Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1520/17.3T9PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME
SUBTRACÇÃO DE MENOR
INCUMPRIMENTO
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RP201906261520/17.3T9PNF.P1
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 803, FLS 289-299)
Área Temática: .
Sumário: I – Não é qualquer incumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor no exercício das responsabilidades parentais que permite a imputação do crime de subtração de menores, p. e p. pelo artigo 249.º, n.º 1, c), do Código Penal, antes se impondo a demonstração de conduta reiterada no tempo, injustificada e grave, aferida, no caso concreto, pelos reflexos que terá na relação do progenitor com o menor.
II – A circunstância de o Tribunal de Família e Menores nunca ter chegado a pronunciar-se sobre uma qualquer situação de incumprimento relativamente aos factos objeto do processo não obsta à subsunção ao tipo de crime de subtração de menor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 1520/17.3T9PNF.P1
Secção Criminal

Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Tribunal Recorrido: Penafiel/Juízo Local Criminal-J2
Comarca: Porto Este
Processo: Comum Singular n.º 1520/17.3T9PNF

Demandante: B…
Arguida/Recorrente: C…

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
a) Por sentença proferida e depositada a 14 de Fevereiro de 2019, nos autos supra referenciados, foi a arguida C…, com os demais sinais dos autos, condenada pela prática de 1 (um) crime de subtracção de menor, previsto e punível pelo art. 249º, n.º 1, al. c), do Cód. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros)[1].
b) Mais foi condenada a pagar ao demandante B… a quantia de € 600,00 (seiscentos euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a sua notificação para contestar o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, a título de compensação dos danos não patrimoniais sofridos.
c) Inconformada, a arguida C… interpôs recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques/sublinhados)
a) Resulta de informação prestada aos autos pelo Juízo de Família e Menores de Paredes J1, processo n.º 2233/13.0TBPNF, que não se encontra pendente qualquer incidente de incumprimento suscitado pelo assistente relativo aos factos objecto destes autos;
b) O único incidente de incumprimento pendente foi suscitado pela própria arguida e relacionado com a impossibilidade de falar com a menor quando a mesma se encontra com o progenitor.
c) Logo, tendo sido uma questão suscitada pela arguida em sede de contestação, a mesma deveria ter sido levada à matéria de facto (provada ou não provada).
d) E, no caso concreto, dada a informação oficial constante dos autos, deveria ser considerado provado que nunca foi instaurado e muito menos, verificado qualquer incidente de incumprimento relativo aos factos constantes nestes autos.
e) Desta forma, deverá ser aditada à matéria de facto provada que: "nunca o assistente suscitou qualquer incidente de incumprimento relativamente aos factos em causa nos autos e que nunca o Tribunal de Família e Menores considerou verificado qualquer incumprimento quanto a estes factos."
f) E, consequentemente, nunca tendo sido verificada a existência, desde logo por falta de participação do assistente/progenitor, de qualquer incumprimento, como pode vir o Tribunal Criminal querer substituir-se na decisão/julgamento de uma matéria de natureza estritamente civil.
g) A conduta da arguida não configura assim um incumprimento injustificado, não se mostrando preenchidos os elementos tipificadores do crime de subtração menores p.p. pelo art. 249º n.º 1 al. c) do Cód. Penal.
h) A Lei 61/2008 restringiu o tipo penal em causa na medida em que a recusa, tal como o atraso e a criação de dificuldades, só têm relevância típica quando consubstanciarem uma conduta repetida, ou seja, reiterada no tempo e injustificada.
i) Na nova formulação, o tipo legal do artigo 249º do Código Penal pode, deste modo, ser integrado «por intermédio de um facere ou de um omittere: a recusa e, em princípio, o atraso na entrega do menor serão, por via de regra, concretizados através de uma omissão, ao passo que, para além de se não afastar a comissão activa no atraso, dificultar a entrega tanto admite acção como non facere». «Enquanto se mantiver a recusa na entrega, o crime diz-se permanente, como já sucedia com a anterior redacção do art. 249.º, n.º 1, alínea c)».
j) Tendo em conta o critério da conduta, o delito apresenta-se como de execução vinculada, porquanto só as específicas modalidades descritas no tipo-de-ilícito objectivo são aptas a consumar o crime» (cfr. ANDRÉ LAMAS LEITE, «o Crime de Subtracção de Menor - Uma Leitura do Reformado Art. 249º do Código Penal», "Julgar", n.º 7, Janeiro-Abril, 2009, p. 99, segs. e J. M Damião da Cunha, «Anotação ao art. 249º do Código Penal», pág. 619-620).
k) A atual redação do art. 249.º, n.º 1, alínea c), interpretada logo pela construção da tipicidade, visa acorrer às situações em que a recusa, atraso ou criação de dificuldades sensíveis na entrega ou acolhimento do menor, se faz, por exemplo, através da fuga para o estrangeiro de um dos vinculados pelo regime de regulação das responsabilidades parentais (no mesmo sentido André Lamas Leita, ob. cit. pág. 123), ou através de comportamentos ou abstenções de semelhante dimensão, com graves prejuízos para a estabilidade e os direitos dos menores; é em tais circunstâncias que se impõe, não uma exigência de abstenção dos Estados face às relações jurídico-familiares, mas também deveres de conteúdo positivo, fazendo impender sobre os Estados o dever de criar mecanismos legais expeditos para o cumprimento".
l) Tendo em conta o critério da conduta, o delito apresenta-se como de execução vinculada, porquanto só as específicas modalidades descritas no tipo-de-ilícito objectivo são aptas a consumar o crime» (cf. André Lamas Leita, ob. cit, p. 99, segs.).
m) Todavia, neste contexto de alargamento da incriminação e, considerando que o direito penal deve ser a última ratio da intervenção estadual nas relações sociais, há que encontrar o ponto de equilíbrio.
n) É de assinalar a tendência do legislador para recorrer a sanções penais para fazer valer o cumprimento de normas jurídicas que pouco ou nada bolem com princípios essenciais e em que a intervenção e punição do direito penal ao invés de solucionar a situação, em regra agrava-a.
o) Segundo ANDRÉ LAMAS LEITE, "o legislador continua, de modo crescente, a lançar mão das sanções criminais como forma de assegurar o cumprimento de normas jurídicas que pouco ou nada contendem com valores fundamentais comunitários e em que o arsenal punitivo do Direito Criminal, mais do que solucionar alguma coisa, em regra acicata o problema".
p) Sabemos que, por norma, o Estado não deve intervir nas relações familiares, salvo se existir um interesse superior que o exija. E temos igualmente em conta que à reserva da vida privada e familiar é reconhecimento assento constitucional no artigo 26° da Constituição da República Portuguesa.
q) O mero incumprimento do acordo/sentença de regulação das responsabilidades parentais não reclama desde logo a intervenção estatal, nomeadamente a intervenção do direito penal, existindo outros instrumentos para fazer cumprir esse regime.
r) De facto, o incumprimento do direito de visita tem no REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL um mecanismo destinado a acorrer a hipóteses de recusa de entrega do menor (artigo 49º do RGPTC) nos termos do qual o tribunal pode ordenar a entrega judicial da criança, o que pode passar pelo uso da força pública, embora deva ser-se muito cuidadoso em tal utilização, atentos os interesses em causa e o acautelar o "interesse superior do menor".
s) Pode também, ser requerida a condenação do progenitor "faltoso" em indemnização a favor do menor ou do requerente ou ambos (artigo 41 do RGPTC).
t) Recorde-se que o assistente nada requereu ou suscitou junto do Tribunal de família e Menores onde corre o processo.
u) Importa referir que as medidas coercivas podem subdividir-se em medidas de execução coerciva directa e medidas de execução coerciva indirecta.
v) Com efeito, o incumprimento do regime de visitas encontra, como vimos, outras formas de ser tutelado que não passa pelo recurso à via penal, como por exemplo, através da propositura de uma ação de incumprimento.
w) Consideramos que estamos numa época marcada por grandes mudanças a nível das relações interpessoais, em que a criminalização de certas condutas poderá contribuir para uma maior e mais efectiva protecção dos direitos das crianças.
x) No entanto, não podemos deixar de concordar com Conceição Cunha quando afirma que "esta incriminação só seria (será) legítima, comprovada a ineficácia daqueles mecanismos (referindo-se aos mecanismos previstos na OTM) e, ademais, se, comparadas as vantagens e desvantagens da intervenção penal, aquelas sobrelevassem estas, o que também não será assunto pacífico".
y) É que a criminalização destas condutas poderá ter como consequência o recurso exagerado e injustificado aos processos- crime por incumprimento do regime de visitas, o que, na maior parte dos casos, terá efeitos nefastos sobre a própria criança.
z) Neste sentido a APMJ, no seu Parecer sobre a matéria (disponível em http://www.apmj.pt, p.17) não deixa também de sublinhar que a alínea c) do artigo 249° do Código Penal "aumenta o conflito parental, pois, com prejuízo para a estabilidade da criança, os pais passam a ter ao seu dispor a ameaça de uma queixa-crime contra o outro. Como na maioria dos casos são as mulheres que têm a guarda dos filhos são elas que se encontram nesta situação de poderem ser perseguidas penalmente".
aa) André Lamas Leite, ob. cit. pág. 124 fala em incumprimento qualitativamente qualificado, referindo ainda que o mesmo deve ser injustificado.
bb) Com relevância, cita-se o Acórdão desse Tribunal da Relação do Porto, de 25.03.2010, em que foi relator Joaquim Gomes, proferido no proc. 1568/08.9PAVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt no qual se diz claramente que "não basta um mero incumprimento do regime de visitas ou das responsabilidades de guarda do menor, para que se tipifique o crime de subtracção de menor, na vertente do subtipo do art. 249°, 1, al. c) do C. Penal (recusa de entregar o menor à pessoa que sobre ele exerce poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legalmente confiado)". (...) a recusa, o atraso, ou estorvo significativo na entrega do menor, só têm relevância jurídico-penal para efeitos do referido crime de subtracção de menores, se essas condutas forem graves, isto é, se significarem uma autêntica rutura na relação familiar ou habitual entre o menor e os seus progenitores, ou com aquele a quem o mesmo se encontra confiado, e corresponderem ainda a uma lesão nos direitos ou interesses do menor e não em relação àqueles a quem o menor está confiado".
cc) O que, claramente não aconteceu nos autos;
dd) No caso em apreço o que a norma penal visa, exactamente, prevenir é a existência de uma ruptura familiar entre os progenitores e o filho, mais concretamente no direito de aqueles conviverem com este, punindo as condutas que, pela sua gravidade, possam conduzir a um afastamento físico e afectivo entre os progenitores e os filhos, determinante de uma quebra de laços, com repercussões muito nefastas no seio familiar e na vida da criança.
ee) Com efeito, um dos elementos típicos do crime previsto na al. c) do artigo 249º do Código Penal é, pois, a violação do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais.
ff) E exige-se uma conduta repetida, o que quer dizer que tem que ser mais do que uma. Dependendo da gravidade da conduta e dos reflexos que a mesma tem na vida familiar do menor, assim, um comportamento que se repete por duas vezes, poderá ou não integrar o tipo de ilícito e, também nem sempre uma conduta levada a cabo por forma mais ou menos sistemática, integrará, necessariamente, o crime em causa.
gg) Ora, considerada a matéria de facto assente, e atendendo-se ao facto de jamais o Tribunal de Família e Menores ter sido chamado a pronunciar-se, entendemos que a mesma não integra, nem se subsume à prática pela arguida do crime de subtração de menores, previsto e punível no art. 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal.
hh) Pelo que deve a arguida ser absolvida, revogando-se a sentença recorrida.
d) Admitido o recurso, por despacho de fls. 251, respondeu o Ministério Público pugnando pela sua improcedência e manutenção do decidido[2], concluindo a motivação nos seguintes termos:
1 - Inexiste qualquer insuficiência ou contradição insanável na apreciação e fixação da matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal na douta decisão recorrida.
2 - Foi feita uma correcta subsunção dos factos provados ao Direito aplicável.
3 - Não foi, pois, violado qualquer dispositivo legal.
c) Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência parcial do recurso, por nulidade da decisão por omissão de pronúncia, visto não ter sido considerado provado ou não provado facto vertido na contestação, relativo à não suscitação de incidente de incumprimento do regime regulador das responsabilidades parentais da menor no Tribunal de Família e Menores, em que assentava a tese defensiva da arguida no sentido de que sem prévia intervenção deste não podia verificar-se o crime imputado.
f) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, respondeu a recorrente acompanhando a argumentação do dito parecer e reiterando a sua tese recursória.
g) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica [cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt, e de 3/2/1999 e 25/6/1998, in B.M.J. 484 e 478, págs. 271 e 242, respectivamente], sem prejuízo das questões de conhecimento oficiosos, as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento.
Assim, no presente caso, as questões suscitadas são as da nulidade decisória e errónea subsunção dos factos ao crime de subtracção de menor.
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2. A fundamentação de facto que consta da decisão recorrida e importa considerar é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. A menor D… nasceu no dia 7 de Abril de 2007, sendo filha de B… e da arguida C….
2. Por douta sentença judicial proferida a 19.01.2015, no âmbito do processo n.º 2233/13.0TBPNF de regulação das Responsabilidades parentais o qual correu termos nesta Comarca de Porto Este, Paredes, Instância Central, Secção de Família e Menores, J 1, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativas à D…,
3. Segundo o qual, para além do mais, ficou estipulado no seu ponto II, que, sic:
«a) O pai passará com a menor um fim-de-semana de quinze em quinze dias, de forma alternada, podendo ainda, jantar com esta, todas as quartas-feiras;
b) Para tanto, o progenitor deverá recolher a menor em casa da progenitora até às 10h00 de sábado, devendo entregá-la até às 19h00 de domingo, durante os meses de Inverno, e até às 20h00 nos meses de Verão, (...)»
4. E no seu ponto III, que, sic:
«a) Nas férias escolares de Verão, a menor passará com o progenitor dois períodos ininterruptos de oito dias cada, devendo a progenitora ser avisada do período pretendido até 30 de maio de cada ano; ( ... )»
5. No dia 15 de Julho de 2017, pelas 10h00m, o ofendido deslocou-se à residência da arguida, sita na rua …, n.º …, …, em Penafiel, a fim de recolher a sua filha D…, e passar com a menor o fim-de-semana quinzenal.
6. Porém, uma vez aí chegado e após tocar várias vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
7. Razão pela qual o ofendido chamou a GNR, a qual uma vez no local, cerca das 10h40m, também realizou várias tentativas de contacto, tocando vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
8. Pelo que o ofendido, abandonou o local sem levar consigo a sua filha D….
9. No dia 29 de Julho de 2017, pelas 10h00m, o ofendido deslocou-se à residência da arguida, sita na rua …, n.º …, …, em Penafiel, a fim de recolher a sua filha D…, e passar com a menor o fim-de-semana quinzenal.
10. Porém, uma vez aí chegado e após tocar várias vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
11. Razão pela qual o ofendido chamou a GNR, a qual uma vez no local, cerca das 10h30m, também realizou várias tentativas de contacto, tocando vezes à porta da residência da arguida, a esta não atendeu.
12. Pelo que o ofendido, abandonou o local sem levar consigo a sua filha D….
13. No dia 12 de Agosto de 2017, pelas 10h00m, o ofendido deslocou-se à residência da arguida, sita na rua …, n.º …, …, em Penafiel, a fim de recolher a sua filha D…, e passar com a menor o fim -de-semana quinzenal.
14. Porém, uma vez aí chegado e após tocar várias vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
15. Razão pela qual o ofendido chamou a GNR, a qual uma vez no local, cerca das 10h45m, também realizou várias tentativas de contacto, tocando vezes à porta da residência da arguida, a esta não atendeu.
16. Pelo que o ofendido, abandonou o local sem levar consigo a sua filha D….
17. No dia 26 de Agosto de 2017, pelas 10h00m, o ofendido deslocou-se à residência da arguida, sita na rua …, n.º …, …, em Penafiel, a fim de recolher a sua filha D…, e passar com a menor o período férias escolares de Verão, de oito dias, conforme havia acordado previamente com a arguida.
18. Porém, uma vez aí chegado e após tocar várias vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
19. Razão pela qual o ofendido chamou a GNR, a qual uma vez no local, também realizou várias tentativas de contacto, tocando vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
20. Pelo que o ofendido, abandonou o local sem levar consigo a sua filha D….
21. No dia 09 de Setembro de 2017, pelas 10h00m, o ofendido deslocou-se à residência da arguida, sita na rua …, n.º …, …, em Penafiel, a fim de recolher a sua filha D…, e passar com a menor o fim-de-semana quinzenal.
22. Porém, uma vez aí chegado e após tocar várias vezes à porta da residência da arguida, esta não atendeu.
23. Razão pela qual o ofendido chamou a GNR, a qual uma vez no local, cerca das 11h00m, também realizou várias tentativas de contacto, tocando vezes à porta da residência da arguida, a esta não atendeu.
24. Pelo que o ofendido, abandonou o local sem levar consigo a sua filha D….
25. A arguida, em nenhuma das ocasiões supra descritas deu a conhecer, previamente ou posteriormente, ao ofendido, do paradeiro da D… naqueles dias e horas.
26. A arguida sabia que por decisão judicial estava obrigada a entregar a filha, nos termos estipulados nos pontos II e III, do acordo de regulação das responsabilidades parentais relativas à D…,
27. A arguida sabia e não podia ignorar que ao não responder aos contactos do ofendido, supra referidos, na sua residência, e assim não entregar a sua filha menor, para esta e o progenitor pudessem usufruir de visitas, o fazia de forma reiterada e injustificada.
28. Bem sabendo que tal resultaria, como resultou, numa absoluta impossibilidade do progenitor, naquelas ocasiões, saber do destino da filha, e sobretudo o direito da menor de conviver com o pai.
29. A arguida conhecia a ilicitude da sua conduta, bem sabendo que a mesma era proibida e punível por lei, não se tendo, contudo, coibido de a praticar.
30. A arguida não tem antecedentes criminais.
31. A arguida é casada, sendo que o marido encontra-se emigrado na Suíça.
32. A arguida está desempregada e vive com a filha em casa dos pais.
33. A arguida recebe cerca de € 200,00 mensalmente a título de abono de família.
34. A arguida recebe € 110,00 mensalmente a título de pensão de alimentos.
35. Nos dias supra referidos, o demandante sentiu-se humilhado, revoltado, desiludido e frustrado.
36. Os factos praticados pela arguida provocaram no demandante sentimentos de angústia, tristeza, desgosto.
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B) Factos Não Provados
1. O demandante vive em constante sobressalto e tensão sempre que vai buscar a menor, com receio que a arguida adote o comportamento descrito nos factos provados.
2. Nas datas mencionadas nos factos provados e fins de semana a que correspondem, o demandante tinha planeado fazer programas e saídas diversas com a menor, que não conseguiu concretizar.
A restante matéria vertida no pedido cível englobava factos não descritos na acusação, pelo que, não tendo o ofendido se constituído assistente e deduzido acusação, os mesmos não podem ser atendidos.
A matéria vertida na contestação trata-se de matéria de direito.
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C) Motivação
Antes do mais, cumpre transcrever aqui o disposto no artigo 7º, n.º 1 do C.P.P.: "O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa". Assim sendo o tribunal (este) é competente para verificar se, tendo em consideração a sentença homologatório do acordo respeitante à regulação das responsabilidades parentais da menor, existem incumprimentos no que diz respeito ao direito de visitas ao progenitor com quem não reside (que é o que está primariamente em causa).
Isto posto, verificamos que a forma como estão reguladas as responsabilidades parentais da menor, cuja certidão de nascimento consta a fls. 17 e 18, resulta da certidão junta a fls. 21 e seguintes.
O tribunal considerou provado que nos dias descritos nos factos provados o progenitor se deslocou à residência fixada à menor (como podemos retirar daquela certidão) para a ir buscar e para consigo passar o fim-de-semana nos termos constantes do acordo de regulação das responsabilidades parentais e que a mesma não lhe foi entregue, sendo que tocou à campainha várias vezes e ninguém abriu a porta, tendo tentado telefonar à progenitora sem que esta lhe atendesse, com base nas declarações do próprio, corroboradas pelos documentos juntos a fls. 3 a 5, e 38 a 52 (os vários autos de ocorrência elaborados pela GNR, que permitem também dar como provados os factos que dizem respeito à deslocação da força policial ao local e a verificação pelos militares da GNR que ninguém abria a porta quando tocavam à campainha).
Ora, tendo em consideração o que consta de fls. 26/27 (certidão da sentença homologatório de um acordo obtido na regulação das responsabilidades parentais) e lançando mão dos calendários dos anos de 2016 e 2017, facilmente verificamos que as datas mencionadas nos factos provados dizem respeito a fins de semana que menor deveria passar com o progenitor.
No que diz respeito à semana de férias, o progenitor referiu que tinha avisado a mãe até o dia 30 de Maio, conforme acordado, e que também nessa data a menor não lhe foi entregue, nos mesmos termos e com os mesmos elementos probatórios supra mencionados.
A arguida não prestou declarações. E se o seu silêncio não a pode prejudicar, a verdade é que do mesmo também não resulta a negação dos factos (assim como também não resulta a admissão da prática dos factos). Do silêncio nada resulta. Pelo que, sendo as declarações do progenitor credíveis e convincentes, porque acompanhadas pelos autos de ocorrência e porque as datas a que dizem respeito são, de acordo com o supra mencionado, fins de semana nos quais a menor deveria estar com ele, o tribunal não tem por que duvidar do seu depoimento, também, nesta parte que diz respeito às férias.
Que os incumprimentos eram reiterados resulta do número de vezes que em que ocorreram, sendo que durante dois meses o progenitor esteve privado de estar com a menor, pois também os contactos telefónicos não eram possíveis (tal resultou das declarações do progenitor que, como já referidos, nos convenceram pelos motivos já explanados).
Para os autos não foi carreada qualquer justificação para a arguida naqueles dias não entregar a menor ao progenitor nos termos estipulados no processo que regulou as responsabilidades parentais.
A ausência de antecedentes criminais da arguida resulta do seu CRC junto aos autos.
As condições económicas, profissionais e familiares da arguida foram consideradas provadas com base nas suas próprias declarações, pois, sobre esta matéria, prestou declarações.
No que diz respeito às consequências dos factos praticados pela arguida no estado de espirito do progenitor o tribunal considerou os factos provados com base nas suas próprias declarações e das testemunhas E… e F…, sendo que o que resultou provado decorre das mais básicas regras do senso comum. Sobre aqueles factos que foram considerados não provados, não foi produzida prova em audiência de julgamento.
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3. Por seu turno, da apreciação jurídica interessa ponderar o seguinte: (transcrição)
«Dispõe o artigo 249º, n.º l, al. c) do Código Penal, na versão atual e aplicável:
"Quem, de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento é punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias".
O bem jurídico aqui protegido é, a nosso ver, e no caso da previsão em análise da al. c), o interesse do menor a uma relação de proximidade com os seus progenitores, ou seja, a proteção da família, considerando esta em sentido amplo e olhando para o menor, a proteção da família do menor e o seu direito a ser próximo de ambos os progenitores.
Como podemos ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 687/10.6TAABF.S1, de 23-05-2012, disponível em www.dgsi.pt: «O crime de subtração de menores, na formulação da nova redação da alínea c) do n.º 1 do artigo 249º do Código Penal, introduzida pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, afasta-se inteiramente da estrutura e construção típica das als. a), b) e c) (na anterior redação), divergindo mesmo do significado semântico que enquadrava consistentemente a construção tradicional da estrutura típica. No enquadramento de tipicidade, a alínea c) do n.º 1 do artigo 249º na atual formulação não traduz nem expõe manifestamente uma "subtração", mas apenas uma rejeição do cumprimento, ou no rigor, o incumprimento das obrigações decorrentes do regime fixado ou acordado de regulação das responsabilidades parentais de menores: a formulação típica não representa nem prevê uma retirada ou ocultação do menor, ou recusa de entrega à pessoa que exerça o poder paternal, constituindo apenas, em determinadas circunstâncias, o estabelecimento de uma forma instrumental e funcional de injunção ao cumprimento das obrigações decorrentes do regime de responsabilidade parental".
(…)
A al. c) supra transcrita resulta da alteração legislativa introduzida pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro.
Na doutrina não é pacífica a bondade desta alteração, considerando-se que noutros ramos do Direito já estavam previstas formas de reagir contra o comportamento agora previsto como ilícito criminal.
Porém, não podemos sequer dizer que esta opção do legislador é original, sendo que a violação da obrigação de alimentos já há muito se encontra tipificada no artigo 250º do Código Penal, sendo que também esta previsão sofreu alterações com aquela lei.
Podemos, então, concluir que o legislador entendeu que «o bem jurídico tutelado goza de dignidade penal e que o princípio da necessidade impõe o recurso ao Direito Penal, uma vez que outras reações do ordenamento jurídico se mostram ineficazes ou insuficientes para a sua proteção" (André Lamas Leite, in revista Julgar n° 12,2010).
Aqui chegados, também sabemos do cuidado da doutrina e da jurisprudência em interpretar este preceito tendo sempre por perto um dos princípios basilares do Direito Penal: o princípio da subsidiariedade do Direito Penal. Mas o legislador teve o cuidado de, na formulação da previsão do ilícito em causa, não beliscar este princípio, impondo vários pressupostos para o mesmo se verificar, não bastando um qualquer incumprimento de um regime de regulação das responsabilidades parentais para que exista punição penal.
(…)
Os comportamentos que estão previstos na norma em análise (que prevê um tipo de execução vinculada) são, em incumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação das responsabilidades parentais: recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento.
(…)
Porém, atendendo ao carácter de "ultima ratio" do Direito Penal, não é qualquer incumprimento daquele regime que importa a prática do crime. O tipo legal em análise, exige que aquela não entrega seja repetida e injustificada.»
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4. Apreciando do mérito
4.1 Das nulidades decisórias
Sufragou a recorrente - inicialmente sem caracterizar a patologia jurídica e depois pugnando pela ocorrência de nulidade por omissão de pronúncia em adesão à tese vertida no douto parecer do Ex.mo PGA deste Tribunal ad quem – ter invocado na sua contestação, além do mais, que não existia no Tribunal de Família e Menores, qualquer incidente de incumprimento suscitado pelo ofendido/demandante B…, relativo aos factos objecto destes autos, matéria que devia ter sido enumerada na fundamentação de facto decisória, como provada ou não provada, o que não aconteceu.
E, acrescenta que tal matéria devia ser aditada aos factos provados com base na informação oficial junta aos autos.
Esta questão relaciona-se com a tese do recorrente de que, inexistindo no Tribunal de Família e Menores prévio incidente de incumprimento do regime das responsabilidades parentais, in casu quanto ao regime de visitas judicialmente estabelecido, não poderia o tribunal criminal intervir por se tratar de matéria de natureza estritamente civil.
Sendo certo que a factualidade em causa consta, realmente, da contestação e que não foi elencada nos factos dados como provados ou não provados, em virtude do julgador ter considerado – indevidamente – que nessa peça processual apenas fora vertida matéria de direito, é também incontestável que a questão associada à referida alegação foi apreciada e decidida, embora em sede pouco própria[3], considerando o tribunal a quo ser competente com base na previsão legal do art. 7º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, como evidencia o excerto inicial da motivação da convicção supra transcrita.
Assim, o contexto decisório citado admite uma dupla conclusão:
Não tendo enumerado nos factos provados que o ofendido/demandante não suscitara incidente de incumprimento do regime de visitas no Tribunal de Família e Menores respectivo, é óbvio que o julgador deu, implicitamente, como assente tal circunstância pois só assim se compreende a afirmação sobre a competência do tribunal criminal para proferir decisão nessa sede;
2ª – Não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, porquanto esta não versa sobre factos, mas antes sobre a ausência de posição ou de decisão do tribunal quanto a questões que a lei imponha que o juiz tome posição expressa, seja porque submetidas à sua apreciação pelos sujeitos processuais interessados seja porque de conhecimento oficioso, e digam respeito quer à relação material, quer à relação processual.
Com efeito, dispõe o art. 379º n.º 1 c), do Cód. Proc. Penal, que: “É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …”.
Enquadrando esse dispositivo legal, é entendimento unânime que não há omissão de pronúncia quando o Tribunal:
i) Deixa de apreciar todos os argumentos invocados pelo interessado;
ii) Não se pronuncia sobre todas as opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes em defesa da sua tese;
iii) Não deu aos meios probatórios invocados pelo recorrente a mesma relevância que este lhe atribuiu;
iv) Difere no modo de valoração das provas e no juízo daí resultante relativamente ao perspectivado pelo recorrente[4].
Ora, sem elencar a matéria sindicada, o certo é que o tribunal a quo apreciou e decidiu a questão que a recorrente colocava a tal propósito o que afasta a invocada omissão de pronúncia.
E, a circunstância de se extrair do texto decisório que o tribunal a quo contemplou e considerou provada a matéria em causa, também exclui, à partida, a hipótese de verificação da nulidade decorrente de falta de fundamentação.
Na verdade, implementando a exigência constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais, estatuída nos arts. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 97º, n.ºs 1 e 5, do Cód. Proc. Penal, é requisito obrigatório da sentença criminal, sob pena de nulidade, entre o mais a “enumeração dos factos provados e não provados”, como decorre das disposições conjugadas dos arts. 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, al. a), do último diploma supra citado.
Tal enumeração visa garantir, para além de qualquer dúvida, que o tribunal contemplou todos os factos submetidos à sua apreciação.
Todavia, é pacificamente aceite que tal obrigação se restringe aos factos essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes.
Em consequência, a jurisprudência vem afirmando, reiterada e pacificamente, ser desnecessário especificar factos inócuos ou irrelevantes para a incriminação ou para a graduação da responsabilidade do arguido ainda que vertidos nas várias peças processuais constantes dos autos, pelo que apenas os factos que integrem o núcleo estruturante da imputação ou responsabilização criminal terão que ser devidamente especificados e individualizados na sentença já que esta há-de valer por si, sem necessidade de apelo a outras peças processuais para afirmar a sua integral compreensibilidade.
Ora, também nesta vertente, pese embora a tese da recorrente, se afigura que não seria necessário levar aos factos provados ou não provados, por irrelevante para a incriminação, a matéria constante da contestação relativa à inexistência de incidente de incumprimento do regime de visitas no Tribunal de Família e Menores, pelas razões que passamos a explicitar.
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4.2 Da subsunção ao crime de subtracção de menores da alínea c), do n.º 1, do art. 249º, do Cód. Penal
Cotejando a síntese recursória e o excerto da apreciação jurídica atinente à subsunção dos factos ao direito, que supra se transcreveu, facilmente se intui que existe sintonia quase total entre a recorrente e o Tribunal a quo na delimitação da génese, âmbito e requisitos de aplicação da infracção imputada, esgrimindo argumentos dos mesmos autores e citando jurisprudência similar, e afirmando que não é qualquer incumprimento do regime estabelecido para a convivência de menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais que permite a imputação criminosa, antes se impondo a demonstração de conduta reiterada no tempo, injustificada e grave, aferida, no caso concreto, pelos reflexos que terá na relação familiar do progenitor com o menor.
Aliás, a recorrente nem sequer discute se a factualidade apurada e descrita é susceptível de atingir a densificação normativa de “incumprimento repetido e injustificado”, situando-se a divergência num plano formal: A circunstância do Tribunal de Família e Menores nunca ter chegado a pronunciar-se sobre uma qualquer situação de incumprimento relativamente aos factos objecto do processo obstaria à subsunção ao tipo de crime em causa.
Deve anotar-se, desde já, que tal entendimento não encontra suporte inequívoco[5] em qualquer dos excertos doutrinários ou jurisprudenciais citados pela recorrente.
Acresce que a estatuição constante do art. 249º, n.º 1, al. c), do Cód. Penal - que dispõe que "quem, de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento é punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias" -, também não comporta tal exigência no âmbito dos requisitos típicos da infracção, nem destes se extrai que a prévia intervenção do Tribunal de Família e Menores, no sentido de declarar a existência de incumprimento relevante, constitua condição objectiva de punibilidade, nem, aliás, tal seria compatível com a circunstância de aos Tribunais Cíveis não ser cometida competência (vinculativa) em matéria penal, enquanto o processo penal, como bem recordou o Tribunal a quo, “é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa”, nos termos consagrados no art. 7º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
Assim, pese embora o estabelecimento do regime de responsabilidades parentais incumba ao Tribunal de Família e Menores [v. arts. 6º a 8º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09] a questão de saber se ocorreu incumprimento do regime de visitas merecedor de tutela penal, é da estrita competência do Tribunal Criminal não existindo qualquer regime de especialidade ou subsidiariedade que sustente a prévia intervenção daquele primeiro para efeitos de imputação criminosa.
Até porque o objecto e princípios orientadores do RGPTC, definidos nos seus arts. 1º e 4º, não se compaginam minimamente com o processo penal e seus princípios gerais e o incidente de incumprimento regulado no art. 41º tem em vista a resolução das dificuldades ou problemas surgidos no cumprimento do decidido ou acordado quanto ao exercício das responsabilidades parentais e não a declaração ou estabelecimento do “incumprimento repetido e injustificado” pressuposto na tipificação criminal.
E, ainda que tal diploma possibilite a aplicação de determinadas sanções [v.g. a condenação do remisso em multa e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos, e entrega coerciva, podendo ainda, no incumprimento do regime de visitas e para efectivação deste, ser ordenada a entrega da criança presidida por assessoria técnica ao tribunal – n.ºs 1 e 5, do art. 41º], estes procedimentos não só não denotam qualquer relação de prevalência/antecedência relativamente à imputação criminosa, como o próprio normativo em causa, relativamente à questão do incumprimento do regime de visitas, salvaguardou expressamente o contrário, consignando no seu n.º 6 que, “para efeitos do disposto no número anterior” [ou seja para efectivação do regime de visitas] “e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa”.
E, bem se compreende que assim seja já que a tutela criminal instituída nesta sede se relaciona com o reconhecimento da ineficácia dos procedimentos disponibilizados pela lei tutelar para acorrer a determinadas situações de conflito e incumprimento parental, repetido e injustificado, com consequências muito gravosas para o direito de convivência dos menores com os respectivos progenitores e destes com aqueles[7].
Resta, pois, concluir que a imputação do crime de subtracção de menores previsto no art. 249º, n.º 1, al. c), do Cód. Penal, não pressupõe nem depende da prévia participação do incumprimento ao Tribunal de Família e Menores, nenhum reparo merecendo a subsunção jurídica dos factos que consta da decisão recorrida e que apenas foi questionada na perspectiva que ora se apreciou.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto negar provimento ao recurso da arguida C… e manter nos precisos termos a decisão recorrida.
Custas pela recorrente com 4 (quatro) UC de taxa de justiça - art. 513º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[8]]
Porto, 26 de Junho de 2019
Maria Deolinda
Jorge Langweg
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[1] Referência da pena por extenso, de harmonia com a previsão do art. 94º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, comando que a sentença recorrida não observa integralmente mas que, por configurar simples irregularidade, já sanada por falta de invocação atempada, não demanda qualquer outra decisão.
[2] Embora reportando-se a questões que não são as, efectivamente, suscitadas (v.g. inexiste recurso em matéria de facto) ou o foram em perspectiva diversa da analisada (subsunção jurídica).
[3] Depois de se referir no relatório da sentença, tabelarmente, que não havia “nulidades, excepções ou questões prévias obstativas ao conhecimento do mérito da causa”, aprecia-se questão (jurídica) relativa à competência do Tribunal, na fundamentação de facto, mais propriamente, em sede de motivação da convicção destinada à indicação e exame crítico das provas.
[4] Cfr., a propósito, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 21/1/2009 e 11/10/2007, Procs. n.ºs 09P0111 e 07P3330, in dgsi.pt. [5] A citação atribuída a Conceição Cunha reporta-se à fase da discussão da (des)necessidade da incriminação que veio a ser estabelecida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, e não à opção legislativa plasmada na norma em causa, ou seja no art. 249º, n.º 1, al. c), do Cód. Penal.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Aliás, veja-se que, in casu, apesar do marido da arguida se encontrar emigrado, esta recolheu-se a casa dos pais, está desempregada e recebe prestação social irrisória (abono de família de € 200,00), acrescendo pensão de alimentos no valor de € 110,00, pelo que a fixação de multa ou indemnização não teria qualquer efeito útil. E, quanto à entrega coerciva, basta ver que nas 5 situações descritas nos autos, em período decorrido entre Julho e inícios de Setembro, nunca aquela atendeu mesmo quando as autoridades policiais lhe bateram à porta.
[8] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.