Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2024121120042/20.9T8PRT-E.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Tendo sido formulado nos articulados pedido de condenação por litigância de má- fé deve o mesmo ser conhecido na sentença sob pena de nulidade da mesma por omissão de pronúncia sobre questão que devia ser apreciada. II - Ocorrendo impossibilidade de cumprimento da prestação de facto a que estava obrigado o executado, dela não decorre extinção por impossibilidade superveniente da ação executiva para prestação de facto, que se converte em execução para pagamento de quantia certa, nos termos do artigo 869.º do Código de Processo Civil. III - Apenas quando a impossibilidade da prestação tenha causa imputável ao devedor o mesmo se tornará responsável perante o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. (Da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo número 20042/20.9T8PRT-E. P1, Juízo de Execução do Porto, Juiz 6. Recorrente: A... - Unipessoal, Lda. Recorrida: B... – Administração de Condomínios, Unipessoal, Lda.
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeira adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida Segundo adjunto: José Eusébio Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: * II - O recurso: É desta sentença que recorre a Embargante arguindo a nulidade da sentença, pretendendo que se julguem provados os factos que entende decorrerem da prova documental junta aos autos, com a consequente declaração de procedência dos embargos por impossibilidade de cumprimento da obrigação de prestação de facto objeto da execução e defendendo a extinção, por impossibilidade, dessa lide. Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: “1- A omissão pelo tribunal a quo, quer dos factos alegados pela parte quer da prova documental, constitui um caso típico de omissão de pronúncia da decisão recorrida previsto no art.615, nº1, al. d), 1ªparte do CPC, produzindo a nulidade da sentença recorrida. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 2- A inexistente fundamentação de facto quer quanto aos factos provados espelha a falta de ponderação por parte do julgador do tribunal de 1ª Instância, pelo que, atenta a deficiência ocorrida deverá a decisão recorrida ser alterada. DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 3 – Foi dado como provado, respectivamente, no ponto 3 dos Factos Assentes, que a embargante/executada não encetou junto da locadora as diligências necessárias para que esta permita a cessão contratual, designadamente proceder ao preenchimento e assinatura dos formulários indicados pela locadora e instruí-los com todos os documentos por esta solicitados no prazo de 10 dias que lhe foi fixado no apenso A.” 4- Contudo, já antes da dedução dos embargos, bem como, com a dedução dos presentes embargos, a Recorrente fez juntar aos autos inúmera prova documental onde resulta provado precisamente o oposto do vertido no Ponto 3. 5- Por conseguinte, deve ser dado como não provada a matéria de facto constante do ponto 3 dos Factos Assentes. 6- Deve ser dado como provado, atendendo à prova documental junta aos autos, que por carta datada de 22 de Fevereiro de 2023, a Recorrente interpelou a Recorrida, solicitando que fosse efectuada a cessão da posição contratual. 7- Deve ser dado como provado, atenta a prova documental junta aos autos, que por carta datada de 7 de Março, a Recorrida exigia o pagamento do valor de 57 455,81, após o qual aceitava ceder a titularidade do veículo automóvel. 8- Deve ser dado provado, atenta a prova documental junta aos autos, que Recorrida, em sede de contestação de embargos, peticiona apenas o valor de 24 290,37€. 9- Deve ser dado provado, atenta a prova documental junta aos autos, que a Recorrente, no período que decorreu entre a celebração da transacção judicial e a prolação do douto acórdão de 16 de Janeiro de 2023, por diversas vezes interpelou o C..., visando o cumprimento da transacção judicial, ou seja, que a locadora permitisse a cessão contratual. 10- Deve ser dado provado, atenta a prova documental junta aos autos, que a Recorrente, tentou proceder ao pagamento dos valores em dívida junto da locadora C..., numa única prestação, mas porque a Exequente/Embargada/Recorrida nunca tinha comunicado à locadora, como era sua obrigação contratual, a transacção judicial, o C... emitia os documentos necessários ao pagamento apenas e tão só em nome da Exequente/embargada. 11- Deve ser dado como provado, atenta a prova documental junta aos autos, que a cessão da posição contratual, só seria possível, se a exequente/Embargada/Recorrida tivesse previamente solicitado e obtido autorização do C... para esse efeito, o que efectivamente nunca aconteceu, ou seja, quando a exequente/Recorrida celebrou a transação judicial, isto em 9 de Janeiro de 2020, agora dada à execução, não tinha solicitado nem obtido autorização do C... para proceder à cessão contratual. DO DIREITO 12- A impossibilidade legal decorre do facto de já não existir contrato de locação financeira. 13- A lide torna-se impossível, porque a inexistência de contrato de locação, inviabiliza o pedido formulado na acção executiva para prestação de facto. 14- A inexistência actual do contrato de locação financeira ocorre após a prolação do Acórdão da Relação do Porto proferido em Janeiro de 2023 no âmbito do apenso A. 14- A douta decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado no art.729, al.g) do Código Processo Civil.” * A Embargada contra-alegou sustentando que deve ser sanada a nulidade decorrente da não indicação pelo Tribunal a quo da motivação da matéria de facto e pugnando pela confirmação da sentença, por entender que a Recorrente não alegou nestes embargos quaisquer factos posteriores à sua citação que não tenham sido já conhecidos no âmbito dos que correram termos sob o apenso A. Formulou as seguintes conclusões: “1. Certamente por lapso, o Tribunal a quo não verteu na sentença a motivação da decisão da matéria de facto, vício que pode (e deve) corrigir oficiosamente antes da subida do recurso; 2. O Tribunal a quo seleccionou toda a matéria de facto alegada pelas partes relevante para a apreciação da única questão suscitada: se ocorre a inutilidade superveniente da lide; 3. Atendendo ao teor da transacção judicial, às obrigações aí assumidas, aos 84 documentos juntos na contestação, e ao caso julgado formado pelas decisões proferida nos apensos A, B e C, não ocorre erro na apreciação da matéria de facto, que assim deve manter-se inalterada; 4. Porque o contrato de locação financeira “caducou” e a propriedade do veículo reverteu a favor da Embargada, torna-se agora impossível a Embargante “diligenciar junto da locadora para que esta permita a cessão contratual”; 5. Porém, a Embargante também se obrigou a assumir “as obrigações do pagamento das rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato”, sendo que o cumprimento dessa obrigação é ainda possível, bastando que a Embargante pague à Embargada as rendas, seguros e demais despesas referentes ao contrato, que actualmente se liquidam em €24.290,37; 6. Ainda, dispõe o artigo.º 801.º, n.º 1 do Código Civil que tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este o responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação; 7. Por seu turno, dispõe o artigo.º 868.º, n.º 1 do ARTIGO que se alguém estiver obrigado a prestar um facto em certo prazo e não cumprir, o credor pode requerer a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; 8. Ora, no caso dos autos, a Embargada requereu a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação logo em sede de requerimento executivo, liquidando o prejuízo sofrido até àquele momento; 9. E posteriormente actualizou e liquidou esse montante indemnizatório, através do requerimento formulado nos autos principais em 25/05/2023; 10. Donde, também por este motivo não ocorre a inutilidade superveniente da lide”. * O recurso foi admitido por despacho de 24-10-2024 sem que tenha havido pronúncia sobre as alegadas nulidades da sentença. * III – Questões a resolver: Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, e da pretensão da Recorrida de que este Tribunal sane nulidade que aponta à sentença, são as seguintes as questões a decidir: 1 – Se a sentença é nula e, nesse caso, se pode ser sanada essa nulidade; 2 – Se podia ter sido preferida decisão de mérito em face dos factos alegados e dos julgados assentes; em caso afirmativo, 3 – Se deve ser julgado não provado o facto sob a alínea 3 dos factos assentes e se devem ser aditados aos factos provados os seguintes: · Por carta datada de 22 de fevereiro de 2023, a Executada interpelou a Exequente solicitando que fosse efetuada a cessão da posição contratual; · Por carta datada de 7 de Artigo, a Exequente exigia o pagamento do valor de 57 455,81, após o qual aceitava ceder a titularidade do veículo automóvel; · A Exequente em sede de contestação de embargos, peticiona apenas o valor de24 290,37€; · A Executada no período que decorreu entre a celebração da transação judicial e a prolação do douto acórdão de 16 de Artigo de 2023, por diversas vezes interpelou o C..., visando o cumprimento da transação judicial, ou seja, que a locadora permitisse a cessão contratual; · A Executada tentou proceder ao pagamento dos valores em dívida junto da locadora C..., numa única prestação, mas porque a Exequente nunca tinha comunicado à locadora, como era sua obrigação contratual, a transação judicial, o C... emitia os documentos necessários ao pagamento apenas e artigo em nome da Exequente/embargada. · A cessão da posição contratual só seria possível se a exequente/Embargada/Recorrida tivesse previamente solicitado e obtido autorização do C... para esse efeito, o que efetivamente nunca aconteceu; · Quando a Exequente celebrou a transação judicial em 9 de Artigo de 2020 dada à execução não tinha solicitado nem obtido autorização do C... para proceder à cessão contratual. 4 – Se ocorre impossibilidade superveniente da instância executiva; 5 – Se a sentença deve ser revogada em consequência da alteração do elenco dos factos provados, julgando-se procedentes os embargos e extinta a execução. IV – Fundamentação: Foram os seguintes os factos selecionados pelo Tribunal a quo como relevantes para a decisão da causa: 1. Nos autos de procedimento cautelar (ARTIGO 2013) n.º 1011/19.8T8VCD, que correram termos pelo Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim (Juiz 1), foi proferida sentença datada de 09/01/2020, já transitada em julgado, que homologou a transacção judicial celebrada entre Exequente, a Executada e AA. 2. Nessa transacção, na parte relevante, foi determinado: «1. A requerente aceita ceder a posição contratual no contrato de locação financeira a que se refere o doc. 1 da petição inicial a favor da 1.ª requerida que a partir da presente data assume a posição de locatária do aludido contrato com as obrigações do pagamento das rendas, seguros e demais referentes ao mesmo contrato. 2. Para o efeito a 1.ª requerida (ora executada) diligenciará junto da locadora para que esta permita a cessão contratual obrigando-se a 1.ª requerente (ora exequente) a assinar toda a documentação que seja necessária para esse efeito.”». 3. A embargante/executada não encetou junto da locadora as diligências necessárias para que esta permita a cessão contratual, designadamente proceder ao preenchimento e assinatura dos formulários indicados pela locadora e instruí-los com todos os documentos por esta solicitados no prazo de 10 dias que lhe foi fixado no apenso A. 4. A Embargada/exequente continuou a pagar as prestações do contrato de locação financeira. 5. Por virtude do pagamento pontual daquelas prestações pela embargada, o contrato de locação financeira terminou e a titularidade do veículo reverteu a favor da Embargada/exequente. 6. Porque o contrato de locação financeira “caducou” e a propriedade do veículo reverteu a favor da Embargada/exequente, o que foi levado ao registo automóvel em 30/10/2023, torna-se agora impossível a Embargante “diligenciar junto da locadora para que esta permita a cessão contratual”. 7. A executada foi citada «nos termos e para os efeitos do artigo 874.º do Código Processo Civil» em 17/12/2020.”. * São ainda relevantes os factos resultantes do histórico processual sumariado no relatório e que resultam certificados pelo sistema informático citius. * 1- Das arguidas nulidades da sentença: A Recorrente sustenta que a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, número 1 d) do Código de Processo Civil porque o Tribunal não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, nomeadamente quanto à litigância de má-fé da Embargada, seu mandatário e da agente de execução e porque não se pronunciou quanto aos factos por si alegados e ocorridos após a citação para a execução. O artigo 615.º, número1 d) do Código de Processo Civil, que o Apelante convoca, prevê que ocorre nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Com tal estatuição, na sequência do previsto no artigo 608.º do Código de Processo Civil pretende referir-se o legislador à discussão e análise jurídica, em sede de fundamentação de direito da respetiva peça processual, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que caiba ao juiz conhecer oficiosamente[2]. Ora, a fundamentação da sentença recorrida tem o seguinte teor quanto à alegada litigância de má-fé: “Quanto à litigância de má-fé, não resultou provada nenhuma factualidade relevante, mas apenas divergências jurídicas, que estão longe de justificar a aplicação de qualquer sanção. Ainda assim não se afigura que a factualidade provada bastante para que se possa considerar suficientemente preenchidos os pressupostos previstos no art. 542º do Código de Processo Civil. Os pressupostos da litigância de má-fé encontram-se regulados no art. 542º do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho), podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjectiva e os que assume natureza objectiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas. A responsabilidade por litigância de má-fé está sempre associada à verificação de um puro ilícito processual. Daqui resulta que os danos referidos no art. 543º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) só podem ser assim os resultados desse ilícito processual, não os resultantes de ofensa de posições jurídicas substantivas que o litigante de má fé possa igualmente dar lugar com o seu comportamento (neste sentido, Pedro de Albuquerque, in A Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil Em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, pág. 54 ). Nos termos do art. 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Por outro lado, dispõe o n.º 2, als. a) e b), do mesmo artigo, que diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos. No caso vertente, o tribunal entende que não se provou que os factos principais alegados por qualquer das partes fossem ostensivamente inverídicos, antes resultando apenas de uma divergência quanto às normas legais aplicáveis e sua interpretação.” A final há uma expressa pronúncia sobre tal pedido constando da decisão o seguinte: “Absolvo a embargada/exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé”. Certo é que a Embargante tinha alegado a litigância de má-fé da Embargada e também a do seu mandatário e da agente de execução e que a sentença não se pronunciou sobre tal pedido e respetivos fundamentos. Se é manifesto concluir do teor dos artigos 542.º a 545.º do Código de Processo Civil que a condenação como litigante de má-fé apenas podia ser decidida pelo Tribunal quanto à parte e que apenas poderia, quanto ao seu advogado, ser apenas dado cumprimento ao previsto no artigo 545.º do Código de Processo Civil, também não há dúvidas de que tendo sido requerida tal condenação contra o mandatário e a agente de execução, tinha o Tribunal que se ter pronunciado sobre a mesma, o que não fez. Pelo que nessa parte ocorre, de facto nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre uma concreta questão que foi objeto de pedido e não foi decidida[3]. * Quanto à falta de consideração dos factos que a Embargante ora quer ver aditados, a sua não referência na sentença recorrida decorre claramente do facto de o Tribunal ter entendido que os mesmos não relevavam para a decisão. Sobre a possibilidade de conhecer imediatamente do mérito sem produção de prova foram as partes ouvidas em audiência prévia, tendo aceitado que a mesma era de dispensar. O Tribunal proferiu, de seguida, saneador-sentença tendo considerado que os factos alegados pela Embargante não serviam de fundamento bastante à procedência da sua pretensão com base na seguinte fundamentação: “(…) como a executada foi citada «nos termos e para os efeitos do art.874.º do Código Processo Civil» em 17/12/2020 e o título executivo é uma sentença homologatória de transação, pode invocar os meios de defesa ocorridos após aquela data que sejam admitidos pelo art. 729º do Código de Processo Civil. De entre esses apenas se poderia cogitar a aplicação da al. g), ou seja, “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio”; Afigura-se, não obstante, que a embargante olvida que a questão da possibilidade ou impossibilidade do cumprimento já foi apreciada nos anteriores embargos, tendo sido aliás nessa parte que o Tribunal da Relação alterou a decisão proferida por este Tribunal, na sequência do recurso também interposto pela embargada/exequente. Resta assim apenas saber se depois da citação prevista no art.º 874.º e até ao termo do prazo fixado no apenso A ocorreu a invocada impossibilidade, e se essa é meio de defesa. Perante uma situação em que uma obrigação já não pode ser cumprida, ou o credor perdeu objectivamente o interesse na mesma – artigos 790º e 808º do Código Civil – como é o caso dos autos, e a própria exequente o reconhece, pois a Exequente já não pretende a prestação de qualquer facto, mas ao invés ser reembolsada do montante que alega ter despendido com o incumprimento da prestação. O art. 801º do Código Civil dispõe que (…) Ora a prestação de facto - a cessão da posição contratual - só deixou de ser possível com o termo do contrato e a consequente aquisição, pela embargante, do veículo automóvel, muito depois de findo o prazo fixado para a mesma. E porque motivo se tornou impossível? Porque até lá, até ao natural termo do contrato, a embargante nunca cedeu a sua posição contratual. Note-se que a embargante não alega um único facto posterior à sua citação e que não tenha sido apreciado no apenso A, maxime na decisão da Relação, que pudesse afastar esta presunção de culpa – facto esse que teria que alegar e provar. (…) Até ao momento a embargante continua sem alegar que preencheu e entregou o formulário instruído com os documentos e continua a insistir na questão da autorização que, como se vê, já foi apreciada, estando pois esta questão totalmente coberta pelo caso julgado formado por aquela decisão. O que tudo leva à total procedência dos embargos, tornando-se assim totalmente desnecessária a apreciação das demais questões suscitadas.”. É manifesto que o Tribunal não tomou em conta factos alegados pela Embargante não se pronunciando sobre eles em termos de os julgar provados ou não provados. Todavia, tal não decorreu de omissão de pronúncia, mas do entendimento de que tais factos já tinham sido antes apreciados e/ou não constituíam fundamento admissível para a procedência dos embargos. A discordância do Apelante sustenta-se exatamente na afirmação de que alegou factos posteriores à sua citação que deveriam ter sido considerados por relevarem para a procedência dos embargos. Como sumariado em Acórdão desta secção de 13-07-2022[4] “ I - A suficiência dos elementos para proferir decisão antecipada de mérito não constitui propriamente uma questão a decidir, tal como previsto no artigo 608º do Código de Processo Civil, mas antes uma exigência legal de ordem adjetiva para que possa ser proferida decisão antecipada de mérito, exigência que terá que ser apreciada pelo julgador tendo em conta as diversas soluções plausíveis das questões decidendas. III - Sendo proferida decisão de mérito na fase do despacho saneador e criticando-se esse conhecimento antecipado do mérito da causa sem produção de prova pessoal, compete ao recorrente evidenciar a existência de um outro enquadramento jurídico plausível além do adotado pelo tribunal a quo e para o qual era necessária a realização da instrução da causa, com produção das provas pessoais por si oferecidas em sede de audiência final.”. De tudo o exposto resulta, como aliás acontece com indesejável frequência, que o Recorrente pretende sustentar a nulidade da sentença em motivações que se prendem com o seu mérito confundido invalidade da sentença com discordância em relação aos seus fundamentos. É inúmera a jurisprudência que contribui de forma positiva para a clarificação dessa distinção[5][6]. A sentença em apreço elenca os factos que considera provados e fundamenta juridicamente a decisão com indicação dos respetivos pressupostos e do direito que considerou aplicável. Pelo que improcede, nessa parte a pretendida declaração de nulidade da sentença. Questão diversa será a de aferir se o Tribunal a quo estava em condições de decidir do mérito dos embargos sem produção de prova, como fez, o que adiante será apreciado. * Também a Recorrida veio alegar estar verificada uma nulidade da sentença consistente na falta de motivação da matéria de facto. Duas notas se impõem para dar resposta tal pretensão da Recorrida: Em primeiro lugar deve assinalar-se que a arguição das nulidades da sentença deve ser feita ou perante o tribunal que proferiu a sentença, caso esta não admita recurso, ou em sede de recurso, no caso contrário. No primeiro caso o prazo para arguição das nulidades é o previsto nos artigos 199.º, número 1 e 149.º, número 1 do Código de Processo Civil, ou seja, de dez dias. A Recorrida não recorreu da sentença (e nem podia já que a mesma não lhe é desfavorável – cfr. artigo 631º, número 1 do Código de Processo Civil) e nem arguiu a suposta nulidade perante o Tribunal a quo no prazo de dez dias. Em segundo lugar é manifesto, face ao elenco taxativo previsto no artigo 615.º do Código de Processo Civil que a falta de motivação da decisão de facto não é causa de nulidade da sentença que, a ocorrer pode apenas dar lugar à aplicação do disposto no artigo 662º, número 2 d) do Código de Processo Civil: a remessa dos autos à primeira instância para fundamentar devidamente o facto ou factos que se reputem de essenciais à decisão. Pelo não deve ser dado acolhimento à pretensão da Recorrida. * Tendo sido julgada procedente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a duas das pretensões formuladas pela Recorrente (relativas à condenação como litigantes de má-fé do Mandatário da Exequente e da Agente de Execução) estaria este Tribunal em condições de conhecer dessas pretensões nos termos do artigo 665.º, número 1 do Código de Processo Civil, substituindo-se ao Tribunal a quo, se entendesse que autos reúnem já os elementos necessários a tal decisão. Todavia, pelas razões que infra se explanarão, a sentença proferida deve ser revogada com vista ao prosseguimento dos autos para apuramento de factos controvertidos alegados pela Embargante. Em face dessa revogação e uma vez que irá ser prolatada nova sentença na sequência da mesma, a decisão sobre a litigância da má-fé terá de ser proferida em função dos factos a apurar, altura em que o Tribunal a quo deverá pronunciar-se sobre a totalidade do pedido a esse respeito formulado. * 2. Cumpre, de seguida, apreciar da possibilidade de conhecimento do mérito dos Embargos em sede de saneamento, sem produção de prova, como foi feito, já que caso se conclua em sentido contrário, ficam prejudicadas as demais questões a apreciar. Prevê o artigo 595.º, número 1 b) do Código de Processo Civil que o despacho saneador se possa destinar ao conhecimento do mérito da causa sempre que o estado dos autos o permitir, sem necessidade de mais provas. Nesse caso, como previsto no número 3 do mesmo artigo, o mesmo tem valor de sentença. Estando controvertidos vários dos factos alegados na petição inicial de embargos – que a Ré impugnou –, a decisão recorrida assenta, contudo, na consideração de que esses factos, ainda que provados, não podem conduzir à procedência dos embargos quer porque, quanto a alguns, são anteriores à citação da Embargante e não podem, por isso, ser fundamento de embargos, quer, ainda, porque, outros, visavam sustentar um fundamento – a impossibilidade da prestação de facto pela Executada -, que já foi apreciada anteriormente estando a coberto de caso julgado. O artigo 732.º do Código de Processo Civil permite a rejeição liminar dos embargos de executado quando os respetivos fundamentos não se ajustem aos que a lei permite em função de cada título executivo e quando forem manifestamente improcedentes. No caso os embargos foram liminarmente admitidos tendo sido ordenada a notificação da Embargada para os contestar nos termos do artigo 732.º, número 2 ex vi artigo 875.º, número 2. É pacífico o entendimento de que “a decisão que, recebendo os embargos, determina o seu prosseguimento não impede a apreciação posterior das circunstâncias que não tenham sido liminarmente apreciadas, na sequência da contestação que seja apresentada”[7]. Foi o que sucedeu no caso em apreço, em que, tendo prosseguido os embargos, os mesmos vieram a ser julgados improcedentes por se ter entendido ora que os seus fundamentos não cabiam nas causas admissíveis de oposição à execução, ora que conduziam manifestamente à sua improcedência. Lebre de Freitas[8] apelida de “inconcludência jurídica” a “situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação”. Tal improcedência decorreu, no caso, de se ter considerado inadmissível a causa de pedir dos embargos em face dos limites previstos no artigo 875º, número 2 do Código de Processo Civil por a mesma já ter sido objeto de apreciação - tendo-se formado caso julgado quando a parte desses fundamentos - e porque se entendeu que não foram alegados factos posteriores à citação. Perante os factos alegados o Tribunal entendeu, em suma, que não tinham sido alegados novos factos admissíveis no âmbito da oposição permitida pelo artigo 875.º, número 2 do Código de Processo Civil. Ora, não é correta tal afirmação. Na verdade, tendo a Executada sido citada em 17-12-2020 a mesma alegou na petição inicial dos embargos que foram, entretanto, liquidadas todas as rendas devidas pelo contrato de locação no qual deveria ter havido cessão da posição contratual da locatária, que a propriedade do bem locado fora, em consequência, transmitido à locatária/Exequente e que, por isso, não podia já ocorrer a prestação do facto objeto de execução. Afirmou que o registo da referida transmissão de propriedade ocorreu em 30 de outubro de 2023 e que já depois da sua citação tentara junto da locadora a cessão da posição contratual o que lhe foi negado pela mesma por emails de 22 e de 30 de setembro de 2022 (muito posteriores à sua citação, portanto). Mais afirmou na petição inicial que já “após a prolação do acórdão de 16 de Janeiro de 2023, a Embargante interpelou a Exequente/ Embargada para que informasse o C... que a documentação da viatura supra identificada deveria ser enviada à Embargante, para assim a registar em seu nome, após pagamento dos valores em dívida” alegando que o fez por via de carta registada que juntou aos autos. Foram, assim, alegados factos posteriores à citação da Executada dos quais a mesma retira que a impossibilidade que veio a ocorrer da prestação do facto a que estava obrigada não decorreu de culpa sua. É certo que a Embargante pretende retirar dessas alegações a conclusão de que a instância executiva deve ser julgada extinta por impossibilidade superveniente, no que não tem razão. A mesma confunde a impossibilidade da prestação de facto – que imputa a inércia da Embargada/Exequente e que diz não decorrer de culpa sua (cfr. artigo 801.º do Código Civil) com a impossibilidade da lide (cfr. artigo 277.º e) do Código de Processo Civil). Pronunciando-se sobre os efeitos na instância executiva da impossibilidade de prestação de facto fungível (em raciocínio inteiramente aplicável à presente situação em que o facto a prestar tem natureza infungível) afirma-se em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2000 o seguinte: “A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo.” . Ora a execução para prestação de facto não se extingue no caso do mesmo não vir a ser prestado (por incumprimento ou por impossibilidade) antes se convertendo, nos termos do artigo 869.º do Código Civil (cuja epígrafe é “conversão da execução”) que remete para o artigo 867.º de que decorre que ao Exequente é, nesse caso, facultada a possibilidade de liquidar o seu prejuízo decorrente da não prestação. Foi o que fez a Exequente, que veio alegar que após o decurso do prazo de 10 dias fixado pelo Tribunal para a prestação a Executada continuava a não cumprir a mesma pelo que alegou, liquidando-os, os prejuízos decorrentes desse incumprimento. Ou seja, dando resposta à questão a decidir acima enunciada sob a alínea 4 (se ocorreu impossibilidade superveniente da execução), conclui-se que ocorrendo incumprimento/impossibilidade de cumprimento da obrigação de prestação de facto a execução não se extingue, convertendo-se em execução para pagamento de quantia certa, iniciando-se esta tramitação com o incidente de liquidação a que se seguem os demais termos do processo de execução. Nesse caso, como bem referido na sentença e recorrendo às palavras de Lebre de Freitas[9] substitui-se a “citação do devedor por notificação, apenas se admitindo oposição com fundamento (…) em facto posterior à citação inicial”. Tais factos, posteriores a citação, foram alegados - ao contrário do que é afirmado na sentença sob recurso -, e deles, uma vez provados, poderá resultar que o incumprimento/impossibilidade da prestação decorreu de facto não imputável à Embargante, o que terá reflexo na decisão sobre o direito da Embargada/Exequente ser indemnizada pela mora e pelos prejuízos decorrentes do alegado incumprimento. A sentença sob recurso conclui que a prestação de facto exequenda se tornou impossível porque “até ao natural termo do contrato a embargante nunca cedeu a sua posição processual”. Tal afirmação está correta, todavia, já não verdade que se possa afirmar a culpa da Embargante pela referida impossibilidade, já que a mesma alegou factos com vista a afastar a mesma. Ao contrário do afirmado na sentença não resulta dos factos provados que “a prestação de facto (…) só deixou de ser possível (…) muito depois de findo o prazo fixado para a mesma”. Não nos esqueçamos, contudo, que foi por decisão de 13-01-2023 que foi fixado à Executada um prazo de dez dias para a prestação do facto a que estava orbigada.
Ora, não resulta dos factos provados em que data ocorreu o pagamento da última prestação do contrato de locação levando à sua extinção por cumprimento e nem se apurou se depois de notificada para a prestação de facto em 10 dias – notificação que resultou do trânsito da decisão sumária do Tribunal da Relação do Porto de 13-01-2023 -, ou antes dessa notificação, mas após a citação da Embargante (em 17-12-2020) esta encetou, como alega, diligências tendentes à cessão da posição contratual. Caso se prove que assim sucedeu poderá concluir-se que a impossibilidade (ou o incumprimento) não foram culposos, ou, pelo menos, que o não foram a partir de certo momento em que a Apelante alegou ter procurado prestar o facto a que estava obrigada descrevendo as diligências feitas e as respetivas datas. Nos termos do artigo 801.º, número 1 do Código Civil, apenas quando a impossibilidade da prestação tenha causa imputável ao devedor o mesmo se tornará responsável perante o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. A Embargante alegou factos posteriores à citação tendentes a afastar a sua culpa pela extinção por impossibilidade da sua obrigação de prestação de facto, afirmando ter feito diligências com vista ao seu cumprimento em datas posteriores a tal citação. Podia, como reconhecido na sentença, a Embargante ter invocado factos posteriores à citação a que se refere o artigo 874.º número 1 do Código de Processo Civil com vista a opor-se ao pagamento da indemnização liquidada (ou de parte dela) desde que deles pudesse, em face das várias soluções plausíveis de direito, retirar-se a conclusão de que não causou com culpa os prejuízos que a Exequente liquidou ou, pelo menos, parte deles. Foi o que fez a Apelante e, como tal, deve ser permitida a oposição à execução que deduziu através de embargos, que devem prosseguir para apuramento dos factos, controvertidos[10], que alegou na petição inicial e que, ao contrário do que sustenta, não podem ter-se por assentes com base nos documentos particulares que juntou. Sem embargo de ser correta a afirmação de que parte dos factos alegados (e dos fundamentos dos embargos) já foram objeto de decisão, outros há que são posteriores à citação, e que devem ser apurados com vista a decidir do mérito da oposição à execução. Nestes termos, devem os autos prosseguir para fixação do objeto do litígio e dos temas da prova tidos por relevantes, seguindo os seus ulteriores termos para apuramento desses factos controvertidos em função das várias soluções plausíveis de direito.
V – Decisão: Julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e ordenando que os autos prossigam os seus termos com vista ao apuramento da matéria de facto relevante de acordo com as várias soluções plausíveis de direito. Custas pela Recorrida, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.
Porto, 11/12/2024 Ana Olívia Loureiro Fernanda Almeida José Eusébio Almeida
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