Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
992/19.2T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
DECISÃO
SEM AUDIÊNCIA PRÉVIA
REQUERIDO
MEIOS DE REACÇÃO DO REQUERIDO
OBJECTO DA OPOSIÇÃO À DECISÃO
SIGILO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RP20210713992/19.2T8VFR-A.P1
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Aquele contra quem foi decretada uma providência cautelar, sem a sua audição prévia, tem duas formas de reação ao seu dispor nos termos do art. 372º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil: a) a interposição de recurso; b) a dedução de oposição.
II - O requerido interporá recurso se apenas quiser pôr em causa a apreciação da prova produzida relativamente aos factos dados como assentes ou impugnar a aplicação do direito a esses factos.
III - Deduzirá oposição quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova que não tenham sido levados em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
IV - Ao permitir-se ao juiz que, em sede de oposição, mantenha, reduza ou revogue a providência anteriormente decretada consagra-se uma exceção ao princípio de que, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional, quanto à matéria da causa.
V - Tal significa que a decisão inicial não faz caso julgado; é uma decisão provisória e, sendo a segunda seu “complemento ou parte integrante”, o procedimento cautelar, proferida esta, passa a ter uma decisão unitária.
VI - Nem toda a atividade desenvolvida pelo advogado está abrangida pelo sigilo profissional.
VII - Para aferir da abrangência do segredo profissional do advogado e da consequente necessidade de autorização para este prestar depoimento há que ter em atenção uma tríplice realidade: a) a forma como o conhecimento do facto chegou ao advogado, quem o revelou e em que quadro fáctico; b) o teor do facto, que ajuda a perceber se tem ou não natureza de segredo, pois nem tudo o que é revelado ao advogado é, em si, um segredo; c) as próprias circunstâncias do conhecimento e da revelação.
VIII - Estão excluídos do sigilo, por exemplo, os atos e serviços públicos praticados pelo advogado em nome ou para o seu constituinte, de tal modo que o depoimento de uma advogada que incidiu apenas sobre o conteúdo de serviços que prestou relativamente à celebração de uma escritura de partilha e de um contrato de compra e venda por ela autenticado não está abrangido pelo dever de sigilo profissional, devendo, por isso, ser valorado em termos probatórios.
IX - Para que seja decretado o procedimento cautelar de arresto impõe-se a verificação cumulativa de dois requisitos: a) a probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pelo requerente; b) o justo receio da perda de garantia patrimonial do seu crédito.
X - Para que o receio de perda de garantia patrimonial seja considerado justificado não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor, antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 992/19.6T8VFR-A.P1
Apelação
Comarca de Aveiro
– Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – J3
Recorrente: B…
Recorridos: C…; D…, E… e F…; G…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A requerente B…, divorciada, residente na Rua …, nº …., da freguesia e cidade de …, concelho de Santa Maria da Feira, instaurou o presente procedimento cautelar de arresto contra:
- H…, divorciado, residente na Rua …, nº …, da freguesia e cidade de …, concelho de Santa Maria da Feira, representado pelo Administrador de Insolvência Dr. I…, com escritório na Rua …, n.º .., …, Lisboa;
- G…, solteira, maior, residente na Rua …, nº …, da freguesia e cidade de …, concelho de Santa Maria da Feira;
- C…, divorciado, residente na Rua …, nº …, da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira;
- D…, divorciada, residente na Rua …, nº …, da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira;
- E… e marido F…, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua …, nº …, da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira,
Peticionando o arresto do veículo automóvel com a matrícula .. – OR - .. de marca Mercedes-Benz e remoção do mesmo e também do prédio destinado à habitação e ainda um pavilhão destinado à indústria inscrito na matriz fiscal sob o art. 1157 - Urb. de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com o nº 3798 da freguesia de ….
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido casada com o 1.º requerido (estando agora divorciada) e que tendo este sido condenado por decisão transitada em julgado a pagar-lhe a quantia de 146.546,80€, o mesmo ainda não procedeu a qualquer pagamento, tendo, porém, constituído hipoteca sobre o seu imóvel para garantia de créditos concedidos pela banca a uma sociedade comercial da qual é sócio em conjunto com o seu irmão, que não deu nenhum do seu património para garantia de créditos a realizar à sociedade, não o fazendo, em conluio com o seu irmão, que assim o auxiliou a impedir a requerente de ver satisfeito o respetivo crédito através do seu património.
Alegou ainda que apesar de terem sido mandados penhorar saldos de contas bancárias, automóveis e motociclos, todos já tinham sido alienados, sem saldos bancários em virtude de passagem de cheque em favor do seu filho, o que foi feito em conluio, bem como, apesar de se apresentar como não tendo dinheiro, “ofereceu” um veículo automóvel à sua filha, no valor de 30.000€, o que foi feito também para evitar o pagamento à requerente, já que a mesma é estudante e nunca teve quaisquer rendimentos.
Alegou igualmente que o requerido, conluiado com os seus irmãos, realizou a partilha notarial de todo o património imobiliário por óbito dos seus pais, declarando receber 13.000,00€ relativo ao seu quinhão no imóvel, que corresponde a 1/3 de 39.000,00€, valor atribuído ao mesmo, mas que é muito inferior ao valor real.
Admitido liminarmente o procedimento, foi designada data para declarações de parte e inquirição das testemunhas arroladas, sem contraditório prévio dos requeridos, o que ocorreu com observância do formalismo legal.
Seguidamente, o procedimento cautelar de arresto foi julgado procedente e, em consequência, determinou-se o arresto do veículo automóvel com a matrícula .. – OR - .. de marca Mercedes-Benz e do prédio destinado à habitação e ainda um pavilhão destinado à indústria e inscrito na matriz fiscal sob o art.º 1157 - Urb. de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com o nº 3798 da freguesia de …, o que foi efetivado pelo agente de execução indicado nos autos pela requerente.
Devidamente notificados vieram os requeridos deduzir oposição ao decretado arresto:
- A requerida G… alegou que a requerente não tem contacto com os filhos quase há dez anos e que no litígio com o 1.º requerido, a requerente depois de transitado o acórdão proferido pelo STJ instaurou execução onde nomeou à penhora o salário do primeiro requerido, contas bancárias do mesmo, veículos automóveis e casa de morada de família; posteriormente, a requerente instaurou providência cautelar de arresto, onde foi arrestada uma conta bancária domiciliada no Banco V… e nunca a requerente fez referência ao veículo automóvel pertencente à requerida, com a matrícula .. – OR - ..; entre outros factos alegados, invocou quanto a este veículo, que o mesmo sempre pertenceu à requerida, constituindo uma oferta do seu pai quando esta ingressou no ensino superior, sendo que as despesas inerentes à manutenção e impostos do veículo têm sido pagas por ela com os rendimentos que obtém de trabalhos a tempo parcial, razão por que requer o levantamento do arresto sobre a referida viatura;
- O requerido C… sustentou que do alegado pela requerente não consta qualquer facto conducente a demostrar o justo receio de perda da garantia patrimonial na sequência de qualquer ato praticado por ele, invocando ser totalmente alheio e desconhecer as relações pessoais e patrimoniais existentes entre a requerente e o 1.º requerido, alegando ainda nunca ter acordado com este ou com qualquer pessoa o que fosse para impedir que a requerente recebesse o que quer que seja e que apenas foi com o 1.º requerido sócio de uma sociedade familiar (“J…, Lda.”), que atravessou dificuldades económicas a partir de 2014, o que culminou com o seu encerramento definitivo e de ter sido nesse contexto que para manter ativa uma conta caucionada, em 19-1-2015, constituiu uma hipoteca a favor da K… sobre um bem próprio do mesmo, em virtude de a sociedade não ser proprietária de qualquer imóvel, tendo este requerido ficado como avalista da conta caucionada; quanto à partilha por óbito dos seus pais, o ora requerido e os seus irmãos efetuaram um negócio normal, no âmbito do qual acordaram nos valores e outorgaram a escritura pública, sucedendo que na sequência desta o 1.º requerido foi pago pelo valor do seu quinhão, que recebeu do 3.º requerido e 5.ª requerida; a partilha foi feita por valor de 39.000,00€ que era superior ao valor patrimonial do mesmo, sendo despropositado o alegado valor de mercado de 85.000,00€;
- A requerida D… alegou que o requerimento inicial não contém alegação de facto, que conduza ao justo receio da perda da garantia patrimonial, na sequência de qualquer ato por si praticado. Alega ter sido casada com o 3.º requerido, mas que após o divórcio deixou de falar, conviver ou ter qualquer tipo de amizade ou aproximação com o mesmo e que apenas interveio na escritura de partilhas dos seus ex-sogros, por à morte de L… ser casada no regime de comunhão geral de bens com o 3.º requerido; no mais, não elaborou ou subscreveu quaisquer documentos, deles não tendo tido qualquer conhecimento;
- Os requeridos E… e F…, alegaram que o requerimento inicial não contém alegação de facto, que conduza ao justo receio da perda da garantia patrimonial, na sequência de qualquer ato praticado por si, nem quanto a escritura de partilhas, nem quanto à existência de má-fé por parte destes; sustentaram que a partilha por óbito dos seus pais fez-se com pagamento dos quinhões respetivos, tendo por referência um valor adequado ao bem, superior ao valor patrimonial e que o referido bem, além de ter sido atingido fortemente pela crise imobiliária, está em mau estado, é de fraca qualidade de construção, com infiltrações bem visíveis nas paredes, tetos e chão, e cujo telhado está prestes a ruir numa das partes, a que acresce o facto do pavilhão a que a requerente se refere, ser clandestino, sem qualquer tipo de licenciamento; alegaram ainda que em 8.5.2017, a 5.ª requerida tornou-se a única proprietária do imóvel, ao comprar a outra metade que pertencia ao 3.º requerido, por sempre ter sido seu desejo ficar com a casa dos seus pais; que desconheciam a penhora do quinhão hereditário do requerido H…, só dela tendo tomado conhecimento com os presentes autos, pelo que não tinham, nem podiam ter, consciência de qualquer prejuízo que pudessem causar a credores do 1.º requerido H… aquando da referida escritura de partilhas, por desconhecer eventual responsabilidade assumida por aquele para com a requerente, bem como qualquer incumprimento perante esta.
Com observância das formalidades legais procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas.
Foi depois proferida decisão que:
1) Julgou as oposições procedentes, por inexistência do pressuposto de receio justificado de perda de garantia patrimonial;
2) Revogou o arresto anteriormente decretado e determinou o levantamento do mesmo sobre os bens:
- Veículo automóvel com a matrícula .. – OR - .., de marca Mercedes-Benz;
- Prédio destinado à habitação e ainda um pavilhão destinado à indústria inscrito na matriz fiscal sob o artigo 1157 urbano de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com o nº 3798 da freguesia de ….
Inconformada com o decidido, interpôs recurso a requerente que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
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Assim, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou os artigos 342º, 351º, 391º e 814º, nº1 do Código Civil, arts. 10º, 421º, 388º, nº 2, 607º, nº 4 e 5 do Código Processo Civil, art. 92º, nº1, 3, 4 e 5 EOA, art. 1º, nº1, 5, 6, 7, 9 da Lei 49/2004, de 24 de Agosto (Regime dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores).
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a manutenção do arresto decretado.
Os requeridos C…, D…, E… e F… e G… apresentaram contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação do decidido.
O requerido C… formulou as seguintes conclusões:
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A requerida D… formulou as seguintes conclusões:
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Os requeridos E… e F… formularam as seguintes conclusões:
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Não padece, por isso, de qualquer vício ou qualquer imprecisão, quer quanto à matéria de facto dada como provada, quer quanto à matéria de direito, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
A requerida G… formulou as seguintes conclusões:
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Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Cumprimento dos ónus previstos no art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil;
IIFase de oposição/alteração da matéria de facto;
IIIConsideração do depoimento prestado pela testemunha Dr.ª M…/Violação do dever de segredo do advogado;
IVImpugnação da matéria de facto;
V Revogação do arresto.
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É a seguinte a factualidade considerada como indiciariamente provada:
1. A requerente foi casada com o primeiro requerido.
2. A Segunda requerida é filha da requerente e do primeiro requerido; o terceiro e quinta requerida são irmãos do primeiro requerido; A quarta requerida foi casada com o terceiro requerido.
3. A requerente divorciou-se do primeiro Requerido, em 12 de junho de 2007, por mútuo consentimento, na Conservatória do Registo Civil de Santa Maria da Feira.
4. A requerente e 1.º requerido outorgaram, em 12 de junho de 2007, por escritura pública, no cartório notarial, sito em Espinho, partilha de dois imóveis integrativos de património comum do dissolvido casal.
5. O 1.º requerido, após o referido em 4), não procedeu ao pagamento do valor total devido da sua meação, considerando o valor real dos bens, tendo a requerente participado criminalmente do mesmo, ao qual foi atribuído proc.º nº 1566/07.0TAVFR, que correu termos no Tribunal Judicial de Espinho, pelo 2º juízo.
6. Nesses autos, o 1.º requerido H… foi acusado de burla e no âmbito da abertura da instrução, o tribunal proferiu decisão de não pronúncia, com fundamento na falta de um dos pressupostos do crime de burla.
7. Desse despacho de não pronúncia houve recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto, cujo acórdão confirmou a decisão recorrida.
8. No decurso do processo id. em 05), a requerente foi despedida verbalmente da sociedade Corticeira J…, Lda., da qual o 1.º requerido era gerente e sócio.
9. O despedimento referido em 8) foi impugnado junto do Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira, ao qual foi atribuído o proc. N.º 684/07.9TBVFR, tendo havido transação relativamente ao quantum indemnizatório pela resolução do contrato de trabalho.
10. A representada do primeiro requerido só cumpriu integralmente a transação alcançada no processo de trabalho, coercivamente na execução para pagamento, à qual foi atribuído o Proc.º nº 684/07.9.TBVFR-A, que correu termos no Tribunal de Trabalho, por apenso ao processo principal.
11. Em virtude do referido em 7), a requerente instaurou uma ação declarativa de condenação com processo ordinário, que correu termos com o nº 991/10.3TBESP- 2º juízo (Extinto), cuja sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância julgou a mesma improcedente e cujo recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto foi julgado improcedente.
12. Do acórdão referido em 11), proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, recorreu a requerente para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o 1.º requerido alegado a existência de dupla conforme como fundamento para a não admissibilidade do recurso.
13. Porém, o recurso de revista foi admitido e, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 8 de janeiro de 2015 e notificado aos mandatários do respetivo processo, em 13 de janeiro de 2015, foi revogado o Acórdão da Relação do Porto, que havia confirmado a sentença da primeira instância que havia absolvido o primeiro requerido, condenando este a pagar à requerente a quantia de 146.154,80€, com juros à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.
14. Na sequência do referido em 13), a requerente, através da sua mandatária, contactou o 1.º requerido, através também da sua mandatária, solicitando o pagamento da quantia e/ou propor um plano de pagamento da mesma.
15. A requerente, por carta registada com aviso de receção, datada de 22 de janeiro de 2015, contactou o primeiro requerido com vista a convidá-lo a proceder ao pagamento ou apresentar uma proposta de pagamento.
16. A mandatária da requerente remeteu à mandatária do 1.º requerido, mensagem de correio eletrónica, datada de 22-01-2015, junta sob doc. 1 com a oposição da 2.ª requerida, da mesma constando: “tomo a liberdade de questionar a Exª Colega se a sua constituinte pretende fazer o pagamento do referido valor voluntariamente e, em caso afirmativo, quando”, tendo sido remetida a resposta, por correio eletrónico de 26-01-2015, conforme doc. 1 junto com a oposição da 2.ª requerida, da mesma constando: “No seguimento do meu pedido ao STJ do que certamente já foi hoje notificada, remeterei uma resposta ao seu email para mais tarde”.
17. A requerente instaurou execução da parte condenatória do acórdão referido em 13), que corre termos na Comarca de Aveiro - Oliveira de Azeméis - 3º Secção Execução - J1, Proc. nº 601/15.2T8OAZ, e na qual é executado o 1.º requerido.
18. Nesse processo de execução foram ordenadas as penhoras sobre as contas bancárias de que era titular e cotitular o executado, bem como os bens móveis e imóveis, destinadas a garantir o crédito referido em 13).
19. Na sequência da efetivação das penhoras veio a requerente a tomar conhecimento de que o primeiro requerido, em 19 de janeiro de 2015, constituiu hipoteca sobre o seu imóvel para garantia de créditos a conceder pela Banca à Sociedade Corticeira N…, Lda., com NIPC: ……….
20. A sociedade Corticeira N…, Lda., com NIPC: ……… tinha por sócios gerentes o 1.º e 3.º requeridos, ambos irmãos, com quotas de 50% cada.
21. No ato referido em 18), não foi dado em garantia qualquer bem do 3.º requerido.
22. O 1.º requerido constituiu hipotecas sobre o seu património pessoal para garantir as dívidas da sociedade Corticeira N… Lda.
23. O 3.º requerido B… foi testemunha de seu irmão e aqui 1.º requerido no processo que correu termos com o nº 991/10.3TBESP- 2º juízo (Extinto), e ainda, no processo-crime nº 1566/07.0TAVFR, que correu termos no Tribunal Judicial de Espinho, pelo 2º juízo, sendo por isso conhecedor da situação em litígio.
24. Foram mandados penhorar os saldos das contas bancárias e os veículos automóveis de matrícula ..-AB-.. ambos da marca Mercedes-Benz, matrícula ..-..-CN marca Toyota …, matrícula LX-..-.. marca Yamaha (mota), matrícula ..-..-QE marca Mercedes-Benz.
25. Da execução do cumprimento das penhoras foram os autos informados pela Conservatória do Registo Automóvel de que os identificados veículos haviam sido transmitidos para um trabalhador do 1º Requerido e outro para o filho do 1º Requerido de nome O….
26. O veículo matrícula ..-..-QE foi vendido em 23-12-2013, pelo preço de 15.000,00€ a P… (cfr. facto provado 8 do proc. de embargos 601/15.2T8OAZ-A, conforme doc. 19 junto com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido).
27. As várias entidades bancárias notificadas para penhorar deram a informação aos autos de que o mesmo era titular de contas, mas que não dispunha de saldos penhoráveis.
28. No decurso de uma ação que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro de Santa Maria da Feira- Juízo Central Cível - J3, com o número de processo 2715/16.2T8VFR, e na qual foi levantado o sigilo bancário, foi junto pelos bancos extrato bancário da conta pessoal do 1º Requerido, da qual consta que a 19/01/2015 o mesmo emitiu um cheque de tal quantia em nome de seu filho O…, quantia essa que posteriormente foi depositada em nome dos filhos do 1º Requerido e da sua companheira, Q…, com quem tem também uma filha.
29. O 1º Requerido transferiu a 19-01-2015 um dos seus veículos marca Mercedes-Benz para o seu filho O… e, ainda os bens móveis que adquiriu e pagou a 16-01-2015 à empresa S…, Lda., NIPC ………., transferiu para a sua companheira, Q….
30. O 1.º requerido celebrou em 22-05-2014 contrato de aluguer de longa duração com a Mercedes Benz Financial Services Portugal, do veículo Mercedes Benz ..-OR-.., conforme doc. 4 e 5 juntos com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido, pelo valor de 29.450,00€.
31. O preço do contrato referido em 30) foi pago através de cheques assinados pelos 1.º e 3.º requeridos, na qualidade de gerentes da sociedade Corticeira J…, Lda., conforme doc. 6 e 7 juntos com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido.
32. O preço referido em 31) foi liquidado pelo 1.º requerido com quantias pecuniárias emprestadas pela sociedade “Corticeira J…” da qual foi sócio até a quota ser vendida no processo executivo n.º 464/15.8T8OAZ que correu termos pela 3.ª Secção de Execução da Instância Central de Oliveira de Azeméis (doc. 9 junto com a oposição da 2.ª requerida).
33. O contrato referido em 30) foi celebrado em nome do 1.º requerido, tendo por fim obter desconto na qualidade de frotista, enquanto sócio gerente da sociedade Corticeira N…, Lda.
34. O veículo referido em 30) foi doado pelo 1.º requerido à 2.ª requerida, como prémio do seu ingresso na universidade, tendo a 2.ª requerida, a partir de 18-05-2015, procedido ao pagamento da respetiva apólice de seguro, conforme doc. 12 junto com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido.
35. Findo o período da locação, foi emitido novo documento único automóvel, em nome da 2.ª requerida.
36. O veículo referido em 30) foi, desde esse ato, conduzido pela 2.ª requerida, mesmo durante o período em que o mesmo esteve registado na propriedade da locadora financeira, designadamente nas deslocações para os estabelecimento de ensino superior que frequentou, nas deslocações para o trabalho a tempo parcial que sempre desenvolveu, nas atividades desportivas, sociais e de lazer, a qual também pagou as despesas de combustível, portagens e inspeções periódicas, conforme doc. 13 a 17 juntos com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido.
37. A 2.ª requerida apresentou denúncia, na GNR de …, em 10-06-2017, pelo furto do interior da viatura referida em 30), de determinados objetos pessoais, descritos no doc. 18 junto com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido.
38. A 2.ª requerida procedeu ao pagamento das despesas referidas em 36) proveniente de rendimentos do trabalho e bolsa de estágio, conforme doc. 20 a 24 juntos com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido.
39. A 2.ª requerida e o seu irmão O… foram indicados como testemunhas no processo n.º 991/10.3TBESP, porém usaram do seu direito de recusa de prestação de depoimento (doc. 2 junto com a oposição da 2.ª requerida, cujo teor se considera reproduzido).
40. A companheira do 1º Requerido, Q…, acompanhou sempre o 1.º requerido nas diligências realizadas no âmbito do processo que correu termos em Espinho, no âmbito do processo nº 991/10.3TBESP- 2º juízo (extinto), tendo inclusive acompanhado, na assistência, todas as audiências de discussão e julgamento do processo.
41. A 2.ª requerida sempre estudou, dedicando-se aos estudos, sem prejuízo dos trabalhos a tempo parcial referidos em 38).
42. A requerente indicou à penhora o quinhão hereditário por óbito do seu pai e sua mãe do 1º Requerido, em abril de 2015, que era constituído por um prédio destinado à habitação e ainda um pavilhão destinado à industria e inscrito na matriz fiscal sob o art. 1157 - Urb. de … que, tem a área superior à constante da matriz fiscal; um veículo de matrícula ..-..-HC de marca Renault …; certificados de aforro constituídos juntos do IGCP; valor Mobiliário/REND. …, constituído junto do banco T…; seguro poupança/Unit, no valor de 10.000,00€ ou superior, constituído junto do Banco T…; outros investimentos associados apólice ……..; carteira de títulos composta por participação no fundo denominado “U…” associado à conta nº ……….., sediada no Banco V… e saldos da Conta Bancária nº ………, sediada no Banco T….
43. Em 20-05-2015, o 1.º requerido e os seus irmãos, procederam à partilha notarial dos bens da herança por óbito dos seus pais, tendo sido declarado pelo 1.º requerido ter recebido a quantia de 13.000,00€ relativo ao seu quinhão no imóvel correspondente a 1/3 de 39.000,00€, valor atribuído ao mesmo, sendo o valor patrimonial inscrito na matriz de 38.720,00€.
44. Na sequência da notificação para penhora dos quinhões, o 1.º requerido comunicou aos autos de execução, em que a Requerente ocupa a qualidade de Exequente, que os únicos bens dos pais do declarante e do Insolvente e da 5ª Requerida era apenas constituído por um imóvel e um veículo automóvel e, ainda que este tinha sido adjudicado ao 3º Requerido e 5º Requeridos, assim como o veículo automóvel ter sido vendido a terceiro que, após, foi apurado tratar-se do filho de requerente e 1.º requerido O….
45. Aquando do referido em 44), o 3º Requerido não indicou as quantias monetárias depositadas em bancos e instrumentos financeiros/valores mobiliários que só em 2016 o 1º Requerido declarou no seu IRS, no valor de 2.279,92€.
46. É no pavilhão industrial referido em 42) que a Corticeira N…, Lda. em 31/05/2017, pela Ap. 16 muda as suas instalações para a Rua …, nº …, ….
47. A requerente pretende propor ação de impugnação judicial dos bens requeridos arrestar.
48. A requerente desde há vários anos, apenas tem contactos esporádicos com a 2.ª requerida, sem relação com os factos dos autos.
49. A sociedade referida em 20) atravessou dificuldades económicas, culminando com a sua posterior insolvência.
50. A hipoteca referida em 19) visou manter ativa uma conta caucionada da sociedade, face às dificuldades referidas em 49), em virtude de a sociedade não ser proprietária de qualquer bem, tendo o 3.º requerido se constituído avalista da conta caucionada.
51. O imóvel referido em 42) é de construção antiga, encontrando-se em mau estado de conservação, com infiltração nas paredes, tetos e chão.
52. O pavilhão referido em 42) é de construção clandestina, sem licenciamento.
53. Após o referido em 43), em virtude de a 5.ª requerida ter permanecido a habitar o imóvel, o 3,º requerido vendeu àquela a sua quota-parte no imóvel, pelo preço de 19.360,00€, conforme doc. 2, 3 e 4 juntos com a oposição do 3.º requerido, cujo teor se considera reproduzido.
54. Os 3.º e 4.º requeridos casaram catolicamente em 13-07-1980, no regime da comunhão geral de bens e divorciaram-se em 02-01-2002, conforme doc. 1 junto com a oposição do 4.º requerido, cujo teor se considera reproduzido.
55. A 4.ª requerida interveio na escritura de partilhas referida em 43), atento o regime de casamento vigente entre 3.º e 4.º requeridos à data do óbito de L…, apenas para efeitos de recebimento do seu quinhão.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:
i) Tendo por referência o referido em 15) não foi remetida qualquer resposta.
ii) O referido em 19) foi realizado com o acordo do seu irmão C… (3.º requerido), para impedir a Requerente de ver satisfeito parte do seu crédito através da venda do imóvel.
iii) Aquando do referido em 19), o 3.º requerido era possuidor de vasto património imobiliário.
iv) O referido em 21) foi realizado em conluio entre o 1º e 3.º requeridos, tendo o 3.º requerido auxiliado aquele a impedir a requerente de ver satisfeito o seu crédito através do património do 1.º requerido.
v) O referido em 22) visou impedir a requerente de cobrar o seu crédito.
vi) O 3.º requerido, apesar de proprietário de bens móveis e imóveis de valor concretamente não apurado, não deu nenhum de garantia, nem a terceiros nem a bancos, para garantia de dívidas e/ou créditos da referida sociedade.
vii) O referido em 28) foi realizado em conluio com os 2.º a 5.º requeridos e visando ocultar o património do 1º Requerido para, dessa forma não ser possível a penhora deste para pagamento, pelo menos, parcial do crédito da Requerente.
viii) O veículo matrícula .. - AB - .. foi vendido em 2014, antes da prolação do acórdão referido em 13).
ix) O veículo referido em 30) foi registado pelo 1.º requerido em nome da 2.ª requerida.
x) Com o referido em 30) a 34), foi ocultado património à requerente, que ficou impedida de penhorar o mesmo para satisfação do seu crédito.
xi) A 2.ª requerida dependia e depende economicamente do 1º Requerido, que ainda hoje é quem custeia todas as suas despesas, nomeadamente vestuário, calçado, alimentação, educação, propinas do ensino superior e viagens.
xii) O valor de mercado do imóvel id. em 43) é superior a 85.000,00€, em virtude das características do mesmo, a localização, a boa conservação da propriedade e ainda o facto de ter também, para além da habitação, um pavilhão para indústria.
xiii) O referido em 44) foi realizado com o intuito de impedir a Requerente na obtenção do seu crédito.
xiv) Os 3º, 4º, 5º e 1º Requeridos atuaram com o objetivo de impedir a penhora, por parte da Requerente, do quinhão hereditário do 1º Requerido, apressaram-se a transferir a propriedade para os dois únicos irmãos do 1º Requerido.
xv) Todos os intervenientes na escritura de partilha tinham conhecimento que o imóvel da herança tem um valor superior ao declarado na escritura de partilha.
xvi) O 1º Requerido e 3º Requerido, de comum acordo de ambos e a fim de impedir a penhora do salário que aquele auferia na sociedade Corticeira N…, Lda., salário esse que era composto por numerário entregue diretamente a este e ainda um cheque no valor das propinas universitárias da 2º Requerida, alterou-o passando para o salário mínimo nacional.
xvii) Todos os Requeridos, em comunhão e conjugação de esforços e de forma a ocultar todo o património do 1º Requerido suscetível de penhora para posterior pagamento com os mesmos do crédito da Requerente, aceitaram a transferência, quer dos dinheiros, quer dos bens móveis, nomeadamente veículos automóveis, quer dos quinhões hereditários por óbito dos pais de todos e avós da 2º Requerida, de tais bens para que a Requerente não pudesse pagar, através dos mesmos, o seu crédito.
xviii) As transferências dos bens foram feitas em consciência e conjugação de esforços por parte de todos os Requeridos, conhecedores do crédito da Requerente, com o objetivo de esta não receber qualquer valor, o que verbalizam reiteradamente para quem quer ouvir.
xix) Com a notificação para a referida ação e atento o seu comportamento anterior, é previsível que os requeridos transfiram todos os bens para terceiros adquirentes a fim de dificultar e/ou impossibilitar a produção de prova e a satisfação do crédito da requerente.
xx) Todos estes intervenientes tinham conhecimento, e estavam conscientes do crédito da requerente sobre o 1.º requerido, contudo não se coibiram de procurar impedir a satisfação do crédito daquela, ao aceitarem a transmissão, quer dos dinheiros, quer dos veículos automóveis identificados.
*
Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I Cumprimento dos ónus previstos no art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil
O recorrido C…, nas suas contra-alegações, veio alegar que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto a recorrente não deu cumprimento às especificações previstas no art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, o que determinará, nesta parte, a sua rejeição.
Dispõe o seguinte este preceito, que tem a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto”:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Sucede que analisando as alegações apresentadas pelo recorrente verifica-se que todas estas especificações foram efetuadas.
Os concretos pontos factuais que foram impugnados pela recorrente são os nºs 20, 33, 34, 36, 38, 48, 50, 53 e 55 da factualidade indiciariamente provada e as alíneas ii) a xx) da factualidade indiciariamente não provada.
Pretende que os primeiros sejam dados como não provados e que os segundos regressem à factualidade provada, entendendo ainda que a esta deverá ser aditado o nº 56 com a seguinte redação: “56 - A requerente já propôs ação declarativa sob a forma de processo comum, sob a espécie ação pauliana, onde figuram os ora requeridos como réus, processo ao qual a presente providência cautelar se encontra apensa.”
Indica nesse sentido excertos, que transcreve, dos depoimentos prestados pelas testemunhas W…, X…, Y…, O…, Z…, F… e AB… e também das declarações de parte dos requeridos G… e B… e da requerente B…, tal como alude a diversa prova documental.
Deste modo, do texto das alegações de recurso, resulta que os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil foram cumpridos pela recorrente, motivo pelo qual iremos proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto que esta efetuou.
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IIFase de oposição/alteração da matéria de facto
A recorrente, nas suas alegações de recurso, sustenta que na segunda fase do procedimento cautelar – fase de oposição – não se põe em causa a fixação da matéria de facto anteriormente consignada nos autos, que não pode ser alterada/revogada, devendo antes conjugar-se os novos factos com esta e a partir daí decidir-se no sentido da manutenção – ou não – do arresto decretado.
Vejamos então.
O art. 372º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil estabelece o seguinte:
«Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do art. 366º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se com as adaptações necessárias, o disposto nos arts. 367º e 368º».
Daqui decorre que aquele contra quem foi decretada uma providência cautelar, sem a sua audição prévia, tem duas formas de reação ao seu dispor: a) a interposição de recurso; b) a dedução de oposição.
O requerido interporá recurso se apenas quiser pôr em causa a apreciação da prova produzida relativamente aos factos dados como assentes ou impugnar a aplicação do direito a esses factos.
Deduzirá oposição quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova que não tenham sido levados em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.[1]
Com a dedução da oposição o que se abre é uma nova fase processual, dominada pelo princípio do contraditório, em que se procura reequilibrar a posição de ambas as partes, dando a possibilidade ao requerido, não ouvido anteriormente, de alegar factos e produzir meios de prova que não foram tomados em atenção aquando do deferimento da providência.
No âmbito desta nova fase – de oposição – o juiz deve expressar na decisão que venha a proferir a nova convicção que puder formar a partir de uma discussão mais alargada proporcionada pelo exercício do contraditório.
Assim, não estando vinculado pelo teor da anterior decisão que foi decretada sem audiência contraditória, o juiz deve sentir-se livre para revê-la se acaso concluir que a versão dos factos inicialmente trazida pelo requerente não corresponde à verdade ou que este acentuou em demasia os aspetos que lhe convinham, omitindo aqueles que o prejudicavam.[2]
Deste modo, tendo sido deduzida oposição ao abrigo do art. 372º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil, a decisão que venha a ser proferida em face dos novos factos ou dos novos meios de prova complementa e integra a decisão inicial, podendo vir a redundar na manutenção da providência, na sua revogação (se os novos elementos determinarem a formação de convicção oposta à anterior ou se o juiz adquirir a convicção de que o prejuízo emergente do decretamento da providência é consideravelmente superior ao dano que ela visava acautelar – art. 368º, nº 2) ou, ainda, na redução aos limites necessários e suficientes para afastar a situação de periculum in mora.[3]
Consagra-se aqui uma exceção ao princípio de que, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional, quanto à matéria da causa – cfr. art. 613º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o que significa que a decisão inicial não faz caso julgado. É uma decisão provisória e que, sendo a segunda seu “complemento ou parte integrante”[4], o procedimento cautelar, proferida esta, passa a ter uma decisão unitária.[5]
Em suma: pela via da oposição à providência cautelar, o requerido procura alterar a decisão anteriormente proferida pelo julgador, carreando para os autos elementos factuais e/ou probatórios que eram desconhecidos do tribunal aquando do acolhimento da providência.[6]
Por conseguinte, se os requeridos, como sucede nos presentes autos, produziram, na fase de oposição, meios de prova que não tinham sido anteriormente considerados, nada impede o julgador de, com base neles, formar uma nova convicção diversa da antecedente, a qual, implicando alteração da factualidade que fora dada como indiciariamente assente na decisão inicial, conduza à revogação do arresto decretado.
Como tal, ao invés do que a recorrente sustenta, entendemos não existir qualquer óbice à alteração, por força das oposições apresentadas pelos requeridos e dos meios probatórios aí indicados, da matéria de facto dada como provada na decisão inicial que decretara o arresto.
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IIIConsideração do depoimento prestado pela testemunha Dr.ª M…/Violação do dever de segredo do advogado
A recorrente, em sede recursiva, a propósito da impugnação da matéria de facto, sustenta também que o depoimento prestado pela testemunha Dr.ª M…, advogada, não pode ser tido em atenção, uma vez que a matéria sobre a qual depôs chegou ao seu conhecimento no exercício das suas funções.
Assim, face ao disposto no art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não tendo havido prévia autorização por parte do presidente do conselho regional respetivo da Ordem dos Advogados, este depoimento não faz prova em juízo e não pode ser valorado.
Diferentemente tinha entendido o Mmº Juiz “a quo” ao escrever que “…o Tribunal valorou o depoimento, por apesar de ter sido prestado fundado no exercício das funções profissionais como advogada, por ter assistido e intervindo nesses atos pessoalmente, com documentos publicitados, não se afigura que possa ser desqualificado, designadamente por não se enquadrar em sigilo profissional.”
Vejamos.
O art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados [Lei nº 145/2015, de 9.9] estabelece o seguinte:
«1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
(…)»
Ora, não tendo havido, no presente caso, autorização prévia por parte da Ordem dos Advogados, o depoimento da testemunha Dr.ª M… não poderá servir de meio de prova se os factos revelados estiverem abrangidos pelo dever de segredo.
Impõe-se, pois, apurar se o depoimento que prestou está – ou não – abrangido pelo dever de sigilo profissional.
Este dever tem a sua razão de ser na necessidade de preservar o princípio da confiança, sendo que o exercício da advocacia assume reconhecido interesse público, dada a natureza social dessa função.[7]
Tal como se consagra no n.º 2.3.1. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus[8]: “É requisito essencial do livre exercício da advocacia a possibilidade do cliente revelar ao advogado informações que não confiaria a mais ninguém, e que este possa ser o destinatário de informações sigilosas só transmissíveis no pressuposto da confidencialidade. Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, pois, reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado.
A obrigação do advogado de guardar segredo profissional visa garantir razões de interesse público, nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes. Consequentemente, esta obrigação deve beneficiar de uma proteção especial por parte do Estado”.
E depois acrescenta-se nesse mesmo Código no seu n.º 2.3.2 que “O advogado deve respeitar a obrigação de guardar segredo relativamente a toda a informação confidencial de que tome conhecimento no âmbito da sua atividade profissional”.
Daqui resulta que nem toda a atividade do advogado está abrangida pelo sigilo profissional.

Estão abrangidos pelo dever de segredo os factos que se reportam a assuntos profissionais de que o advogado teve conhecimento, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, ou, ainda, no âmbito de negociações que visem pôr termo ao litígio, tenham essas negociações obtido o almejado acordo de interesses (judicial ou extrajudicial) ou não tenham obtido esse acordo (negociações malogradas).
Tal como também o estão os factos de que o advogado tome conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, os factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração e os factos que lhe tenham sido comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respetivo representante.
Para aferir da abrangência do segredo profissional do advogado e da consequente necessidade de autorização para prestar depoimento há que ter em atenção uma tríplice realidade:
a) a forma como o conhecimento do facto chegou ao Advogado, quem o revelou e em que quadro fáctico;
b) o teor do facto, que ajuda a perceber se tem ou não natureza de segredo, pois nem tudo o que é revelado ao Advogado é, em si, um segredo;
c) as próprias circunstâncias do conhecimento e da revelação.[9]
Seguindo então esta orientação há que considerar, desde logo, excluídos do sigilo, por exemplo, os atos e serviços públicos praticados pelo advogado em nome ou para o seu constituinte, tais como os articulados ou documentos em processos não sujeitos a segredo de justiça, ou factos articulados nestas diligências, e seu resultado, tornadas públicas.[10]
De regresso à situação dos autos, há que indagar se o depoimento produzido pela testemunha Dr.ª M…, que para o prestar não solicitou autorização ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados, está abrangido pelo dever de sigilo.
A nossa resposta, na sequência do que se vem expondo, será negativa.
O depoimento da Dr.ª M…, a cuja audição procedemos, incidiu apenas sobre o conteúdo dos serviços que esta prestou relativamente à celebração da escritura de partilha efetuada em cartório notarial no dia 22.5.2015 (fls. 439v/442) e ao contrato de compra e venda de 8.5.2017 (fls. 442v/444v) por ela autenticado.
Ou seja, tudo o que referiu no seu depoimento se encontra objetivado naqueles atos públicos, tendo-se reportado, no essencial, aos procedimentos que adotou com vista à sua concretização.
Em ponto algum do seu depoimento se referiu a factos que lhe tivessem sido revelados pelos seus clientes e que constituíssem segredo.
Deste modo, como o depoimento prestado pela testemunha Dr.ª M… não estava abrangido pelo dever de sigilo profissional, não carecia a mesma da prévia autorização a que se refere o art. 92º, nº 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, razão pela qual pode o mesmo ser valorado como meio de prova.
Ir-se-á então prosseguir com a análise da impugnação da matéria de facto efetuada pela recorrente.
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IVImpugnação da matéria de facto
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C) Tendo sido dado como provado no nº 47 que “a requerente pretende propor ação de impugnação judicial dos bens requeridos arrestar” e uma vez que esta acção já foi proposta, considera a recorrente que deverá ser aditado um novo facto – o nº 56 – que exprima esta realidade processual.
Ora, a propositura desta ação decorre dos elementos que temos disponíveis no processo e assim entendemos que a redacção do nº 47 deverá ser alterada passando a ser a seguinte:
“A requerente já propôs ação declarativa sob a forma de processo comum, de impugnação pauliana, onde figuram como réus os ora requeridos, processo ao qual o presente procedimento cautelar se encontra apenso.”
Esta alteração fáctica, porém, nenhuma consequência tem no que tange à decisão do recurso.[11]
*
V Revogação do arresto
Por fim, a recorrente sustenta, na sequência da pretendida alteração da factualidade assente e não assente, que se encontram preenchidos os pressupostos que justificam o decretamento da providência cautelar de arresto, por, na sua perspetiva, se achar demonstrado o pressuposto do justo receio de perda de garantia patrimonial.
Vejamos.
O art. 619º, nº 1 do Cód. Civil estabelece que «o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor, nos termos da lei do processo.»
Por seu turno, o art. 391º do Cód. do Proc. Civil, no seu nº 2, diz-nos que «o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção.»
Depois, no art. 392º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil estatui-se que «o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.»
O arresto, tal como qualquer outra providência cautelar, visa impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica.[12]
Ora, da apreciação dos preceitos legais que acima se citaram, decorre que o arresto, para ser decretado, pressupõe a verificação cumulativa de dois requisitos:
a) – A probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pelo requerente;
b) – O justo receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito.
Porém, sendo decretado o arresto sem o requerido ter sido ouvido previamente, pode este, notificado para o efeito, deduzir oposição nos termos do art. 372º, nºs 1, al. b) e 3 do Cód. de Proc. Civil, já atrás analisado em II.
Nesta oposição alegará factos ou produzirá meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, decidindo o juiz no sentido da manutenção, da redução ou da revogação dessa providência.
Acontece que em sede de oposição se discutiu apenas a verificação do segundo daqueles requisitos, isto é, o justo receio de perda de garantia patrimonial do crédito da requerente.
Não é necessário que a perda da garantia patrimonial seja certa ou venha a tornar-se efetiva. Exige-se tão-somente que haja um receio justificado dessa perda.
No entanto, não basta o receio subjetivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a pretensão a que tem direito.
O que é decisivo é que o credor fique ameaçado de lesão por ato do devedor e seja razoável e compreensível o receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito.
Isto é, o receio, para ser considerado justificado, há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação.[13]
No mesmo sentido escreve António Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. IV, 2ª ed., pág. 186) que o justo receio da perda de garantia patrimonial que está previsto no art. 406º nº1 do Cód. do Proc. Civil [art. 391º do atual Cód. de Proc. Civil] e no art. 619º do Código Civil pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.
“Este receio é o que no arresto preenche o "periculum in mora" que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia (…)".
“Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.
Assim, embora não seja necessária uma certeza inequívoca, na apreciação dos factos integradores do “periculum in mora” deve ser utilizado um critério mais rigoroso do que o utilizado para a apreciação do requisito da probabilidade da existência do direito de crédito.
Sucede que, no caso dos autos, o Mmº Juiz “a quo”, valorando a factualidade indiciariamente dada como provada após as oposições apresentadas pelos requeridos, entendeu estar afastada a verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
Essa factualidade não foi objeto de alteração no âmbito do presente recurso.
Por esse motivo, as considerações que foram feitas na decisão recorrida que conduziram à procedência das oposições permanecem inteiramente válidas.
Escreveu-se o seguinte nessa decisão:
“Pretendendo a requerente a impugnação das “transmissões” que invoca — a saber, a doação do veículo automóvel pelo 1.º requerido à 2.ª requerida e da venda do 3.º à 5.ª requerida da quota indivisa do prédio que tinha sido adjudicado àquele em partilha por óbito dos pais dos 1.º e 3.º requeridos (no âmbito da qual, o 1.º requerido declarou ter recebido o valor correspondente ao seu quinhão, no valor de 13.000,00€, correspondente a 1/3), necessariamente teria de ficar indiciariamente provado um conjunto de atos praticados pelos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º requeridos, quer de conluio, quer de má fé (com exceção da 2.ª requerida, cujo ato relativo ao veículo foi gratuito do 1.º requerido para a 2.ª requerida, cabendo à mesma a ilisão da presunção).
Da prova produzida resultou, todavia, ainda que em sede indiciária, que as circunstâncias pelas quais o 1.º requerido doou à 2.ª requerida o veículo automóvel não [tiveram] qualquer relação com o crédito da requerente, antes correspondendo a um ato de expressão da sua relação de pai-filha, do ingresso desta na universidade; quanto aos termos em que o efetivou, inicialmente através de um contrato de aluguer de longa duração, utilização [de] empréstimos da sociedade comercial, beneficiando de um desconto de frotista, não significa que se tenha tentado furtar ou obstaculizar à satisfação do crédito da requerente, que também é mãe da 2.ª requerida. Por outro lado, importa atentar para a data em que o ato foi praticado, a saber, em maio de 2014, anterior à decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (considerando que, conforme a requerente alega no seu requerimento inicial, esse acórdão terá constituído uma “surpresa” para o 1.º requerido, considerando as decisões anteriormente proferidas pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal da Relação, pelo que não podia “antever” que com o seu ato de aquisição do veículo e doação à 2.ª requerida estivesse a comprometer o eventual crédito da requerente, ainda não judicialmente declarado, com trânsito em julgado[14]. Por outro lado, sendo certo que a doação formal ocorreu em data posterior ao Acórdão do STJ, afigura-se que estando o aluguer de longa duração em pagamento, teria sido mais fácil ao 1.º requerido não pagar a prestação final, só se compreendendo que o fez porque, de facto, o veículo era considerado pela 2.ª requerida como seu, por assim também o utilizar nas suas deslocações; acresce que, seguidamente, a 2.ª requerida procedeu ao pagamento das despesas inerentes ao veículo e justificou esse pagamento com rendimentos provenientes de contratos de trabalho e bolsas de estágio, devidamente comprovados documentalmente. Ou seja, deve concluir-se que, apesar de o bem ter sido doado pelo 1.º requerido à 2.ª requerida, foi indiciariamente ilidida a presunção de má fé.
Quanto ao bem imóvel, igualmente arrestado, dos elementos documentais e testemunhais produzidos veio a resultar, indiciariamente, que o mesmo tem um valor inferior ao alegado pela requerente e que o valor pelo qual o mesmo foi partilhado e, posteriormente, transacionado (do 3.º para a 5.ª requerida), no âmbito de um procedimento normal entre irmãos e tendo por referência a casa de habitação que foi dos seus pais. Nesses atos não é possível concluir, com segurança, a existência de qualquer conluio — inclusivamente considerando que os atos não foram realizados todos na mesma data — nem outrossim o conhecimento pelos mesmos dos problemas existentes entre a requerente e o 1.º requerido e a intenção de, por via desses atos, obstar à satisfação do crédito daquela.”
E em conclusão escreveu ainda o Mmº Juiz “a quo” o seguinte:
“Ora, no caso sub judice, face ao acervo factual agora julgado indiciariamente como provado, não se vislumbra qualquer comportamento dilatório, dissipador ou de ocultação de bens pelos requeridos; pelo contrário, a 2.ª requerida tem o veículo automóvel registado em seu nome e não foi sequer alegado que a mesma tenha procurado ocultar ou se proponha vender ou dissipar o bem; do mesmo modo, o bem imóvel está registado em nome da 5.ª requerida, sendo que a sua propriedade não está posta em causa, quer por via da partilha extrajudicial, quer pela aquisição da quota-parte indivisa ao 3.º requerido, inexistindo assim qualquer perspetiva de frustração, ocultação ou dissipação do bem que possa perigar o desiderato da requerente na ação principal, caso esta venha a ser julgada procedente (impugnação das transmissões enunciadas).
Finalmente, sem que tenha agora resultado a existência indiciária de conluio e/ou a prática das transmissões enunciadas com conhecimento visando prejudicar a requerente, está afastada a verificação do fundado receio de perda da garantia patrimonial, infirmando, deste modo, o juízo antes efetivado acerca de tal receio.”
Assim, concordando-se com a linha argumentativa seguida na decisão recorrida, com o que se considera estar afastada a verificação do requisito do fundado receio de perda de garantia patrimonial, impõe-se a sua confirmação, com a procedência das oposições apresentadas e a revogação do arresto.
Tal importa a improcedência do recurso interposto pela requerente.
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Sumário
(da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
............................................
............................................
............................................
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela requerente B… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 13.7.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido
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[1] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., pág. 56; Marco Filipe Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2017, 3ª ed., págs. 358/359. [2] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 458.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 459.
[4] Cfr. art. 372º, nº 3, “in fine” do Cód. de Proc. Civil.
[5] Cfr. Ac. STJ de 27.9.2007, proc. 07B2372, relator Oliveira Rocha, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 359.
[7] Cfr. Ac. Rel. Porto de 10.11.2015, proc. 964/11.9 TBMAI-D.P1, relator Tomé Ramião, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Aprovado pela Deliberação nº 2511/2007 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, publicado no Diário da República, 2ª série, 27.12.2007.
[9] Cfr. Carlos Mateus, “Deontologia Profissional”, pág. 182, disponível in verbojuridico.net, onde se referencia o Parecer do CDL, proc. nº. 27/2011, de 15.6.2011, relatora Sandra Barroso.
[10] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 6.6.2019, proc. 2250/14.3 T8FNC.L1-8, relatora Isoleta Costa, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Uma nota ainda para referir que o facto provado nº 20 e o facto não provado viii), apesar de mencionados nas conclusões 90 e 14, não foram objeto de concreta impugnação por parte da recorrente.
[12] Cfr. Antunes Varela e outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pág. 23.
[13] Cfr. Ac. STJ de 3.3.1998, in CJ STJ, ano VI, tomo I, págs. 116/7; Jacinto Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª ed., pág. 191.
[14] Conforme flui dos pontos 11 a 13 da factualidade assente a ação proposta pela requerente contra o primeiro requerido foi objeto de duas decisões de improcedência na 1ª Instância e na Relação, formando, inclusive, dupla conforme. Só por acórdão do STJ de 8.1.2015 é que essas decisões foram revertidas tendo sido reconhecida a existência de um crédito a favor da requerente.