Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RITA ROMEIRA | ||
Descritores: | PROCESSO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO FASE CONTENCIOSA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO ACORDO DAS PARTES NULIDADE DA SENTENÇA PERÍCIA MÉDICA LAUDO PERICIAL FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202006223242/18.9T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE, ANULADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A fase contenciosa do processo de acidente de trabalho destina-se, apenas, à discussão dos factos sobre os quais não tenha havido acordo, expresso, das partes na fase conciliatória. II - Se a sinistrada, apenas, discordar do grau de IPP que lhe foi fixado no exame médico do INML e a seguradora aceitar conciliar-se, facto que ficou, expressamente, consignado no auto de “não conciliação”, nos termos do art. 112º, nº 1, do CPT, tendo o processo seguido para a fase contenciosa por falta de acordo, quanto à verificação, apenas, do grau de IPP que a sinistrada defende padecer, não é permitido ao julgador conhecer, nesta última fase do processo, da existência do nexo causal entre o acidente sofrido por aquela e as lesões. III - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário. IV - A decisão que se pronuncie e conheça de questão que não devesse apreciar é nula, cfr. art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil. V - No entanto, a nulidade dessa decisão, para que seja possível a sua apreciação pelo Tribunal Superior, tem de ser arguida, nos termos do nº 4, daquele art. 615º. VI - A nulidade da falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 daquele artigo está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. VII - Mas, aquela nulidade só se verifica quando haja absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito da decisão. VIII - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, reflectido na formulação de conclusões fundamentadas em cumprimento do disposto no nº 8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI. IX - Se as conclusões a que chegaram os senhores peritos não se mostram fundamentadas, o Juiz não dispõe de todos os dados factuais essenciais para a formulação do juízo crítico subjacente à formação da sua convicção e, consequente, prolação de decisão sobre a fixação da incapacidade. X - Pois, pese embora, as conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculem o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art. 389º do CC e 607º do CPC), a sua fundamentação é necessária, de forma, a que o julgador possa captar as razões e o processo lógico que conduziu à resposta divergente do resultado do exame singular e possa desenvolver toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da sua convicção. XI - Assim, as deficiências e insuficiência, nomeadamente por falta de fundamentação, do laudo pericial da junta médica, na medida em que se reflectem na decisão do Juiz “a quo” que o acolhe, caso impossibilitem a reapreciação dos factos e a consequente decisão de direito, por parte do Tribunal “ad quem”, determinam a anulação da decisão recorrida, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 3242/18.9T8VFR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1 Recorrente: B… Recorrida: C…, SA Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO Os presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada B… e entidade responsável a C…, SA, tiveram início face à participação do acidente sofrido por aquela, em 11 de Agosto de 2018, por realizada a tentativa de conciliação, ter havido discordância entre as partes, frustrando-se a sua conciliação, (conforme consta do auto junto, datado de 11.12.2019 – que, por o considerarmos relevante, aqui se reproduz, parcialmente, nos seguintes termos: «POSIÇÃO DOS INTERVENIENTES PROCESSUAIS 1 - A Sinistrada concorda com todos os dados atrás referidos, com excepção do grau final de I.P.P. atribuído pelo GML. E, uma vez que considera que o mesmo é maior. Assim, não se concilia, reclamando da seguradora: - o pagamento da.... 2 – A companhia de seguros concorda com todos os dados atrás referidos, pelo que se concilia, aceitando pagar à sinistrada: - 410,76€, ... * Face ao exposto, deu a Senhora Procuradora da República as partes por não conciliadas, e determinou que os autos fiquem a aguardar o prazo previsto no art. 119º, nº 1 do C.P.T.»), ou seja, por a sinistrada não ter aceite o resultado do exame médico singular (a que a mesma foi submetida em 17.04.2019, como consta dos autos) a que se reporta o art. 105º do CPT (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados, sem outra indicação de origem) e, oportunamente, a Magistrada do Ministério Público, em patrocínio da sinistrada, ao abrigo do disposto no artigo 117º, n.º 1 al. b), ter vindo requerer, exame por junta médica, formulando para o efeito, de acordo com o disposto no nº 2 daquele art. 117º, os seguintes quesitos:“1º- As lesões causadas pelo acidente descrito nos autos encontram-se definitivamente consolidadas? 2º - Em caso afirmativo, porquê? 3º- Quais as sequelas de que o sinistrado ficou portador? 4º - Qual o grau de incapacidade permanente, segundo a T.N.I., que corresponde a tais lesões?”. * Realizado aquele exame por Junta Médica, os peritos nomeados pelo Tribunal e pela entidade responsável concluíram que a sinistrada não se encontra afectada de incapacidade em consequência do acidente, admitindo apenas um agravamento temporário da patologia lombar prévia, que se encontra descrita nos registos clínicos diários do Centro de Saúde e o perito indicado pela sinistrada considera que esta apresenta incapacidade em consequência do acidente, tudo conforme ficou consignado, no auto junto, datado de 28.01.2020, que se transcreve: «SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções) Os peritos médicos, por maioria, e após observação do sinistrado, respondem aos quesitos de fls.146V da seguinte forma: Quesito 1.°: Não, as lesões encontram-se curadas, tendo em conta que se admite um agravamento temporário de patologia da coluna lombar prévia, consoante os registos clínicos diários do Centro de Saúde. Quesito 2.°: Prejudicado. Quesito 3.°: Não resultaram sequelas do acidente em apreço. Quesito 4.°: Não há lugar à atribuição de IPP. Pelo perito da sinistrada é dito que discorda em absoluto, baseando-se num documento oficial emitido pelo médico assistente, onde não consta qualquer existência de patologia discal ou períodos de baixa por este motivo, de igual modo, o facto de eventualmente existirem episódios de lombalgia, o que é uma situação normal, a mesma não está documentada com MC ou RMN que evidencie qualquer existência de hérnia lombar. O pedido de um simples RX constitui prova de como as queixas não justificavam qualquer esclarecimento de contacto ou de RMN. Assim, entende que o mecanismo de torção repentino acompanhado de lombociatalgia direita quase de imediato é totalmente de acordo com o sinistro em causa, ou seja, existe nexo causal. Mantenho a opinião de relatório emitido nas folhas 135». * Notificado que foi, aquele, às partes, foi proferida a sentença recorrida que, após ter consignado, que “A factualidade assente é a acordada pelas partes em sede de tentativa de conciliação, dando-se aqui por reproduzido o conteúdo do respetivo auto.Assim, tem-se como assente, nomeadamente, a existência do acidente e a caracterização do mesmo como de trabalho, que, à sua data, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 11.900,00; tem-se ainda como assente que, à data do acidente, a entidade patronal da sinistrada tinha a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho transferida para a seguradora ora requerida e que se encontram em dívida € 410,76 de diferença pelos períodos de incapacidade temporária. A sinistrada despendeu a quantia de € 30,00 em deslocações”, terminou com a seguinte decisão: «Pelo exposto, e ao abrigo, nomeadamente, do disposto nos arts. 23º, alínea b), 40.º, 47º, nº1, alínea c), 48º, nº3, alínea c), da Lei 98/2009, de 04/09, decido: a) Reconhecer a existência de um acidente de trabalho no dia 11 de agosto de 2018; b) Não fixar à sinistrada qualquer incapacidade permanente pelo acidente em causa nestes autos; c) Condenar a seguradora requerida a pagar à sinistrada, a título de diferenças pelos períodos de incapacidade temporária, a quantia de € 410,76; d) Condenar a seguradora requerida a pagar à sinistrada, a título de pagamento de despesas com transportes, a quantia de € 30,00. Sobre o valor de € 30,00 são devidos juros de mora desde a data em que a requerida foi interpelada ao pagamento, art.º 805.º, n.º 1, do C. Civil, ou seja, desde a data da realização da diligência de não conciliação, nos mesmos termos acima referidos. Sobre o valor de € 410,76 são devidos juros de mora desde 13.09.2018 (cfr. auto de não conciliação). Custas pela entidade responsável. Valor: € 440,76 euros.» * Inconformada a sinistrada interpôs recurso cujas alegações juntas a fls. 139 e ss. terminou com as seguintes CONCLUSÕES:…………………………… …………………………… …………………………… * A R., seguradora respondeu, nos termos das contra-alegações juntas aos autos, “CONCLUINDO:A douta sentença proferida aderindo ao juízo emanado do laudo pericial maioritário, conjugado com os demais elementos de prova, não incorre em qualquer erro de julgamento ou vício que a inquine, encontrando-se suficientemente clara e fundamentada. A douta sentença proferida deverá, pois, ser confirmada na integra, devendo soçobrar o douto recurso de apelação interposto. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO DOUTO RECURSO INTERPOSTO, E CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”. Nos termos que constam do despacho de 22.04.2020, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito devolutivo e ordenou a sua subida dos autos a esta Relação. O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de improceder o recurso, no essencial, na consideração do seguinte: - A factualidade dada como provada, assente nos factos apurados com base no relatório maioritário dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pela entidade seguradora, com sua correcta fixação, afasta qualquer vício de falta de fundamentação ou erro de julgamento. - Tal como flui da sentença “sub iudice” aqueles Srs. Peritos fundamentaram as suas respostas, conforme o que observaram no exame clínico de Junta Médica a que procederam e sem que hajam atribuído qualquer IPP à recorrente e em função dos relatórios a que acederam. A este respondeu a recorrente dando por reproduzido e integrado, o teor das suas alegações recursivas, que mantém. Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, há que decidir. * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.Assim as questões a apreciar e decidir consistem em analisar se: - ocorre a nulidade da sentença, por falta de fundamentação, nos termos da al. b), nº 1, do art. 615º, do CPC; - a decisão recorrida deve ser anulada por se encontrar desprovida de fundamentação, dado ter assentado no exame por junta médica, que se limita a “apresentar parcas, sintéticas, deficientes e obscuras conclusões, como defende a recorrente; ainda, - Se assim se não entender e sem conceder, deve ser dado por provado o nexo da causalidade entre o acidente e a incapacidade permanente parcial da Sinistrada, ou seja, que a Sinistrada, mercê do acidente de trabalho e por causa dele, ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial, determinando-se a remessa dos autos ao tribunal recorrido para realização de novo exame, por nova junta médica, a fim de quantificarem/graduarem a respectiva IPP. * II – FUNDAMENTAÇÃOOs factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram documentados nos autos. * - Nulidade da SentençaComecemos, pela primeira questão de saber se a decisão recorrida, padece de nulidade, nos termos do art. 615, nº 1, al. b) do CPC, por inexistência da concreta indicação dos pontos de facto considerados provados e não provados, que permitiram concluir que a sinistrada se encontra curada e sem desvalorização, como defende a recorrente. Vejamos. As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas naquele nº 1 do art. 615º. Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”. Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”. A recorrente assentando que a sentença violou o disposto nos art.s 607º, nº 3 e 4, ex vi art. 1º, nº 2, do CPT, argui que está “fulminada de nulidade” nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do CPC. Ora, analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões do recorrente, em relação ao que a mesma apelida de causas de nulidade da sentença, nos termos daquela referida al. b) há, desde já, que dizer que, é nosso entendimento, que não vislumbramos que tal ocorra. Senão, vejamos. A nulidade da falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 daquele artigo está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Ou seja, verifica-se quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão. Mas, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, nomeadamente, quando haja falta da discriminação de factos considerados provados, art. 607º, nº 3 e, quando não explicite qualquer fundamento de direito que justifique a decisão. Pois, como é jurisprudência pacífica só a absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito constitui a alegada nulidade. E, isso não se verifica na decisão recorrida, na mesma, como se deixou transcrito supra no relatório deste acórdão, previamente, ao que se considerou no dispositivo, discriminaram-se os factos considerados provados que sustentaram aquela conclusão, contra a qual a sinistrada se insurge, de não lhe ter sido fixada qualquer incapacidade permanente pelo acidente em causa nos autos. O que cremos, é suficiente para que a mesma se mostre fundamentada de facto e tenha efectuado a subsunção dos factos ao direito. Sendo certo que, o incorrecto julgamento e apreciação da matéria de facto e menos correcta interpretação e aplicação do direito, não configuram qualquer vício susceptível de gerar a nulidade da sentença, nos termos em que estas se encontram definidas no nº1, do art. 615º. Pelo que, no caso, quer por não se verificar a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificaram a decisão, a invocada nulidade não se verifica. * Mas, ainda, assim, permita-se-nos que antes de prosseguirmos nas demais questões colocadas pela recorrente, se faça o seguinte reparo, a propósito, do que consta da decisão recorrida, quando nela, em concreto, se consignou que, «A divergência dos peritos centra-se essencialmente na existência de nexo de causal entre o acidente e a incapacidade apresentada pela sinistrada.De acordo com os registos clínicos juntos a fls. 71 e ss dos autos (do Centro de Saúde de Santa Maria da Feira), a sinistrada apresenta “síndrome da coluna com irradiação de dor” desde 19 de março de 2012, tendo sido submetida a diversos tratamentos médicos e medicamentosos para debelar a doença. Os peritos integrantes da Junta, por maioria do perito do Tribunal e entidade responsável, concluíram, assim, que o acidente não foi causal do aparecimento de qualquer lesão ou sequela, tendo esta resultado, inversamente, de patologia prévia da coluna. À mesma conclusão chegou o exame singular do INML considerando que existe uma evolução natural de patologia degenerativa da coluna lombar. O parecer do perito da sinistrada encontra-se alicerçado num atestado médico contraditório com o teor dos indicados registos clínicos. Assim sendo, entendemos que se deverá atender ao relatório maioritário dos peritos, que se encontra suficientemente justificado e alicerçado na história clínica da sinistrada. Pelo exposto, por falta de verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o evento e a lesão e incapacidade, não deverá ser fixada qualquer incapacidade parcial permanente.». Pois, a propósito, deste trecho da decisão, não podemos, deixar de dizer o seguinte. Desta decisão, impugnada pela recorrente com argumento em nulidade da mesma, decorre que a Mª Juíza “a quo” “abre a porta à questão do nexo de causalidade” --, que a recorrente, agora, aproveita, para alicerçar a sua pretensão de alteração daquela, nomeadamente, através, da determinação da realização de novo exame, por junta médica, a fim de quantificarem/graduarem a respectiva IPP, (o que nos levará, a seguir, a pronunciar-nos, sobre este pedido da recorrente) – mas, sem que antes tenhamos de dizer, sobre aquela pronúncia da Mª Juíza “a quo”, sobre o nexo de causalidade que, essa sim, constituí nulidade da decisão. Aliás, do auto de não conciliação resulta não ter sido observado o disposto no artigo 112º do CPT na medida em que as partes não declararam, expressamente, aceitar o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões. Explicando. O Tribunal “a quo” pronunciou-se, sobre aquela questão, quando se verifica da análise do “auto de não conciliação”, sem prejuízo do que dissemos supra, a propósito do mesmo, sem que ela lhe tenha sido colocada. Pois, a sinistrada na sequência da referida não conciliação, documentada naquele auto, apenas, veio requerer a realização de junta médica e juntar quesitos, onde inclusive, não efectua qualquer pergunta sobre quais as lesões que sofreu em consequência do acidente e se as mesmas lhe causaram algum grau de IPP e, apesar disso, a Mª Juíza “a quo”, veio pronunciar-se na decisão recorrida e concluir pela “falta de verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o evento e a lesão e incapacidade”, quando a sinistrada, apenas, veio requerer a realização de junta médica, por discordar do grau de IPP. Da análise da decisão verifica-se, assim, que a Mª Juíza “a quo”, com base naquele pressuposto do nexo de causalidade, pronuncia-se e acaba por concluir pela improcedência da pretendida alteração da IPP da sinistrada, única questão que a mesma discorda em sede de tentativa de conciliação e com base na mesma dá início à fase contenciosa deste processo. Ora, sendo deste modo, não temos dúvidas que, a decisão recorrida conheceu de questão de que não podia conhecer. Pois, como dispõe o art.112º nº1, quando se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto de não conciliação, “são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”. Por sua vez o art.131º nº1 al. c) do mesmo diploma, determina que o juiz profere despacho saneador onde considera “assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação....”. E, o art. 135º determina que “na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa,...”. Face ao que se deixa transcrito e, tendo em atenção o teor do auto de não conciliação – já atrás indicado -, verificamos que a sinistrada, como já dissemos, apenas discordou do grau de IPP e a Ré Seguradora aceitou conciliar-se, em resultado do exame médico efectuado pelo perito do INML e, sendo deste modo, é evidente que a apreciação tecida a respeito do nexo causal pela Mª Juíza “a quo”, não era permitida a sua discussão na fase contenciosa do processo, como o fez. E, sendo dessa forma, a este propósito sim a sentença recorrida é nula. Pois, que nos termos do que dispõe aquele art. 615º nº 1, do CPC, a sentença é nula quando, nos termos da al. d): “O juiz ... ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”. Verifica-se, assim, que a consequência sobre a pronúncia quanto a questões de que não podia conhecer será a nulidade da sentença ou do despacho impugnado – cfr. resulta do disposto naquela al. d), referida e do art. 613º, nº 3 do mesmo código. Transpondo, o que acabámos de expor, para as considerações que tecemos sobre a decisão impugnada, a sua apreciação poderia acarretar a nulidade da mesma. Em nosso entender, decorrente da apreciação daquela questão que lhe foi colocada pela seguradora, como se prevê naquele art. 615º nº1, al. d). No entanto, como supra consignámos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, cfr. art. 608º, nº 2 do mesmo diploma. E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece “ex officio”, o tribunal de 2ª instância, apenas, poderá tomar conhecimento das questões trazidas aos autos pelas partes, nos termos do art. 5º do CPC. A nulidade supra referida, para que fosse possível a sua apreciação, teria de ter sido arguida, nos termos do nº 4, daquele art. 615º, atento o disposto no art. 77º, do CPT. Ora, o que se constata, das alegações e conclusões do recurso, é que a recorrente não o fez. Não o tendo feito, este Tribunal está impedido de conhecer daquela questão concreta, ou seja, quanto ao objecto do recurso, já que não é questão de conhecimento oficioso. Assim, não é possível fazer qualquer reparo, a este respeito, à decisão recorrida, o que implica a sua manutenção e a improcedência da apelação, caso outras causas não se apurem que levem à sua revogação. E, antes de passarmos, à análise das outras questões suscitadas pela recorrente, sempre se nos oferece dizer, desde já, como referimos supra, que nunca a realização de uma segunda perícia, seria admissível para colmatar a alegada falta de fundamentação da decisão recorrida, por a mesma assentar, na perícia médica realizada, também, alegadamente, insuficientemente fundamentada. Sobre este reparo, consideramos de toda a pertinência citar o (Acórdão desta Secção, de 11.04.2019, in www.dgsi.pt, relatado pela Ex.ª Desembargadora Paula Leal de Carvalho) -, a saber: (…) “ Dispõe o artigo 487º, do C.P.C., que: “1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. 2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade. 3 - A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.”. Já o artigo 488º, do C.P.C., estatui que: “A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as ressalvas seguintes: a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira; b) Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela.”. Os artigos 487º e 488º, ambos do C.P.C., são aplicáveis nos presentes autos por força do disposto no artigo 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T.” (…) “Como é sabido, o CPT dispõe de normas próprias que regulam a tramitação dos processos emergentes de acidente de trabalho, quais sejam os artigos 99º e seguintes, sendo que o CPC apenas é aplicável subsidiariamente, nas situações de casos omissos (artigo 1º, nº 2, al. a), do CPT) e na medida em que não sejam incompatíveis com a índole do processo regulado no CPT (citado artigo 1º, nº 3). E o CPT dispõe de normas que directamente regulam a realização dos exames periciais, apenas havendo que recorrer às normas do processo civil naquilo em que aquele seja omisso. De acordo com a tramitação prevista no mencionado diploma (CPT), muito sinteticamente, o processo para efectivação dos direitos emergentes de acidentes de trabalho, comporta duas fases: - a primeira, a conciliatória, dirigida pelo Ministério Público, em que há lugar a realização de uma perícia médica singular (artigos 105º e 106º), a que se segue uma tentativa de conciliação (artigos 108º e seguintes); - Frustrando-se a tentativa de conciliação, designadamente por falta de acordo das partes quanto à natureza e grau de incapacidade para o trabalho, segue-se a fase contenciosa, no âmbito da qual terá lugar um exame por junta médica, exame pericial este regulado pelo artigo 139º, que dispõe que: “1 - A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz. 2 - Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades. 3 - Fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, se não for possível constituir a junta nos termos dos números anteriores, a perícia é deprecada ao tribunal com competência em matéria de trabalho mais próximo da residência da parte, onde a junta possa constituir-se. 4 - Sempre que possível, intervêm na perícia peritos dos serviços médico-legais que não tenham intervindo na fase conciliatória. 5 - Os peritos das partes devem ser apresentados até ao início da diligência; se o não forem, o tribunal nomeia-os oficiosamente. 6 - É facultativa a formulação de quesitos para perícias médicas, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem. 7 - O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos. 8 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 105.º” A regulamentação do CPT diverge da do CPC e, este, como se disse, apenas é aplicável subsidiariamente, sendo que no caso ora em apreço, não estamos perante qualquer lacuna de lei que configure caso omisso. O primeiro exame pericial, no CPT, é o exame médico singular que tem lugar na fase conciliatória do processo, consubstanciando o exame por junta médica a que se reporta o artigo 139º a segunda perícia, que visa sindicar a primeira perícia (esta o exame médico singular) e que, se nos transpuséssemos para o CPC, corresponderia de certa forma à segunda perícia a que se reporta o artigo 487º a 489º: segunda perícia que visa sindicar a primeira, esta o exame médico singular” (…) [fim de citação]. Ora, acompanhando tal entendimento, no caso em apreço o deferimento do pedido de realização de nova Junta Médica corresponderia a uma terceira perícia, a qual não é sequer admissível pelo CPC, a significar, no caso, a sua inadmissibilidade. Assim sendo, também, não é por esta via, que será possível proceder-se à pretendida revogação da sentença recorrida e, eventualmente, a sua substituição por outra que fixe diferente grau de IPP à sinistrada, decorrente do acidente em causa. * Passemos, então à apreciação da outra questão colocada pela recorrente e que se traduz em saber, se - a decisão recorrida deve ser anulada por se encontrar desprovida de fundamentação, dado ter assentado no exame por junta médica, que se limita a “apresentar parcas, sintéticas, deficientes e obscuras conclusões, como ela defende. Apreciando. Um dos argumentos invocados pela recorrente, neste recurso, pare se insurgir contra a decisão recorrida, pretendendo que seja substituída por outra que a considere afectada de IPP, eventualmente, IPATH face às dificuldades que alega ter em trabalhar, é o facto de ter aquela assentado no exame de junta médica, supra transcrito, em relação ao qual, invoca falta de fundamentação o que diz constituir nulidade processual. Como se verifica da decisão recorrida a Mª Juíza “a quo” considerando não haver razão para divergir do entendimento professado e resultado expresso no relatório do exame pericial realizado, por maioria, em Junta Médica, decidiu não fixar à sinistrada qualquer incapacidade permanente pelo acidente em causa nos autos, referindo “entendemos que se deverá atender ao relatório maioritário dos peritos, que se encontra suficientemente justificado e alicerçado na história clínica da sinistrada.”. Vejamos, então. A questão de saber se deve ou não ser revogada a decisão recorrida e, eventualmente, decidido que a A. apresenta algum grau de incapacidade por causa das lesões que sofreu em consequência do acidente, em causa, como a mesma defende passa, desde logo, por analisar se o tipo de prova em causa, o laudo pericial, (Junta Médica em que, por maioria dos peritos, se entendeu não haver lugar à atribuição de IPP, porque não resultaram sequelas do acidente em apreço que a Mª Juíza “a quo”) considerou encontrar-se “suficientemente justificado e alicerçado na história clínica da sinistrada”, e por isso concluiu não ser de lhe fixar qualquer incapacidade parcial permanente, se encontra fundamentado de modo a permitir esta conclusão, ou tal não acontece, como defende a recorrente, por o consignado no auto de exame, por junta médica, não se mostrar fundamentado e, ainda, por nele nada se dizer sobre o estado actual da sinistrada, nem se referir que tipo de observação foi realizada ou se a mesma apresenta ou não queixas, tendo presente “qual a profissão da sinistrada e desde quando a mesma exerce tais funções”. Deficiências que considera serem de modo que, perante os documentos e relatórios juntos, se impunha que a Mª Juíza se tivesse afastado daquele. É sabido que, o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, cuja força probatória está sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz, conforme decorre do art. 389º do CC e dos art.s 489º e 607º do CPC. Sobre a aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, concluiu (Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. IV, (Reimpressão), 1987, pág. 186), que: “É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo, como adverte Mortara; mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.”. Está em causa, o exame por junta médica realizado nos autos, nos termos do art. 139º do CPT, o qual se inscreve no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do que dispõe aquele, também, pelas normas que no Código Civil e Código de Processo Civil, supra referidas, disciplinam sobre este meio de prova. A respeito do objecto desta, dispõe o art. 388º do CC, que “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”. “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, como refere, novamente, (Alberto dos Reis, na ob. cit. pág.171). Segundo (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., rev. e actualizada, pág. 576), “…a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta.”. Assim, assentando a perícia sobre a percepção de factos, em relação aos quais o julgador não possui conhecimentos especiais, como referem aqueles mesmos autores, na ob. cit., pág. 578, mostra-se evidente, que o relatório pericial deve ser feito de forma fundamentada, como decorre do art. 484º, do CPC, de modo a permitir àquele uma correcta e segura avaliação da prova em causa, pese embora, a ela não estar vinculado (art.s 389º, do CC e 607º, do CPC, já referidos). No laudo pericial, em causa nos autos, considerou-se, por maioria não haver lugar à atribuição de IPP à sinistrada, devido as lesões se encontrarem curadas e não terem resultado sequelas do acidente em apreço, “após observação do sinistrado”, ao contrário, do que considera o perito médico da sinistrada, nos termos que se assentou no exame de junta médica, supra transcrito. Sobre o tipo de laudo, em causa, dispõe o nº 8 das Instruções Gerais da TNI, aprovada pelo Dec. Lei nº 352/2007, de 23.10, que “o resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”, exigência que decorre do facto do julgador não ter conhecimentos especiais em medicina devendo, por isso, as respostas aos quesitos ou a fundamentação consignada no laudo pericial permitir àquele com segurança analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir. Não sendo desse modo, como se refere no (Acórdão desta Relação de 02.12.2013, (relatora, Desembargadora Paula Leal de Carvalho)) “tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.”. No mesmo sentido, vejam-se, também desta Relação, entre outros, os Acórdãos de 23.10.2006 (relatora, Desembargadora Albertina Pereira) de 10.10.2016 (relator, Desembargador Jerónimo Freitas) e de 09.03.2020 e, nesta data, também, o Acórdão proferido no Processo nº 1441/15.4T8PNF.2.P1 (deste colectivo, o primeiro, com a intervenção como 2º adjunto do Desembargador Domingos Morais). Transpondo o que se deixa exposto para o caso analisemos, então, se o laudo pericial em que o Tribunal “a quo” se baseou, não se mostra fundamentado de modo bastante a alicerçar a decisão recorrida e se existem nos autos outros elementos que permitem infirmá-lo, como conclui a recorrente. E cremos, com razão. Senão, vejamos. Verifica-se, da análise do “Auto de Exame Por Junta Médica”, que os Srs. Peritos (que o firmaram, por maioria) não fundamentaram, diga-se, de modo suficiente nem de modo algum, a conclusão a que chegaram. Não se suscitam dúvidas, conforme decorre da transcrição que efectuámos, supra, que não se mostra fundamentada aquela decisão a que chegaram, simplesmente, como referem “após observação do sinistrado”, não sendo possível, através do que deixaram expresso saber, qual o concreto motivo que levou a que considerassem não haver lugar à atribuição de IPP, firmada na afirmação de que “Não resultaram sequelas do acidente em apreço”, e que “as lesões se encontram curadas” quando nem descreveram de modo algum quais as lesões que a sinistrada sofreu em consequência do acidente, pese embora, iniciarem o relatório, assentando que iriam referir-se e fazer a “Descrição das lesões...”, (sendo insuficiente, em nosso entender, sempre com o devido respeito, as afirmações supra referidas) que, esta, alega existir e que outros peritos médicos (desde logo, o perito da sinistrada) considera e justifica terem ocorrido, com base em documentos juntos ao processo, em relação aos quais os Senhores peritos Médicos que assinaram o laudo maioritário, não fazem qualquer alusão, nem que os tenham observado. Acrescendo, sempre com o devido respeito, que não se explica de modo algum, em que se traduziu e consistiu a “observação do sinistrado”, como bem o notou a recorrente. A afirmação que formulam, de que, “as lesões encontram-se curadas, tendo em conta que se admite um agravamento temporário de patologia da coluna lombar prévia, consoante os registos clínicos diários do Centro de Saúde”, sem qualquer explicação que a sustente, não é, de modo algum, esclarecedora, nem de modo a permitir saber quais as lesões que se encontram curadas, se as sofridas em consequência do acidente ou outras, já que não dizem quais as que sofreu devido a este, nem se fica a saber nada sobre que agravamento temporário é aquele a que se referem, nem qual a causa do mesmo, atenta a existência nos autos de outros exames e relatórios médicos (nomeadamente, o emitido pelo perito da sinistrada) que concluem e referem o contrário e, desse modo, sempre imporiam a realização de outros exames e pareceres complementares ou então, uma justificação fundamentada que permitisse confirmar o carácter vago daquela conclusão e das demais que formulam, que não podemos deixar de concordar com a recorrente se apresentam “parcas, sintéticas, deficientes e obscuras”. Porque, apesar de no exame realizado por junta médica, que alicerçou a convicção firmada no Tribunal “a quo”, por maioria, se considerar que não há sequelas do acidente e que as lesões se encontram curadas (voltamos a perguntar que lesões?). No entanto, em nosso entender, pese embora, tratarem-se de questões do foro médico, os Srs. Peritos Médicos que, por maioria, realizaram aquele exame, não justificam, de modo algum, “o entendimento professado”, nem o fundamentam minimamente, em especial, tendo em conta o referido pelo Perito Médico da sinistrada, que considera o contrário, baseado em documentos juntos aos autos que invoca e que em relação aos mesmos a maioria dos Peritos Médicos, nada disseram, desconhecendo-se até se os consultaram, bem como não se pronunciaram de modo algum sobre a situação profissional da sinistrada, o que seria de todo o interesse para uma, eventual, fixação de IPATH, com prévia requisição do competente relatório sobre o estudo do posto de trabalhos e o inquérito profissional, elementos essenciais e obrigatórios nos termos do nº 13 alíneas a) e b) das Instruções Gerais da TNI. Ou seja, não fundamentam a resposta dada, sobre o actual estado da sinistrada, designadamente, por forma a justificarem por que razão ou em que se basearam, no sentido de esclarecerem o que afirmam e, bem assim, porque não acompanham, ou se mostra errado, o parecer do perito do sinistrado, na medida em que este se pronuncia e conclui, pela atribuição daquele agravamento, que referem na resposta dada ao quesito 1º, como consequência do acidente dos autos, com fundamento nos restantes elementos médicos, juntos aos autos que, não se vislumbra tenham sido consultados por aqueles outros Peritos, sem qualquer explicação, sendo que se justificaria que os mesmos se pronunciassem se se verifica qualquer das situações previstas no art. 11, da LAT (Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro). Em concreto, não fundamentam a sua resposta, como é seu dever de acordo com o referido nº 8 da TNI, nomeadamente, justificando o processo ou mecanismo que infirma a existência de sequelas e de atribuição de IPP, que a sinistrada insiste existem, mostrando-se aquela resposta dada, por maioria, deficiente, sem qualquer fundamentação, necessária, para permitir ao julgador, com segurança, apreciar e decidir. O entendimento que deixaram expresso devia ter sido fundamentado de modo explícito e claro por forma a que o julgador pudesse de todo captar as razões e o processo lógico que conduziu à conclusão que firmaram o que, no caso ainda mais se fazia sentir, como já dissemos, porquanto o resultado a que chegaram ser díspar face ao que defende o perito da sinistrada, sem esquecer, baseado em documentos médicos juntos aos autos. Sem esquecer que, sendo a Junta Médica presidida pela Mª Juíza “a quo”, conforme art. 139º, do CPT, impunha-se que a mesma tivesse interpelado os Senhores Peritos Médicos no decurso desse exame, formulando novos quesitos ou pedindo esclarecimentos sobre a conclusão formulada ou, se necessário, que determinasse a realização de exames e/ou pareceres complementares, sob pena de no momento da elaboração da decisão não estarem reunidos (como se verifica não estão), todos os elementos de facto necessários para a fixação do grau de desvalorização da sinistrada e se, efectivamente, apresenta ou não sequelas, resultantes das lesões que se desconhecem sofreu em consequência do acidente e, se se encontram ou não curadas. Porque, como já dissemos, daquele auto não é possível saber que lesões são as que ali afirmam encontrarem-se curadas. Sendo seguro, com base nos elementos que constam do processo, que não é possível a esta Relação proceder à alteração daquela matéria, pois está em causa prova pericial, de livre apreciação pelo tribunal de 1.ª instância, art.º 389, do Código Civil, e, como tal, susceptível de ser destruída por outras provas, nomeadamente, outros exames médicos. * Perante o exposto, cremos não se suscitarem dúvidas quanto à razão da recorrente, quando defende a falta de fundamentação do laudo pericial em causa e a existência de elementos que o infirmam.Falta de fundamentação do laudo pericial e, consequentemente, da decisão recorrida, uma vez que, não estando o “entendimento professado” fundamentado, na medida em que aquela aderiu, exclusivamente, ao teor daquele laudo médico, maioritário, é evidente, que a mesma não dispunha dos meios de prova necessários à fundamentação do que foi decidido, porque as apontadas insuficiências do laudo pericial se reflectem naquela decisão que o acolheu, com o argumento escasso e que refutamos de se encontrar suficientemente justificado e alicerçado na história clínica da sinistrada. Ora, sendo desse modo, impossibilitam a correcta e cabal reapreciação da decisão que se mostra impugnada no recurso, quer a nível factual, quer de direito. Assim, impõe-se anular o exame por junta médica, que deverá ser repetido para que os senhores peritos médicos fundamentem a conclusão a que chegaram, prestando os necessários e fundamentados esclarecimentos quanto às referidas deficiências e, ainda, quanto ao mais que o Tribunal “a quo” tiver por conveniente, na sequência daqueles. A propósito da necessidade de fundamentação das respostas aos quesitos na perícia por junta médica, além da jurisprudência desta Relação, já citada, porque o entendimento neles exposto é similar ao caso vejam-se, também, os recentes (Acórdãos de 22.05.2019 e de 09.01.2020, este último ao que supomos inédito, ambos relatados pelo Desembargador Domingos Morais), onde se consignou o seguinte: “Como vem entendendo o Tribunal da Relação do Porto, de modo uniforme e persistente, se a decisão da 1.ª instância, que fixa o grau de incapacidade permanente de que ficou afectado o sinistrado em consequência de acidente de trabalho, o faz por referência ao auto de perícia por junta médica (como é o caso dos autos), e, nesse auto pericial, não estão descritos de modo completo os elementos de facto indispensáveis àquela fixação, estas deficiências do laudo da junta médica, para cujo conteúdo a decisão remete, implicam insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e justificam a anulação da decisão, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil. [cf., entre outros, os acórdãos do TRP de 02.12.2013; de 26.01.2015, in www.dgsi.pt]. Aliás, consta, expressamente, do n.º 8 das Instruções Gerais da TNI, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23.10, que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões” (negrito nosso). Daqui decorre que as respostas aos quesitos ou a fundamentação aduzida no laudo pericial deverão permitir, com segurança, ao julgador (que não é técnico de medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir, pelo que, o incumprimento do n.º 8 das Instruções Gerais da TNI deverá ser logo sindicado pelo Mmo Juiz da 1.ª instância que preside à perícia por junta médica – cf. artigo 139.º, n.º 1, do CPT. Caso essa sindicância não tenha sido feita em tempo oportuno, caberá ao Tribunal de recurso, no âmbito das regras processuais próprias, diligenciar pelo cumprimento de tal Instrução Geral da TNI. Deste modo, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, determina-se a anulação da sentença recorrida com vista à ampliação da matéria de facto, designadamente, ao apuramento das questões acima mencionadas, devendo ser solicitado aos peritos médicos que integraram a junta médica os necessários, e fundamentados, esclarecimentos, tudo em conformidade com o acima referido e o mais que seja tido por conveniente pela 1ª instância, atento o poder conferido pelo artigo 145.º, n.º 5, segmento final, do CPT.”. Em, consequência, nos termos do disposto no nº 2, al. c), do art. 662º do CPC, anula-se a decisão recorrida que, decidiu não fixar á sinistrada qualquer incapacidade permanente pelo acidente em causa nestes autos, porque se baseou, exclusivamente, como dissemos, no resultado daquele exame por junta médica, devendo ser solicitado aos senhores peritos médicos que a integraram os necessários, e fundamentados, esclarecimentos, tudo em conformidade com o acima referido, de modo a responderem com base, não só, “na observação da sinistrado” mas, também, tendo em conta os elementos clínicos e exames complementares, juntos aos autos e se necessário, proceder à realização de outras perícias, e diligências necessárias à apreciação da alegada, eventual, IPATH da sinistrada, dizendo quais as lesões que esta sofreu em consequência do acidente e se as mesmas lhe causaram ou não algum grau de incapacidade. Procede, assim, o recurso. * III – DECISÃOFace ao exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar o recurso procedente e em anular a decisão recorrida, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, devendo o Tribunal “a quo” diligenciar pela repetição da Junta Médica, na qual devem os Peritos Médicos prestar esclarecimentos e dar respostas fundamentadas ao que afirmam concluem, em conformidade com o acima referido e o mais que se tenha por conveniente, nomeadamente, diligenciar pela realização do inquérito profissional e estudo do posto de trabalho com vista ao correcto apuramento do grau de incapacidade de que sofre ou não a sinistrada e a seguir proferir-se nova decisão. * Custas pela parte vencida a final.* Porto, 22 de junho de 2020Rita Romeira Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão |