Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
Descritores: | AUTO DE NOTÍCIA PROVA DOCUMENTAL DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20230712536/21.0T9AGD.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Importa distinguir, em termos de relevância probatória, entre os autos de notícia em que a autoridade presencia a prática de um crime e aqueles em que simplesmente recolhe os relatos de terceiros quanto a essa prática; só o documento de onde constem factos presenciados, relatados, narrados e descritos pela autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade policial, se reveste de um valor probatório de confiança e verosimilhança com a realidade que permite ao tribunal, na mensuração e ponderação das provas, atribuir-lhe um valor probatório superior ao que atribui a outros documentos em que as mesmas entidades procedem ao relato de ocorrências II - Neste último caso, embora o auto de notícia de nada sirva para a comprovação do crime comunicado, já que a autoridade que elaborou o auto, como no caso dos autos, não assistiu aos factos, tal documento autêntico tem ainda a virtualidade de permitir a comprovação – caso não seja contestada, como não foi – da data da participação, de quem participou e do que foi comunicado, elementos que podem e devem ser concatenados com a demais prova produzida, no sentido de permitir completar a avaliação da prova por parte do Tribunal de julgamento. III - O facto de o Tribunal do julgamento se ter servido de prova documental pré-constituída e junta ao processo, mas que não foi produzida ou examinada na audiência, mas cuja leitura não seria proibida, não viola quer o princípio do contraditório quer o direito de defesa do arguido. IV – No caso vertente, não se verifica falta ou insuficiência da fundamentação, nem no que diz respeito à qualificação jurídica dos factos, nem no que diz respeito à determinação da medida da pena. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 536/21.0GBVFR.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 536/21.0GBVFR, a correr termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 1, por acórdão datado de 21-12-2022, foi decidido: «I. Absolver o arguido AA, com os demais sinais dos autos, da acusação pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, als. b) e c) e n.º 2, al. a), n.ºs 4 e 5 do Código Penal. II. Condenar o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão. III. Condenar o arguido AA pela prática de 2 (dois) crimes de ameaça, agravados, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, nas penas de 3 (três) meses de prisão por cada um deles. IV. Procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares supra impostas, condenar o arguido AA na pena única de 8 (oito) meses de prisão, determinando-se todavia, nos termos do 43º do Código Penal e art. 1º, al. b) da Lei n.º 33/2010 de 02/09, que a dita pena única de prisão seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância - a cumprir na morada indicada na respetiva identificação. IV.1- Autoriza-se, de modo genérico, o arguido a ausentar-se do local da vigilância eletrónica para o exercício da sua atividade profissional, entre segunda-feira a sábado, inclusive, entre as 08.30 horas e as 20.30 horas. V. Condenar o demandado/arguido AA a pagar ao demandante BB a quantia de € 2 000 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, à(s) taxa(s) legal(ais) supletiva para as obrigações civis que vigorarem, presentemente à taxa de 4% ao ano, desde a data da notificação do demandado/arguido para contestar o correspondente pedido civil até efetivo e integral pagamento. VI. Condenar o demandado/arguido AA a pagar ao demandante civil Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, E.P.E., com os demais sinais dos autos, a quantia de € 85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros, à(s) taxa(s) legal(ais) supletiva(s) para as obrigações civis que vigorar(em), desde a notificação do demandado/arguido para contestar o correspondente pedido civil, até efetivo e integral pagamento.» * Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a revogação do acórdão proferido.Após convite ao aperfeiçoamento, apresentou em apoio da sua posição as seguintes “conclusões” da sua motivação (transcrição): «I. O Recorrente reputa que a decisão agora impugnada não consubstancia uma opção justa e correta em sede de apreciação e valoração da prova e se afasta do melhor enquadramento jurídico dos pressupostos fácticos sobre que assenta – o que tudo dito com o devido respeito. II. O objeto do presente recurso é o Acórdão que CONDENOU o Recorrente pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - 2 (dois) crimes de ameaça, agravados, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, nas penas de 3 (três) meses de prisão por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena única de oito meses de prisão, determinando-se todavia, nos termos do 43º do Código Penal e art. 1º, al. b) da Lei n.º 33/2010 de 02/09, que a dita pena única de prisão seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância - a cumprir na morada indicada na respetiva identificação. III. Por outro lado, o presente recurso incide igualmente sobre mencionado Acórdão, na medida em que, na parte civil, condenou o demandado/arguido AA a pagar ao demandante BB, na quantia de € 2.000,00 (dois mil euros); e a pagar ao demandante civil Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, E.P.E., a quantia de € 85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros. IV. Na motivação do Tribunal a quo consta que sustentou a sua convicção positiva sobre a matéria de facto que tem por assente, de entre outros, também nos autos de notícia já acima identificados. V. Como resulta da decisão recorrida, a remissão do Tribunal a quo para estes elementos processuais não é, pois, uma referência meramente objetiva à respetiva existência ou a mera demonstração de que nomeadamente as denúncias em causa ocorreram naquelas circunstâncias de tempo e lugar e objetivamente com determinado conteúdo. Vai-se mais além do que disso, sustentando a própria prova da materialidade dos factos que agora tem por assentes no teor daqueles elementos processuais. Ou seja, valora probatoriamente o próprio conteúdo que nos mesmos se exara e dessa valoração sustenta materialmente a prática dos factos pelo Recorrente e suporta a credibilidade das declarações dos Assistentes. VI. Sucede, porém, que nenhum daqueles elementos processuais pode ser meio de prova relativamente à materialidade dos “factos” que nos mesmos se consignam, pelo que, em bom rigor, nem tem cabimento falar–se em qualquer especial valor probatório do registo (ou ausência dele) de um facto num auto de notícia para a demonstração (ou não) desse mesmo facto.. VII. Por conseguinte, tendo o Tribunal a quo sustentando a sua convicção probatória quanto à matéria de facto provada – e não apenas as circunstâncias das respetivas apresentações e ocorrências – no próprio conteúdo material descrito naqueles elementos, deve concluir-se pela proibição da valoração como prova dos factos de tais peças processuais VIII. As premissas enunciadas conduzem à conclusão de estarmos em presença de utilização de prova proibida, pois que a convicção do Tribunal a quo se formou em clara violação dos princípios da legalidade e da imediação da prova, decorrentes, na perspetiva que ficou supra exposta, da conjugação das previsões dos art.os 125.º e 355.º do CPP, da livre apreciação da prova, previsto no art.o 127.º do CPP - que pressupõe a validade dos elementos de prova que sustentam a convicção do tribunal, ainda que analisados nos termos ali consignados. IX. E, concomitantemente, em violação de direitos e princípios processuais fundamentais, como os do contraditório e processo justo e equitativo, tutelados pelos art.os 32.º, n.ºs 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. X. Pelo exposto, o Tribunal a quo ao condenar o arguido tendo por referência prova nula necessariamente deverá considerar-se o acórdão também afetado de nulidade, que, ainda que não expressamente prevista nos art.os 119.º e 120.º do CPP, se impõe seja reconhecida e declarada nesta fase processual, tanto assim que desde logo o n.º 3 do art.o 118.º do CPP especificamente adverte que «as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova». XI. Por outro lado, o Acórdão recorrido procede à escolha e graduação das penas a aplicar, elencando um conjunto de questões de carácter genérico, como sejam as molduras penais dos crimes imputados ao Recorrente, especificidades dos crimes e critérios gerais de determinação da medida da pena. XII. O referido trecho, de natureza essencialmente conclusiva, pouco permite acrescentar, além da gravidade e censurabilidade da conduta do Arguido Recorrente, bem como da improbabilidade de reincidência. Assim, salvo melhor opinião, as considerações genéricas expendidas no Acórdão recorrido quanto aos critérios de determinação e quantificação das penas, associadas à lacónica menção ao grau hierárquico do Arguido Recorrente, não consubstanciam uma efetiva fundamentação das penas concretamente aplicadas ao Recorrente. Pelo que, este deixa, desde já, invocada a nulidade do Acórdão recorrido, atento o disposto nos art.º 379.º, n.º1, al. a) e 374.º, n.º2 do CPP, com os fundamentos que se passam a expor. XIII. No caso concreto da fundamentação da concreta pena a aplicar ao arguido, os diversos elementos do raciocínio lógico que o Tribunal a quo tem de desenvolver encontram-se descritos no art.º 71.º do C.P., podendo ser complementados, consoante o caso, pelos critérios suplementares previstos nos art.ºs 72.º e seguintes do mesmo diploma legal. Os critérios normativos gerais para essa determinação são a culpa e as necessidades preventivas das penas, encontrando-se exemplificadas no n.º 2 do normativo transcrito várias circunstâncias atendíveis no momento de aferir a culpa do arguido. XIV. Vertendo para o caso em concreto, transparece do Acórdão recorrido que acabou por merecer especial relevância, para o Tribunal a quo o facto de que nas declarações em audiência, em que o Recorrente apresentou uma versão dos factos que não tem suporte na globalidade das provas produzidas e não convenceu o Tribunal Coletivo, não demonstrou autocensura e que tem antecedentes criminais. Por outro lado, o Tribunal a quo revela que deu prevalência às declarações da ofendida CC, DD e BB, cheias de inconsistências e incoerências (a título de exemplo a referência ao facto iv, vii, dos dados não provados). XV. De referir também que o Tribunal a quo não refere quais os critérios que levaram a escolher cada uma das penas em função dos critérios legais estipulados no artigo 70.º do CP. Não há uma única palavra sobre qualquer facto que possa concorrer a favor do arguido, que não seja somente o facto de estar familiar, social e profissionalmente inserido (factos 43. A 49., dos factos provados), o que no nosso modesto entendimento, estamos perante uma clara violação do disposto no artigo 71.º, n.º 2 do CP ao valorarem-se na determinação da pena a utilização de critérios indeterminados e o comportamento processual do arguido, ao contestar os factos que lhe eram imputados, mas também ter em consideração a factos constantes do registo criminal, cuja prática remonta ao período (reconhecidamente conturbado pelo arguido) entre o período de 2006 e 2010. XVI. Por outro lado, o Tribunal a quo interpreta que o facto de o arguido exercer os seus direitos processuais, inclusive negando em julgamento a matéria da acusação, deve virar-se contra ele e constituir também uma justificação da medida da pena! Nada é dito relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes ou os fins ou motivos que os determinaram; quanto á conduta posterior aos factos ou sobre a falta de preparação do Recorrente para manter uma conduta lícita. E, ao invés, dos motivos pelos quais tais aspetos não foram também considerados na decisão. XVII. Refira-se também que a Tribunal a quo não faz uma clara especificação dos fundamentos que presidiram à medida da pena de cada uma das penas de prisão aplicadas, em clara violação do disposto no artigo 71.º, n.º3 do código Penal e 375.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não podendo deixar de acarretar a nulidade do Acórdão. XVIII. A determinação da pena única revela uma violação dos critérios legais. Isto porque, e quanto à «personalidade do arguido», limita-se a remeter genericamente para o relatório de avaliação da personalidade elaborada e em clara violação do disposto no artigo 77.º do Código Penal. Ou seja, ainda que as penas parciais aplicadas pelo Tribunal estivessem fundamentadas, o mesmo sempre teria de especialmente justificar a pena única aplicada. XIX. Essa justificação teria de ser feita por especial referência aos factos e à personalidade do agente, o que não aconteceu. Percorrendo o Acórdão recorrido, é impercetível não apenas a razão para a aplicação de cada uma das penas parcelares que lhe foi aplicada, mas também a razão para a aplicação da pena única decidida pelo Tribunal a quo. O Acórdão recorrido não procedeu a uma concretização mínima desses critérios no respeitante à situação do Recorrente, faltando o bloco argumentativo que deveria fazer a ligação entre os critérios gerais de determinação das penas, previstos nas leis e a concreta pena aplicada ao Recorrente e acima de tudo que deveria justificar esta última. XX. O Acordão recorrido não refere, nem demonstra em lado algum, que o Recorrente poderá reincidir no caso de não lhe ser aplicada a pena em causa, nem se indica que esta pena é a única suscetível de contribuir para a sua ressocialização. Também ao nível da determinação da pena única para punir o concurso de se verificam as insuficiências e excessos apontados às penas parciais. XXI. Termos em que, entende o recorrente que o Acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto nos art.ºs 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2 do C.P.P., por falta de fundamentação no que concerne à determinação da pena aplicada ao Recorrente., nulidade que deverá ser conhecida e declarada por este Tribunal, com todas as consequências legais daí advenientes. XXII. Por outro lado, entendo o Recorrente que é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1 e 2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa, que estabelecem que qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo, à defesa e se presume inocente até trânsito em julgado de decisão condenatória. Ora, estabelece o art.º 410.º, n.º 2, al. b), do C.P.P: «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão». XXIII. Entende o Recorrente que ocorreu na decisão recorrida uma contradição insanável entre os factos provados nos n.os 9 e 11.º com os 21 e 22, a saber (por transcrição): “9- A dada altura, o arguido virou costas ao ofendido BB e começou a caminhar no sentido de casa. O ofendido BB seguiu na mesma direção, pois estacionara o veículo próximo da casa daquele. Porém, pouco depois de iniciar a marcha, o arguido parou, virou-se para trás e, dirigindo-se ao ofendido BB, disse-lhe que se ele, ofendido, viesse tirar satisfações consigo, arguido, que o partia “ao meio”. O ofendido BB respondeu-lhe “na minha terra, quem vai à guerra, dá e leva”. (...) 11- O arguido abriu o portão da sua residência, entrou e ficou a falar com familiares no terreno adjacente à casa de habitação. Porém, quando o ofendido BB passava na via pública, junto da residência do arguido, em direção ao seu automóvel, o arguido olhou para aquele e disse: “Eu fodo-te todo!”. Foi de pronto agarrado por pessoas que se encontravam junto de si, mas conseguiu libertar-se, abriu o portão da residência, dirigiu-se ao ofendido BB, que continuava na via pública, e desferiu-lhe um murro na face. Logo de seguida, o arguido voltou para a sua residência.” e, “21. Sentiu medo e receio por ocasião das condutas perpetradas pelo arguido AA a si dirigidas, sentindo perigar a sua integridade física e a sua vida, tendo ainda ficado sentido e melindrado pela atuação do mesmo. 22. Ficou muito ansioso e angustiado, receando, durante cerca de seis meses, com receio que o arguido lhe pudesse infligir mais agressões, receando pela sua vida e pela sua integridade física, bem como da sua filha.” XXIV. A contradição insanável ocorre quando, num deles (factos n. os 9 e 11) é referido que o Recorrente se dirigiu ao Assistente que «o partia ao meio» para no factos n.os 21 e 22 afirmar que o Assistente sentiu «(…) perigar a sua integridade física e a vida (…)» (?) ou quando refere «(…) lhe pudesse infligir mais agressões, receando pela sua vida e pela sua integridade física (…)». XXV. A contradição entre os referidos factos provados produz, inquestionavelmente, o vício decisório da contradição insanável. Ainda para mais, quando o Tribunal a quo se refere à diferença manifesta entre compleição física do Recorrente e do Assistente, em que o primeiro é uma “(...) pessoa forte, praticando musculação” - (cf. 3.º parágrafo da Pág. 20 do douto acórdão). E mais adiante sublinha: “É ainda de referir que o arguido é pessoa com 33 anos, praticante de musculação e com compleição física condizente. O ofendido é sexagenário e tem compleição física não atlética e condizente com a idade cronológica.” – (cf. 5.º parágrafo da Pág. 20 do douto acórdão). XXVI. Ora, resulta da experiência de um homem comum que, um homem que faz musculação e com uma compleição física condizente, perante um homem sexagenário, caso o primeiro viesse a desferir um muro ao segundo, este último teria um conjunto de lesões, com uma gravidade superior à sucedida. Conduzindo a mais uma falha, mais uma incongruência no discurso apresentado pelo Assistente, conjugado com a nota de admissão do Recorrente, junto do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, em .... XXVII. Por outro lado, entende o Recorrente existir uma contradição entre o que o Tribunal a quo considerou provado o crime da ameaça, agravado – agravação que não se alcança do facto n.º 11, dos factos provados. A que acresce que a ameaça, se consumiu aquando da ofensa à integridade física que imediatamente se veio a verificar. XXVIII. Termos que que o Tribunal ad quem deverá determinar o reenvio do processo para novo julgamento – cf .art.º 426.º/1doCPP – reforçado pela relevância de tal facto para a «agravação» do crime de ameaça pelo qual veio a ser o ora Recorrente também condenado. XXIX. Entende ainda o Recorrente que o Acórdão recorrido padece de erros de apreciação da prova, contendo um elenco de factos provados, relativamente aos quais não existe prova nos autos ou que são infirmados pela prova produzida. Tais erros passarão a expor-se, autonomizados aos factos que sustentaram a condenação pelos crimes imputados, com indicação dos vícios do juízo probatório e identificação dos meios de prova ignorados ou erradamente apreciados pelo Tribunal e que impõem uma inversão do sentido da decisão recorrido. XXX. Na fundamentação da decisão, vai-se revelando aos poucos que o Tribunal se coloca na posição de um «polígrafo» que vai auscultando pequenas variações de humor, adaptando-as ao que julga que é o caminho certo. Por seu turno e fiel ao que, desde o início, expressou, o Tribunal a quo foi afirmando a sua convicção íntima, recusando tudo o que o arguido afirme que não esteja comprovado por prova inequívoca. E, na dúvida, decide contra o arguido. XXXI. Assim, o Recorrente nas suas motivações demonstra os erros cometidos pelo Tribunal a quo, não sem antes afirmar, por um lado, que os factos ocorridos na tarde/noite de 25 de Agosto 2021 enquanto Recorrente terá ligado à testemunha DD “... dizendo-lhe que dissesse à CC para se despedir do filho EE, porque nesse mesmo dia, se deslocaria àquele local e iria matar” – facto n.º 4 dos Factos Provados. Mais adiante, no facto n.º 8 dos Factos Provados, o Assistente terá ouvido o Recorrente dizer que “quando apanhasse a ofendida CC a desfazia e que a partia ao meio”. XXXII. Estes dois factos foram contestados pelo Recorrente, negando ter proferido aquelas expressões, não obstante estar incomodado pelo facto de a ofendida ter remetido à sua companheira atual os print’s das conversas tidas com o Recorrente. Ora, são estes factos que sustentam a condenação pela prática do crime da ameaça agravado pelo Recorrente contra a ofendida. Por outro lado, nestes dois momentos, um presencialmente com o Assistente, e um outro através de uma chamada telefónica havida com a Sra. DD (testemunha), apenas o estamos perante situações em que, numa das situações, apenas o Recorrente e a testemunha DD conhecem a teor da conversa telefónica, E, numa outra situação, apenas se encontravam presentes o Recorrente e o Assistente, presentes um perante o outro, XXXIII. E, porquanto, nada mais foi assistido ou presenciado por quem quer que seja, existindo assim 2 versões, no que ao essencial diz respeito, absolutamente contraditórias, apenas coincidindo na data, hora, e a imputação aos pais da ofendida da cobertura a esta dada, para tudo o que a mesma faz. Por outro lado, inexiste qualquer prova objetiva, seja documental ou outra, que sustente a matéria de facto provada, no que ao crime diz respeito O Tribunal a quo não acredita nem fez qualquer esforço para acreditar na versão do arguido. De facto, quando o Tribunal a quo justifica a pena aplicada ao arguido com o facto de «o arguido não ter assumido os seus comportamentos, antes negando alguns deles» esta conclusão, que, muito honestamente, não tem “ponta por onde se lhe pegue”, XXXIV. Concretizando, no que se prende com a alegada prática do crime de ameaça agravada contra o Assistente BB, o crime pelo qual foi o Recorrente condenado mostrar-se-á sustentado nos factos n.º 9 e 11 da matéria de facto provada cuja transcrição, nos dispensamos de fazer, remetendo para o local próprio da matéria a respetiva leitura. Crime que se terá verificado, nas circunstâncias descritas, através da expressão «... que o partia “ao meio”» e «... Eu fodo-te todo”». Para a demonstração desse facto e, consequente verificação do crime, terão contribuído, em suma, as declarações do Assistente BB. XXXV. No caso dos autos, provou-se que: “dirigindo-se ao ofendido BB, disse-lhe que se ele, ofendido, viesse tirar satisfações consigo, arguido, que o partia “ao meio”. O ofendido BB respondeu-lhe “na minha terra, quem vai à guerra, dá e leva”. (...) o arguido olhou para aquele e disse: “Eu fodo-te todo!”. ”Foi de pronto agarrado por pessoas que se encontravam junto de si, mas conseguiu libertar-se, abriu o portão da residência, dirigiu-se ao ofendido BB, que continuava na via pública, e desferiu-lhe um murro na face. (...). Ou seja, em momento imediatamente anterior ao murro desferido (nas palavras do Tribunal a quo) o Recorrente profere tal expressão. XXXVI. Subsequentemente, pela conduta que o Recorrente estava levou a cabo naquele momento, e o próprio conteúdo da expressão em si mesma considerada que não aponta para a concretização no futuro, mas sim, no momento, até pelo tempo verbal que é utilizado, entende o Recorrente concluir que está preenchido o tipo legal de crime de ameaça, pois não há qualquer anúncio de mal futuro. Daqui conclui que a ameaça se esgotou naquele momento. XXXVII. Era naquele momento que o Recorrente queria levar a cabo as suas intenções. Poderia, isso sim, integrar a prática de um crime de ameaça se a expressão fosse proferida depois das agressões. Com efeito, face aos factos dados como provados e não provados o Tribunal a quo teria que valorar e aplicar o princípio in dubio pro reo. Este princípio fundamental do processo penal é uma emanação ou corolário da garantia constitucional da presunção de inocência consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. XXXVIII. Temos assim que, no caso em apreço, não estão preenchidos quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivo do crime em causa, pelo que o Tribunal a quo fez um julgamento errado dessa factualidade, com violação do artigo 127.º do Código de Processo Penal, por desrespeito do princípio in dúbio pro reo, constantes do artigo 11.º da matéria de facto provada, o qual tem que merecer a resposta de «não provado». XXXIX. Termos em que o Tribunal ad quem não pode considerar que a decisão, neste segmento, deixar de ser revogada e absolver o arguido da prática deste crime. XL. Já no que se prende com a alegada prática do crime de ameaça agradava perpetrado contra CC, é flagrante a valorização dos depoimentos das testemunhas DD e BB, em detrimento do que o Recorrente declara em audiência e julgamento. Isto porque o Tribunal a quo entende ser normal que, depois de uma chamada telefónica existente entre o Recorrente e a testemunha DD, e depois de esta comunicar à sua filha e marido, a reação é a filha fugir da sua residência – o seu porto seguro – e refugiar-se em local que não chegou a concretizar. XLI. Tais ameaças, uma vez mais foram afastadas pelo Recorrente, declinando aquelas declarações, tendo apenas informado a testemunha DD, num primeiro momento, e depois, o Assistente BB, o que tinha acontecido – envio dos print’s pela CC para a namorada do Recorrente – e imputando a estes a responsabilidade pelas ações da filha destes: Facto n.º 4 – “(...) o arguido - agastado pelo facto de a ofendida CC ter enviado à sua então namorada, FF, capturas de ecrãs (“prints”) com mensagens que ele trocara com aquela e que deixaram a FF zangada - telefonou a DD, que se encontrava em casa, dizendo-lhe que dissesse à CC para se despedir do filho EE, porque, nesse mesmo dia, se deslocaria àquele local e iria matá-la (...)”. Facto n.º 8 – “(...) arguido disse ao ofendido BB que a CC enviara à sua namorada FF capturas de ecrãs (“prints”) com mensagens que ele trocara com aquela e que, por causa, disso a FF queria terminar o namoro consigo. Culpou o ofendido BB e a esposa DD por não terem sabido educar a filha CC, acusando-os de a deixarem fazer tudo o que ela queria. Disse ainda ao ofendido BB que quando apanhasse a ofendida CC a “desfazia” e que a partia “ao meio” XLII. Conforme mencionado no ponto anterior o Tribunal a quo, perante a negação do Recorrente da declaração de tais expressões dirigidas à ofendida CC, optou pela condenação do Recorrente na prática do crime de ameaça agravado contra a ofendida, não aplicando o Tribunal a quo o princípio basilar do direito penal, o princípio in dúbio pro reo. XLIII. Termos em que não pode a douto Acordão, neste segmento, deixar de ser revogado e o arguido ser substituído da prática deste crime, por violação do mencionada principio Constitucional. XLIV. Já quanto à medida da pena, sem prejuízo de todo o exposto nos anteriores capítulos das presentes motivações de recurso e sob pena de comprometer o embasamento das diligências adotadas e seus resultados, cumpre afirmar que, não se questionando a verosimilhança das ilações retiradas de uma apreciação crítica das provas, tem-se como inadequada, face aos factos apurados, a medida da pena concretamente aplicada de 8 (oito) meses de prisão, em cúmulo jurídico, ainda que executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância. Acresce que o Tribunal a quo autorizou que o Recorrente, de modo genérico, ausentar-se do local de vigilância eletrónica para o exercício da atividade profissional, entre 2.ª feira a sábado, inclusive, entre as 8h30m e as 20h30m. XLV. Conforme referido supra, o Tribunal a quo não fundamentou minimamente as penas parciais e a pena única aplicadas ao Arguido, incorrendo consequentemente o Acórdão recorrido em nulidade. O dever de fundamentação de uma decisão só se cumpre quando esta contiver os elementos, que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse num sentido e não noutro. Assim, A fundamentação da decisão tem de permitir avaliar o seu porquê e, assumindo que aquela se encontra preenchida, questionam-se as suas derivações. XLVI. Afigura-se-nos que os elementos recolhidos no decurso das diligências adotadas, a análise e ponderação da matéria probatória carreada e a interpretação conjugada dos elementos disponíveis nos autos não habilitam a que a sanção privativa de liberdade com que o recorrente foi cominada seja de 8 meses de prisão. Colocam-se em crise os termos em que se procedeu à determinação da medida concreta da pena. XLVII. Ora, fica patente do Acórdão recorrido que o mesmo dissolve na prevenção geral - que, aliás, sobrevalorizou – considerações que se entendem espúrias a esse tópico específico dos fins das penas. Não existe motivo para acreditar que a comunidade não interprete a condenação do Recorrente como o resultado da interpretação feita pelo Tribunal das exigências de integração e tutela dos bens jurídicos e da normatividade vigente. XLVIII. Ora, sem prescindir a crítica e respetiva impugnação de parte da matéria de facto dada como provada, atendendo apenas e exclusivamente a matéria efetivamente dada como provada pelo Tribunal a quo no seu douto Acórdão, é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e da primazia e preferência da lei pelas penas não privativas da liberdade. XLIX. E, uma vez que condenou o Arguido em pena única de prisão de 8 meses de prisão, quando poderia e deveria ser, tendo em conta a prova produzida, as concretas necessidades de prevenção geral e especial, as circunstâncias que depunha a favor e contra o mesmo, em pena bem inferior e mais próxima do limite mínimo da moldura penal de cada um dos crimes imputados ao Recorrente. L. Mesmo que se mantenham os factos dados como provados e que o direito suporta a condenação do Recorrente, terão que ser valorados os seguintes aspetos: - Está socialmente inserido; -Está profissionalmente inserido; - É respeitado e considerado socialmente; - Este processo, em si mesmo, e por si só, representou uma pena elevada, na medida em que condenou o Recorrente numa pena de prisão efetiva; - o Recorrente tem antecedentes criminais, ocorridos há mais de 10 (dez) anos, o que mostra que o Recorrente não apresenta riscos de reincidência, pois estabilizou a sua conduta perante a sociedade; -Não se conhecem ao Recorrente quaisquer outros factos anteriores ou posteriores relacionados com as condutas descritas nos autos. LI. Apelando o recorrente apela que lhe seja dado uma merecida e justa oportunidade de iniciar um correto caminho, adentro dos interesses de reinserção social que o nosso ordenamento institui. LII. As penas parciais aplicadas pelo Tribunal a quo são excessivas, porquanto o grau de culpa e as necessidades de punição impunham que quaisquer penas parciais se circunscrevessem aos limites mínimos da moldura penal de cada um dos crimes imputados ao Recorrente. Também ao nível da determinação da pena única para punir o concurso de crimes se verificam as insuficiências e excessos já oportunamente apontados quanto às penas parciais. LIII. Pelo exposto, é nosso entendimento que, no caso concreto e tendo em conta tudo o que se acaba de referir quanto a determinação da medida da pena e tendo em conta as concretas exigências de prevenção geral e especial e tendo em conta todas as circunstâncias que depõem a favor do Recorrente. A pena aplicável a este deverá ser inferior aos 8 meses de prisão em cúmulo jurídico em que foi condenado e mesma suspensa na sua execução. LIV. Ao não ter acontecido, foram violados os artigos 40º, 70º e 71º, 77.º do Código Penal e artigos 120º, nº 2, al. d), 369º e 410º, nº 2 do Código Processo Penal e 32º da Constituição da República Portuguesa,. LV. Em face do exposto, deve o Acórdão recorrido ser revogado por douto Acórdão que proceda a nova determinação das penais parciais e da pena única a aplicar ao Arguido, aplicando-lhe, concretamente, sem prejuízo do referido supra, o limite mínimo das molduras penais de cada um dos crimes imputados ao Arguido, bem como o limite mínimo de punição do concurso, que daí venha a resultar. LVI. Caso o Tribunal entenda manter-se a decisão do Tribunal a quo, sempre deverá ser suspensa na sua execução. LVII. Entendimento contrário comporta uma interpretação dos Arts.º 40.º, 70.º, 71.º, n.ºs 1 e 2 e 77.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. contrária à Constituição da República Portuguesa, mais precisamente em relação aos Arts.º 18.º, n.ºs 1 e 2 e 27.º, n.ºs 1 e 2 da C.R.P., inconstitucionalidade que se deixa expressamente arguida para todos os efeitos legais. LVIII. Uma última nota relativa aos valores fixados na decisão recorrida a título de indemnização civil a favor do Assistente, nos montantes de €2.000,00 para o Assistente BB e de €85,91 para a Demandante Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, acrescidos de juros. LIX. Quanto aos pedidos de indemnização civil, o Recorrente considera aqui como reproduzido tudo o que foi referido supra, para os devidos efeitos. LX. Relativamente aos €2.000,00 a ser pagos ao Assistente BB, não se mostra documentado o suposto valor de correspondente aos dias em que o Assistente terá ficado incapacitado para o trabalho, nem tão-pouco foi junto os recibos de retribuição que o Assistente auferia, não bastando para tanto, no caso, somente as declarações do próprio interessado. Por outro lado, conforme se aludiu supra, deverá ser alterada a matéria de facto que esteve na base da condenação do Recorrente ao pagamento do valor ao Demandante BB. LXI. E considerando que o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante tem apenas e só como fundamento pelos ilícitos criminais de que o Recorrente vem condenado, Sempre se dirá que a alteração da respetiva factualidade, ausência de ilicitude e culpa importará a absolvição(total ou parcial) do mesmo quanto a tais pedidos, pelo que discorda o Recorrente com os valores fixados pelo Tribunal a quo, porquanto não se afiguram nem razoáveis ou proporcionais, tendo em conta todo o circunstancialismo. LXII. Devendo o Recorrente ser absolvido e/ou os mesmos ser reduzidos em conformidade, alterando-se nesta parte a decisão recorrida.» * O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acórdão recorrido, terminando a sua argumentação com as seguintes conclusões (transcrição):«Pelo exposto, deverá a decisão recorrida ser integralmente confirmada, face ao enquadramento factual nela vertido e à realizada valoração e análise crítica da prova, fazendo o devido enquadramento jurídico e correta aplicação do direito, assim se tendo concluído pela condenação do arguido recorrente, em pena cuja medida se nos afigura como adequada e proporcional ao caso concreto. Termos em que deverá ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, julgando-se como manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente.» * Também o assistente, BB respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva rejeição ou improcedência.Apresentou em apoio da sua posição as seguintes conclusões (transcrição): «1) O Recorrente não impugnou a matéria de facto propriamente dita, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 2 e 3 do CPP, pelo que o Recurso deverá ser rejeitado liminarmente – o que se requer. 2) O Arguido/ Recorrente limita-se a tecer meras discordâncias e generalizações que não permitem alcançar, com a certeza exigível, os concretos pontos de facto e a prova com que a mesma alicerça a sua discordância para com a matéria de facto provada, nem sequer explicitando e relacionando o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que alegadamente considera incorretamente julgado. 3) É entendimento uniforme que, o modelo do recurso em processo penal português, não é o da repetição de julgamento, mas apenas da sindicância do juízo decisório da matéria de facto efetuada pelo Tribunal de 1ª instância, no sentido de verificar se houve ou não erro de julgamento na apreciação ou valoração das provas, ou seja, limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância, importando, sempre ter presente que, não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, nunca esquecendo nas palavras de Figueiredo Dias que só os princípios de imediação e de oralidade permitem avaliar o mais concretamente possível a credibilidade das declarações dos participantes processuais. 4) O Arguido não cumpriu o ónus previsto no artigo 412.º, n.º 2 do CPP, já que pretende, de forma ilegítima, tão-só ver o seu juízo prevalecer sobre o livre juízo apreciativo formulado pelo Douto Tribunal, substituindo a convicção formada pelo mesmo pela sua própria interpretação, não aludindo, em concreto, nenhuma norma jurídica cuja interpretação o Douto Tribunal violou, nem sequer o sentido que deveria ter sido interpretado. 5) Atento o supra exposto, requer a V. Exa. se digne rejeitar liminarmente o Recurso ora interposto pelo Arguido/ Recorrente, com o fundamento no incumprimento dos ónus do artigo 412.º, n.º 2 e 3 do CPP. 6) Atenta a toda exaustiva e criteriosa apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como da prova documental e pericial junta aos Autos, sempre se dirá que as Alegações de Recurso ora apresentadas carecem totalmente de fundamento fáctico e de Direito, razão pela qual não deverá o Recurso apresentado merecer qualquer provimento. 7) Quanto à alegada violação do dever de fundamentação e valoração de prova proibida, alega o Arguido que, o Douto Tribunal ad quo valorou os autos de notícia relativamente ao seu conteúdo, o que, no seu entender, constitui prova proibida, por aplicação analógica do artigo 126.º do CPP, requerendo, a final nulidade do acórdão proferido – mas tal alegação carece totalmente de fundamento fáctico e de direito. 8) Decorre de forma cristalina do teor do Acórdão proferido, que o Douto Tribunal ad quo, não valorou o conteúdo dos Autos de notícia, no que respeita às declarações ali prestadas, ao contrário do alegado pelo Arguido, ora Recorrente, mas antes fundou-se nas declarações prestadas pelos Ofendidos em sede de audiência de julgamento, corroboradas e conjugadas, com a demais prova produzida em sede de julgamento, prova testemunhal, pericial e documental, nomeadamente os autos de notícia, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. 9) A norma do art. 355.º n.º 1 do CPP visa apenas evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo com respeito pelo princípio do contraditório, não exigindo que todas as provas tenham de ser reproduzidas na audiência de julgamento, podendo o auto de notícia ser livremente consultado pelo Tribunal e referido no Acórdão, mesmo que não examinado em audiência, sem que aí se aplique o disposto no art. 355º nº 1 do CPP. 10) Esta norma não exige que todas as provas sejam produzidas e/ou reproduzidas em audiência, pois os documentos que estejam nos autos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de aí terem sido lidos, porque estando eles no processo, todos os intervenientes têm acesso aos mesmos e têm, portanto, oportunidade de os analisar, por um lado, e contraditar, nomeadamente em julgamento, por outro. 11) No caso, os ofendidos prestaram declarações, que mereceram ao Tribunal “a quo” credibilidade em si mesmas, tendo confirmado na sua integralidade os factos descritos na acusação pública, que conjugadas com a demais prova junta aos autos, nomeadamente, ao prova documental, bem como sustentadas pelo depoimento das testemunhas, permitiram ao Tribunal “a quo” formar a sua convicção. 12) O acto de participação releva muitas vezes para ajudar apenas a situar a data dos factos, como ocorreu no caso dos autos, podendo, por isso apreciar-se o auto de notícia. 13) De acordo com o que se expôs, entendemos, pois, que não se verifica qualquer nulidade do Acórdão, uma vez que o mesmo não se fundou em prova proibida, mas nas declarações prestadas pelos ofendidos em audiência de julgamento, merecedoras em si mesmas de credibilidade pelo Tribunal a quo, corroboradas e conjugadas, para além da demais prova, pela prova documental junta aos autos, nomeadamente, auto de noticia e respetivos aditamentos a este, tudo apreciado de acordo com o principio da livre apreciação da prova. 14) Termos em que deverá ser indeferida a nulidade ora arguida com todas as consequências legais. 15) Quanto à alegada nulidade do acórdão por falta de fundamentação quanto à pena aplicada, alega o Arguido que o Acórdão proferido é nulo, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por falta de fundamentação no que concerne à determinação da pena aplicada ao mesmo, em concreto, os critérios aludidos no artigo 71.º do CPP – mas não tem qualquer razão. 16) No presente caso, o Acórdão incluiu a enunciação da prova que contribuiu para a formação da convicção do tribunal e a exposição, ainda que sintética, do juízo que sobre a mesma incidiu, ou seja, possui motivação completa da decisão de facto, incluindo na parte da determinação da pena aplicável, assim dando cumprimento à imposição legal que decorre do artigo 374.º, n.º 2, do Código Processo Penal. 17) De facto, no Acórdão ora em crise, e ao contrário do alegado, consta expressamente fundamentado, os critérios subjacentes à determinação da medida da pena, constantes das páginas 30 a 35 do Acórdão, e que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos. 18) Perante o que se deixou supra aludido, é manifesto que o Douto Tribunal ad quo cumpriu o dever de fundamentação que lhe era exigido, tendo fundamentado, de forma concreta e específica a decisão, efetuando uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente. 19) Termos em que deverá ser indeferida a nulidade ora invocada. 20) Quanto à alegada contradição insanável da decisão, alega também o recorrente que a sentença enferma de contradição insanável da fundamentação de facto. 21) Considerando o entendimento pacifico na jurisprudência e na doutrina supra explanado e que se dá aqui por integralmente reproduzido, a alegação recursiva não demonstra a existência de contradição insanável da decisão, mas antes expressa mais uma vez o inconformismo do recorrente, relativamente ao juízo probatório constante da motivação de facto, que conduziu à fixação dos factos provados relativos ao arguido, não estando a apreciação da prova inquinada por qualquer contradição nos segmentos convocados no recurso. 22) O facto de o ofendido, em momento prévio, à agressão, ter respondido ao arguido não implica que, o mesmo, no momento da agressão, não tenha sentido perigar a sua integridade física e tivesse receio, nos termos aludidos no artigo 21.º e 22.º dos factos provados, inexistindo qualquer contradição entre estes factos e os factos aludidos no artigos 9.º e 11.º. 23) Termos em que deverá ser indeferido o vicio alegado. 24) Quanto à matéria de facto, o Recorrido entende que deverá ser previamente apreciada a inadmissibilidade/ rejeição do Recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, uma vez que o recorrente incumpriu o ónus imposto pelo artigo 412.º, n.º 3.º, alíneas b) e c), 412.º, n.º 4 por referência ao disposto no 364.º, n.º 3 do CPP, no que concerne à impugnação da matéria de facto, designadamente, pelo facto de tendo a prova sido gravada, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do artigo 412.º, razão pela qual o Recurso deverá ser rejeitado – o que se requer. 25) O Douto Tribunal ad quem está, assim, impossibilitado de sindicar as concretas declarações e prova testemunhal prestadas em sede de julgamento, uma vez que a impugnação da matéria de facto não foi validamente efetuada e esse ónus pertence ao arguido/recorrente, razão pela qual, deverá, em suma, a matéria de facto permanecer inalterada. 26) No que respeita à impugnação da matéria de facto, alega o Recorrente que, nas suas declarações, prestadas em sede de julgamento, negou a prática dos factos dados como provados nos pontos 4 e 8. 27) Mas não basta a mera negação dos factos para o Tribunal ad quo poder dar como não provado estes factos, e a mera alegação de que a versão do arguido é contraditória com a versão do ofendido e das testemunhas, para permitir qualquer alteração da matéria de facto. 28) O tribunal ad quem não efetua um novo julgamento sobre a matéria de facto, nem se pode sobrepor, sem mais, à convicção do tribunal recorrido, como parece pretender o Recorrente. 29) O que perpassa das considerações expendidas pelo Recorrente é uma distorcida e descontextualizada interpretação da prova produzida, isto porque, pese embora discorde do sentido da decisão recorrida, a verdade é que o Recorrente não põe em causa, pelo menos diretamente, que os factos dados como provados decorrem efectivamente como tal dos documentos e do relatório pericial juntos aos autos e das declarações prestadas pelos ofendidos e pelas demais testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento. 30) Desta feita, ataca o Recorrente não a prova daqueles factos efectivamente produzida, mas a convicção do Tribunal ad quo que como tal os julgou, sustentando a fundamentação da sua discordância apenas e tão-só na alegada não fiabilidade e credibilidade das declarações prestadas pelo Recorrido, em contraposição com a alegada fiabilidade credibilidade das declarações prestadas pelo Recorrente, em consonância, segundo refere, com as regras da experiência comum. 31) Fá-lo, no entanto, de forma indeterminada, meramente genérica e falaciosa, limitando-se a tecer considerações subjetivas e laterais ao objeto dos presentes autos e factos pelos quais o Arguido, ora Recorrente, foi submetido a julgamento, esquecendo, convenientemente, conforme aliás, decorre do Acórdão proferido que, o douto tribunal ad quo, teve também em conta a razão de ciência da prova produzida, o modo de produção da prova, articulando-a entre si, bem como a congruência dos diversos meios de prova e a sua conformidade com as regras da experiência e a normalidade do acontecer. 32) A acrescer, ao contrário do que o Recorrente pretende fazer crer, e como douta e detalhadamente fundamentou o Tribunal, atentou o mesmo numa sagaz leitura das declarações prestadas por todos os intervenientes, que in totum não podemos deixar de subscrever, uma vez que se revela a única leitura consentânea, não apenas com os factos pelos mesmos objetivamente descritos, como ainda com as regras da experiência comum. 33) A convicção do Tribunal a quo para decisão dos factos baseou-se nos elementos de prova carreados para os autos, mais se tendo orientado pelas regras da lógica e da experiência da vida na sua apreciação, sendo que a motivação da matéria de facto provada evidencia uma tomada de posição clara, inequívoca e coerente relativamente à globalidade da prova produzida e à sua apreciação individual, cuja valoração é livremente conferida ao tribunal. 34) Salvo melhor entendimento é legítimo, claramente apreensível e digno da nossa absoluta concordância o processo mental que serviu de suporte ao respetivo julgamento dos factos e valoração da prova produzida, pois que o Acórdão e o tribunal a quo recorrido expõe, de forma concisa e objetiva, o modo como procedeu à valoração conjugada de todos os suportes probatórios em que assentou a decisão da matéria de facto. 35) A decisão pela condenação do arguido/recorrente é, portanto, o culminar de um raciocínio lógico de integração dos factos (no qual inexiste qualquer contradição), resultando ponderada e não arbitrária face às provas concretamente produzidas e constantes dos autos e às regras da experiência comum, parâmetros que dão forma ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal (indissociável dos princípios da imediação e oralidade). 36) Transparece, assim, clara a intenção do Recorrente de, verdadeiramente não impugnar a matéria factual provada, mas antes, substituir-se ao livre juízo apreciativo da prova formulado pelo julgador, substituir a convicção formada pelo tribunal pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida, com base na respetiva interpretação e valoração pessoal da mesma. 37) Denota, assim, o arguido/recorrente assentar a sua motivação no pressuposto erróneo de que a impugnação da matéria de facto permite que o tribunal ad quem leve a cabo um novo julgamento sobre a mesma, podendo fazer sobrepor, sem mais, a sua convicção à do tribunal recorrido, o que carece manifestamente de fundamento. 38) Voltando ao caso em apreciação, nenhum reparo nos merece o processo de formação da convicção do tribunal a quo, que sustentadamente não só alcançou uma solução lógica e razoável à luz das regras da experiência comum, como aliás é a única solução que se nos afigura coerente com as mesmas. 39) Em suma, haverá que se referir que a prova foi valorada com razoabilidade, os elementos apontados na sentença como relevantes para a decisão de facto foram coerentemente explanados e foram valorados de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que não fere as regras da experiência comum, antes as confirmando. 40) Pelo que não merece quer o recurso a que ora se responde, nem as suscitadas violações legais, qualquer provimento, devendo o Acórdão proferido ser confirmado e integralmente mantido. 41) Quanto ao alegado a propósito do crime de ameaça agravada na pessoa de BB e na pessoa de CC, haverá a dizer que o mal futuro indispensável à verificação do crime de ameaça não se situa necessariamente num futuro longínquo ou mais ou menos distante. É futuro todo o mal que não se inicia com a ameaça, como ocorreu in casu. 42) O crime de ameaça p. e p. pelo art. 153º do CP configura um crime de perigo e de mera actividade, pois que basta que, na perspectiva do agente e à luz das regras de experiência comum, tomando por referência a capacidade de entendimento e decisão do homem médio, o anúncio de um mal futuro que corresponda a um crime, em que se traduz a ameaça, seja apto a causar medo, inquietação ou perturbação da liberdade de determinação. 43) Atento o exposto, carece de fundamento o Recurso do Recorrente, pelo que deverá ser indeferido o recurso nesta parte. 44) Quanto ao alegado a propósito da medida da pena, também aqui, não se vislumbra como excessiva ou incorreta a medida da pena fixada ao Arguido/ Recorrente, afigurando-se que o quantitativo da pena de oito meses de prisão, plenamente proporcional, necessária e adequada às finalidades da pena, à gravidade da sua conduta, à elevada ilicitude dos factos praticados, às circunstâncias da prática do crime, aos antecedentes criminais e às condições pessoais do Arguido/ Recorrente, nos termos ali melhor fundamentados, que não podemos deixar de integralmente subscrever e nos absteremos de reproduzir por razões de economia processual. 45) Também quanto a este ponto, carece, salvo o devido respeito, o Arguido/Recorrente inteiramente de razão, pois cada juiz é livre na sua decisão da escolha da pena a aplicar no caso concreto, desde que cumpra os ditames constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do C.P., sempre com um limite na culpa do Arguido/ Recorrente, o que in casu, foi respeitado. 46) Já no que respeita à determinação da medida da pena, a mesma é feita dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não podendo o Tribunal, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. 47) Ora, analisada a decisão em crise, é manifesto que o Tribunal a quo, na escolha da pena, na determinação da sua medida e na fixação da pena teve em consideração o enunciado nos artigos 40.º e 71.º do C.P., designadamente as exigências de prevenção geral e especial, bem como o disposto no artigo 77.º do C.P, pelo que, a fixação da pena foi justa e adequada, razão pela qual não pode deixar de improceder o recurso interposto quanto à medida da pena, devendo manter-se o Acórdão recorrido, o que se requer, com as legais consequências. 48) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o alegado no ponto IV) das Alegações, por uma questão de economia processual. 49) Portanto, nesta vertente, o recurso também não pode proceder. 50) Quanto ao alegado a propósito da pena de substituição (suspensão), o Arguido/Recorrente inteiramente de razão, pois cada juiz é livre na sua decisão da escolha da pena a aplicar no caso concreto, desde que cumpra os ditames constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do C.P., sempre com um limite na culpa do arguido. 51) Já no que respeita à determinação da medida da pena, a mesma é feita dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não podendo o tribunal, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. 52) Ora, analisada a decisão em crise, é manifesto que o Tribunal a quo, na escolha da pena, na determinação da sua medida e na fixação da pena teve em consideração o enunciado nos artigos 40.º e 71.º do C.P., designadamente as exigências de prevenção geral e especial, bem como o disposto no art. 77.º do C.P, pelo que, a fixação da pena foi justa e adequada, razão pela qual não pode deixar de improceder o recurso interposto quanto à medida da pena, devendo manter-se o Acórdão recorrido, o que se requer, com as legais consequências. 53) Atento o exposto sempre deverá manter-se o Acórdão proferido. 54) E por último, quanto ao alegado a propósito da indemnização fixada ao assistente, decorre dos Autos que o ofendido deduziu pedido de indemnização civil do ofendido, peticionando o pagamento da quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) – valor o qual o Recorrente veio a ser condenado. 55) Conforme o preceituado no n.º 2 do artigo 400.º do CPP “o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. 56) Dispõe o artigo 31.º, n.º 1, da NLOFT (Lei n.º 52/2008, de 28/8), em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000. 57) Por conseguinte, na medida em que os pressupostos de interposição do recurso têm de estar presentes à data em que o mesmo é interposto, atendendo ao valor do pedido atribuído pelo Assistente/Recorrente ao pedido de indemnização civil é de 2.000,00€ e da subsequente condenação pelo Tribunal ad quem, ou seja, inferior à alçada do tribunal da Relação, e a decisão impugnada é desfavorável ao Recorrente em valor inferior a metade desta alçada, logo, é manifesto que o valor do pedido de indemnização civil fica aquém do valor correspondente ao da alçada do tribunal recorrido, logo, por isso, é inadmissível, o recurso. 58) Nesta conformidade, ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, al. b), 414.º, n.º 2, 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP, deve o presente Recurso ser rejeitado. 59) Termos em que deverá improceder, totalmente, o recurso ora interposto. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ao Recurso ser negado provimento, assim se fazendo a Sã e Inteira JUSTIÇA.» * Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser reconhecida a existência de contradição insanável entre os factos dados como provados, a motivação de facto e de direito relativamente ao crime de ameaça agravada e ainda, nesta parte, a falta de fundamentação, determinante da nulidade da decisão recorrida, nos termos dos arts 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, ambos do CPPenal, pugnando pelo reenvio do processo para novo julgamento no que respeita ao crime de ameaça na pessoa do ofendido BB - art. 416.º, n.º 1, do CPPenal.* Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente apresentou resposta, no sentido de poder aceitar a posição defendida no parecer emitido, sem prejuízo da assumida no recurso.* Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.* II. Apreciando e decidindo:Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes: - Nulidade do acórdão por violação do dever de fundamentação e valoração de prova proibida; - Nulidade do acórdão por falta de fundamentação quanto à pena aplicada; - Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; - Erro de julgamento em sede de matéria de facto; - Erro de julgamento em sede de direito; - Medida concreta da pena e pena de substituição; e - Valor da indemnização fixada. * Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes do acórdão recorrido (transcrição – as notas-de-rodapé assumiram diferente numeração com a inserção deste segmento do acórdão nesta decisão):«2 - Fundamentação 2.1 – De Facto 1. O arguido AA e a ofendida CC viveram como se marido e mulher fossem, em comunhão de mesa, leito e habitação, entre fevereiro e agosto de 2020, na residência daquele ao tempo, sita na Rua ..., em ... de .... 2. Do relacionamento entre eles nasceu o filho EE, a .../.../2020. 3. A ofendida CC, após a separação do arguido e concomitante cessação da relação de namoro, foi viver para casa dos pais, BB e DD, sita na Rua ..., em ..., onde continuou a viver com o filho EE, depois do nascimento deste. 4. No dia 25 de agosto de 2021, pouco depois das 19.00 horas, o arguido - agastado pelo facto de a ofendida CC ter enviado à sua então namorada, FF, capturas de ecrãs (“prints”) com mensagens que ele trocara com aquela e que deixaram a FF zangada - telefonou a DD, que se encontrava em casa, dizendo-lhe que dissesse à CC para se despedir do filho EE, porque, nesse mesmo dia, se deslocaria àquele local e iria matá-la. 5. Pouco depois, ainda antes 20.00 horas, DD deu conhecimento da referida chamada e do seu teor à filha CC e, pouco mais tarde, deu também conhecimento da mesma chamada ao seu marido BB. 6. Praticamente de seguida, este deslocou-se até junto da residência do arguido, sita na Rua ..., em ..., onde chegou sensivelmente entre as 20.30 horas e as 21.00 horas, com o propósito de falar com aquele e de o confrontar com o sucedido. 7. Junto da residência do arguido, o ofendido BB pediu para falar com ele, pedido a que o arguido anuiu, tendo-se ambos deslocado a pé para junto da Igreja de ..., que fica a cerca de 50 metros da dita residência. Nas imediações da Igreja, o ofendido BB e o arguido AA estiveram a falar a sós. 8. Nessa conversa, o arguido disse ao ofendido BB que a CC enviara à sua namorada FF capturas de ecrãs (“prints”) com mensagens que ele trocara com aquela e que, por causa, disso a FF queria terminar o namoro consigo. Culpou o ofendido BB e a esposa DD por não terem sabido educar a filha CC, acusando-os de a deixarem fazer tudo o que ela queria. Disse ainda ao ofendido BB que quando apanhasse a ofendida CC a “desfazia” e que a partia “ao meio”. 9. A dada altura, o arguido virou costas ao ofendido BB e começou a caminhar no sentido de casa. O ofendido BB seguiu na mesma direção, pois estacionara o veículo próximo da casa daquele. Porém, pouco depois de iniciar a marcha, o arguido parou, virou-se para trás e, dirigindo-se ao ofendido BB, disse-lhe que se ele, ofendido, viesse tirar satisfações consigo, arguido, que o partia “ao meio”. O ofendido BB respondeu-lhe “na minha terra, quem vai à guerra, dá e leva”. 10. O arguido AA retomou a marcha, o que também fez o ofendido BB, seguindo atrás daquele. 11. O arguido abriu o portão da sua residência, entrou e ficou a falar com familiares no terreno adjacente à casa de habitação. Porém, quando o ofendido BB passava na via pública, junto da residência do arguido, em direção ao seu automóvel, o arguido olhou para aquele e disse: “Eu fodo-te todo!”. Foi de pronto agarrado por pessoas que se encontravam junto de si, mas conseguiu libertar-se, abriu o portão da residência, dirigiu-se ao ofendido BB, que continuava na via pública, e desferiu-lhe um murro na face. Logo de seguida, o arguido voltou para a sua residência. 12. BB careceu de assistência médica, foi observado pelas 22:05 horas do mesmo dia 25, no Serviço de Urgência do Hospital ..., do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, EPE, apresentando edema e ferida interna a nível do lábio inferior, tendo-se aí procedido à limpeza e sutura interna do lábio, tendo-lhe sido concedida alta pelas 23:19 horas. 13. Como consequência direta da atuação do arguido, o ofendido BB sentiu dores e sofreu várias equimoses, numa área de 4cm por 2cm, na metade direita da região infralabial e mento, equimose com 2cm por 0,3cm na face dérmica do lábio inferior, sofreu edema de ambos os lábios, tendo levado pontos de sutura na face mucosa do lábio inferior e ficou com várias lesões ulceradas na face mucosa do lábio superior. A 28 de abril de 2022, apresentava cicatriz com 0.5cm na face mucosa da metade direita do lábio inferior. As referidas lesões demandaram nove dias de doença para a cura, todos com afetação da capacidade de trabalho profissional, tendo como consequência permanente a referida cicatriz. 14. As expressões acima referidas e proferidas pelo arguido a DD e a BB, foram do conhecimento da ofendida CC, como era pretensão e desejo do arguido. 15. Mercê dos comportamentos do arguido, a ofendida CC sentiu insegurança, receando que o arguido a procurasse e voltasse a proferir expressões como as descritas ou que consumasse os males que anunciou. 16. O arguido quis, e logrou, provocar medo e inquietação à ofendida CC, fazendo-a sofrer, ciente de que afetava a paz e sossego desta e de que a sua conduta era adequada a causar-lhe receio pela integridade física e até pela própria vida, o que fez, não obstante esta ter sido sua companheira e ser mãe do seu filho e, como tal, lhe merecer especial respeito. 17. O arguido quis e conseguiu molestar BB na sua integridade física, ciente de que lhe provaria dores e lesões. 18. O arguido quis ainda intimidar o BB, bem sabendo que praticava atos suscetíveis de o fazer recear que a filha CC pudesse sofrer atos atentatórios da integridade física ou da própria vida, ciente de que as suas condutas eram adequadas a causar-lhes tal receio. 19. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. * 20. Em consequência da agressão perpetrada pelo arguido, o ofendido BB sofreu dores, no momento dessa agressão e nos dias que mediaram até à cura.21. Sentiu medo e receio por ocasião das condutas perpetradas pelo arguido AA a si dirigidas, sentindo perigar a sua integridade física e a sua vida, tendo ainda ficado sentido e melindrado pela atuação do mesmo. 22. Ficou muito ansioso e angustiado, receando, durante cerca de seis meses, com receio que o arguido lhe pudesse infligir mais agressões, receando pela sua vida e pela sua integridade física, bem como da sua filha. 23. O ofendido BB sentiu perturbado o seu sentimento de segurança. * 24. O Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, E.P.E. prestou, em 25/08/2021, a BB os serviços clínicos discriminados na fatura n.º ...60, emitida na mesma data, de que se mostra junta cópia a fls. 199.25. Tais serviços foram prestados na sequência das lesões que aquele ofendido apresentava, as quais foram consequência direta, necessária e imediata da conduta supra descrita do arguido AA, levada a cabo no apontado dia 25/08/2021. 26. O valor total dos serviços prestados e discriminados na fatura ascendeu, à data em que foram prestados, a € 85,91. * 27. O arguido AA provém de família composta pelos progenitores e por cinco irmãos, marcada por dificuldades socioeconómicas.28. Apesar dos problemas familiares vivenciados, o arguido AA teve uma boa inserção escolar, abandonando os estudos no 10º ano de escolaridade, para trabalhar numa empresa de jardinagem. 29. Aos 17 anos de idade iniciou vivência em comum com a namorada de então -GG, de 16 anos de idade -, de quem viria a ter dois filhos, HH e II, atualmente com 15 e 13 anos de idade, respetivamente, atualmente confiados à respetiva progenitora. 30. A relação marital com a mãe daqueles seus filhos perdurou sensivelmente entre 2006 e 2011, vivendo o casal em casa dos pais do arguido, período que se caracterizou por instabilidade pessoal, desemprego frequente e evolução social desviante do arguido. 31. Sofreu condenações criminais, tendo-lhe sido impostas condenações em penas de prisão suspensa, com acompanhamento por parte da DGRSP, tendo-se mostrado colaborante com os serviços de reinserção social, tendo chegado a frequentar sessões individuais de psicologia para agressores de violência doméstica no Projeto Direitos e Desafios. 32. Nesse tempo, o arguido AA vivia maritalmente com JJ -empregada de limpeza, dez anos mais velha do que ele - e com um filho desta, num apartamento em .... 33. Esta relação teve um impacto positivo no arguido, traduzido numa maior estabilidade e estruturação do seu quotidiano, tendo trabalhado, desde 2013, na fábrica A..., SA, em ..., onde permaneceu durante cerca de seis anos. 34. Passou a receber a visita dos seus filhos no seu núcleo familiar, que vieram a ser-lhe confiados judicialmente, desta forma, passando o seu agregado familiar a ser constituído pelo casal (arguido e companheira) e por três menores de idade, a saber, os dois filhos do arguido e o filho da companheira. 35. Depois de se separar da companheira em 2016, os seus filhos foram confiados à respetiva progenitora. 36. Esteve a viver com o pai, em ..., depois em casa de um amigo, até arrendar uma casa em ... de ..., mantendo a sua integração profissional na empresa A..., de onde se despediu no início do ano de 2020, para se dedicar unicamente à atividade de tatuador - que já vinha exercitando e aperfeiçoando anteriormente nos seus tempos livres - e montou um estúdio em .... 37. Esta atividade de tatuador foi afetada negativamente pela pandemia da Covid19, com decréscimo de rendimentos, tendo o arguido abandando a casa onde vivia em ... de ... por falta de pagamento da renda de casa, mudando-se para a atual residência em ..., junto do domicílio de KK, uma das suas irmãs. 38. Em fevereiro de 2020, aproximadamente, o arguido iniciou o relacionamento amoroso com a vítima CC. 39. Na perspetiva do arguido, era uma relação inconstante, devido à instabilidade da vítima. Na perspetiva desta, os desentendimentos do casal deveram-se ao comportamento controlador e possessivo do arguido. 40. A rutura da relação ocorreu em agosto, por decisão da ofendida, que se encontrava em período de gestação do filho de ambos, EE. 41. O arguido foi ao hospital aquando do nascimento do filho e depois teve reduzido contacto com este. 42. A paternidade do EE foi confirmada em processo de averiguação oficiosa da paternidade. 43. Presentemente, o arguido AA mantém residência no centro da localidade de ..., ocupando o rés-do-chão de uma pequena moradia, constituído por espaço único, com cozinha e wc exterior. 44. Paga 200 euros mensais, pela renda de casa, água e luz. A sua irmã e respetivo companheiro, vivem no piso superior. 45. Já residia neste domicílio, quando, na sequência de uma investigação criminal por tráfico de estupefacientes, foi constituído arguido, encontrando-se sob medidas de coação, entre as quais, a de apresentação na GNR três vezes por semana. 46. O arguido mantém convívio social fora do meio de residência e continua a exercer a sua atividade de tatuador num pequeno estúdio na Rua ..., em ..., onde estabelece relações pacíficas e cordiais na vizinhança próxima, sendo a sua presença bem aceite. Exerce, normalmente, a sua atividade no horário entre as 09.00 horas e as 20.00 horas. 47. Retira da sua atividade, segundo refere, quantias variáveis por mês, que em média não são inferiores ao salário mínimo nacional, o que o leva a equacionar o recurso à emigração quando cessarem os processos criminais que se encontram pendentes. 48. Mantém contactos com os filhos, ainda que não se realizem visitas regulares, estando atualmente a pagar a pensão de alimentos ao filho EE, no valor de € 90 mensais. 49. Mantém há mais de ano e meio namoro com FF, de 21 anos de idade, empregada de loja, relação que considera gratificante e junto de quem aspira a uma vida em comum, depois de ultrapassada a atual situação jurídico-penal. 50. O arguido AA reconhece o seu passado turbulento e desajustado e projeta o futuro numa perspetiva de inserção normativa. 51. Em abstrato, face a factos de idêntica natureza aos que estão em apreço nos presentes autos, o arguido reconhece a sua ilicitude e o impacto negativo nas vítimas e verbaliza respeita pelos meios formais de controlo. 52. O arguido AA foi condenado por sentença transitada em julgado em 16/02/2009, proferida no processo n.º 474/08.1PAVFR, pela prática, em 12/08/2008, de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1, a) da Lei n.º 5/2006 de 23/02, e de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 03/01, na pena única de 185 dias de multa, à taxa diária de € 5,50. Pena essa extinta pelo pagamento no ano de 2010. 53. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 12/07/2011, proferida no processo n.º 1345/10.7TAVFR, pela prática, em 2010, de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, do DL n.º 2/98 de 03/01, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5. Pena essa extinta pelo pagamento no ano de 2012. 54. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 11/01/2012, proferida no processo n.º 482/09.5PAVFR, pela prática, em 2009, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo DL n.º 15/93 de 22/01, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova. Pena essa declarada extinta. 55. Foi condenado por sentença transitada em julgado em 24/09/2013, proferida no processo n.º 186/11.9PASJM, pela prática, em 2011, de 1 crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, als. b) e c) e n.º 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova. Pena essa declarada extinta, por decisão de 27/10/2016. 56. Foi condenado por acórdão transitado em julgado em 30/09/2013, proferido no processo n.º 350/06.2PASJM, pela prática, em 13/04/2006, de 1 crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144º do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período. Pena essa declarada extinta, por decisão de 04/11/2016. * Da instrução e discussão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, tendo designadamente resultado não provados os seguintes:O arguido AA e a ofendida CC viveram juntos na Rua ..., em .... O arguido AA e a ofendida CC viveram juntos no mês de setembro de 2020. Em data não concretamente apurada dos meses de março/abril de 2021, o arguido dirigiu-se à residência dos pais da ofendida CC. Foi recebido por DD, mãe da ofendida, exigiu ver e falar com a ofendida CC e disse-lhe: “Vou pôr fogo ao carro, que assim ela vem cá fora!”, “Eu assim que a apanhar mato-a!”, “Eu passo com o carro por cima dela!”, referindo-se à ofendida CC. O ofendido BB pediu ao arguido AA que deixasse a filha CC em paz. A ofendida CC, mercê dos comportamentos do arguido vive num clima de infelicidade, fragilidade e humilhação. Na conversa com o ofendido BB, o arguido culpou os pais da CC pela separação de ambos e, referindo-se àquela, disse: “Dou cabo dela”. O arguido quis ferir a ofendida CC na sua honra e consideração, saúde física e psíquica, humilhá-la e desprezá-la como ser humano. O relacionamento de namoro do arguido AA com a ofendida CC era aberto, a nível sexual e emocional. O arguido e a ofendida CC, durante o namoro, apenas pontualmente dormiam juntos. Foi o arguido AA quem terminou o namoro com a ofendida CC. Em razão do presente processo judicial, o arguido encontra-se impedido de privar com o seu próprio filho, EE. Desde o nascimento do menor, a ofendida CC e os seus pais utilizam todos os meios para afastar o arguido do seu filho. A ofendida CC faz chantagem com o arguido, servindo-se do filho de ambos, para que ele deixe a atual namorada e retome o relacionamento que tiveram. A conflitualidade do relacionamento entre o arguido AA e a ofendida CC ficava a dever-se ao vício de que esta padecia e aos seus ciúmes doentios. Os pais da ofendida CC impediam o arguido de privar com o seu filho EE, não permitindo que a própria ofendida tomasse as decisões necessárias e importantes na formação, e no interesse, do próprio filho. Os pais da ofendida CC são muito interventivos na vida pessoal desta, não permitindo que esta tome decisões que uma pessoa com mais de 30 anos deve tomar. O ofendido BB, no dia 25 de agosto de 2021, contactou telefonicamente com o arguido. O ofendido BB e o arguido marcaram previamente encontro no Largo da Igreja de ..., ao final da noite. O ofendido BB começou a dizer “que fazia e acontecia”, tendo o arguido percebido que a conversa se destinava a provocar uma reação sua. O ofendido BB, depois do arguido virar costas, persegui este último, em altos berros, dirigindo impropérios e ameaças àquele. Ouvindo barulho, a família do arguido saiu de casa, tendo-se a sobrinha do arguido, LL, dirigido ao ofendido BB, tentando impedi-lo de perseguir o tio. Perante isso, o ofendido BB, descontrolado, agrediu a sobrinha do arguido, gerando-se uma confusão entre todos. O arguido virou-se, para tentar separá-los, ofendido BB e sobrinha LL. A sobrinha LL encontrava-se, ao tempo, grávida. * Motivação:No ordenamento processual penal vigente, são admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei (art. 125º do Código de Processo Penal). O que significa que não são só os meios tipificados, isto é, regulamentados por lei, que são admitidos, mas, diversamente, todos os que não forem proibidos, mesmo sendo atípicos. Prevalece, porém, no âmbito probatório o princípio da legalidade, que enforma todo o nosso processo penal (art. 2º do Código de Processo Penal).[2] A prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (art. 127º do Código de Processo Penal). A livre apreciação da prova comporta duas vertentes: por um lado, quem decide fá-lo de acordo com a sua íntima convicção em face do rol de provas apresentadas no processo, em especial na audiência de julgamento; por outro lado, essa convicção, objetivamente formada com apoio em regras técnicas e de experiência, não está sujeita, salvo em contados casos especialmente previstos, a critérios legais predeterminados do valor a atribuir às provas.[3] A convicção do(s) juiz(es) há-de ser “uma convicção pessoal – até porque nela desempenha papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros”.[4] A livre apreciação da prova pelo julgador deve ser vista de acordo com os princípios da oralidade e da imediação. Oralidade, no sentido de “forma oral de atingir a decisão”. Imediação no sentido da “relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base a sua decisão”.[5] «Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos, perícias e outras provas constituídas, também, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram».[6] Uma nota, ainda, para vincar que o princípio da livre apreciação da prova encontra um desvio na prova pericial Com efeito, dispõe o art. 163.º do Código de Processo Penal que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos. A prova pericial, que «tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» - art. 151º do Código de Processo, é portanto, via de regra, de apreciação vinculada. Prosseguindo, acrescenta-se ainda que, para além da prova direta, a lei admite a comummente denominada prova indireta ou indiciária. Com efeito, «a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adoção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “as provas que não forem proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova)». Para finalizar, refere-se que os autos e aditamentos, quando levantados ou exarados por autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal são meios de prova válidos quanto aos factos materiais neles narrados que tenham sido presenciados pelo(s) agente(s) autuante(s), apesar de deverem ser valorados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigos 169 º e 127º do CPP). Abordemos agora o caso concreto. A convicção do tribunal resulta, no caso concreto, da ponderação conjugada, à luz de regras de experiência comum, das declarações do arguido AA, na audiência de julgamento, bem como das declarações do demandante, e ofendido, BB. Relevaram, ainda, os depoimentos testemunhais de: - CC, ofendida, filha do demandante BB; - DD, esposa do demandante BB, mãe de CC; - LL, sobrinha do arguido; - MM, marido da anterior testemunha. Declarações e depoimentos esses devidamente concatenados com os relatórios de perícia de avaliação do dano corporal ao ofendido BB, juntos aos presentes autos a fls. 116 e 117 (cfr. cópia a fls. 15 a 17 do apenso A) e fls. 133 a 135. Mais se ponderaram, devidamente concatenadas com os suprarreferidos meios de prova: - Auto de Notícia, elaborado pela GNR, em 27/08/2021, na sequência da deslocação da vítima CC ao PT de ..., junto aos autos de fls. 4 a 6 (relevando o dito auto apenas para, no concerto com os mais de prova, ajudar a situar cronologicamente os acontecimentos, decorrendo, contudo, do mesmo que referida vítima tomou conhecimento dos factos, nomeadamente das ameaças); - Prints das bases de dados da Segurança Social e dos Serviços de Identificação Civil, relativos ao arguido e vítima CC, de fls. 20 e 21 e fls. 35 e 36; - Certidões dos assentos de nascimento, do arguido e seus filhos e da vítima CC de fls. 29 a 34, fls. 37 a 40; - Nota de alta hospitalar do ofendido BB, de 25/08/2021, junta a fls. 92 (ainda a fls. 200), e Atestado de Doença, relativo ao ofendido, junto a fls. 124; - Fatura do CHEDV, relativa ao episódio de urgência do ofendido BB, junta a fls. 98 (cfr. ainda cópia a fls. 183 e 199); - Fotos do rosto do ofendido BB, juntas a fls. 184 a 187 e ainda de fls. 10 e 11 do NUIPC 535/21.1GBVFR apenso, sendo visível lesão no lábio; - Certificado de Incapacidade para o Trabalho, do ofendido BB, de 26/08/2021 a 03/09/2021, junta a fls. 188; - Print da pesquisa na Base de Dados da Suspensão Provisória de Processos, relativa ao arguido, junto a fls. 22; - Cópia do despacho de homologação de desistência de queixa do NUIPC n.º 501/20.4GBVFR, proferido em 22/09/2020, junta a fls. 42; - Certidão do PCS n.º 186/11.9PASJM, do JCG São João da Madeira, J1, que consta a fls. 59 a 82; - CRC do arguido, junto a fls. 23 a 28; bem como CRC junto aos autos com a ref. elet. 13641821 de 24/10/2022; - Relatório social, junto eletronicamente aos autos com a ref. elet. 13523797 de 28/09/2022; - Informação prévia da DGRSP, para eventual aplicação de prisão em regime de permanência na habitação, junto eletronicamente aos autos com a ref. elet. 13731194 de 11/11/2022; - Nota de Alta do arguido AA, o qual deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital ..., em 25/08/2021, bem como a correspondente fatura, documentos juntos eletronicamente aos autos com a ref. elet. 13761231, de 17/11/2022; da nota de alta referida consta o diagnóstico de que o arguido apresentava ferida na base do polegar direito e contusão no pé direito; - Auto de Notícia, elaborado pela GNR, em 27/08/2021, na sequência da deslocação do ofendido BB ao PT de S. M. da Feira, junto aos autos de fls. 4 e 5 do Apenso NUIPC 535/21.1GBVFR (relevando o dito auto apenas para, no concerto com os demais meios de prova, ajudar a situar cronologicamente os acontecimentos). Posto isto, abordemos sinopticamente as declarações do arguido AA, do demandante civil BB e os depoimentos das testemunhas CC, DD, LL e MM, segundo a interpretação que, no contexto da situação em causa nestes autos, delas retirou este tribunal coletivo, no que concerne à factualidade objeto do presente processo. O arguido AA afirmou, em síntese, que teve uma relação de namoro com CC, que caracterizou como instável, devido em parte ao consumo de cocaína por parte desta última. Pernoitavam juntos por vezes, até ao nascimento do filho, mas não faziam vida de casal. Foi ele quem pôs termo ao relacionamento, em janeiro de 2021. Negou ter-se deslocado a casa dos pais da CC e ter proferido, perante a mãe dela, ameaças dirigidas àquela. Trocou mensagens com a ofendida CC, quando já namorava com a FF, dizendo àquela que ainda gostava dela. A CC enviou capturas de ecrã (“prints”) dessas mensagens à FF, o que deixou esta última zangada. Telefonou para a mãe da CC, contando-lhe o que esta fizera, mas negou ter proferido ameaça alguma dirigida à pessoa desta última. Nesse dia, foi procurado pelo pai da CC em sua casa, tendo acedido a falar com o mesmo, o que fizeram junto igreja. Nega ter feito qualquer ameaça. O ofendido BB é que lhe verbalizava que “fazia e acontecia”. Virou-lhe costas e dirigiu-se para casa, sendo seguido pelo ofendido BB, sempre aos berros. Quando ia a abrir o portão da residência, o ofendido aprestava-se agredi-lo pelas costas, tendo-se interposto a sua sobrinha, para impedir a agressão. O BB colocou as mãos no pescoço da sobrinha. Por isso, foi em socorro dela e afastou o BB, tendo sido nessa ocasião que a sua mão embateu na boca deste, o que também o deixou ferido. A ofendida CC referiu-se à relação de namoro com o arguido, afirmando que viveram como um casal, em ... de ..., entre fevereiro e agosto de 2020. Referiu-se ao relacionamento com o arguido, afirmando que tinha carácter ciumento e controlador. Partiu de si a iniciativa de pôr termo ao relacionamento de namoro, o que o arguido não aceitou bem. Afirmou que o arguido a procurou em casa, tendo feito ameaças, nomeadamente que pegava fogo ao seu carro. Mas isso não sucedeu em março/abril de 2021, mas antes por volta de agosto de 2020. Apresentou queixa, mas desistiu da mesma. Soube que o arguido AA estava noutra relação, mas ele queria voltar a reatar o relacionamento consigo. E, por isso, remeteu os prints das mensagens para a nova namorada do arguido. Soube, pela mãe, que o arguido telefonara, tendo dito àquela para lhe dizer a si para se despedir do filho, que a iria matar. E que ela, CC, lhe andava a destruir a vida. Saiu de casa, com medo que o arguido aí se deslocasse. Nesse mesmo dia, viu o pai ferido e ensanguentado, tendo-lhe este contado o que se passara junto da casa do AA, nomeadamente que este voltara a ameaçá-la, dizendo que a iria partir ao meio. O pai contou-lhe o mais o AA lhe tinha dito e ainda que o agredira. Negou o consumo de estupefacientes, embora o arguido tenha feito algumas vendas de estupefacientes. O demandante BB referiu-se à relação de namoro, tendo-se referido ao facto de a mulher lhe ter falado, no dia 25/08/2021, do telefonema do Ricardo, embora não lhe tenha falado dos prints que a filha enviara. Vira, antes, a filha sair de casa, em aflição. Ficou transtornado e decidi ir falar com o arguido, tendo-se deslocado a casa dele. Pediu para falar com ele, ao que o mesmo acedeu. Narrou depois a sucessão dos acontecimentos, sensivelmente do modo constante da acusação. Negou qualquer tentativa de agressão ao arguido e refutou a versão apresentada por este, nomeadamente a intervenção da sobrinha. Reportou-se às consequências da agressão e da ameaça, afirmando perentoriamente que teve medo e receou a conduta do arguido, quanto a si e à família, durante cerca de seis meses. A testemunha DD referiu-se à relação de namoro da filha com o arguido e respetivo desenvolvimento. Afirmou que, sensivelmente em final de agosto de 2020, o arguido se deslocou a casa da família, para falar com a ofendida CC, mas ela não quis falar com ele, tendo o arguido feito ameaças, nomeadamente de que iria pegar fogo ao carro dela. Falou do telefonema do arguido no dia 25/08/2021, do qual falou com a filha CC e, depois, com o marido. Narrou os acontecimentos em consonância com o vertido na factualidade dada como provada. A filha CC explicou-lhe que enviara os prints das mensagens ao arguido porque este andava a “usar-nos às duas”. Ao marido, não se recordava de lhe ter contado que a CC enviara prints à nova namorada do arguido. O marido saiu para falar com o arguido, tendo voltado a casa ensanguentado, tendo-lhe contado que fora agredido a murro por este último. Mais se referiu às consequências, mormente para o marido, das condutas do arguido. As testemunhas LL, sobrinha do arguido, e MM referiram-se à deslocação do ofendido BB até casa do arguido, onde se encontravam, tendo ido falar a sós. Afirmaram ambos que o ofendido fez tenção de agredir, tendo-se a referida LL interposto. O ofendido BB reagiu, tendo-a agarrado. O arguido reagiu, empurrando o BB. O ofendido BB ficou a sangrar. Dos respetivos depoimentos, decorre que a estrada no local é movimentada. E, ainda, que o arguido é pessoa forte, praticando musculação. Porém, os depoimentos destas testemunhas são desconexos e incongruentes quanto à sucessão dos acontecimentos, não se articulando tampouco com a narrativa apresentada pelo arguido. Nomeadamente, por exemplo, quanto ao local onde estavam quando o ofendido supostamente se aprestava para agredir o arguido. Assim, segundo a testemunha LL, tanto ela como o marido estavam na rua. Mas a testemunha MM, disse que estavam dentro do pátio. E sendo a rua movimentada, causa estranheza que saíssem para a rua e aí tenham permanecido todos. O arguido disse que depois de separar o ofendido BB e a sobrinha, conduziu esta para o interior da casa. Já a testemunha LL, a dita sobrinha do arguido, disse que acompanhou o ofendido BB ao carro - o que causa estranheza, porquanto supostamente o ofendido tinha sido agressivo para consigo e, de todo o modo, não quadra com a versão do arguido. Posto isto, no essencial, quanto aos acontecimentos objeto dos autos, perfilam-se, fundamentalmente, de um lado, as declarações do demandante civil e os depoimentos testemunhais das testemunhas DD e CC. E do outro lado, as declarações do arguido, que negou a prática dos factos, e ainda os depoimentos testemunhais de LL e MM. Neste conspecto, o tribunal coletivo atribuiu credibilidade acrescida às declarações do ofendido BB e da ofendida CC e testemunha DD, que se revelaram espontâneas, genuínas e consistentes. Em consonância, aliás, com o relatório pericial. E, no essencial, coerentes entre si, para além de serem mais lógicas. Não se perscruta razão, motivo ou justificação para a CC e os pais faltarem à verdade e imputarem falsidades ao arguido, que é o pai do filho da primeira e do neto dos segundos. Não se descortinou, bem pelo contrário, qualquer intenção dos pais da CC de afastar o arguido do contacto com o neto. Não se descortina, reitera-se, nas declarações da ofendida CC ou nas dos seus pais qualquer intenção ou propósito de injustamente prejudicar o arguido. Posto isto, o tribunal deu prevalência às declarações da CC, DD e BB de acordo com a intervenção dos mesmos nos factos, dando prevalência ao conhecimento direito dos mesmos. Concomitantemente, as declarações do arguido revelaram-se evasivas, e pouco plausíveis, nomeadamente quando à sucessão de acontecimentos junto da residência do arguido. Destarte, no que concerne à factualidade dada como provada, mereceram acrescida credibilidade, por se revelaram mais espontâneas, escorreitas, desinteressadas, globalmente coerentes e credíveis as declarações da CC, BB e DD, por contraponto com as declarações do arguido, sobrinha e marido desta, que semelharam evasivas ou eivadas de reserva mental, tendo vista alijar a responsabilidade do arguido. No que concerne às consequências dos atos praticados na pessoa do ofendido BB, relevaram as declarações do próprio, bem como os depoimentos da filha e da esposa devidamente concatenados à regras de lógica e de experiência comum, bem como, naturalmente, do relatório da perícia médico-legal, documentação clínica e fatura hospitalar, que se mostra bastante elucidativo sobre o impacto sobre a menor. Sem embargo do que se deixou dito, cumpre deixar ainda algumas sucintas notas quanto à resposta à matéria de facto. Em primeiro lugar, para dizer que não há qualquer meio de prova que indique que o arguido tenha perpetrado a factualidade vertida pontos 3 e 4 da acusação em março ou abril de 2021. Ademais, relativamente à mesma, há que ter em conta a desistência de queixa da ofendida, mostrando-se vedado o conhecimento e apreciação da materialidade abrangida pela dita desistência, havendo-se formado caso decidido (cfr. fls. 43). Por outro lado, para dizer que, tendo em conta a conduta da ofendida CC de enviar as capturas de ecrãs com as mensagens à nova namorada do arguido, a conduta dele de telefonar à mãe da CC encontra um fundamento lógico (tanto mais que é o próprio arguido que afirma que a CC o “bloqueara”, pelo que não podia falar com esta). O endereçamento das ameaças à CC permite compreender o propósito do ofendido BB de falar com o arguido. Arguido esse que, confessadamente, estava desagrado com a atitude da ofendida CC. Por outro lado, é completamente inverosímil que o ofendido fosse tentar agredir o arguido junto da sua residência deste, estando o mesmo rodeado por vários familiares. É ainda de referir que o arguido é pessoa com 33 anos, praticante de musculação e com compleição física condizente. O ofendido é sexagenário e tem compleição física não atlética e condizente com a idade cronológica. A dinâmica de reação do arguido, segundo a versão deste, não se afigura lógica e linear, tendo em conta até que, segundo o depoimento de LL, ter-se-ia colocado de frente para o ofendido e de costas para o arguido. E a circunstância de o arguido ter ficado com um ferimento na mão não rebate a versão do ofendido. Posto isto, o conhecimento do arguido e a vontade de realização das condutas por ele perpetradas retiram-se da factualidade objetiva apurada, por apelo a regras de lógica e de experiência. Por outro lado, à luz de regras de lógica e de experiência comum, infere-se que o comum dos cidadãos, com a idade e o percurso e experiência de vida do arguido, não ignora, não pode ignorar, o carácter penalmente ilícito das condutas por ele levadas a cabo. No atinente à situação pessoal, percurso e contexto de vida do arguido, bem como dos seus antecedentes criminais, atendeu-se ao teor do relatório social e informação social, elaborados pela DGRSP, e do CRC, bem como das declarações do próprio arguido AA e, ainda, dos depoimentos testemunhais da sua sobrinha e do marido desta e reflexamente dos demais testemunhos e elementos dos autos. No que concerne à factualidade dada como não provada, para além do que supra se deixou dito, resulta a resposta do tribunal da ausência de prova bastante e suficiente ou do carácter contrário ou incompatível daquela com factualidade dada como provada ou por esta pressuposta.» * Previamente à análise das questões colocadas, importa referir que o assistente, por requerimento entrado em juízo em 22-06-2023 – peça que o recorrente entendeu extemporânea –, pronunciando-se sobre o requerimento de apresentação de “conclusões” por parte deste último, veio manifestar a posição de que o mesmo não correspondeu ao convite ao aperfeiçoamento formulado, voltando a apresentar ipsis verbis as conclusões inicialmente elaboradas sem qualquer esforço de síntese, razão pela qual o recurso devia ser rejeitado.Antes do mais, cabe esclarecer que a referida resposta é tempestiva, pois a notificação do requerimento de apresentação de “conclusões”, tendo sido expedida a 07-06-2023, apenas de concretizou no dia 12-06-2023 (sendo 8 ferido de Corpo de Deus e 10 e 11 Sábado e Domingo), pelo que o prazo geral, aplicável ao caso, para contraditório, iniciando-se a 13-06-2023, só terminou a 22-06-2023, data em que deu entrada em juízo a resposta em causa. Quanto ao não cumprimento do aperfeiçoamento endereçado ao recorrente invocado pelo assistente, diremos que a peça apresentada se situa no limite, dos limites, do admissível, pois sendo verdade que as “conclusões” apresentadas são reprodução ipsis verbis de parágrafos das alegações, que foram reagrupados por vezes em grupos de dois, três ou quatro, também é verdade que, fundamentalmente nas matérias referentes à qualificação jurídica, medida concreta da pena e suspensão da execução da pena, se verificou uma redução substancial de texto apresentado, tendo, no geral, com excepções, sido suprimidas as citações de jurisprudência, doutrina ou legislação. As “conclusões” apresentadas estão longe de representar a síntese que esteve no pensamento do legislador ao mencionar a necessidade da sua apresentação no n.º 1 do art. 412.º do CPPenal. Ainda assim, considerando que, para além do mais, está em causa decisão de privação da liberdade do recorrente, a mais gravosa que o ordenamento jurídico acolhe, e que, apesar do esforço acrescido que tem de ser realizado por este Tribunal de recurso – com necessidade de conjugação das “conclusões” à estrutura das alegações, esta muito mais organizada – é possível divisar na profusão de “conclusões” apresentadas um conjunto de questões a ser apreciadas e respectiva argumentação, este Tribunal irá apreciar o recurso apresentado, sem prejuízo, em caso de não provimento do mesmo, de forte penalização do recorrente em sede de custas pelo esforço acrescido de avaliação e interpretação que impôs a este Tribunal ad quem. Posto isto, vejamos as questões colocadas por ordem de precedência lógica. Nulidade do acórdão por violação do dever de fundamentação e valoração de prova proibida. Considera o recorrente que o acórdão recorrido é nulo, pois o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção probatória quanto à matéria de facto provada no conteúdo material de autos de notícia, logo em violação dos princípios da legalidade e da imediação da prova (arts. 125.º e 355.º do CPPenal) e da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPPenal). Está em causa, entende, prova proibida, tendo sido violados os direitos e princípios processuais fundamentais do contraditório e do processo justo e equitativo, tutelados pelo art. 32.º, n.ºs 5 e 8, da Constituição da República Portuguesa. Conclui que, sendo condenado com base em prova nula, também o acórdão está afectado por nulidade que, ainda que não expressamente prevista nos arts. 119.º e 120.º do CPPenal, deve ser reconhecida e declarada. A pretensão colocada está à partida destinada ao insucesso, desde logo, pela simples razão de a argumentação apresentada não ter o menor reflexo na decisão recorrida. Basta ler a fundamentação da convicção do Tribunal a quo, que o recorrente até reproduz nas suas alegações, para se perceber que os autos de notícia nunca sustentaram, por si, qualquer facto provado. O Tribunal a quo começa por enunciar as declarações e depoimentos que foram relevantes para a avaliação que realizou e que determinou a fixação da matéria de facto, provas que mais adiante concretiza e analisa criticamente, afirmando, logo após aquela enumeração que as declarações e os depoimentos mencionados foram «devidamente concatenados com os relatórios de perícia de avaliação do dano corporal ao ofendido BB, juntos aos presentes autos a fls. 116 e 117 (cfr. cópia a fls. 15 a 17 do apenso A) e fls. 133 a 135» e ainda que «se ponderaram, devidamente concatenadas com os suprarreferidos meios de prova: - Auto de Notícia, elaborado pela GNR, em 27/08/2021, na sequência da deslocação da vítima CC ao PT de S. M. da Feira, junto aos autos de fls. 4 a 6 (relevando o dito auto apenas para, no concerto com os mais de prova, ajudar a situar cronologicamente os acontecimentos, decorrendo, contudo, do mesmo que referida vítima tomou conhecimento dos factos, nomeadamente das ameaças); - Prints das bases de dados da Segurança Social e dos Serviços de Identificação Civil, relativos ao arguido e vítima CC, de fls. 20 e 21 e fls. 35 e 36; - Certidões dos assentos de nascimento, do arguido e seus filhos e da vítima CC de fls. 29 a 34, fls. 37 a 40; - Nota de alta hospitalar do ofendido BB, de 25/08/2021, junta a fls. 92 (ainda a fls. 200), e Atestado de Doença, relativo ao ofendido, junto a fls. 124; - Fatura do CHEDV, relativa ao episódio de urgência do ofendido BB, junta a fls. 98 (cfr. ainda cópia a fls. 183 e 199); - Fotos do rosto do ofendido BB, juntas a fls. 184 a 187 e ainda de fls. 10 e 11 do NUIPC 535/21.1GBVFR apenso, sendo visível lesão no lábio; - Certificado de Incapacidade para o Trabalho, do ofendido BB, de 26/08/2021 a 03/09/2021, junta a fls. 188; - Print da pesquisa na Base de Dados da Suspensão Provisória de Processos, relativa ao arguido, junto a fls. 22; - Cópia do despacho de homologação de desistência de queixa do NUIPC n.º 501/20.4GBVFR, proferido em 22/09/2020, junta a fls. 42; - Certidão do PCS n.º 186/11.9PASJM, do JCG São João da Madeira, J1, que consta a fls. 59 a 82; - CRC do arguido, junto a fls. 23 a 28; bem como CRC junto aos autos com a ref. elet. 13641821 de 24/10/2022; - Relatório social, junto eletronicamente aos autos com a ref. elet. 13523797 de 28/09/2022; - Informação prévia da DGRSP, para eventual aplicação de prisão em regime de permanência na habitação, junto eletronicamente aos autos com a ref. elet. 13731194 de 11/11/2022; - Nota de Alta do arguido AA, o qual deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital ..., em 25/08/2021, bem como a correspondente fatura, documentos juntos eletronicamente aos autos com a ref. elet. 13761231, de 17/11/2022; da nota de alta referida consta o diagnóstico de que o arguido apresentava ferida na base do polegar direito e contusão no pé direito; - Auto de Notícia, elaborado pela GNR, em 27/08/2021, na sequência da deslocação do ofendido BB ao PT de S. M. da Feira, junto aos autos de fls. 4 e 5 do Apenso NUIPC 535/21.1GBVFR (relevando o dito auto apenas para, no concerto com os demais meios de prova, ajudar a situar cronologicamente os acontecimentos). (…)» Assim, foram as declarações e depoimentos indicados e os relatórios periciais mencionados, ponderados nos termos que constam da motivação supratranscrita, que constituíram o núcleo fundamental da prova que permitiu a fixação da matéria de facto provada. Os autos de notícia indicados – que em si não são prova proibida – foram ponderados em conexão com os elementos probatórios anteriormente referidos, não constituindo, por si só, fundamento probatório de qualquer facto, como resulta da argumentação do Tribunal recorrido. Mais, o Tribunal a quo teve o cuidado que mencionar que o auto de notícia, elaborado pela GNR, em 27-08-2021, na sequência da deslocação da vítima CC ao PT de S. M. da Feira, junto a fls. 4 a 6 aos autos, apenas relevou para, no concerto com os mais de prova, ajudar a situar cronologicamente os acontecimentos, decorrendo, contudo, do mesmo que referida vítima tomou conhecimento dos factos, nomeadamente das ameaças[7]. E ainda que o auto de notícia, elaborado pela GNR, em 27-08-2021, na sequência da deslocação do ofendido BB ao PT de S. M. da Feira, junto a fls. 4 e 5 do Apenso NUIPC 535/21.1GBVFR relevou apenas para, no concerto com os demais meios de prova, ajudar a situar cronologicamente os acontecimentos[8]. A sua relevância no caso concreto não decorre de qualquer função probatória relativamente aos factos da acusação, que não tem, mas apenas de contexto, cronológico e de identificação das pessoas envolvidas e do que foi comunicado, bem como do próprio autor do documento. O auto de notícia, se exarado com as formalidades legais e por autoridade pública nos limites da competência que lhe é atribuída por lei, constitui um documento autêntico, conforme resulta do disposto no art. 363º, n.º 2, do CCivil, em conjugação com o art 243.º do CPPenal. Todavia, o seu valor probatório, no âmbito do processo penal e por força de especiais garantias de defesa inscritas no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, designadamente do direito ao contraditório, está sujeito à disciplina do art. 371.º, n.º 1, do CCivil[9] com as limitações decorrentes do art. 169.º do CPPenal, ou seja, consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. Da aplicação conjugada dos referidos preceitos resulta que os autos de notícia, pressupondo a respectiva validade formal quanto à legitimidade e competência da autoridade que os elabora, se constituem como elementos probatórios reforçados quanto aos factos atestados com base nas perceções do documentador e dos que se passaram na sua presença, sem prejuízo de a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo poderem ser fundadamente postos em causa. Nesta sequência, e com relevo para o caso dos autos, importa ainda distinguir, em termos de relevância probatória, entre os autos de notícia em que a autoridade presencia a prática de um crime e aqueles em que simplesmente recolhe os relatos de terceiros quanto à prática de crimes. Como bem se distingue no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2012[10], «só o documento apresentado à autoridade judiciária, donde constem factos presenciados, relatados, narrados e descritos pela autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade policial, adquira um valor probatório de confiança e verosimilhança com a realidade que permite ao tribunal, na mensuração e ponderação das provas, atribuir-lhe um valor probatório superior ao que atribui a outros documentos em que as mesmas entidades procedem ao relato de ocorrências. Estão nesta última categoria as participações ou denúncias que os particulares delatam às autoridades judiciárias e que dão origem a investigações ou averiguações criminais. Nestes casos a participação não adquire qualquer presunção probatória, destinando-se, tão só, a desencadear uma investigação que irá, ou não, confirmar a ocorrência histórica dos factos denunciados. Nenhum valor acrescido a lei atribui a uma denúncia ou participação de factos com relevância criminal, quando estes não sejam presenciados pelas autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal ou outra entidades policiais.» Neste último caso, embora o auto de notícia de nada sirva para a comprovação do crime comunicado, já que a autoridade que elaborou o auto, como no caso dos autos, não assistiu aos factos, tal documento autêntico tem ainda a virtualidade de permitir a comprovação – caso não seja contestada, como não foi – da data da participação, de quem participou e do que foi comunicado, elementos que podem e devem ser concatenados com a demais prova produzida, no sentido de permitir completar a avaliação da prova por parte do Tribunal de julgamento. Como se assinala no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-04-2020[11], «a relevância do auto de notícia só permite valorar o comportamento do queixoso como participante às autoridades de um facto que reclama a intervenção daquelas e somente essa postura de participação – e já não o concreto conteúdo das declarações – é suscetível de ser valorada nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal, podendo o auto ser livremente consultado pelo Tribunal e invocado na sua fundamentação, mesmo que não examinado em audiência, sem que aí se aplique o disposto no artigo 355º, n.º 1, do mesmo diploma. O auto de notícia releva muitas vezes para aferir a data da ocorrência dos factos, quando a testemunha, em audiência de julgamento, confirmando os factos, contudo, não se recorda da data dos mesmos, embora refira corresponder ao dia em que fez a participação. Nesses acasos, pode apreciar-se o auto de notícia, aferindo a data do ato de participação, mas já não o conteúdo da mesma». Ora, conforme resulta da fundamentação da convicção constante do acórdão recorrido, o Tribunal a quo limitou-se a ponderar os autos de notícia em causa no estrito limite do que as normas indicadas autorizavam, nenhuma nulidade tendo nessa análise sido cometida. De salientar, por último, que é pacífico o entendimento de que «os documentos que se encontram juntos aos autos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta, pois estando os documentos juntos ao processo e neles se alicerçando a acusação, óbvio é que não podia o arguido razoavelmente alhear-se do que deles constava e dispensar-se de contrariar a prova que contra si deles pudesse resultar»[12]. Acompanhando este entendimento, considerou o Tribunal Constitucional através dos seus acórdãos n.ºs 87/99, de 09-02-1999, e 110/2011[13], de 02-03-2011, que tal interpretação, isto é, o facto de o Tribunal do julgamento se ter servido de prova documental pré-constituída e junta ao processo para formar a convicção do Tribunal, provas que não foram produzidas ou examinadas na audiência, mas cuja leitura não seria proibida, não violava quer o princípio do contraditório quer o direito de defesa do arguido. Face ao exposto é de concluir que a avaliação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo não se baseou em prova proibida ou nula e, consequentemente, que o acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade decorrente dessas causas. * Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisãoNeste segmento do recurso, o recorrente imputa à decisão recorridas o vício da contradição insanável da decisão, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPPenal, concretamente quanto aos pontos 9 e 11 e 21 e 22 da matéria de facto provada. É pacífico o entendimento de que quanto à impugnação da matéria de facto pode o recorrente seguir um de dois caminhos: ou invoca os vícios de lógica da sentença previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, devendo, neste caso, ater-se apenas ao texto da decisão e às incoerências que aí possam ser encontradas, ou apresenta uma impugnação alargada, que lhe permite analisar a prova produzida em julgamento, extrapolando o espaço limitado do texto da decisão recorrida. Em qualquer das opções impõe-se ao recorrente o cumprimento de regras para que o recurso possa ser apreciado e tenha viabilidade de sucesso em termos formais. Quanto à primeira perspectiva, que abarca, em abstracto, o invocado vício da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, importa deixar bem claro que estão em causa defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detectáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios. Para se verificar o vício da contradição insanável previsto na al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPPenal têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis. Conforme se firmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2013[14], «[a] contradição insanável de fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada, perceptível, consistente e conjugável harmonicamente entre si, apurada na versão transmitida.» Segundo o recorrente, os factos descritos nos pontos 9 (a dada altura, o arguido virou costas ao ofendido BB e começou a caminhar no sentido de casa. O ofendido BB seguiu na mesma direção, pois estacionara o veículo próximo da casa daquele. Porém, pouco depois de iniciar a marcha, o arguido parou, virou-se para trás e, dirigindo-se ao ofendido BB, disse-lhe que se ele, ofendido, viesse tirar satisfações consigo, arguido, que o partia “ao meio”. O ofendido BB respondeu-lhe “na minha terra, quem vai à guerra, dá e leva”) e 11 (o arguido abriu o portão da sua residência, entrou e ficou a falar com familiares no terreno adjacente à casa de habitação. Porém, quando o ofendido BB passava na via pública, junto da residência do arguido, em direção ao seu automóvel, o arguido olhou para aquele e disse: “Eu fodo-te todo!”. Foi de pronto agarrado por pessoas que se encontravam junto de si, mas conseguiu libertar-se, abriu o portão da residência, dirigiu-se ao ofendido BB, que continuava na via pública, e desferiu-lhe um murro na face. Logo de seguida, o arguido voltou para a sua residência) da matéria de facto provada não são compatíveis com os que se narram nos pontos 21 (sentiu medo e receio por ocasião das condutas perpetradas pelo arguido AA a si dirigidas, sentindo perigar a sua integridade física e a sua vida, tendo ainda ficado sentido e melindrado pela atuação do mesmo) e 22 (ficou muito ansioso e angustiado, receando, durante cerca de seis meses, com receio que o arguido lhe pudesse infligir mais agressões, receando pela sua vida e pela sua integridade física, bem como da sua filha) também da factualidade assente. Lida e relida a matéria de facto indicada pelo recorrente não se descobre na mesma qualquer fragilidade lógica que possa integrar uma contradição entre factos. O recorrente não tem em consideração a sequência lógica e cronológica dos acontecimentos, designadamente que no ponto 8 da matéria de facto provada se refere que o arguido culpou o ofendido BB e a esposa DD por não terem sabido educar a filha CC, acusando-os de a deixarem fazer tudo o que ela queria. Disse ainda ao ofendido BB que quando apanhasse a ofendida CC a “desfazia” e que a partia “ao meio”, que no ponto 9 o arguido avisa o ofendido BB que o partia ao meio, respondendo este que quem vai à guerra dá e leva, seguindo-se, no ponto 11, uma efectiva agressão do arguido ao ofendido BB que determinou para este as lesões e sequelas descritas nos pontos 12 e 13 da matéria de facto provada. A circunstância de o ofendido ter inicialmente dito ao arguido que quem vai à guerra dá e leva não é impeditiva dos sentimentos de receio, medo e ansiedade que sentiu após ter sido efectivamente agredido pelo arguido, sendo certo que a agressão ocorreu até de modo já algo inesperado, quando o diálogo entre os dois já tinha terminado, e o arguido é pessoa mais nova. O recorrente salienta ainda a incongruência de o arguido ser um homem de compleição física condizente com quem faz musculação e o ofendido um sexagenário, razão pela qual as lesões provocadas neste por um murro do primeiro teriam de revelar uma gravidade superior. Mais uma vez não tem qualquer fundamento a alegação do recorrente, posto que qualquer tipo de agressão física – pontapés, murros, estalos, etc. – tem inerente vários graus de intensidade, que dependem da energia que é colocada na acção respectiva. Por isso, um murro, desferido por quem pratica musculação ou por qualquer pessoa, pode provocar diferentes níveis de lesões. Nada de ilógico resulta, pois, neste ponto da matéria de facto provada. Por último, quanto a esta temática, entende o recorrente que os factos descritos no ponto provado 11 não permitem o seu enquadramento como crime de ameaça agravado, tanto mais que a ameaça se consumiu com a ofensa à integridade física que imediatamente se veio a verificar. Esta questão, porém, já não respeita aos vícios de lógica da decisão apreciados neste segmento da decisão, mas antes a eventual erro de julgamento em sede de direito, concretamente à qualificação jurídica dos factos, pelo que se relega a sua apreciação para momento posterior à avaliação completa das questões relacionadas com a matéria de facto, que, naturalmente, a precedem. O mesmo se diga da apontada contradição entre os factos provados 4, 8, 14 e 18, por um lado, e 5, por outro, a que alude a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu. Com efeito, não detectamos nessa sequência narrativa qualquer factualidade que possa estar em contradição entre si, pois ali não se afirma um facto e o seu contrário ou não se dão como provados factos que numa apreciação naturalística se excluem necessariamente. Em causa está, mais uma vez, uma questão de qualificação jurídica dos factos. Aliás, não é irrelevante para este entendimento a circunstância de no mesmo parecer, logo de seguida, se imputar ao acórdão recorrido falha na fundamentação quanto à identificação do ofendido do segundo crime de ameaça agravado, que, como veremos, não existe. Assim, tendo presente os contornos legais do vício imputado, compulsado o texto da decisão recorrida e vista a matéria de facto provada e não provada e respectiva motivação, não se detecta qualquer falha lógica evidente, qualquer interferência no percurso lógico do texto que seja patente à leitura pelo cidadão mediano e que leve a concluir pela existência de uma contradição de raciocínio. Em face do exposto, e porque não se detecta que a decisão padeça de qualquer falha de lógica, impõe-se concluir pela improcedência do recurso quanto à invocação do vício indicado, sendo de manter na íntegra, por esta via, o acórdão recorrido. * Erro de julgamento em sede de matéria de factoResulta do texto do art. 412.º, n.º 3, do CPPenal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. As provas que os recorrentes invoquem e a apreciação que sobre as mesmas façam recair, em confronto com a valoração que o Tribunal a quo efectuou devem revelar que os factos foram incorrectamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados. Ou seja, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo Tribunal a quo. E na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios. Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto. É necessário que os recorrentes demonstrem que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido à solução por si pugnada em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada e não à consignada pelo Tribunal. E na análise da prova que apresentam na sua impugnação da matéria de facto (alargada) têm os recorrentes de argumentar fazendo uso do mesmo raciocínio lógico e exame crítico que se impõe ao Tribunal na fundamentação das suas decisões, com respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova. Para tanto, formalmente, têm os recorrentes de cumprir o preceituado no art. 412.º, n.º s 3 e 4, do CPPenal, isto é: «3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.» Tal formalismo vai ao encontro da ideia de que o reexame da matéria de facto não de destina a realizar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, mas tão-somente a corrigir erros de julgamento em que possa ter incorrido a 1.ª Instância. Neste sentido, que é pacífico, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2017[15]: «I - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova, uma nova ou uma suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP. II - O recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida.» No caso em apreço, o recorrente não cumpriu o dever de alegar com respeito pelo disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPPenal, pois não assinalou, nem na motivação nem nas respectivas conclusões, quais as concretas provas que impunham decisão diversa relativamente a cada um dos factos impugnados, com especificação das passagens das declarações ou depoimentos que conduziam a tal solução, limitando-se a um resumo da prova produzida de acordo com a sua subjectiva avaliação. Na sua argumentação, o recorrente apenas procura, de forma genérica, substituir a convicção do Tribunal a quo pela sua subjectiva análise da prova, conferindo, desde logo, diferente credibilidade aos diversos meios de prova, mas não invocou ou salientou qualquer verdadeiro erro de julgamento, qualquer argumento jurídico objectivado nas passagens da prova produzida que pudessem levar o Tribunal de recurso a considerar, perante a análise dos vários elementos de prova invocados, ter ocorrido uma qualquer falha na formação da convicção do Tribunal a quo e que a solução por si [recorrente] proposta seria a única que se impunha em face da prova produzida. É neste quadro que devemos também apreciar a invocada violação do princípio in dubio pro reo, pois, como se vê da motivação supratranscrita, nem a decisão recorrida revela que o Tribunal a quo em algum momento ficou em dúvida quanto ao reflexo da prova produzida no sentido a atribuir à factualidade provada impugnada, concretamente que ficou na dúvida se devia ter dado como provado ou como não provados os pontos de facto impugnados, nem se reconhece que a prova produzida só podia ter conduzido a tal estado de dúvida. Os recursos, como o aqui apreciado, que apelam simplesmente a um segundo julgamento global dos factos e que não se apresentam em condições formais de permitir o reexame da matéria de facto por omissão de cumprimento das formalidades descritas no art. 412.º, n.º s 3 e 4 do CPPenal na própria motivação de recurso, e não apenas nas respectivas conclusões, levam, pelas falhas indicadas, e em concreto também por inexistir neste segmento qualquer outro vício de conhecimento oficioso, a que se tenha por definitivamente assente a matéria de facto fixada, devendo o recurso nesta parte ser rejeitado por se mostrar afastada a possibilidade de ser formulado convite ao aperfeiçoamento, conforme resulta do disposto no art. 417.º, n.º 4, do CPPenal. Neste sentido, recusando o dever de convite ao aperfeiçoamento no caso de deficiência da própria motivação, como ocorre no caso em apreço, vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 09-01-2012, Proc. n.º 7/10.0GAAVR.C1[16], do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2010, Proc. n.º 696/05.7TAVCD.S1 - 5.ª Secção[17], e do Tribunal Constitucional de 14-10-2014, onde se decidiu «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências», salientando-se no seu texto que «a questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos não se confunde com uma outra - essa sim já objeto de vários juízos positivos de inconstitucionalidade (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 259/2002, 405/2004, 357/2006 e 485/2008, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – também incidente sobre o artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, mas desta feita quando interpretado no sentido de que a falta, apenas nas conclusões da motivação do recurso– e não na motivação- das menções aí referidas determina a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento.»[18] * Erro de julgamento em sede de direitoNo âmbito da análise de direito, começa o recorrente por questionar a verificação dos elementos constitutivos do crime de ameaça agravado consubstanciado nos factos 9 e 11 da matéria de facto provada, porquanto as expressões proferidas o foram imediatamente antes de ter desferido um murro na cara do ofendido, não podendo ser entendidas como o anúncio de um mal futuro. Esta argumentação, contudo, desconsidera totalmente a apreciação que foi realizada pelo Tribunal a quo, através da qual se entendeu que pelo arguido não havia sido cometido qualquer crime de ameaça agravado tendo como visado o ofendido BB e como base os referidos factos. Esta inconsistência na argumentação recursiva torna pertinente a análise, neste momento, da eventual nulidade do acórdão por falta de fundamentação, com referência aos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPPenal, a que alude a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer. Vejamos. Neste segmento do acórdão, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão nos seguintes termos (transcrição – as notas-de-rodapé assumiram diferente numeração com a inserção deste segmento do acórdão nesta decisão): «2.2 – De Direito É imputado ao arguido AA a prática, em concurso efetivo, de: - 1 (um) crime de violência doméstica, agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, als. b) e c) e n.º 2, al. a), n.ºs 4 e 5 do Código Penal; - 1 (um) crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo143º, n.º 1 do Código Penal; e - 1 (um) crime de ameaça, agravado, previsto e punido pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, com referência ao artigo 153.º, ambos do Código Penal. Primeiramente, atenta a pluralidade de ilícitos imputados ao arguido, importa abordar o critério da distinção entre unidade e pluralidade de crimes. Dispõe art. 30º, n.º 1 do Código Penal que o número de crimes se determina “pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Releva, primordialmente, para se aferir duma situação de concurso de crimes, a diferença de bens jurídicos protegidos (critério teleológico). Com efeito, “se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só atividade”. Releva, depois, no âmbito das condutas violadoras do mesmo bem jurídico, o critério da pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de autónomas resoluções (de resoluções de cometimento dos crimes, em caso de dolo). Existindo uma única resolução, determinante de uma prática sucessiva de ilícitos, haverá lugar a um único de juízo de censura penal, pelo que haverá um único crime. Havendo sucessivas resoluções, justificar-se-á uma pluralidade de juízos de censura e, portanto, de infrações. Em se tratando, contudo, de tipos legais de crime que visam a proteção de bens jurídicos de caráter eminentemente pessoal, a pluralidade de vítimas conduz à pluralidade de crimes, sendo praticados, em concurso efetivo, tantos crimes quantas as pessoas ofendidas.[19] Abordemos agora os crimes cuja prática é irrogada ao arguido, começando pelo de violência doméstica. Dispõe o artigo 152º do Código Penal: 1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: a) (…) b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) (…) d) (…) e) (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 3 – (…) 4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 6 – (…). Os bens jurídicos protegidos pela incriminação da violência doméstica são a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual e até a honra. Estamos perante um crime de dano (quanto ao bem jurídico) e de resultado (quanto ao objeto de ação). O tipo objetivo inclui as condutas de “violência” física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. O elenco legal de maus tratos é exemplificativo, concretizando o conceito legal de maus tratos, mas não o esgotando. Maus tratos identificam-se com violência, podendo esta consistir em qualquer atentado contra a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade de uma pessoa ou qualquer comportamento que comprometa gravemente o desenvolvimento da personalidade da pessoa atingida.[20] 9 “Os maus-tratos psíquicos compreendem, a par das estratégias e condutas de controlo, o abuso verbal e emocional que perturbe a normal convivência e as condições em que possa ter lugar o pleno desenvolvimento da personalidade dos membros do agregado familiar”.[21] O crime de violência doméstica, apesar de se conformar com a reiteração, não é dogmaticamente um crime duradouro ou permanente, já que a dita reiteração de condutas não é presentemente uma exigência do tipo legal.[22] Não obstante, apesar de o crime de violência doméstica poder ser consumado mediante a prática de um único ato, exige-se nesse caso um aprofundado grau de ilicitude, que dê azo a um aviltamento particularmente grave da dignidade da vítima. Com efeito, “não é suficiente qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, mas sim, e apenas, que os atos atinentes, analisados à luz do contexto especialmente desvalioso em que são perpetrados, se consubstanciem em maus tratos, isto é, quando revelem uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou num estado de agressão permanente”.[23] O crime de violência doméstica só pode ser praticado dolosamente (arts. 13º e 14º do C. Penal). Procedendo ao cotejo das considerações expendidas com a factualidade provada, verifica-se que o arguido AA manteve uma relação de namoro, incluindo com coabitação, com a ofendida CC. Verifica-se, ainda, que o arguido telefonou à mãe da ofendida CC, pedindo para que ela transmitisse a esta última que a mataria. A conduta do arguido, apesar de inquestionavelmente reprovável, não é reiterada. E, em si mesma considerada, não evidencia a gravidade, nem a intensidade suficientes para configurar uma situação de maus tratos, com colocação da vítima numa situação degradante de humilhação e submissão. Não se mostram, portanto, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de violência doméstica. Mas a questão não fica resolvida. Importa averiguar se, com a conduta perpetrada, o arguido não cometeu outro ilícito criminal. Vejamos, nomeadamente, o crime de ameaça. Dispõe o n.º 1 do artigo 153º que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”. Resulta do art. 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal que quando os factos previstos no art. 153º forem realizados “por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos”, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. A agravante da al. a) do n.º 1 do art. 155º decorre da “especial gravidade da ameaça”. Nos termos do art. 131º do Código Penal, quem “matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”. O tipo objetivo do ilícito de ameaça comporta três características essenciais: o anúncio de um mal; que tem de ser futuro; cuja realização fique dependente da vontade do agente. O mal futuro pode ser cometido sobre o destinatário da mensagem ou sobre pessoa terceira. A pessoa objeto da ameaça não tem de coincidir com a pessoa (a ser) objeto do crime ameaçado. O bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de ação de outra pessoa. Compulsada a factualidade provada, mostram-se verificados todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime em apreço, uma vez que o arguido, na situação de referir, dirigiu, ainda que por interposta pessoa, ameaça de morte à ofendida CC, ameaça essa que, como era propósito do arguido, chegou ao conhecimento desta última. Mostram-se, portanto, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime ameaça agravada, por que está acusado o arguido, tendo por ofendidos cada um dos identificados enfermeiros, tendo o arguido atuado dolosamente (art. 14º do C. Penal). Incorreu, por conseguinte, o arguido AA, relativamente à ofendida CC, na prática de um crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal. Nesta decorrência, compulsada a factualidade dos pontos 8, 14 e 18, no contexto do precedente ponto 4, verifica-se que estão preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, razão por que o arguido incorreu na prática de um outro crime de ameaça, agravado. A ameaça foi transmitida ao demandante BB, sendo a pessoa objeto do mal ameaçado a filha CC. Pessoa inquestionavelmente numa relação de proximidade existencial daquele. De mais a mais, também esta ameaça foi do conhecimento da ofendida CC, como era propósito do arguido. Incorreu, por conseguinte, o arguido na prática de mais um crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal. Uma nota para dizer que as demais expressões proferidas não perfectibilizam a prática do crime de ameaça porque, no ponto 9, se trata mais de um aviso ou advertência, não aparecendo o mal futuro como mera dependência da vontade do agente. Como teria que ser, para ter relevância criminal. Relativamente à expressão do ponto 11, estamos na iminência da execução de um outro ilícito, de ofensa à integridade física. Por fim, passemos ao crime de ofensa à integridade física. Dispõe o art. 143º, n.º 1 do Código Penal que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. O tipo legal de ofensa à integridade física fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou saúde de outra pessoa, “independentemente da dor ou sofrimento causados (...) ou de uma eventual incapacidade para o trabalho”. “Por ofensa no corpo poder-se-á entender todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”.[24] A nível subjetivo, o tipo legal é compatível com qualquer forma de dolo (arts. 13º e 14º do C. Penal). O bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade física e psíquica. Da matéria de facto provada, verifica-se que o arguido AA usou de violência física contra o ofendido BB. Atuou o arguido deliberadamente. Ou seja, com dolo direto. O ofendido viu o seu bem-estar físico violado, de forma significativa, pela conduta violenta e agressiva perpetrada pelo arguido. Mostram-se, portanto, preenchidos, em ambas as situações, os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de ofensa à integridade física. Em síntese, arguido incorreu, portanto, na prática de: - 1 (um) crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal; e de - 2 (dois) crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.» A análise da suficiência desta fundamentação não pode estar dissociada das imputações que constavam da acusação e que eram as seguintes (transcrição): «- 1 (UM) CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, AGRAVADO, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 alínea b) e c) e n.º 2, al. a) e 4 a 5 do Código Penal, sobre a ofendida CC; - 1 (UM) CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, sobre BB; e - 1 (UM) CRIME DE AMEAÇA, AGRAVADO, previstos e punidos pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, com referência ao artigo 153.º do mesmo diploma, sobre BB (ponto 10).» Analisando o segmento do acórdão recorrido supratranscrito, onde se procede à subsunção dos factos ao direito, mostra-se suficientemente clarificado que o Tribunal a quo entendeu que a factualidade assente não permitiu concluir pela verificação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica. Contudo, à semelhança do que havia comunicado em audiência de julgamento, ao abrigo do art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal, entendeu que ao invés estaria em causa um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do CPenal. Na base desse enquadramento, como se afirma na fundamentação do acórdão recorrido, estão as condutas descritas no ponto 4 da matéria de facto provada, isto é, telefonema realizado pelo arguido à mãe da ofendida CC dizendo que nesse dia se deslocaria àquele local (casa da primeira) e mataria a filha. Após realizar esta análise, refere-se ainda na decisão recorrida que «[n]esta decorrência, compulsada a factualidade dos pontos 8, 14 e 18, no contexto do precedente ponto 4, verifica-se que estão preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, razão por que o arguido incorreu na prática de um outro crime de ameaça, agravado. A ameaça foi transmitida ao demandante BB, sendo a pessoa objeto do mal ameaçado a filha CC. Pessoa inquestionavelmente numa relação de proximidade existencial daquele. De mais a mais, também esta ameaça foi do conhecimento da ofendida CC, como era propósito do arguido. Incorreu, por conseguinte, o arguido na prática de mais um crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.» Entendeu o Tribunal a quo que a conduta do arguido reproduziu junto de BB a ameaça dirigida à filha CC que já havia sido comunicada à mãe, aqui referindo que a matava, ali anunciando que a desfazia e que a partia ao meio, tal como já constava da acusação. A pessoa alvo desta ameaça, tal como na primeira situação, é, uma vez mais, CC, pois apesar de em ambas as situações as expressões terem sido proferidas perante terceiro, no primeiro caso a mãe da ofendida e no segundo o seu pai, a verdadeira destinatária era CC, que tomou conhecimento das mesmas, como o arguido pretendia, como está provado no ponto de facto 14. Os pontos de facto provados 15, 16 e 19, completam os elementos subjectivos dos crimes. Estão quanto a nós perfeitamente identificados os factos relevantes que integram cada uma das duas imputações descritas. E se, na perspectiva da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, não se percebe bem qual o ofendido num dos caso, tal eventual falta de assertividade, ou até erro na subsunção dos factos ao direito, sempre redundaria apenas numa questão de direito (identificar quem é a vítima do crime) que este Tribunal ad quem poderia e deveria decidir, pois a sua elucidação não determina qualquer modificação da matéria de facto provada ou da respectiva qualificação jurídica, estando já imputada ao arguido a prática de dois crimes de ameaça agravados, à semelhança da condenação que sofreu. Diferente seria o caso de se perspectivar na condenação do recorrente um terceiro crime de ameaça agravado decorrente dos factos descritos nos pontos 9 e 11 da factualidade assente. Mas, quanto a esses, o Tribunal a quo afastou a tipicidade legal, referindo que «as demais expressões proferidas não perfectibilizam a prática do crime de ameaça porque, no ponto 9, se trata mais de um aviso ou advertência, não aparecendo o mal futuro como mera dependência da vontade do agente. Como teria que ser, para ter relevância criminal. Relativamente à expressão do ponto 11, estamos na iminência da execução de um outro ilícito, de ofensa à integridade física.» Assim, e em conclusão, quanto às questões de qualificação jurídica dos crimes de ameaça agravados, o recorrente fundamenta a sua pretensão de absolvição ou em argumentos respeitantes exclusivamente à avaliação da prova, cujo segmento recursivo, já vimos, não cumpre as formalidades legais, sendo de rejeitar, ou em argumentos que o próprio Tribunal a quo utilizou para dar como não tipificado qualquer crime com base nos factos descritos nos pontos 9 e 11 da matéria de facto provada. No que concerne à nulidade por falta de fundamentação invocada neste Tribunal de recurso pelo Ministério Público no parecer que emitiu, para além do já enunciado, importa reter que resulta da leitura conjugada dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPPenal que a fundamentação de facto e de direito das sentenças/acórdãos não tem de ser exaustiva, antes satisfazendo-se a exigência de fundamentação com uma exposição concisa, ainda que tanto quanto possível completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão. E só na falta destas menções se pode concluir pela nulidade da decisão, como resulta do texto do segundo dos preceitos aqui reproduzidos, concretamente da al. a). Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-01-2014[25] que, quanto ao dever de fundamentação, explanou o seguinte: «XI - O dever de fundamentação da decisão traduz-se em assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor e essa tarefa não o dispensa de, ao fixar os seus elementos de convicção, o fazer de forma clara, numa exposição das razões de facto e de direito da sua decisão (art. 374.º, n.º 2, do CPP).» Ora, percorrendo o texto da sentença recorrida não encontramos nele qualquer falha que corresponda à nulidade invocada. Se os destinatários da decisão concordam ou não com o exposto é questão que, no caso concreto, já não respeita ao dever de fundamentação, à completude da decisão, antes a eventual erro de julgamento. * O recorrente questiona, ainda, em sede de medida concreta da pena, a nulidade do acórdão por falta de fundamentação, a excessividade da medida aplicada e a possibilidade de aplicação de pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão).Relativamente à falta de fundamentação quanto à pena aplicada, questão cuja apreciação relegámos para o presente momento para que pudessem ser avaliadas conjuntamente todas as questões respeitantes à temática da pena, importa ter presentes as considerações supraformuladas sobre o dever de fundamentação, que aqui têm total aplicação. Refere o recorrente que neste segmento decisório, o acórdão recorrido é lacónico, está recheado de considerações genéricas, deu prevalência às declarações de CC, DD e BB, não consubstanciando uma efectiva fundamentação das penas. Acrescenta que o Tribunal a quo apenas fez concorrer a seu favor os factos descritos nos pontos 43 a 49 da matéria de facto provada, fez concorrer contra si a circunstância de negar os factos, e «nada é dito relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes ou os fins ou motivos que os determinaram; quanto á conduta posterior aos factos ou sobre a falta de preparação do Recorrente para manter uma conduta lícita». Por fim, entende que a pena única não foi fundamentada de acordo com os critérios legais. Pugna pela aplicação de penas parcelares de multa ou de prisão em medida próxima do mínimo e suspensa na sua execução. Em sede de escolha e determinação da medida concreta da pena, o Tribunal a quo realizou a seguinte análise (transcrição – as notas-de-rodapé assumiram diferente numeração com a inserção deste segmento do acórdão nesta decisão): «Das Penas Cada um dos crimes de ameaça agravada, em que incorreu o arguido, é punível com pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias. O crime de ofensa à integridade física é punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos de prisão ou com pena de multa de 10 a 360 dias de multa (arts. 41º e 47º do C. Penal). Importa, por isso, proceder à operação de escolha das penas, quanto aos apontados crimes. Nos termos dos artigos 70º e 40º do Código Penal, essa operação deve ser feita em função das finalidades da punição. Ou dizendo o mesmo por outras palavras, em função das exigências de prevenção. Com efeito, nos termos do art. 40º do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). Impõe ao julgador o referido art. 70º que dê preferência fundamentada à pena não privativa de liberdade “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.[26] Assim, “só poderá optar-se pela pena de prisão por uma de duas razões: ou razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência lato sensu, ou na base de que aquela opção é imposta por exigências de tutela do ordenamento jurídico”.[27] A culpa – censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso – não é fundamento da pena mas, sim, limite e pressuposto da pena (nulla poena sine culpa).[28] Vejamos. As necessidades de prevenção geral ligadas aos crimes de ameaça agravada e de ofensa à integridade física, relacionados com o namoro, tendo por ofendidos ex-namorada/o e/ou respetivos familiares, são significativas, gerando sentimentos de insegurança e de vulnerabilidade na comunidade. Ademais, a instabilidade pessoal do arguido, o seu carácter impulsivo e violento e os seus comportamentos passados, patente no número de ilícitos criminais por que foi já condenado, incluindo de crimes ofensivos de bens jurídico-pessoais, são reveladores de inultrapassáveis necessidades de prevenção especial. Assim, justifica-se a opção pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa, uma vez que esta se não mostra já apta, na concreta situação do arguido, a assegurar as finalidades da punição, nomeadamente as necessidades de prevenção especial. Passando à determinação da medida das penas, estatui o art. 71º, n.º 1 do Código Penal que tal operação “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.[29] Nos termos do n.º 2 do art. 71º do Código Penal, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Nomeadamente as elencadas no indicado normativo. No apontado quadro militam em desabono do arguido: as elevadas necessidades de prevenção geral associadas aos crimes de ofensa à integridade física e de ameaça perpetradas contra ex-namorado e/ou familiares, geradores de sobressalto na comunidade; o relevante grau de ilicitude dos factos perpetrados; a intensidade do dolo, que foi direto; a gravidade, não despicienda, das consequências da agressão física para a vítima, que demandaram o recurso a tratamento hospitalar, importando incapacidade e produzindo até consequências permanentes; o comportamento do arguido anterior aos factos, que lhe granjeou cinco condenações criminais, pela prática de 6 crimes, mormente um contra a saúde pública e dois contra bens jurídico-pessoais, sendo designadamente um de tráfico de estupefacientes, um de violência doméstica e um de ofensa à integridade física grave; a ausência de factos objetivos demonstrativos de arrependimento, de interiorização do desvalor das condutas ou de reparação do mal causado; a falta de capacidade do arguido, no passado, para manter conduta lícita e socialmente responsável; o carácter violento e a trajetória de vida familiar instável e conturbada. Em abono do arguido descortinam-se: a modesta situação socioeconómica; o baixo grau de escolaridade; a inserção familiar; o tempo decorrido desde a última condenação criminal que lhe foi imposta. Em face do exposto, tudo visto e ponderado, afigura-se-nos adequado aplicar ao arguido a pena de 6 meses de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física e as penas de 3 meses por cada um dos dois crimes de ameaça. Estando-se perante um concurso efetivo de crimes, é momento de proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, nos termos dos arts. 30º, n.º 1 e 77º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal. Os crimes em causa nestes autos estão correlacionados, em termos de natureza e de contexto da respetiva prática. O cometimento de tais ilícitos, no quadro da vida do arguido, em que se regista já a prática de outros delitos, revelam uma personalidade imponderada, com tendência agressiva, com propensão para comportamentos anormativos e permeável a ímpetos criminosos. Numa moldura que oscila entre os 6 (seis) meses e 1 (um) ano de prisão, atenta a ligação entre os crimes e a personalidade e condutas do arguido, documentadas nos factos levados a cabo nestes autos, é justa e adequada a pena única de 8 (oito) meses de prisão. Face à ausência de um critério estabelecido na lei na ponderação e fixação de uma pena de substituição, o tribunal deve aplicar a que melhor realize as finalidades da punição (cfr. artigo 40º, n.º 1 do Código Penal), dando preferência a uma pena substitutiva não privativa da liberdade, considerando nomeadamente as circunstâncias da prevenção especial de ressocialização Contudo, a salvaguarda das necessidades de prevenção geral, inerentes a crimes da natureza dos que foram perpetrados e as fortes necessidades de prevenção especial, inviabilizam a substituição da pena de prisão por multa ou por trabalho a favor da comunidade (arts. 45º e 58º do Código Penal). Relativamente à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, ora imposta, cabe trazer à colação o art. 50º do Código Penal. Deve, nos termos de tal normativo, ser decretada a suspensão “se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior e às circunstâncias deste” se puder concluir que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Faz-se vincar que a premência das finalidades de prevenção especial inviabiliza a suspensão da execução da pena de prisão. O arguido, pessoa de apena 33 anos de idade, tem revelado dificuldade pessoal para conduzir a sua vida de forma responsável e de acordo com os padrões legais comunitariamente vigentes. Praticou, note-se, os presentes crimes depois de, no passado, já lhe terem sido impostas 5 condenações criminais, 3 delas em penas de prisão suspensa. A suspensão da pena de prisão não teve, portanto, o efeito dissuasor com a consistência desejada para o arredar de vez da prática de novos crimes. O arguido não repensou ainda adequadamente as suas condutas, não interiorizou suficientemente o desvalor dos seus atos, nem amadureceu cabalmente o significado de anteriores condenações, revelando ainda fragilidade perante o ímpeto criminoso. Em tal circunstancialismo, a suspensão da pena de prisão não permitiria a necessária afirmação da validade da norma violada perante a comunidade. Não permitiria, por outras palavras, salvaguardar as necessidades de prevenção geral que os crimes perpetrados convocam. A suspensão da execução da pena de prisão, por outro lado, não se prefigura como suficiente e bastante para arredar consistentemente o arguido da prática futura de novos crimes. Não é, portanto, possível formular um juízo de prognose favorável, de modo a que se possa dizer que a ameaça de prisão é suficiente e bastante para demover consistentemente o arguido do cometimento de novos crimes. Em suma: não é viável a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA. Posto isto, resulta do n.º 1 do art. 43º do Código Penal que sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação. O pressuposto material de aplicação desta pena de substituição é o da sua adequação às finalidades da punição. A escolha desta pena de substituição, como de qualquer outra, é determinada unicamente por considerações de natureza preventiva, quer de prevenção geral, quer especial. No caso vertente, considerando a pena concreta aplicada ao arguido, que deu o seu consentimento ao regime de utilização da vigilância eletrónica e que reúne as condições logísticas necessárias à vigilância eletrónica, mostram-se reunidos os requisitos formais desta pena substitutiva.[30] Perspetiva-se, ainda, que a mesma permitirá acautelar as finalidades da punição, uma vez que tal modo de execução da pena detentiva é suficientemente enérgica para a afirmação da validade da norma violada perante a comunidade, não carecendo do recurso a estabelecimento penitenciário, que muitas vezes gera efeitos nefastos, nomeadamente de índole criminógena. Ademais, no contexto dos autos, a pena substitutiva é suficientemente gravosa para vincar perante o arguido a gravidade das suas condutas e para lhe dar o ensejo de repensar as suas condutas futuras e, desse modo, se apartar da prática de novos crimes. A execução da pena em regime de permanência da habitação é um modo privilegiado de o arguido assumir e consolidar o processo de ressocialização, sem os efeitos nefastos da reclusão penitenciária. Os serviços de reinserção social elaborarão plano de reinserção social, que planificará as atividades e programas visando a preparação do arguido para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art. 20º, n.º 2 da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro). Tendo em vista a reintegração responsável do arguido na comunidade e a não privação do mesmo dos rendimentos do trabalho e granjear a sua subsistência, desde já se autoriza o mesmo a ausentar-se do local da vigilância eletrónica para efeitos de exercício da atividade profissional entre as 08.30 e as 20.30 horas, de segunda-feira a sábado, inclusive. A autorização para a ausência leva em linha de conta o horário da atividade profissional do arguido, acautelando-se o tempo necessário para as deslocações. Em síntese, arguido AA é imposta a pena única de 8 meses de prisão, mas determina-se que tal pena seja executado em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, podendo ausentar-se nos termos vindo expor do local da vigilância eletrónica para o exercício da atividade profissional.» Relativamente à questão da fundamentação da decisão respeitante à escolha e medida concreta da pena, e tendo presente o já referido a este propósito, há que concluir que o segmento decisório em questão condensa, à luz da descrição exigida pelo art. 374.º, n.º 2, do CPPenal, as razões das opções legais e de sentido e valor levadas a cabo pelo Tribunal a quo, sendo perfeitamente perceptíveis e estando justificadas as opções efectuadas. O recorrente espraia-se em considerações genéricas e citações quanto ao dever de fundamentação, mas também não concretiza o que deixou de perceber por falta de melhor explicitação da motivação por parte do Tribunal a quo. Em suma, compulsada a sentença recorrida nela não se detecta ao nível da respectiva fundamentação da pena violação de qualquer regra constitucional ou processual penal, nenhuma censura respeitante ao formalismo da fundamentação merecendo este segmento da decisão. Por outro lado, em termos de mérito, percorrendo a argumentação do Tribunal a quo, não detectamos qualquer falha ou omissão na apreciação das questões que importava que fossem abordadas ou qualquer erro de direito, nem encontramos razões para divergir da solução encontrada quer quanto às penas parcelares quer quanto à pena única. O recorrente, ele sim, recheia o seu recurso de considerações genéricas, sem apontar verdadeiros erros de direito, e, uma vez mais, volta a misturar questões da avaliação da prova, há muito encerradas, com as opções realizadas ao nível da escolha e determinação, também aqui, apesar da irrelevância da argumentação, sem concretizar em que medida essas imputações influenciam as penas. O recorrente, ao afirmar que o Tribunal a quo apenas fez concorrer a seu favor os factos descritos nos pontos 43 a 49 da matéria de facto provada, não só está a omitir outros argumentos ali inscritos, como também não discorre sobre o erro efectivamente cometido. Por outro lado, argumenta que o Tribunal a quo fez concorrer contra si a circunstância de negar os factos, e «nada é dito relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes ou os fins ou motivos que os determinaram; quanto á conduta posterior aos factos ou sobre a falta de preparação do Recorrente para manter uma conduta lícita», afirmações que se mostram incorrectas, como se comprova da leitura do excerto supratranscrito. Acresce que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «[e]m matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[31] No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[32] que: «I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.» Esta jurisprudência reflecte a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada, o que claramente não ocorreu no caso dos autos. Com efeito, mostra-se perfeitamente justificada a opção pela aplicação de penas de prisão, atenta a personalidade do arguido e as condenações inscritas no seu registo criminal, também por crimes de idêntica natureza, e não pode considerar-se excessiva a fixação de penas parcelares, atenta a gravidade dos factos e todos os demais factores a que se faz menção na decisão recorrida, no primeiro quarto da moldura penal abstracta aplicável a cada um dos crimes ou da pena única em função da soma da pena parcelar mais elevada – o mínimo legal – ao resultado da compressão a um terço da soma das restantes penas. Assim, porque nas operações realizadas para determinação da medida concreta da pena não se detecta qualquer desconformidade com a lei ou desproporcionalidade na sua fixação, nada se impõe alterar. Por fim, no que concerne à não suspensão da execução da pena única de prisão, mostra-se sobejamente justificada a decisão do Tribunal a quo em face dos antecedentes criminais do arguido e a aplicação anterior da solução pela qual pugna agora o recorrente, mas que não foi impeditiva da prática de novos crimes. Nenhuma alteração se impõe, por isso, realizar nesta sede. * Resta analisar a questão dos pedidos de indemnização civil, que, à semelhança de outras questões colocadas, vem impugnada de forma genérica e não fundamentada.De acordo com o disposto no art. 400.º, n.º 2, do CPPenal, «o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.» Sendo o valor da alçada dos tribunais de 1.ª Instância de € 5000 (cinco mil euros), nos termos do art. 44.º, n.º 1, da Lei 62/2013, de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), impõe-se concluir, face ao que dispõe o citado preceito, que o recurso do acórdão na parte relativa aos mencionados pedidos de indemnização civil é inadmissível, posto que os pedidos, julgados totalmente procedentes, são no valor de € 2000 (dois mil euros) e de € 85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimos). Tal não significa que o Tribunal de recurso não possa, ainda aqui, verificar de vícios de conhecimento oficioso. Ora, o demandante BB deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido e demandado civil AA, aqui recorrente, peticionado a condenação deste no pagamento da quantia total de € 2000, acrescida de juros, sendo € 1000 pela prática de um crime de ofensa à integridade física e € 1000 pela prática de um crime de ameaça agravado. O pedido foi julgado totalmente procedente e o demandado condenado a pagar ao demandante «a quantia de € 2 000 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, à(s) taxa(s) legal(ais) supletiva para as obrigações civis que vigorarem, presentemente à taxa de 4% ao ano, desde a data da notificação do demandado/arguido para contestar o correspondente pedido civil até efetivo e integral pagamento.» Ora, a decisão recorrida apenas permite sustentar o pedido de indemnização suportado na prática de um crime de ofensa à integridade física, mas já não na prática de um crime de ameaça agravado contra o demandante civil, que não se mostra reconhecido, ocorrendo neste segmento o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – 410.º, n.º 2, al. a), do CPPenal –, no caso susceptível de reparação através da redução do valor do montante indemnizatório arbitrado para metade, correspondente ao valor peticionado com fundamento na prática do crime de ofensa à integridade física. Em suma, improcede na totalidade o recurso apresentado pelo recorrente AA, sem prejuízo da rectificação oficiosa do valor do pedido de indemnização deduzido por BB pelas razões indicadas. * III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em: a) - Reconhecer, oficiosamente, verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPPenal) quanto à condenação no pedido de indemnização civil deduzido por BB e, em consequência, rectificar o ponto V. do dispositivo que passará a ter a seguinte redacção: «V. Condenar o demandado/arguido AA a pagar ao demandante BB a quantia de € 1 000 (mil euros), acrescida de juros de mora, à(s) taxa(s) legal(ais) supletiva para as obrigações civis que vigorarem, presentemente à taxa de 4% ao ano, desde a data da notificação do demandado/arguido para contestar o correspondente pedido civil até efetivo e integral pagamento, decaindo o demais pedido.» b) - Negar total provimento ao recurso, rejeitando-se o mesmo no segmento da impugnação ampla da matéria de facto e dos pedidos de indemnização civil e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, sem prejuízo da rectificação enunciada em a). Custas pelo recorrente, fixando-se em 5,5 UC a taxa de justiça devida (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Porto, 12 de Julho de 2023 (Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página) Maria Joana Grácio Paulo Costa Nuno Pires Salpico ________________________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção. [2] A legalidade dos meios de prova, as regras da sua produção e as «proibições de prova», são condições de validade processual da prova e por isso, critérios da verdade material (J. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª ed., 1974, reimpressão, p. 197). [3] Cfr. J. A. Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., p. 428. Com efeito, “a força dos meios de prova não pode ser corretamente aferida a priori, com o carácter de generalidade próprio dos critérios legais, mas só o devem ser com especial atenção às circunstâncias do caso” (J. de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, policop., p. 137). [4] J. de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, policop., p. 140. [5] Cfr. J. de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, policop., p. 158. Afirma, ainda, este autor, na página 160, que só “estes princípios permitem o contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso”. [6] Ac. do TRL de 01/10/2008, disponível em http://www.dgsi.pt. [7] Realce da relatora. [8] Realce da relatora. [9] Segundo o qual os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador. [10] Relatado por Gabriel Catarino no âmbito do Proc. n.º 115/03.3TBCCH.E1.S1, de natureza cível, acessível in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do TRL de 09-11-2022, relatado por Isabel Ferreira de Catsro no âmbito do Proc. n.º 62/17.1PKLSB.L1-3, acessível in www.dgsi.pt. [11] Relatado por Nuno Pires Salpico no âmbito do Proc. n.º 271/17.3PDVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt. [12] Cf. acórdão do STJ de 19-11-1997, relatado por Martins Ramires no âmbito do Proc. n.º 97P290, acessível in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre outros, acórdãos do TRC de 05-11-2008, relatado por Vasques Osório no âmbito do Proc. n.º 120/06.8TAVLF.C1, TRE de 18-03-2010, relatado por António João Latas no âmbito do Proc. n.º 116/05.7TAELV.E1, do STJ de 24-03-2011, relatado por Pires da Graça no âmbito do Proc. n.º 520/00.7TBABT-B.S1, do TRP de 09-01-2013, relatado por Maria dos Prazeres Silva no âmbito do Proc. n.º 220/08.0GEETR.P1, do TRE de 16-02-2016, relatado por Proença da Costa no âmbito do Proc. n.º 3/14.8GAMRA.E1, do TRG de 25-09-2017, relatado por Jorge Bispo no âmbito do Proc. n.º 727/16.5PBGMR.G1 e do TRL de 07-02-2019, relatado por Carmo Ferreira no âmbito do Proc. n.º 98/18.5PLSNT.L1-9. [13] Relatados, respectivamente, por Vítor Nunes de Almeida e Vítor Gomes e acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt. [14] Relatado por Pires da Graça no âmbito do Proc. n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1, acessível in www.stj.pt. [15] Proc. n.º 772/10.4PCLRS.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos). [16] Acessível in www.dgsi.pt, aí se concluindo que «Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4, do artigo 412.º do C. Proc. Penal, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, nos termos do n.º 3, do art.º 417º, do mesmo Código, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.» [17] Acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos), aí se perfilhando o entendimento de que «VIII - O convite ao aperfeiçoamento pressupõe que não se esteja perante uma deficiência substancial da própria motivação, que necessariamente se reflectirá em deficiência substancial das conclusões. IX - Não se estando perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões mas perante deficiências substanciais da própria motivação, o princípio constitucional do direito ao recurso em matéria penal não implica que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto.» [18] Também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 685/2020, de 26-11, proferiu decisão em que julgou «inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento da impugnação daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência». [19] Cfr. Ac. do STJ de 14/04/1983, BMJ n.º 326, p. 322; Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, p. 211 e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, p. 322 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 136. [20] Cfr. M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, 2ª ed., p. 649. [21] Cfr. Ac. do TRL de 27/02/2008, disponível em http://www.dgsi.pt. [22] Cfr. Ana Maria Barata de Brito, O crime de violência doméstica: notas sobre a prática judiciária, p. 11. [23] 12 Cfr. Ac. do TRE de 11/07/2019, proc. n.º 627/17.1GDSTB.E1, disponível em dgsi.pt. [24] Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, direção de J. Figueiredo Dias, tomo I, p. 205. [25] Relatado por Armindo Monteiro no âmbito do Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt. [26] Cfr. Ac. do TRE de 20/09/1988, BMJ, n.º 279, p. 664. [27] Ac. do TRE de 17/03/2015, proc. 21/12.0GTBJA.E1, disponível em http://www.dgsi.pt. [28] Cfr. Ac. do TRG de 26/06/2011, disponível em http://www.dgsi.pt. [29] J. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 110 e 111, Anabela Rodrigues, Sistema Punitivo Português, in Sub Judice, 1996, Caderno 11, p. 11 e segs., O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in RPCC, 12, n.º 2, 2002, p. 147 e segs. e Ac. do TRC de 09/11/983, in CJ, t. 5, pág. 73. [30] Cfr. art. 80º, n.º 1 do C. Penal: “A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”. [31] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt. [32] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt. |