusão das normas próprias relativas à aplicação ou substituição de medidas de coacção ou normas relativas à execução das penas de prisão e extradição) estabeleceu, de forma categoricamente objectiva, os casos em que se exige a comparência do arguido, a saber:
na audiência de julgamento na primeira instância (artigo 332º, nº1, do Código de Processo Penal, aplicável às formas especiais de processo);
2º no debate instrutório (artigo 297º, nº3, do Código de Processo Penal);
3º na diligência prévia relativa à apreciação da falta de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão (artigo 495º, nº2, do Código de Processo Penal);
4º na diligência prévia relativa à apreciação do incumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 498º, nº3, do Código de Processo Penal):
Por outro lado, o artigo 119º, alínea c), do mesmo diploma comina com nulidade insanável, absoluta, a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
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II.2. Da singular substituição da multa por trabalho.
À recorrente/condenada em pena de 60 dias de multa e, nos termos do artigo 48º, nº1, do Código Penal, foi permitido, porque o pediu, o seu cumprimento através da prestação de dias de trabalho.
Aderimos ao entendimento da jurisprudência superior e da melhor doutrina quanto à natureza jurídica da referida prestação de trabalho como forma de execução da pena de multa, figura distinta da pena substitutiva prevista no artigo 58º do Código Penal.
“(…) A prestação de trabalho não constitui, porém, no nosso sistema penal, uma pena principal. Ela não recebeu, sequer, um tratamento unitário no Código Penal. Na verdade, ela funciona em duas vertentes diferentes: umas vezes como pena autónoma, outras como forma de execução de outra pena, concretamente a de multa.
Enquanto pena autónoma, constitui pena substitutiva da pena de prisão, com o regime descrito nos arts. 58.º e 59.º do CP, cominada na própria sentença condenatória.
Mas também funciona como forma de execução da pena (principal) de multa, nos termos do artigo 48.º do CP, a utilizar se não houver pagamento voluntário da multa e for requerida pelo condenado, sendo então objeto de decisão em sede de execução da pena (artigo 490.º, nºs 1 e 3, do CPP).
Esta distinção, essencialmente dogmática e procedimental, não obsta a uma substancial similitude entre as duas medidas, quer pelo conteúdo (prestação de serviços gratuitos à comunidade), quer pelo seu sentido político-criminal (evitamento de cumprimento de prisão pelo condenado), em termos de a regulamentação da pena poder servir de “direito subsidiário” da execução da multa, como já se preconizava face à versão originária do CP (…)” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º13/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série - N.º 201 - 17 de Outubro de 2013). No mesmo sentido aponta a doutrina (Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina 2017, pág.110).
Por tal motivo, se o condenado culposamente não cumprir os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, foi admitido a cumprir a pena de multa, o tribunal determina o cumprimento da prisão subsidiária – artigo 49º, nº4, do Código Penal.
Já no regime de aplicação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade a mesma é susceptível, em caso de incumprimento, de suspensão provisória, revogação, extinção e substituição (cfr. artigo 59º do Código Penal).
No regime de execução da pena de multa através da prestação de dias de trabalho a mesma, em caso de incumprimento e enquanto modalidade de cumprimento da pena de multa, apenas pode ser provisoriamente suspensa (cfr. artigo 59º, nº1, aplicável por força do disposto no artigo 48º, nº2, ambos do Código Penal)
A figura jurídica da revogação é privativa da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade e todo o regime processual aplicável foi pensado para a mesma. A pena (substitutiva da pena de prisão) de prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser revogada se o agente, após a condenação:
a) se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres da pena a que foi condenado ou,
c) cometer crime pelo qual venha a ser condenado (artigo 59º, nº2, do Código Penal).
Nos termos do artigo 498º, nº3, do Código de Processo Penal à revogação da pena de prestação a favor da comunidade é aplicável o disposto no artigo 494º, nº2, do mesmo diploma, norma que obriga o tribunal que executa a pena em questão a efectuar as seguintes diligências prévias depois de obtido, naturalmente, o parecer do MºPº que promove a revogação:
1. recolher a prova adequada para o habilitar na decisão;
2. ouvir o condenado na presença do técnico que acompanha o cumprimento da pena.
O arguido deve ser pessoal e presencialmente ouvido (cfr. P.P Albuquerque, Comentário do CPP, 4ª edição, pag.1252 - onde cita inúmeros acórdãos da 2ª instância nesse sentido – e com natureza mais recente o Ac. desta relação de 30/04.2014, proferido no processo 20/11.PASJM-A.P, citado, aliás, por M.M Garcia e J.M. Castela Rio, Código Penal, 2º edição, Almedina, pag.356). A preterição de tal diligência constitui nulidade insanável de acordo com o disposto no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Já relativamente à prestação de trabalho como forma de execução da pena de multa a mesma (porque não constitui pena substitutiva) não é susceptível de revogação uma vez que se encontra adstrita ao regime da pena em execução (pena de multa). O seu (in)cumprimento é aferido nos mesmos termos da pena de multa, sem prejuízo do condenado, no caso em que o incumprimento (do pagamento da multa ou da prestação de trabalho) lhe não for imputável, poder beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária (calculada de acordo com o disposto no artigo 49º, nº1, do Código Penal).
Resulta de forma clarividente que a lei processual penal não estabeleceu (ao contrário dos casos de vicissitudes no cumprimento de outras penas de substituição em sentido próprio, como a pena de suspensão de execução da prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade) a necessidade de audição prévia presencial do arguido por uma questão simples: não se exige, para efeitos de determinação de cumprimento da pena principal, a apreciação do comportamento culposo do condenado incumpridor (ao contrário, naturalmente, da execução das referidas penas de substituição: cfr. artigos 55º, 56º e 59º do Código Penal).
A decisão judicial que ordena o cumprimento da pena da pena subsidiária de prisão (que não envolve qualquer lógica de revogação da forma de execução, seja do pagamento voluntário ou coercivo de uma quantia pecuniária, seja da prestação de trabalho – artigo 49º, nº1, do Código Penal) mas tão só a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e deve, apenas, ser precedida da notificação pessoal da promoção do MºPº nesse sentido (não sendo necessário, ao contrário do procedimento adoptado neste processo, apurar a existência de património susceptível de satisfazer a quantia correspondente à multa, exactamente porque o condenado optou, com a autorização do tribunal, pela execução da pena através de dias de trabalho e, a qualquer momento, pode evitar a execução da prisão subsidiária através do pagamento daquela).
Não obstante o seu fundamento ser aferível através de um comportamento omissivo puramente objectivo (a ausência de prestação de trabalho ou pagamento de quantia determinados) terá necessariamente de se atribuir ao condenado a possibilidade de se pronunciar em relação à conversão da multa em prisão por força do elementar, estrutural e básico princípio do contraditório estabelecido no artigo 61º, n1, alínea b), do Código de Processo Penal, acto processual que foi assegurado neste processo, acto em que o mesmo pode transportar para o processo a natureza não culposa do incumprimento em causa ou, até, contraditar o incumprimento relatado pela entidade beneficiária do trabalho e/ou pela DGRSP.
Não exercendo essa faculdade previamente, não pode após a decisão que reconheceu o incumprimento da prestação de trabalho argumentar factos justificativos do mesmo (como pretende, em sede de recurso, ver apreciado).
Concluindo:
1. a prestação de dias de trabalho como forma de execução da pena de multa (artigo 48º do Código Penal) distingue-se da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do Código Penal);
2. o incumprimento da prestação de dias de trabalho determina a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e deve tal conversão ser precedida de audição do condenado relativamente à promoção do MºPº nesse sentido (artigo 61º, n1, alínea b), do Código de Processo Penal);
3. o incumprimento da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade determina, entre outros efeitos possíveis, a sua revogação, e deve ser precedida de audição presencial do condenado relativamente à promoção do MºPº nesse sentido (artigos 498º, nº3, e 494º, nº2, do Código de Processo Penal).
Não sendo exigível a audição presencial do condenado o recurso é improcedente.
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III. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão judicial recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCs (artigos 513º, nº1, do Código de Processo Penal e 8º, nº9, do RCP, com referência à Tabela III)
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Porto, 26 de Junho de 2019
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro