Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0823712
Nº Convencional: JTRP00041797
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Nº do Documento: RP200810210823712
Data do Acordão: 10/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 286 - FLS. 21.
Área Temática: .
Sumário: I- O Tribunal ao fixar os alimentos ao menor, numa acção de regulação do poder paternal, deve considerar, em primeira linha, o «interesse do menor», de acordo com o estabelecido no art. 1905° n° 2 do Código Civil.
II- Por isso, a quantia de alimentos não deve ser fixada em função do rendimento disponível do devedor de alimentos, depois de deduzidas ao rendimento proveniente do trabalho todas as despesas que ele suporta nomeadamente com a aquisição de um veículo marca Mercedes.
III- Tais despesas têm aqui um valor secundário e caso o apelante não consiga suportar o pagamento das mesmas e dos alimentos à menor, sua filha, deverá abrir mão (abdicar) de algumas dessas despesas ou reduzi-las e não pretender a redução dos alimentos daquela, pois neste está em causa a própria subsistência e a educação da menor, enquanto ali seguramente estão gastos que não são absolutamente necessários e que podem ser minorados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3712/08 – 2ª Secção
(apelação)

Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Cândido Lemos
Des. Marques de Castilho
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Nesta acção especial de regulação do exercício do poder paternal relativa à menor B…………, filha de C………….. (que propôs a acção) e de D……………. (requerida) – todos devidamente sinalizados nos autos -, foi proferida, a fls. 302 a 315, douta sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:
“Por todo o exposto, decido regular o exercício do poder paternal respeitante à menor B…………., nos seguintes termos:
1) A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, passando esta a exercer o respectivo poder paternal.
2) O pai, de 2ª a 6ª feira, poderá visitar a menor sempre que o entenda, sem prejuízo das suas obrigações escolares e de descanso.
3) O pai poderá ainda estar com a menor aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias, indo buscá-la a casa da mãe às 9h00 de sábado e aí a entregando ás 19h00 de Domingo.
4) A menor passará 15 dias com o pai, nas férias de Verão, em datas a combinar mutuamente com a mãe da menor, de acordo com as férias agendadas pelos respectivos progenitores.
5) As datas festivas de Natal, Ano Novo e Páscoa deverão ser passadas alternadamente com a mãe e o pai.
6) Os avós paternos poderão visitar a menor sempre que o entendam, sem prejuízo das suas obrigações escolares e de descanso, devendo manter-se a actual colaboração e auxílio na educação da menor, nos moldes que têm vindo a ocorrer até ao presente momento, sempre que nisso acordem com os progenitores, sempre no mais alto interesse da menor.
7) A título de alimentos devidos à menor, o requerido pagará a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros) devendo entregar à mãe tal importância, directamente, por cheque, vale do correio, ou depósito em conta bancária, até ao dia 8 de cada mês.
8) A referida quantia será anualmente actualizada de acordo com os índices de preços ao consumidor publicados pelo Instituto Nacional de Estatística”.

Inconformado com esta decisão, interpôs o requerente C…………… o presente recurso de apelação, cuja motivação, constante de fls. 326 a 333, culminou com as seguintes conclusões:
“1. A matéria de facto dada como provada, relativamente aos proventos auferidos pelo apelante, não resulta de qualquer depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento.
2. Nem de qualquer documento ou de outro exame prestado segundo o princípio da oralidade, em julgamento (ou no processo).
3. A fundar-se no inquérito social, necessário seria que este fosse notificado às partes para que eles, segundo o princípio do contraditório, se pronunciassem sobre ele.
4. Porém, não foi notificado o apelante da junção de tal documento ou inquérito, destinado a fazer prova dos fundamentos da acção, contrariamente ao que dispõe o art.º 526 do CPC.
5. Pelo que lhe foi negado o direito a impugnar a veracidade do seu conteúdo e de sobre ele fazer contraprova.
6. Sendo que, a negação do exercício desta faculdade põe definitivamente em causa o seu acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
7. Sendo que a falta de notificação da junção deste parecer ou inquérito só foi conhecida do apelante com a notificação da sentença por a ele expressamente se referir como fundamento da prova.
8. Tal prova, para além disso, não será idónea, uma vez que os rendimentos do apelante hão-de resultar dos recibos dos seus vencimentos, da documentação fiscal relativa à declaração de rendimentos ou da sua confissão.
9. Este processo iniciou-se no ano de 2000 e esteve sem andamento útil durante longos anos, pelo que no decurso destes oitos anos, ocorreram alterações, substanciais e sucessivas na vida económica, social, afectiva dos progenitores de forma a que as sucessivas posições processuais que assumiriam foram, também, sendo sucessivamente alteradas.
10. Assim é que, se em certa época processual ao apelante era possível executar a sentença aqui recorrida, hoje, infelizmente já o não é.
11. O apelante, por força do agravamento da situação de crise económica do país, não tem, hoje, quaisquer rendimentos, porquanto também não aufere vencimentos de gestão da sua sociedade comercial.
12. Por outro lado, mesmo a considerar-se como legalmente correcta a resposta à matéria de facto relativa ao rendimento mensal auferido pelo recorrente, certo é que a dedução das despesas fixas, a ser paga a pensão arbitrada resultaria para o progenitor pai, que tivesse de garantir a sua própria subsistência com as sobras de 379,00 euros mensais ou €12.60 por dia, valor manifestamente insuficiente para poder comer, vestir e deslocar-se na tentativa de agenciamento de rendimentos.
13. Compreende-se, por outro lado, que a menor carece também de alimentos, sendo que o pai, hoje, só os pode prestar no seu universo familiar, isto é, se a menor co-habitar consigo e com os avós paternos, para que lhe sejam satisfeitas as suas mais elementares necessidades e à custa dos avós.
14. Termos em que deverá ser dada como não fundamentada a resposta à matéria de facto acima alegada, por ter sido obtida com recurso a um documento ou parecer não notificado à parte e ordenada a repetição do julgamento para prova de tal facto.
15. Ou, quando assim se não considere, deverá o recorrente por absoluta incapacidade económica, ser, de momento, absolvido do dever de contribuir mensalmente com qualquer pensão de alimentos.
16. Foram violados os acima citados princípios e preceitos legais”.

A requerida, D………….., e o Ministério Público responderam (contra-alegaram), respectivamente, a fls. 341 a 343 e 347 a 352, pugnando pela manutenção do que na referida sentença foi decidido de facto e de direito.
A requerida-apelada pretende, ainda, a condenação do apelante como litigante de má fé com fundamento “no infundado da sua pretensão, que não pode desconhecer”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a apreciar e decidir:

Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ.) e que este Tribunal não pode conhecer de matéria nelas não incluída, a não ser em situações excepcionais que aqui não ocorrem, as questões que importa apreciar e decidir neste acórdão são as seguintes:
1º. Saber se foi violado o princípio do contraditório, por falta de notificação ao apelante do relatório social a ele atinente.
2º. Saber, no caso de resposta afirmativa à questão anterior, qual o meio processual de que o apelante devia deitar mão para reagir contra a violação do dito princípio e quais as consequências no caso de ter usado de meio inadequado, incluindo a atendibilidade do referido relatório social como meio probatório.
3º. Saber se o mesmo relatório social é meio idóneo ao apuramento de rendimentos dos progenitores (no caso, do apelante).
4º. Saber se uma eventual alteração dos rendimentos do apelante, verificada em momento posterior ao da produção dos meios de prova nos autos, pode ser atendida em recurso interposto da sentença que regulou definitivamente o exercício do poder paternal (e fixou a pensão de alimentos), de modo a isentá-lo do dever de prestar alimentos à menor (neste ponto do acórdão veremos, ainda, pelos motivos que explicaremos, se a pensão de alimentos fixada merece alguma censura).
5º. Saber se o apelante actuou de má fé.

A apreciação destas questões impõe que considerem os factos dados como provados na 1ª instância.
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III. Apreciação jurídica:

3.1. Factos provados:
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. A menor B……………, nascida em 06.07.1999, é filha de C…………. e de D……………..
2. A requerida viveu maritalmente cerca de 5 anos com o requerente, tendo-se ambos separado em Fevereiro de 2000, quando a menor contava 7 meses de idade.
3. A menor manteve-se a coabitar com a requerida e desloca-se com frequência à casa dos avós paternos, onde vive o pai, para visitas e convívios regulares, quer com o progenitor quer com os restantes elementos da família alargada.
4. A requerida vive na companhia da menor, em casa própria, num apartamento T2, no centro da cidade de Santo Tirso, beneficiando o espaço domiciliário das infra-estruturas básicas necessárias, oferecendo boas condições de habitabilidade e conforto.
5. A requerida exerce actividade profissional por conta própria, explorando um estabelecimento comercial do ramo do pronto-a-vestir, trabalhando habitualmente de segunda a sábado, no horário das 10h00 às 19h00, tendo como dia de descanso o domingo.
6. A requerida aufere, pelo menos, € 403,00 de rendimentos de trabalho (podendo nas vendas realizadas acrescer ganhos de € 1.000 a € 1.500, principalmente nos períodos de Verão) e € 32,00 de prestações familiares.
Como despesas mensais mais significativas apresenta (valores aproximados): € 400,00 (amortização de empréstimo bancário para aquisição de casa própria), € 375,00 de renda e condomínio do estabelecimento comercial), € 100,00 (gastos com os consumos de electricidade, água e condomínio de habitação).
7. Pese embora a intensa actividade laboral da progenitora com os subsequentes reflexos a nível de disponibilidade horária, a mesma, com o auxílio e colaboração do progenitor e avós paternos, tem desempenhado de forma adequada as competências parentais, para as quais revela responsabilidade e capacidade.
8. A própria progenitora reconhece que a menor mantém uma relação afectiva de proximidade ao pai e aos avós paternos, a qual entende ser de preservar.
9. O requerente integra o agregado familiar de origem, o qual é composto por ele próprio, pelo seu pai E…………., de 80 anos, reformado, pela sua mãe, de 77 anos reformada e um irmão de 49 anos, mediador imobiliário.
10. O progenitor ocupa gratuitamente um espaço habitacional contíguo à moradia dos progenitores, o qual beneficia das infra-estruturas básicas essenciais e oferece adequadas condições de habitabilidade.
11 . A menor sempre que pernoita com o pai dorme no seu quarto numa cama aí instalada para o efeito ou pernoita na habitação dos avós, casa de dimensão suficiente para alojar toda a família.
12. O requerente mantém funções de sócio-gerente de uma empresa de construção civil, denominada “F…………”, sediada em ………, auferindo € 1.750,00 de rendimentos de trabalho.
Como despesas mensais mais significativas (valores aproximados) apresenta: € 650,00 (relativos à amortização de crédito bancário para compra de uma habitação), € 161,00 (mensalidade de um crédito pessoal à Cofidis, com a duração de mais 4 anos), € 360,00 (aquisição de viatura própria à Mercedes, prevista para um período de mais 18 meses).
Desde a entrada da menor na escolaridade obrigatória o requerente pagava a mensalidade do estabelecimento de ensino por aquela frequentado (então € 255,00/mês), o que deixou de efectuar em Março de 2007, alegando dificuldades para o fazer e referindo ser a avó paterna da menor quem paga a mensalidade da frequência de hip-hop daquela, no valor de € 15,00/mês.
13. A menor encontra-se bem cuidada e com um crescimento/desenvolvimento próprio para a idade.
14. A menor B……….., de 7 anos de idade, é estudante do 1º ciclo e frequenta o 2º ano de escolaridade no Externato ……….., com a mensalidade escolar de cerca de € 350,00, frequentando ainda aulas de natação mediante o pagamento de uma prestação de € 12,50.
15. A menor tem apresentado bom aproveitamento, frequentando ainda o hip-hop e a catequese, revelando intensos laços de afectividade com ambos os progenitores e com os avós paternos.
16. A menor frequenta com muita regularidade a casa do pai e avós paternos (fins-de-semana, períodos de férias escolares ou quando a progenitora pontualmente e por poucos dias necessita de se deslocar ao estrangeiro), sendo a avó paterna quem lhe garante os cuidados básicos essenciais e lhe garante o acompanhamento necessário nos períodos que aí permanece.
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3.2. Foi violado o princípio do contraditório, por falta de notificação ao apelante do relatório social a ele atinente?
Reproduzidos os factos, apreciemos então a primeira questão que consiste em saber se não foi cumprido, relativamente ao relatório social junto a fls. 276 a 279, que diz respeito ao apelante, o princípio do contraditório.
Antes, porém, importa dizer que não há dúvida alguma, face à fundamentação da matéria de facto exarada a pgs. 4 e 5 da douta sentença recorrida (fls. 305 e 306 dos autos), que a factualidade constante do nº 12 dos factos nela dados como provados – e atrás exposta (em que estão indicados os proventos auferidos pelo apelante e as suas despesas correntes) – radicou exclusivamente no relatório social junto a fls. 276 a 279, ali expressamente apontado como meio de prova que relevou para tal efeito e porque também ali se diz que os depoimentos das quatro testemunhas inquiridas (os avós paternos, G…………… e E………….., a cunhada da apelada, H…………, e a amiga da apelada, I…………..) incidiram, no essencial, sobre os seguintes pontos:
. no caso dos avós paternos, sobre a boa relação que mantêm com a menor (sua neta) e com a progenitora desta, a colaboração que querem continuar a prestar aos progenitores na educação e acompanhamento da menor e, bem assim, acerca de dificuldades económicas recentes do progenitor desta (que o levaram a sugerir que a B………… passasse a frequentar um colégio menos dispendioso), mas sem maior concretização;
. no caso das identificadas cunhada e amiga da apelada, sobre as condições de vida da progenitora e o relacionamento da menor com os seus familiares.
A sentença recorrida fundou-se, pois, ao fixar a factualidade do dito nº 12, particularmente no que diz respeito aos rendimentos auferidos pelo apelante, no relatório social a que já se fez referência, do qual consta expressamente o provento mensal de € 1.750,00 (cfr. pg. 3 desse relatório, correspondente a fls. 278 dos autos), igual, portanto, ao que ali foi dado como assente.

O relatório social em questão foi elaborado pelo IRS (delegação de Santo Tirso) em 17/04/2007 (cfr. data aposta na 1ª página do mesmo), a solicitação do Tribunal (cfr. acta de fls. 252), nos termos dos arts. 147º-B nºs 1 a 3 e 178º nº 3, ambos da OTM, em virtude do(s) anterior(es), já constantes dos autos, ter(em) sido elaborado(s) bastante tempo antes e necessitar(em) de ser actualizado(s).
Do ponto 2.2. do mesmo relatório resulta que as informações que aí estão exaradas acerca dos rendimentos do trabalho do apelante e das suas despesas se basearam unicamente no que ele próprio transmitiu ao técnico do IRS, constatação que se mostra evidente pelo conteúdo inicial de tal item, pois aí vem referido que “o requerente mencionou …” e pelo que mais adiante também se descreve, no segmento relativo a “rendimentos dos outros elementos do agregado familiar”, em que o dito técnico informa que tais rendimentos “não foram quantificados, dado o requerente desconhecer os seus montantes”.
Por via disso, ou seja, por tais informações (na parte em apreço) se basearem unicamente no que o apelante referiu ao técnico do IRS, não se vislumbra do que é que ele (recorrente) poderia querer pronunciar-se sobre ele (como refere na conclusão 3 das suas doutas alegações), nem como é que “lhe foi negado o direito de impugnar a veracidade do seu conteúdo e de sobre ele fazer contraprova” (conclusão 5 das suas alegações).
Mas passemos adiante.
Proclama o art. 147º-E da OTM - incluído no capítulo das “disposições gerais” aplicáveis a todos os processos tutelares cíveis especialmente regulados nas várias secções do capítulo II do título II daquele diploma, entre os quais se conta, na secção II, arts. 174º e segs., o de regulação do exercício do poder paternal - que “as partes têm direito a conhecer as informações, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessários” (nº 1), acrescentando, ainda, que “é garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas pelos meios previstos no nº 1” (nº 3).
Mas para que o direito ao contraditório “fique salvaguardado e seja possível às partes pedir esclarecimentos e requerer outras informações necessárias, deverão (elas) ser notificadas da junção aos autos desses elementos probatórios” (assim, Tomé Ramião, in “Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada”, 7ª ed., 2008, pg. 36, que justifica a necessidade daquela notificação com o argumento de que “a efectividade do direito de defesa pressupõe o conhecimento pelas partes das informações e dos relatórios, exames e pareceres constantes do processo”).
Não há, por isso, dúvida alguma de que nos processos da OTM (também) vigora o princípio do contraditório relativamente aos meios de prova, quer quanto aos que são oferecidos pela parte contrária, quer relativamente aos que são solicitados ou requisitados pelo Tribunal e que o seu exercício pelas partes exige que sejam notificadas dos mesmos.
No caso, as partes (requerente e requerida, ora apelante e apelada) deviam ter sido notificadas dos relatórios sociais que estão juntos a fls. 272 a 275 (referente à requerida D…………….) e 276 a 279 (relativo ao requerente C……………).
Constata-se, no entanto, dos autos (folhas que se seguem aos mesmos) que só o Ministério Público teve vista daqueles relatórios sociais (v. fls. 280); o requerente e a requerida não foram notificados nem da sua junção aos autos, nem do seu conteúdo.
E nada permite pôr em causa que o ora apelante, como afirma no recurso, só tenha tido conhecimento da junção aos autos desses relatórios quando foi notificado da douta sentença recorrida, na qual os mesmos são indicados como meios de prova em que a Mma. Juiz se estribou para fixação dos factos provados.
Não há, por conseguinte, dúvida de que o aludido princípio do contraditório foi violado (ou não foi cumprido) relativamente ao relatório social atinente ao requerente-apelante (único que está em causa nas conclusões das suas alegações).
Perante tal violação que atitude devia o apelante tomar?
A esta questão responderemos no item seguinte.
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3.3. Como devia reagir o apelante contra a referida violação do contraditório?
Vimos atrás que o exercício do contraditório não se cumpriu por ter sido omitida a notificação ao apelante do dito relatório social.
Tratou-se da omissão de um acto que a lei prescreve susceptível de influir na decisão da causa.
Tal omissão é geradora de nulidade do acto omitido e a sua arguição tempestiva e pelo meio adequado poderia levar também à anulação dos termos subsequentes que dele dependem absolutamente; no caso, à anulação da sentença na parte relativa à pensão de alimentos.
É o que decorre do disposto no art. 201º do C.Proc.Civ., onde se enquadra aquela omissão (neste sentido, expressamente, Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimb. Ed., 1999, vol. 1º, pg. 347, que refere que “a ampla consagração do princípio do contraditório implica a necessidade da prática de actos – maxime, de notificação para a tomada de posições da parte – que a lei só genericamente prescreve … e que, como tal, … integram a previsão do nº 1” daquele art. 201º, acrescentando a fls. 348 e 349 que “constituem exemplos de omissão de acto prescrito por lei … a falta de notificação à parte contrária da apresentação de documento, … a falta de notificação às partes do relatório pericial …”, situações estas equivalentes à que aqui está em causa).
Esta nulidade não é, porém, de conhecimento oficioso; depende antes de arguição das partes, mais propriamente do interessado na observância da formalidade ou na repetição do acto – arts. 202º «a contrario», 203º e 205º nº 1.
Como o apelante só teve conhecimento do acto gerador da apontada nulidade quando foi notificado da sentença da 1ª instância, dispunha de 10 dias (art. 153º nº 1 do C.Proc.Civ.), após essa data, para a respectiva arguição; e devia fazê-lo perante o Tribunal de 1ª instância, já que as nulidade processuais são aí suscitadas, em regra, só não o sendo no caso previsto no nº 3 do citado art. 205º que aqui não tem aplicação, pois não havia recurso pendente enquanto corria o prazo para a arguição da nulidade.
A tal não obstava o disposto no art. 666º nº 1 do C.Proc.Civ. já que, por um lado, “ocorrida uma nulidade de acto processual que, nos termos do art. 201-2, deva acarretar a nulidade da sentença, não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (…), o qual só ocorre quanto ao objecto da decisão” (neste sentido, do qual é aliás a citação acabada de fazer, Lebre de Freitas, ob. e vol. cit., pg. 351; idem, Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, 513 e 514, que é taxativo em dizer que quem julga as nulidades previstas nos arts. 193º a 208º do C.Proc.Civ., com a excepção supra apontada e uma outra que também aqui não interessa, “é o tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu”, quer elas “sejam anteriores ou sejam posteriores à sentença ou acórdão final”) e, por outro, porque tal nulidade não se encontra expressa ou implicitamente coberta por qualquer despacho que a tenha apreciado, tanto mais que a sua apreciação não é de conhecimento oficioso, como se disse, dependendo sim de arguição da parte que pretende a invalidade do acto (sobre esta problemática das nulidades processuais dos arts. 193º e segs. cobertas por despacho judicial e modo de reagir contra elas, veja-se Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Almedina, vol. III, pgs. 134 e 135).
Acontece, todavia, que o apelante não arguiu a nulidade decorrente da apontada omissão perante o Tribunal de 1ª instância, o que implica que a mesma se mostre sanada e tudo se passe como se ela não tivesse ocorrido, de nada lhe valendo a argumentação que expende nas conclusões 1 a 7 das suas alegações que, assim, improcedem totalmente, não podendo, contrariamente ao que pretende na primeira parte da conclusão 14, dar-se aqui “como não fundamentada a resposta à matéria de facto acima alegada” (diga-se que nestas não vem suscitada aquela nulidade, mas mesmo que viesse não podia este Tribunal de 2ª instância apreciá-la por não ser o competente para tal, como decorre do que atrás se deixou anotado).
Daí que nenhum impedimento se vislumbre à atendibilidade do referido relatório social como meio de prova relevante para fixação dos factos dados como provados na douta sentença da 1ª instância, particularmente dos referentes aos rendimentos/proventos do recorrente.
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3.4. O relatório social é meio de prova idóneo para apuramento dos rendimentos económicos do apelante?
O apelante, na conclusão 8 das alegações, põe também em causa a idoneidade do relatório social como meio de prova para aferição dos seus rendimentos económicos, sustentando que estes só poderiam resultar dos recibos do seu vencimento, da documentação fiscal relativa a sua declaração de rendimentos ou de confissão sua.
Entende, por conseguinte, que se trata de matéria sujeita a meio de prova vinculada (documental ou por confissão).
Não lhe assiste razão alguma, já que inexiste qualquer norma (e o recorrente também não a invoca) que imponha, nesta espécie processual ou em qualquer outra, que a prova dos rendimentos das partes só possa fazer-se por algum dos meios indicados na dita conclusão 8. Nem faria sentido que assim fosse, sob pena de quase nunca (excepto no caso dos trabalhadores legais por conta de outrem) então se conseguirem apurar os rendimentos ou proventos das partes obrigadas ao pagamento de pensões de alimentos. Basta atentar que nesses casos uma “confissão do próprio” seria utópica e nunca ocorreria, que as declarações de rendimentos (quando não se trata de trabalhadores legais por conta de outrem) raramente traduzem os efectivos proventos obtidos pelo sujeito contribuinte (com sub-indicação dos rendimentos e sobrevalorização das despesas) e que muitas vezes não há recibos ou estes traduzem apenas uma pequena parte dos proventos conseguidos no exercício da actividade profissional.
Pelo contrário, a idoneidade do inquérito ou relatório social como meio de prova para apuramento da situação económica dos pais, nas acções de regulação do exercício do poder paternal, está expressamente atribuída no nº 3 do art. 178º da OTM que estatui que o inquérito visa apurar da “situação social, moral e económica dos pais”, resultando, ainda, do art. 147º-B nº 1 que esse inquérito ou relatório não é mero adereço no processo (se o fosse a sua solicitação seria um acto inútil), servindo sim “para fundamentação da decisão” por parte do Juiz.
Temos, por isso, como indubitável que o relatório social a que o recorrente alude era (é) meio de prova idóneo e legalmente previsto para apuramento (e fixação na sentença) dos rendimentos/proventos económicos por ele auferidos, além de ter sido obtido pela forma admitida por lei (solicitado pelo Tribunal à entidade competente para a sua elaboração).
Nada obstava, portanto, a que o mesmo fosse considerado pela Sra. Juiz da 1ª instância na fixação dos factos que deu como provados, no âmbito do poder da livre apreciação das provas carreadas e/ou produzidas nos autos previsto no art. 655º do C.Proc.Civ..
Improcede, deste modo, também a conclusão 8 e não há, igualmente, por aqui que dar “como não fundamentada a resposta à matéria de facto acima alegada”, nem ordenar “a repetição do julgamento para prova de tal facto”, como pretende o recorrente na conclusão 14.
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3.5. Uma alteração dos rendimentos do apelante, verificada em momento posterior ao da produção dos meios de prova, pode ser atendida neste recurso?
Nas demais conclusões sustenta o apelante que “ocorreram alterações substanciais” na sua vida económica (concl. 9), que “não tem, hoje, quaisquer rendimentos, porquanto também não aufere vencimentos de gestão da sua sociedade comercial” (concl. 11) e que se encontra numa situação de “absoluta incapacidade económica” (concl. 15). Por causa disso pretende ficar isento do pagamento da pensão de alimentos à sua identificada filha menor (ser “absolvido do dever de contribuir mensalmente com qualquer pensão de alimentos”, como refere na parte final da conclusão 15).
Também nesta parte a argumentação do recorrente não merece acolhimento.
Em primeiro lugar, porque não está provado (nem o recorrente junta prova disso) qualquer facto demonstrativo de diminuição de proventos do exercício da actividade profissional por parte do mesmo, relativamente aos que foram fixados na douta sentença recorrida, nem, muito menos, que ele não aufira actualmente quaisquer rendimentos.
Em segundo lugar, porque mesmo que alguma alteração tivesse ocorrido, em tal âmbito, em momento posterior ao da elaboração do apontado relatório social e/ou ao da prolação da sentença na 1ª instância, tal circunstância não poderia ser atendida neste recurso por se tratar de factos novos e porque os recursos não visam a apreciação de situações novas mas apenas a apreciação/reexame do que foi decidido ou podia ter sido decidido na decisão posta em crise - arts. 684º nºs 2 e 3 e 684º-A do C.Proc.Civ..
Em terceiro lugar, porque a ter-se verificado a alegada alteração de circunstâncias, isso será sim motivo de alteração do regime fixado na referida sentença, na parte referente à pensão de alimentos, nos termos previstos no art. 182º da OTM, cuja iniciativa e impulso processual caberá ao aqui apelante e que deverá ter lugar na 1ª instância (no sentido do que se deixou referido no parágrafo anterior e neste, cfr. Ac. da Rel. do Porto de 23/11/2006, proc. 0635220, publicado in www.dgsi.pt/jtrp, que sentenciou que “no processo de regulação do exercício do poder paternal, há que atender, …, ao disposto no art. 182° n° 1 da OTM: os factos supervenientes, ocorridos posteriormente à decisão, podem fundamentar a alteração desta, porém com recurso a uma nova regulação do poder paternal, que terá de ser tramitada de acordo com o disposto nos arts. 174° e seguintes da OTM” e que “os princípios orientadores dos processos de jurisdição voluntária não permitem, no entanto, que seja atendido na decisão um facto que apenas é trazido aos autos em sede de recurso”, já que estes “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre”; quanto a este último ponto, veja-se Amâncio Ferreira, in “Manual de Recursos em Processo Civil”, 2ª ed., pg. 127 e 128).
Daí que improceda também o que o apelante requer na conclusão 15, não sendo de isentá-lo do dever de contribuir mensalmente com a pensão de alimentos em que foi condenado na sentença recorrida.

E embora o apelante não requeira expressamente uma redução do quantitativo de alimentos em cujo pagamento foi condenado, não deixaremos de abordar, embora sucintamente, a questão de saber se merece alguma censura o montante que na douta sentença foi arbitrado a este título, uma vez que tal problemática está aflorada (implícita) na argumentação expendida na conclusão 12 das alegações, em que aquele põe em causa os parâmetros factuais em que a Mma. Juiz radicou essa parte da decisão, além de se tratar de um «menos» relativamente à pretendida isenção do pagamento da dita pensão de alimentos.
É sabido que o dever dos pais providenciarem pelo sustento dos seus filhos é inerente ao poder paternal, integrando o respectivo conteúdo, conforme dispõe o art. 1878º nº 1 do C.Civ. (diploma de que serão os preceitos que de seguida se indicarão) que proclama que “compete aos pais, no interesse dos filhos, …, prover ao seu sustento”; e só cessa quando estes estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos”, a sua própria “alimentação” – art. 1879º.
Os alimentos compreendem “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” do alimentando, incluindo a sua “instrução e educação”, no caso deste ser menor – art. 2003º - e devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los – art. 2004º nº 1. O Tribunal ao fixá-los, numa acção de regulação do poder paternal, deve considerar, em primeira linha, o «interesse do menor», de acordo com o estabelecido no art. 1905º nº 2.
Esta prioridade do «interesse do menor», particularmente nos casos, como o presente (em que a menor Bruna tem actualmente apenas 9 anos), em que este é totalmente incapaz de prover aos seu sustento, “determina que se passe para um plano secundário aquilo que, na perspectiva de quem é obrigado à prestação alimentícia, poderia ter relevo para fixar o seu quantitativo” (citação extraída do Ac. da Rel. de Lisboa de 26/06/2007, proc. 5797/2007-7, in www.dgsi.pt/jtrl).
No caso, pela prevalência do interesse da identificada menor, não pode atender-se à argumentação a que o apelante parece fazer apelo na referida conclusão 12, de que a quantia de alimentos à sua filha só devia ter em conta e ser fixada em função dos seu rendimentos disponível, depois de deduzidas ao rendimento proveniente do trabalho todas as despesas que estão elencadas nos 2º e 3º parágrafos do ponto 12 dos factos provados. Tais despesas têm aqui um valor secundário e caso o apelante não consiga suportar o pagamento das mesmas e dos alimentos à menor, sua filha, deverá abrir mão (abdicar) de algumas dessas despesas ou reduzi-las e não pretender a redução dos alimentos daquela, pois nestes está em causa a própria subsistência e a educação da menor, enquanto ali podem estar e seguramente estão gastos que não são absolutamente necessários e que podem ser minorados, como acontece com a mensalidade de € 360,00 que suporta pela aquisição de uma viatura da marca Mercedes (claro que se o apelante não puder suportar a dita pensão de alimentos e esta prestação pela aquisição da viatura, só lhe restará uma saída: renegociar o seu crédito junto da entidade financiadora ou mudar para uma viatura mais barata; o que não pode quer é que, em tal conjuntura, lhe seja reduzida a prestação de alimentos necessários ao sustento da sua filha).
Por isso é que, sopesando, em primeira linha, as necessidades da menor, em atenção à sua idade, e o rendimento auferido pelo apelante e colocando no devido lugar, ou seja, em segundo plano, as apontadas despesas, nenhuma censura merece a douta sentença recorrida no montante que arbitrou a título de alimentos a suportar por aquele, o qual se mostra justa e adequadamente quantificado [aliás, o próprio apelante, perante circunstancialismo em tudo idêntico ao que relevou para fixação dos alimentos, sugeriu, a fls. 255 a 257, nas suas alegações (de 16/02/2007 – três meses antes da audiência de discussão e julgamento), que os mesmos deveriam ser arbitrados em € 250,00, ou seja, em mais € 50,00 do que os que foram concretizados na sentença recorrida].
Quer isto significar que nem por aqui o recurso merece provimento, o qual, assim, improcede totalmente.
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3.6. O apelante litiga de má fé?
Resta apreciar a questão suscitada pela apelada nas suas contra-alegações: se o recorrente litiga de má fé.
Começaremos por dizer que temos como boa a orientação jurisprudencial que entende que “a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do art. 456º do CPC” e que “não é por não se ter provado a versão dos factos alegada por uma parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má fé”, tanto mais que “a verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do Juiz, que não atinge, porém, a certeza das verdades reveladas”, sendo “a verdade judicial uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico–sociológico”, o que impõe que o julgador seja “muito prudente no juízo sobre a má fé processual” (neste sentido, Acs. do STJ de 11/12/2003 e de 15/10/2002, in www.dgsi.pt/jstj).
Tendo por base estas sábias considerações vertidas nos doutos arestos do nosso mais Alto Tribunal acabados de citar, entendemos que não se pode afirmar que o apelante, nesta fase do recurso (que é a que interessa contemplar), tenha extravasado os poderes e deveres que a lei processual lhe faculta para a efectiva defesa e sustentação dos seus direitos em Tribunal, não se vislumbrando que, com dolo ou negligência grave (requisitos exigidos no corpo do nº 2 do art. 456º do C.Proc.Civ.), tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, tenha alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tenha praticado omissão grave do dever de cooperação ou tenha feito um uso manifestamente reprovável do processo e dos meios processuais com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça (situações contempladas nas alíneas do nº 2 daquele art. 456º). Limitou-se a exercer o direito de recurso que a lei lhe faculta, embora não tenha convencido o Tribunal da argumentação que aduziu nas alegações.
Por isso, não há lugar à sua condenação como litigante de má fé, improcedendo a pretensão que a recorrida D………… formulou neste âmbito.
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IV. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.
2º) Condenar o recorrente nas custas devidas pelo recurso.
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Porto, 2008/10/21
Manuel Pinto dos Santos
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José B. Marques de Castilho