Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1216/11.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
Nº do Documento: RP201502101216/11.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Num contrato de mediação imobiliária, a remuneração do mediador está dependente duma condição essencial, que alguns apelidam de condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação.
II- Acresce que o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação.
III – A essa luz, considerando toda a envolvência do negócio, afigura-se-nos insuficiente para prova daquele nexo de causalidade, a alegação e prova de que a A. fez uma visita ao imóvel com um cliente que angariou e que esse cliente veio, algum tempo depois, a celebrar o contrato directamente com a Ré.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1216/11.0YIPRT.P1– Apelação 1ª
Comarca do Porto – Póvoa de Varzim
Instância Local - Secção Cível – J3
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador José Igreja Matos
2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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B…, S.A., com sede na … n.º . - Póvoa de Varzim requereu procedimento de injunção contra C1…, Lda., com sede na Rua .., n.º .. …, em Vila do Conde, requerendo a notificação desta para o pagamento da quantia total de € 14.970,45, sendo de Capital: € 11.797,50, de Juros de mora: € 3.121,95; e de Taxa de Justiça paga: € 51,00.
Na exposição dos factos que fundamentam a pretensão, alega a Autora que, no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, foi contactada pela Ré para mediar a venda de uma fracção autónoma da propriedade desta, que identifica, tendo com esta celebrado contrato pelo qual se obrigava a Autora a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra do referido imóvel, por um preço não inferior a 325.000,00 €, tendo sido acertada a remuneração da Autora em 3% sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, montante ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor.
Mais aduz que providenciou, de imediato, às diligências necessárias para a promoção da venda da referida fracção, nomeadamente de acompanhamento das visitas de potenciais interessados, tendo acompanhado, no dia 15 de Setembro de 2007, o interessado/potencial comprador D… numa visita ao imóvel.
Acrescenta ainda que, na data de 27 de Agosto de 2008, teve a Autora conhecimento que a Ré vendera a fracção mediada, ao potencial comprador por si angariado, D…, mas interpelada esta para proceder ao pagamento da remuneração devida, a mesma negou a existência de tal obrigação.
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Válida e regularmente citada na sua própria pessoa, ou como tal se devendo considerar, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1º, nº 2 do anexo ao D.L. 269/98, a Ré apresentou oposição alegando, ao que ora interessa, que o contrato de mediação que celebrou com a Autora não ficou sujeito ao regime de regime de exclusividade, e que nunca teve, durante a vigência do contrato, qualquer contacto com o Sr. D…. Argui ainda que foi já quase um ano depois do término do contrato de mediação que o Sr. D…, contactou, directamente, com um dos sócios da requerida e pediu que lhe mostrasse as fracções que tinha para venda, sem que nunca tenha referido já ter tido qualquer contacto com a Autora acerca daquela fracção.
Excepciona ainda a Ré que o contrato de mediação só foi assinado pelo sócio E…, tendo este dado conhecimento ao representante da Autora, que a sociedade obrigava a duas assinaturas, à deste sócio E… e à do sócio F..., sendo que uma das obrigações da Autora, enquanto agente imobiliária, é certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, da capacidade e legitimidade para contratar as pessoas intervenientes nos negócios que irão promover.
Conclui, pedindo se julgue a acção improcedente.
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Foi proferida Decisão a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio a A dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1ª) A Apelante é uma sociedade anónima que se dedica à mediação imobiliária, e que no exercício da sua actividade foi contactada para mediar na venda da fracção autónoma da propriedade da Apelada, tendo para o efeito as partes outorgado na data de 30 de Março de 2007, contrato de mediação imobiliária sob o nº…., sem regime de exclusividade;
2ª) Pelo qual a Apelante se obrigava a conseguir interessados na compra de uma fracção autónoma propriedade da Apelada, descrita pela letra “C”, de tipologia T4, sita na Rua …, Freguesia e Concelho de Vila do Conde, inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº8908, e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 4509;
3ª) No referido contrato de mediação imobiliária, ficou por ambas as partes acordado que a título de remuneração a Apelante auferia o montante calculado de 3% sobre o valor da venda, e que o mesmo teria uma duração de seis meses, renovável automaticamente por iguais períodos, caso não fosse por nenhuma das partes denunciado por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 15 dias em relação ao seu termo/renovação;
4ª) A denúncia do referido contrato nunca ocorreu – visto que nunca a Apelante recebeu carta de denúncia da renovação automática do contrato de mediação, bem como nunca a Apelante procedeu a tal denúncia;
5ª) A Apelante, conforme contratado, desenvolveu uma concreta actividade de promoção do negócio em causa;
6ª) Independentemente do regime de exclusividade ou não exclusividade do contrato, foi dado como provado pelo douto Tribunal Recorrido que em 15/09/2007, o comprador Sr. D… teve um primeiro contacto com o imóvel e condições de aquisição, através da Apelante que lhe fez a apresentação do mesmo, tendo este e o representante da Apelada assinado para o efeito ficha de visita nº2007/…., junta aos autos, que o vendedor da Apelada para o efeito lhes apresentou;
7ª) É igualmente facto provado que o então cliente Sr. D… se tornou o actual proprietário em 27/08/2008, data em que por escritura pública de compra e venda adquiriu a fracção em causa;
8ª) Desde a visita que fez, com o funcionário da Apelante, nunca o Cliente deixou de estar interessado na aquisição do imóvel, razão porque em momento posterior a Apelada, com o fim de comprar esse mesmo concreto imóvel, como objectivamente comprou, nas melhores condições que conseguiu negociar com a Apelada, mas tudo à revelia da Apelante;
9º) Isto apesar de a Apelada saber que tinha assinado a ficha da visita com aquele cliente, que lhe foi levado pela Apelante;
10º) Provado da Prova Documental o cumprimento do contrato por parte da mediadora, como resulta da ficha de visita assinada por Apelante, Apelada e cliente comprador final o que define se existe ou não interesse na compra do imóvel, por parte do potencial comprador, é a verificação da realização a final da compra ou da ausência de compra por parte do interessado;
11ª) Caso o potencial cliente não tivesse ficado interessado, a compra não se teria verificado. A compra do imóvel promovido pela mediadora e visitado pelo potencial cliente, por si só, revela de modo incindível o nexo de causalidade exigível. Por outro lado, esse nexo de causalidade não existe, quando a venda não se concretiza, ou seja, quando o potencial cliente, depois de visitar o imóvel, decide não o comprar;
12ª) A distância temporal entre a 1ª visita que ocorreu em 15/09/2007, e a data da compra em 27/08/2008, só comprova e reforça a ideia de que a visita acompanhada e o trabalho desenvolvido pela Apelante, fez o potencial comprador ficar deveras interessado e seriamente empenhado em tornar-se o actual proprietário da fracção em causa;
13ª) Sendo inegável que a lei, a jurisprudência e a doutrina exigem que haja uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato, é igualmente inegável que a Apelante cumpriu o contrato e que o negócio acabou por ser realizado, como objectivamente foi, só pode originar a conclusão de que foi inegavelmente realizado como efeito da 1ª visita, e deste modo, como efeito da actividade promocional da Apelante, tendo assim o mediador direito ao recebimento da remuneração;
14ª) A decisão em crise enferma de manifestos erros de julgamento na parte em que:
a) - Ignorou que o contrato de mediação imobiliária se encontrava em vigor;
b) - Considerou não provado que o trabalho desenvolvido pela Apelante tenha sido a causa inafastável do negócio de compra e venda da fracção referida;
c) - Decidiu não considerar, nem valorizar, as incontornáveis questões que objectivamente se erguem e colocam no espírito de qualquer potencial cliente/comprador, nomeadamente dum imóvel;
d) - Confundiu as dúvidas do potencial comprador, quanto ao momento oportuno para celebrar o negócio, com desinteresse pelo imóvel. As dúvidas são naturais em todos os compradores, naturalmente acabam por diferir no tempo as decisões, consequentemente postergam a celebração dos respectivos contratos de compra e venda com elas relacionados - mas em nenhum lugar se confundem reservas ou dúvidas com desinteresse;
e) - Confundiu ainda a sentença recorrida, a tentativa bem sucedida do potencial/comprador em obter uma redução do preço do imóvel - à custa do não pagamento da remuneração da Apelada - com reservas quanto à compra do imóvel;
f) - Indo mais longe, numa perspectiva filosófica, ter dúvidas significa apenas estar vivo. Ousamos acompanhar René Descartes, enquanto pensador, que afirmou: “se duvido, penso, se penso logo existo”. Em momento algum, o cogito cartesiano nos diz que duvidando, o ser ontológico manifesta desinteresse por alguma coisa;
15ª) Se não fosse pelos serviços prestados pela Apelante, como a factualidade provada documentalmente demonstra que foi, não se admite que o actual proprietário Sr. D…, tivesse conhecido o imóvel que comprou sem o serviço da Apelante, pois o concreto facto que é importante para a boa decisão da causa, é que no caso “sub judice”, aceitando que todo o efeito tem uma causa, teremos de admitir que a compra que veio a ocorrer é a consequência e o efeito do trabalho realizado pela Apelante;
16ª) Assim, pelo acima exposto deveria ter sido outra a douta decisão recorrida sobre a matéria de facto;
17ª) Atento o artigo 217º, nº 1, in fine, do Código Civil, existe uma declaração negocial tácita que é produzida no primeiro contacto com o imóvel, e que veio a expressar-se mais tarde, no contacto efectuado pelo comprador/actual proprietário do imóvel, com a Apelada, para a negociação directa que ambos efectuaram já depois de conhecer o dito imóvel, uma vez que como nos diz o citado artigo, “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: (…) tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”;
18ª) Actuando como actuou, negando a remuneração devida à Apelante, a Apelada violou ainda o princípio da Boa-Fé, consagrado no nº 1 do Artigo 227.º do Código Civil, que preceitua: "Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contracto deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte";
19ª) Provado, por parte da apelante, o cumprimento do objecto do contrato nos termos do nº 1 do art. 2º do Decreto-Lei nº 211/2004 de 20 de Agosto e provando-se como pensamos que se provou o nexo de causalidade entre a actividade da Apelante e o negócio celebrado, a decisão recorrida viola ainda o disposto no nº 1 do artigo 18º do referido D. Lei, que sob a epígrafe Remuneração, nos diz: “A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.”;
20ª) Tal como viola o valor da prova documental no que respeita à aceitação pela Apelada e pelo comprador, no sentido de que naquela constam as suas assinaturas juntamente com a do vendedor.
Pede, a final, que a decisão recorrida seja revogada e que seja proferido Acórdão que julgue procedente o pedido da Apelante, com a consequente condenação da Apelada nos pedidos formulados.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Cumpre decidir sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, a questão a decidir, suscitada pela recorrente na presente Apelação é apenas a de saber se a A. tem direito à remuneração acordada pelo contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré.
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Foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
Do requerimento de injunção:
1. A Autora dedica-se à mediação imobiliária, sendo detentora da licença AMI … emitida pelo IMOPPI.
2. No exercício da sua actividade foi a Autora contactada pela Ré para mediar na venda de uma fracção autónoma da propriedade desta, descrita pela letra "C" de tipologia T4, sita na Rua …, freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 8908, e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 4509.
3. Pelo que foi então celebrado por ambas, na data de 30 de Março 2007, o contrato de mediação imobiliária sob o n.º …., junto a fls. 37-38 dos autos, pelo qual a Autora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra do referido imóvel, por um preço não inferior a 325.000,00 € (trezentos e vinte e cinco mil euros).
4. A título de remuneração pelos serviços que viessem a ser prestados pela requerente que resultassem na concretização dos negócios visados pela requerida, esta obrigou-se a pagar àquela o valor resultante do cálculo de 3% sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, montante ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor.
5. O contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, a contar da data da sua celebração.
6. Nos termos contratados, a Autora, na data de 15 de Setembro de 2007, recebeu nos seus escritórios o interessado/potencial comprador D…, e apresentou a este a fracção em apreço da Ré.
7. No dia 27 de Agosto de 2008, no Cartório Notarial da Dra. G…, foi outorgada entre a ora Ré e H… e marido D…, escritura pública de compra e venda, exarada a fls. 21 a 23 do Livro 225-A, pelo qual a primeira declarou vender aos segundos, pelo preço de €200.000,00, que estes declararam aceitar, a fracção mencionada em 2.
Da oposição
8. O contrato de mediação referido em 3 não ficou sujeito a regime de exclusividade, de tal forma que os sócios gerentes da ora Ré também eles promoviam as vendas.
9. O contrato de mediação só foi assinado pelo sócio gerente da Ré E….
10. A Ré obriga-se pela intervenção conjunta dos dois gerentes.
11. Os sócios da requerida nunca tiveram conhecimento de que o Sr. D…, tivesse tido qualquer contacto com a Requerente, tivesse visitado a fracção em questão, ou sequer demonstrado qualquer interesse acerca da mesma.
12. Meses após a visita mencionada em 6, o Sr. D…, contactou directamente com um dos sócios da Ré e pediu que lhe mostrasse as fracções que tinha para venda.
13. Em momento algum o referido Senhor D…, manifestou à Ré o facto de já conhecer o empreendimento, de já ter tido qualquer contacto com a Autora acerca daquela fracção.
14. Os sócios da Requerida mostraram o empreendimento ao referido Senhor, que perguntou o preço e pediu para voltar a fazer uma visita, desta vez acompanhado da família.
15. Nessa segunda visita e alguns encontros posteriores o negócio e os seus pormenores foram acertados entre os sócios da requerida e o Sr. D….
Factos não Provados:
Não resultaram provados quaisquer outros factos para além dos acima enunciados, designadamente, não se demonstrou que:
Do requerimento de injunção:
● Na sequência da visita referida em 6., o cliente, após conhecimento da fracção e preço, houvesse manifestado interesse na aquisição da referida fracção autónoma;
● Sem a visita referida em 6. a venda da fracção não se teria concretizado, nem a Ré conhecido o comprador;
Da oposição:
● Pelo sócio E… houvesse sido dado conhecimento ao representante da Autora de que a sociedade Ré apenas se obrigava com as assinaturas dos dois gerentes.
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Do contrato de mediação imobiliária e da remuneração da A:
Está assente nos autos que entre as partes foi celebrado um contrato de mediação imobiliária.
A regulação do exercício da actividade de mediação imobiliária encontra-se actualmente consagrada no Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, regime que, por força do respectivo art.º 57º, nº 1, substituiu o que fora regulamentado no Decreto-lei nº 77/99, de 16 de Março que, por sua vez, havia revogado o Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro (cf. respectivo art.º 40º).
Decorre do artigo 2.º daquele DL, tal como já sucedia no anterior diploma:
“1. A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre imóveis, a permuta, o trespasse ou arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.
2. A actividade de mediação consubstancia-se no desenvolvimento de:
a) Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.
3. As empresas podem ainda prestar serviços de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objecto do contrato de mediação imobiliária, que não estejam legalmente atribuídos, em exclusivo, a outras profissões”.
São, pois, pressupostos deste contrato:
a) Um acordo de vontades pelo qual uma pessoa – o mediador – se encarrega, perante outra – o comitente – de encontrar uma terceira pessoa – interessado - com vista à conclusão, entre ambas, de um negócio pretendido pela segunda, consistente na constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel;
b) A conclusão efectiva do negócio entre o comitente e o terceiro, como consequência adequada da actividade do mediador.
Vaz Serra (RLJ ano 100º, pág. 343) define este contrato como o contrato “pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte”.
Manuel Salvador (Contrato de Mediação, pág. 31) define-o “como a interferência feliz de um terceiro, feita sobre promessa de recompensa, entre duas ou mais pessoas, levando-as a concluir determinado negócio”.
Pessoa Jorge (O Mandato Sem Representação, pág. 231 e 232) refere que o mediador se limita a procurar pôr em contacto possíveis contraentes e colaborar na fase preliminar das negociações.
O mediador é, assim, um auxiliar comercial autónomo cuja função consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar uma operação comercial.
Contrariamente ao comissário e ao agente comercial, o mediador não está vinculado a nenhuma das partes no negócio em que intervém, nem defende o interesse de qualquer uma delas; ao mediador são confiadas funções isoladas, individualizadas, ocasionais. Não existe, portanto, qualquer relação duradoura entre o mediador e as pessoas perante as quais ele se compromete servir de intermediário.
De facto, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel.
Integrando a categoria dos contratos de prestação de serviços (cf. art.º 4º, nº 1, do Decreto-lei nº 211/2004), a mediação é um contrato de resultado e não de mera actividade, compreendendo-se que, por regra, sem a obtenção do objectivo contratado não seja devida remuneração.
Por isso, só no momento da concretização do negócio com o interessado, definido este na al. a) do n.º 4 do artigo 2.º, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o 18.º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”.
Dita a referida regra que o direito à remuneração nasce apenas da conclusão perfeita do negócio objecto da mediação.
Verifica-se, assim, que a remuneração do mediador está dependente duma condição essencial, que alguns apelidam de condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação.
Sendo-lhe, outrossim, por via de regra, expressamente vedado receber quaisquer quantias a tal título ou de adiantamento por conta da mesma – nº4 do artº18º.
Dos normativos legais decorre, assim, por um lado, que a mediação, em sentido técnico ou estrito, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para determinado negócio (os previstos no primeiro dos citados artigos) incidente sobre bens imóveis, e a aproximar esse interessado da outra parte e, por outro, que a função do mediador (que é apenas um intermediário e desenvolve uma actividade meramente material e preparatória – as previstas nas alíneas do nº 2 e no nº 3 do art. 2º) consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar um negócio, actuando em nome próprio (e não em representação daquelas), facilitando-lhes a conclusão do negócio pretendido.
Mais resulta dos mesmos normativos que o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação (cfr. Ac. do STJ de 03/04/2008, e Acs. desta Relação do Porto de 19/02/2009, de 15/07/2009, e de 02/11/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt. e, ainda, Meneses Cordeiro, in “Do Contrato de Mediação”, O Direito, ano 139, III, pgs. 516 e segs.).
Resulta do exposto que se, não obstante todo o seu empenho e actividade na angariação de interessado e o êxito dessa diligência, o negócio não vier a concluir-se, não há lugar a remuneração - cfr. Menezes Cordeiro, Do Contrato de Mediação in “O Direito”, Ano 139º, 2007, III, págs.516 a 554; Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 203; Ac. da Relação do Porto de 23.09.2008; e Acs. do STJ de 15-11-2007, de 3-04-2008 e de 28-04-2009, todos disponíveis em www.dgsi.net.
Na verdade este contrato envolve para os respectivos outorgantes algum risco ou álea negocial. Pelo que, inexistindo tal nexo, a situação apresenta-se como uma fatalidade com que as empresas de mediação têm de viver – como comerciantes que exercem uma actividade numa economia de mercado, sendo nesse pressuposto que a desempenham, sendo certo que as percentagens cobradas sobre o valor das vendas que ajudam a concretizar têm já em conta o risco ou álea do negócio.
O problema da relação de causalidade que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio constitui, de facto, a questão mais melindrosa do contrato de mediação.
Na jurisprudência, já o acórdão do S.T.J. de 28.2.78 (BMJ n.º 274, pág. 229), afirmava que “o contrato de mediação supõe, na sua essência, a incumbência a uma pessoa, de conseguir interessado para certo negócio, a aproximação feita pelo mediador entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio entre este e o terceiro em consequência da actividade do intermediário, sendo, porém, necessário que a actividade por ele desenvolvida constitua causa adequada à conclusão do negócio.”
Ou seja, como se constata da leitura deste acórdão (de parte dele), para além da definição, que é uniforme, o que é relevante é saber que tipo de nexo tem de existir entre a actividade do mediador e a celebração do negócio para este ter direito à remuneração.
Sobre esta questão tem sido entendimento pacífico que não é necessário que o mediador esteja presente até à conclusão do negócio; mas é necessário que a conclusão daquele resulte adequadamente da sua conduta ou actividade.
Temos, assim, que o direito do mediador à remuneração depende de a conclusão do negócio ser efeito da sua intervenção.
A este propósito, o acórdão do S.T.J. de 31.3.98 (BMJ n.º 475, pág. 686), citando doutrina e jurisprudência a que adere, escreve: “o juízo positivo a formular sobre esta relação de causa e efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada; é preciso que a actividade do mediador, embora não sendo a única causa do resultado produzido, se integre de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente”.
Lacerda Barata (em Contrato de Mediação, Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, p. 203) diz, lapidarmente, a este respeito: “Naturalmente que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro.”
O Ac. do STJ de 15.11.2007, acima citado (reportando-se, embora, ao n.º 1 do artigo 19.º, conjugado com a al. f) do n.º 2 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 77/99, de 16/03, que vigorou anteriormente ao Decreto-Lei n.º 211/2004 e cujos preceitos citados correspondem ao n.º 1 do art. 18.º e al. c) do n.º 2 do art. 19.º deste último decreto-lei), refere que os preceitos em causa e tendo como “pano de fundo” o regime geral das obrigações, encerram a ideia de que “a remuneração só será devida se a empresa mediadora tiver contribuído para a conclusão ou perfeição do contrato”, e, portanto, “só se houver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato, a remuneração é devida”.
E o ac. do STJ de 03-04-2008 (também citado), reportando-se à natureza da obrigação assumida pelo mediador, esclarece que “não basta angariar um qualquer candidato a negociar com o comitente, o dono do imóvel. A mediação é, em essência, uma prestação de serviços, um contrato para a obtenção de um negócio; e, por isso, é com a concretização desse negócio com a entidade angariada que se cumpre o fim precípuo da mediação. A obrigação do mediador é a de encontrar um terceiro com quem determinado contrato venha a ser celebrado”.
Para concluir que, “salvo casos excepcionais, previstos no n.º 2, a remuneração (ao mediador) só (é) devida com a conclusão e a perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.”
Aliás, é entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que para o mediador ter direito à comissão, é suficiente ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a realizar o negócio, pondo o comprador em contacto com o vendedor e que isso tenha influído na realização do negócio (Ac. S.T.J. de 18-3-97, Col. Acs. S.T.J., V, 1º, pág. 158, transcrito pelo Ac. do STJ de 20/04/2004).
Temos, assim, que o direito do mediador à remuneração depende de a conclusão do negócio ser efeito da sua intervenção.
Sobre o ónus da prova que impende sobre as partes nesta matéria, compete à mediadora, como elemento constitutivo do seu direito à remuneração, nos termos do artigo 342º n.º 1 do Código Civil, alegar e provar esse nexo de causalidade entre a sua actividade e a conclusão do negócio.
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Fazendo aplicação dos princípios enunciados ao caso dos autos, constatamos que a A. não logrou provar o nexo de causalidade exigido entre a angariação do cliente e a concretização do negócio, para ter direito à remuneração acordada.
Efectivamente, logrou a A. provar que nos termos contratados, na data de 15 de Setembro de 2007, recebeu nos seus escritórios o interessado/potencial comprador D…, e apresentou a este a fracção em apreço da Ré.
Não logrou no entanto provar que na sequência da visita referida, o cliente, após conhecimento da fracção e preço, houvesse manifestado interesse na aquisição da referida fracção autónoma.
Provou-se, no entanto, que meses após a referida visita o Sr. D… contactou directamente com um dos sócios da Ré e pediu que lhe mostrasse as fracções que tinha para venda.
Aliás, o contrato de mediação celebrado entre as partes não ficou sujeito a regime de exclusividade, de tal forma que os sócios gerentes da Ré também eles promoviam as vendas.
E em momento algum o referido Senhor D… manifestou à Ré o facto de já conhecer o empreendimento, de já ter tido qualquer contacto com a Autora àcerca daquela fracção. Assim como os sócios da requerida nunca tiveram conhecimento de que o Sr. D… tivesse tido qualquer contacto com a Requerente, tivesse visitado a fracção em questão, ou sequer demonstrado qualquer interesse acerca da mesma.
De sorte que os sócios da Requerida mostraram o empreendimento ao referido Senhor, que perguntou o preço e pediu para voltar a fazer uma visita, desta vez acompanhado da família. Nessa segunda visita e alguns encontros posteriores o negócio e os seus pormenores foram acertados entre os sócios da requerida e o Sr. D…, tendo vindo a ser celebrada a escritura de compra e venda da fracção em 27 de Agosto de 2008.
Apesar de o ter alegado, não logrou a A provar que sem a visita que fez com o cliente à fracção em 15 de Setembro de 2007, a venda da fracção não se teria concretizado, nem a Ré conhecido o comprador.
Somos assim levados a concluir, como se fez na sentença recorrida, que a actividade de mediação da A. em nada contribuiu para a concretização do negócio celebrado mais tarde com a ré, falhando, no caso dos autos, a requerida causalidade entre aquela actividade e o resultado final da mesma.
Como se concluiu na sentença recorrida: “Revertendo à hipótese sub judice, apurou-se que a Autora desenvolveu uma concreta actividade de promoção do negócio em causa, uma vez que acompanhou o então potencial comprador, D…, numa visita ao imóvel da Ré.
Não logrou, todavia, a Ré, como lhe competia, em exclusivo, demonstrar a existência de uma relação de causalidade adequada entre essa sua actividade concreta e a concretização do negócio final, conforme espelha a materialidade provada e, sobretudo, a não provada.
Por conseguinte, encontrando-nos perante um contrato em “regime de não exclusividade”, tendo-se provado que a Ré não tomou conhecimento de que o dito Sr. D… tivesse visitado a fracção com a Autora, quando este se deslocou ao prédio, sem estar acompanhada por qualquer mediadora; tomando-se em consideração a distância temporal entre a visita realizada com a Autora e o contacto directo realizado entre o comprador e a Ré; e atendendo ainda à substancial diferença entre o preço inicial do imóvel, constante do contrato de mediação, e aquele pelo qual o mesmo veio a ser vendido (quase um ano depois), não pode concluir-se pela existência do aludido nexo de causalidade.
Somos, assim, a concluir que a provada actividade de mediação da Autora não pode ser considerada causa adequada do negócio concluído pela Ré, razão pela qual não lhe assiste, consequentemente, o direito a qualquer pagamento, a título de retribuição/comissão, no contrato de mediação imobiliária celebrado”.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações da recorrente.
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Sumário do Acórdão:
I – Num contrato de mediação imobiliária, a remuneração do mediador está dependente duma condição essencial, que alguns apelidam de condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação.
II- Acresce que o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação.
III – A essa luz, considerando toda a envolvência do negócio, afigura-se-nos insuficiente para prova daquele nexo de causalidade, a alegação e prova de que a A. fez uma visita ao imóvel com um cliente que angariou e que esse cliente veio, algum tempo depois, a celebrar o contrato directamente com a Ré.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, julga-se Improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pela Recorrente

Porto, 10.2.2015.
Maria Amália Santos
José Igreja Matos
João Diogo Rodrigues